Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
324/14.0TELSB-DM.L1-5
Relator: FERNANDO VENTURA
Descritores: ASSISTENTE EM PROCESSO PENAL
CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE
OFENDIDO
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: TEXTO INTEGRAL
Sumário: - Na análise da questão sobre a legitimidade material do recorrente para se constituir assistente, que aderiu à acusação pública, releva decisivamente apenas o enunciado textual dessa peça, a qual define o objeto do processo.
- O instituto processual que concretiza o direito fundamental de participação do ofendido no processo penal – o estatuto do assistente –, concretização da garantia de acesso ao direito e a tutela jurisdicional, não colide nem afasta a natureza iniludivelmente pública do processo penal pelo que se compreende que o assistente assuma, no ordenamento vigente, essencialmente uma função de colaboração com o Ministério Público, contribuindo ativamente para a realização das respetivas atribuições de interesse público, mas a ele subordinado.
- Esse estatuto não se confunde com a condição e os poderes próprios do «lesado» - no sistema processual penal vigente, as noções de «lesado» e de «ofendido» são distintas.
- Atento o bem jurídico complexo protegido pelo crime de infidelidade, p. e p. pelo artigo 224.º, n.º 1 do CP, o sujeito afetado pela incriminação está concretizado em pessoa coletiva, que não se confunde na sua esfera de direitos e interesses com os seus acionistas, sendo, nos termos da acusação, visado pelos arguidos unicamente o prejuízo do património societário face ao que, independentemente de poderem existir danos reflexos, indiretos ou de segundo grau noutros sujeitos, relevantes em sede ressarcitória civil, certo é que, do ponto de vista jurídico-criminal, a relação teleológico-funcional pressuposta na incriminação da infidelidade, tal como factualmente delineada na acusação, não tem o recorrente como titular de interesse protegido.
- Se a imputação subjetiva formulada na acusação não inclui a vontade de prejudicar outra esfera patrimonial, para além da pertencente à pessoa colectiva, mormente os respetivos acionistas, a qual, aliás, como referido no do despacho do Ministério Público, deduziu queixa-crime- Na análise da questão sobre a legitimidade material do recorrente para se constituir assistente, que aderiu à acusação pública, releva decisivamente apenas o enunciado textual dessa peça, a qual define o objeto do processo.
- O instituto processual que concretiza o direito fundamental de participação do ofendido no processo penal – o estatuto do assistente –, concretização da garantia de acesso ao direito e a tutela jurisdicional, não colide nem afasta a natureza iniludivelmente pública do processo penal pelo que se compreende que o assistente assuma, no ordenamento vigente, essencialmente uma função de colaboração com o Ministério Público, contribuindo ativamente para a realização das respetivas atribuições de interesse público, mas a ele subordinado.
- Esse estatuto não se confunde com a condição e os poderes próprios do «lesado» - no sistema processual penal vigente, as noções de «lesado» e de «ofendido» são distintas. contra os decisores do investimento nas aludidas obrigações e moveu ação cível contra os mesmos, há que concluir que o recorrente não é titular de nenhum dos concretos interesses patrimoniais que a lei quis especialmente proteger com a incriminação de qualquer das condutas subjacentes à imputação neste processo de crimes de burla qualificada.
- Coisa diferente é saber se, enquanto lesado, é devida indemnização ao recorrente por danos patrimoniais indiretos ou reflexos e/ou por danos não patrimoniais, posição jurídica exercida no pedido cível aqui deduzido, em paralelo com a pretensão formulada em processo pendente junto de instância judicial brasileira, questão que não pode ser respondida no presente recurso.
- Nem no plano inicial do enunciado acusatório, citado no recurso, onde se delineia a fundação e atuação de uma associação criminosa, nem nos crimes executados em atuação da mesma, encontramos factos relativos a falsificações pertinentes à emissão de ações tituladas pelo recorrente, valendo também neste plano o que disse a propósito do crime de burla qualificada quanto à imputação subjetiva: nos termos da acusação, o prejuízo da esfera jurídica do recorrente, mormente da esfera patrimonial, não foi visado pelos agentes do crime de falsificação de documento.
- Não é, em abstrato, a natureza do crime que veda a constituição do recorrente como assistente, mas sim o concreto e específico leque de factos e decorrentes feixe de relações jurídicas enunciados pelo Ministério Público na acusação, a que o recorrente simplesmente aderiu, que não comporta – bem ou mal, não está aqui em discussão – a matéria invocada para legitimar a aquisição desse estatuto processual, o que significa que esse sujeito em concreto não é aqui afetado num direito ou posição jurídica inscrita no objeto do processo fixado na acusação pública e, correspondentemente, não é titular de um interesse qualificado na pretensão punitiva, idóneo a legitimar a sua participação no presente processo como assistente, com referência a tais crimes.
- Quanto ao crime de branqueamento de capitais, a motivação do recurso nem mesmo ensaia a demonstração da titularidade pelo recorrente de um interesse específico na incriminação constante do artigo 368.º-A do CP, que manifestamente não existe. A sua posição perante o interesse comunitário na realização da justiça, na vertente da perseguição e perda a favor do Estado das vantagens da prática do crime precedente, ou relativamente ao crime precedente e à estabilidade da ordem socioeconómica, não assume uma qualquer particularidade relativamente ao que sucede com as pessoas em geral.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
1. Nos autos com o n.º 324/14.0TELSB, o Ministério Publico proferiu, em 14 de julho de 2020, despacho de encerramento do inquérito, nos termos do qual, inter alia, (i) ordenou a extração de certidões para prosseguimento da investigação em inquéritos autónomos relativamente a um conjunto de sujeitos e matérias (capítulo identificado pela letra B, a fls. 47996 a 48007)); (ii) determinou o arquivamento dos autos relativamente a um dos arguidos, por falecimento do mesmo (Parte C, ponto 1, fls. 48008), na parte relativa a denúncias apresentadas por subscritores de valores mobiliários emitidos por empresas do grupo Espírito Santo (capítulo C, ponto 2, fls. 48008 a 48099), na parte relativa a crimes cuja investigação foi transmitida a Portugal pelo Grão-Ducado do Luxemburgo (capítulo C, ponto 3, a fls. 48099 a 48110) e quanto a outras matérias, de âmbito heterogéneo (Parte C, ponto 4, a fls. 48110 a  48199); e, por último, (iii) deduziu acusação contra os arguidos
 (…)
 aos quais imputa crimes de associação criminosa, de corrupção (ativa e passiva) no setor privado, de falsificação de documento, de burla qualificada, manipulação de mercado, de infidelidade e de branqueamento de capitais (fls. 48200 a 52052 do processo principal).
2. Em 2 de fevereiro de 2021, decorrendo ainda o cumprimento das notificações determinadas no despacho atrás referido, JS, IM , DC  e DS apresentaram requerimento conjunto, no qual, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 68.º do Código de Processo Penal (doravante CPP, diploma a que nos referimos sempre que não seja feita menção de origem), requereram a respetiva constituição como assistentes e, invocando o n.º 1 do artigo 284.º do CPP, apresentaram “acusação subordinada”, aderindo «desse modo, em termos genéricos, à acusação pública deduzida pelo Ministério Público no âmbito dos presentes autos». Por último, na mesma peça, ao abrigo do n.º 3 do artigo 77.º do CPP, deduziram também pedido de indemnização civil contra RE , JS, MS , FC , AP , IB, NE, Espírito Santo International, S.A. e Rioforte Investments, SA, pedindo a condenação destes, a título de danos patrimoniais, no pagamento aos demandantes do montante de 231.198,18€, acrescido de juros vencidos desde julho de 2016, e dos vincendos até  integral pagamento e, a título de danos não patrimoniais, no pagamento de €10.000,00 ao primeiro requerente, bem como nos juros vincendos sobre essa quantia (fls. 3 a 26 do apenso de recurso).
3. Por despacho judicial de 9 de abril de 2021, foi indeferido o pedido de constituição como assistente dos quatro requerentes.
4. Inconformado, o primeiro requerente, JS, interpôs recurso desse despacho, extraindo da motivação as seguintes conclusões:
«I. Nos presentes autos os arguidos vêm acusados, entre outros, dos seguintes crimes: crime de burla simples e qualificada, abuso de confiança, falsificação de documentos, infidelidade e branqueamento de capitais.
II. O recorrente, também enquanto lesado/ofendido, veio requerer a respectiva constituição de assistente, nos termos do artigo 68°, n.° l, alínea a) do C.P. Penal.
III. O Tribunal a quo indeferiu a constituição de assistente por parte do recorrente, alegando, para tal a sua falta de legitimidade, em virtude da mesma fundamentar o seu pedido na aquisição de ações da Portugal Telecom, Portugal Telecom SGPS e/ou Multimedia, PT International Finance BV e de tais instrumentos de dívida não serem objeto do despacho de encerramento do inquérito proferido nestes autos no dia 14.07.2020.
IV. O recorrente não se limita a fundamentar o seu pedido de indemnização e constituição de assistente na mera aquisição de acções da Portugal Telecom.
V. Ao longo do seu pedido de indemnização civil e requerimento de constituição de assistente, o recorrente alega e contextualiza, utilizando para o efeito partes da acusação deduzida pelo Ministério Público, a relação entre a Portugal Telecom e o Grupo Espírito Santo, de modo a concluir que as condutas criminosas perpetradas pelos arguidos tiveram influência directa na perda do seu investimento.
VI. A relação com a Portugal Telecom e com o Grupo Espírito Santo encontra-se discriminada, entre outros, nos pontos 5.2.2.1.1. e sgs. e ainda 7.4.5.2. da acusação.
VII. A época da subscrição, como resulta da acusação (pontos 3711, ss) o Grupo PORTUGAL TELECOM (PT), liderado pela holding de topo, a PORTUGAL TELECOM SGPS (em 29.05.2015 redenominada PHAROL SGPS SA), até 2014 o principal operador no setor das telecomunicações em Portugal, foi, também, fonte importante de liquidez para o GES.
VIII. Com efeito, RE , em conjugação de esforços com os demais arguidos, logrou que fosse implementada na PT uma política de gestão de recursos que beneficiou financeiramente o GES, seja através de depósitos do Grupo PT no BES, seja pela tomada de obrigações, até 2008 as comercializadas pelo Grupo BANCO ...e, a partir de 2010, as emitidas pela ESI.
IX. Entre 2001 e 2013, RE  conseguiu que a PT concentrasse montantes significativos da sua tesouraria em depósitos no BANCO ...e obrigações, representando tais investimentos 91% do total de tesouraria da PT.
X. A partir de 2010, RE , querendo dissimular a deterioração da situação financeira e patrimonial da ESI, conseguiu que o Grupo PT investisse os seus excedentes de tesouraria em obrigações emitidas por essa holding.
XI. A ESI tinha capitais próprios negativos de, pelo menos, 1609,6 milhões de euros, valor que, se a participação sobre a ESFG fosse ajustada para a cotação em bolsa, atingiria a expressão negativa de 2.791 milhões de euros.
XII. Parte da dívida da ESI foi transferida para a RIOFORTE alegando os arguidos que se trataria de uma reestruturação financeira do GES, passando a ser a nova holding do GES.
XIII. A RIOFORTE faz parte do GES.
XIV. Entre 2009 e Julho de 2014 RE  exerceu controlo sobre todo o GES.
XV. Nessa medida, e através de deliberações aprovadas nas diferentes reuniões dos Conselhos de Administração (CA) de cada uma das sociedades, foram “fabricados” instrumentos de divida emitidos pelas diferentes sociedades do grupo, foi falsificada documentação contabilística com vista à possível emissão de tais instrumentos de divida, foram promovidos produtos financeiros de sociedades já insolventes, foram emitidos valores mobiliários em franca contradição com deliberações proferidas pelo Banco de Portugal, enquanto entidade reguladora.
XVI. Foi na sequência da influência de RE , em comunhão de esforços com as pessoas melhor identificadas na acusação, que a Portugal Telecom subscreveu obrigações das ESI e das empresas do grupo que dela faziam parte.
XVII. Em janeiro de 2014, na execução do plano de “reestruturação” do GES gizado, mostrava- se essencial que a dívida ESI tomada pelo Grupo PORTUGAL TELECOM, que, a 31.12.2013, se cifrava em 750 milhões de euros fosse assumida na integra pela RIOFORTE (ponto 8662, da acusação).
XVIII. Nessa altura, bem sabiam os arguidos que a ESI não tinha capacidade para reembolsar aquela dívida tomada pelo Grupo PT.
XIX. Em janeiro de 2014, RE , referindo-lhe o plano de “reestruturação” do GES e apresentando a RIOFORTE como a nova holding de topo do GES, solicitou que os investimentos do Grupo PT em papel comercial da ESI fossem transferidos para Obrigações emitidas pela RIOFORTE, a serem sucessivamente roladas, pelo período de um ano, até fevereiro de 2015.
XX. Toda a conduta que originou perdas para a PT de cerca de 897 milhões de euros encontra-se descrita nos pontos 8662 a 8682 da acusação.
XXI. Em 05.05.2014, aquando da liquidação do aumento de capital da OI, a PORTUGAL TELECOM contribuiu com os ativos que haviam sido transferidos para a PT Portugal, incluindo as Obrigações RIOFORTE no valor de 897 milhões de euros, subscritas pela PT SGPS e pela PT FINANCE.
XXII. Consequentemente, depois de em julho de 2014 a RIOFORTE não ter reembolsado estas Obrigações tomadas pelo Grupo PT, em processo que veio a culminar na sua insolvência, a PT SGPS (atual PHAROL SGPS) sofreu um prejuízo de 897 milhões de euros.
XXIII. Estas perdas em 2014, causadas pela omissão deliberada da real situação financeira da ESI e da RIOFORTE e falsificação de diversos documentos, levaram a que, mais tarde, em 2016, a OI, tendo já a PT e a PTIF integrada no seu perímetro, tivesse necessidade de pedir ao tribunal a proteção dos credores.
XXIV. A OI admite que o crescimento da dívida foi o que originou os seus problemas financeiros.
XXV. Ao invés de apresentarem a ESI/RIOFORTE à insolvência, o arguido RE , coadjuvado pelos demais co-arguidos, utilizaram a ESI/RFI para se financiar junto de terceiros.
XXVI. De modo a aparentar uma realidade que sabiam não existir, para que fosse possível manter a emissão de produtos financeiros da ESI/RFI, os arguidos/Demandados ordenaram ou executaram atos de manipulação das contas desta entidade por recurso a documentos que falsificaram ou mandaram falsificar.
XXVII. Os arguidos/Demandados agiram com intenção de obter para si, ou para entidades do Grupo Espírito Santo, um enriquecimento ilegítimo.
XXVIII.  Para o efeito utilizaram, entre outras, as estruturas do BANCO ...de modo que estas comercializassem produtos financeiros que os primeiros sabiam não deter valor ou serem pouco fiáveis.
XXIX. Assim, o pedido de recuperação pela OI e a consequente perda e danos na esfera patrimonial do lesado/recorrente, está diretamente relacionada com os factos descritos na acusação deduzida pelo Ministério Público.
XXX. Considerou o Douto despacho recorrido que os factos relatados e que fundamentam o pedido de constituição como assistente em causa, não são objecto dos autos.
XXXI. Porém, as condutas dos arguidos descritas no pedido de indemnização civil e constituição de assistente dizem respeito a factos constantes da Acusação (pontos 4013, 5.2.2.11 e seguintes e 7.4.5.2. da Acusação).
XXXII. Os factos descritos no despacho de acusação “...dão corpo ao texto que os concretiza em sede de acusação, na qual são imputados os crimes de associação criminosa para a prática de crimes de falsificação, previsto no art.° 256°, burla (qualificada), previsto nos art°s 217° e 218°, infidelidade, previsto no art.° 224°, branqueamento, previsto no art.368º-A, todos do Código Penal, e de corrupção ativa e passiva no setor privado, previstos nos art. ° 8º e 9º da Lei 32/2008, de 21.04, e de manipulação de mercado, previsto no art. ° 379° do Código de Valores Mobiliários. Os factos descritos demonstram a existência de células organizadas, com domínio de assuntos de auditoria, de supervisão, do circuito bancário e do circuito de intermediação financeira para a prática deliberada de atos criminosos, e de todos os conexos a impedir a sua deteção e permitir a sua dissimulação na normalidade de uma atividade particularmente complexa.” (Fls. 84 da Acusação).
XXXIII. Considerando a sua versão da ocorrência, os factos descritos, os documentos que juntam e a perspectiva em que se colocam face aos arguidos, é manifesto que a legitimidade do recorrente para se constituir como assistente deve ser reconhecida.
XXXIV. Independentemente de se virem, a final, a provar ou não as respectivas suspeitas, e perante a tipologia de crimes em causa, é perfeitamente aceitável admitir a constituição de assistente do recorrente/demandante, como titular dos interesses que a incriminação visou especialmente proteger, uma vez que, na sua óptica, viu o seu património afetado pelas condutas cuja prática é o objeto dos presentes autos.
XXXV. O Recorrente é titular de obrigações emitidas pela PORTUGAL TELECOM INTERNATIONAL FINANCE, BV, (PTIF), sendo que os denunciados cometeram crimes de burla qualificada e infidelidade contra essa mesma sociedade, entre outros.
XXXVI. De acordo com jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça, (Ac. 10/2010, DR 242 SÉRIE I de 2010-12-16), “...sempre que for identificado um interesse determinado, corporizado num concreto portador, que não se confunda com o interesse (típico do lesado) no simples ressarcimento do dano sofrido, nem com o interesse geral na mera vigência das normas penais (as chamadas «expectativas comunitárias»), estaremos perante um bem jurídico protegido”.
XXXVII. No crime de burla e de infidelidade o bem jurídico protegido é o património.
XXXVIII. No crime de burla previsto e punido nos termos do art. 217.° do C.P., o legislador procurou acautelar o património, não só do burlado, como também de algum terceiro que, como consequência directa do engano provocado pelo agente sofra um prejuízo patrimonial.
XXXIX. O mesmo acto ilícito pode provocar prejuízo a uma pluralidade de pessoas, e, portanto, provocar vários ofendidos.
XL. O prejuízo provocado pelos arguidos ao Recorrente não é apenas indirecto e reflexo, mas decorre, directamente, da conduta dos arguidos.
XLI. A burla qualificada na venda de papel comercial ESI e da RIOFORTE teve consequências directas nas obrigações PT e na OI e/ou PTIF, originando a perda de valor das ditas obrigações.
XLII. No douto despacho recorrido considerou-se que as obrigações emitidas pela PORTUGAL TELECOM INTERNATIONAL FINANCE, BV, (PTIF) não são objeto do despacho de encerramento do inquérito proferido nos autos.
XLIII. Sucede, porém que as condutas referidas tiveram impacto na PT e posteriormente na OI.
XLIV. O pedido de recuperação pela OI e a consequente perda e danos na esfera patrimonial do lesado/recorrente, está diretamente relacionada com os factos descritos na acusação.
XLV. Depois de, em julho de 2014 a RIOFORTE não ter reembolsado as Obrigações tomadas pelo Grupo PT, em processo que veio a culminar na sua insolvência, a PT SGPS (atual PHAROL SGPS) sofreu um prejuízo de 897 milhões de euros.
XLVI. Perdas estas que levaram a que em 2016, a OI, tendo já a PT e a PTIF integrada no seu perímetro, tivesse necessidade de pedir ao tribunal a proteção dos credores (Cfr. Art.°s 54.° a 56.° do pedido de indemnização civil e requerimento de constituição de assistente).
XLVII. O recorrente é a titular do interesse que constitui objeto jurídico imediato dos crimes de burla qualificada e infidelidade, interesse próprio e direto que não se consubstancia somente na pessoa do lesado, uma vez que está em causa não apenas o património, mas a necessidade de garantir a integridade dos mercados financeiros e promover a confiança dos investidores.
XLVIII. O recorrente é, por isso, titular de um interesse que a norma incriminatória procurou acautelar, e, portanto, tem legitimidade para apresentar a queixa e constituir-se assistente, dado que é ofendido, na extensão que o conceito deve ter, conforme fixado pelo Acórdão 1/2003 do Supremo Tribunal de Justiça.
XLIX. O Meritíssimo Juiz a quo interpretou de forma errónea o disposto no artigo 68° n.° 1 al. a) do CPP, nomeadamente, quanto ao conceito de ofendido, já que deveria ter considerado que o recorrente, sendo titular de um interesse especialmente protegido pela norma, tem legitimidade para se constituir assistente.
L. Neste sentido, veja-se o sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 03-02-2016, proferido no âmbito deste mesmo processo (324/14.OTELSB), acessível in, que diz o seguinte:
“1. Têm legitimidade para se constituírem assistentes, os lesados por uma instituição bancária onde se investigam os crimes de burla simples e qualificada, abuso de confiança, falsificação de documentos, branqueamento de capitais e fraude fiscal, e cujo processo tem como arguido, entre outros, o Presidente do respectivo Banco.
2. Tem sido comumente aceite, que o conceito de ofendido para efeitos de legitimidade para constituição como assistente, coincide com o adotado para se aferir da legitimidade para apresentação de queixa, previsto no art° 113°, n° 1, do cód. penal.
3. Como condição dessa legitimidade exige-se a existência de um interesse específico, particularmente qualificado, que intercede na relação entre o bem jurídico e o sujeito afectado.
4. Os lesados pelos gestores da instituição bancária na qual haviam depositado o seu dinheiro, mostram-se investidos na posição de titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com as incriminações que se indiciam.”
LI. O mesmo se conclui relativamente a eventuais crimes de falsificação e de abuso de confiança, atenta a descrição da factualidade alegada pelo recorrente.
LII. O crime de falsificação de documento é um crime contra a vida em sociedade, em que o bem jurídico segurança e confiança do tráfico probatório, a verdade intrínseca do documento enquanto tal é prevalente ou predominantemente protegido.
LIII. Mas não é o único bem jurídico particularmente protegido com a correspondente incriminação, atendendo ao conjunto do tipo.
LIV. Como requisito subjectivo deste crime, exige-se que o agente tenha actuado com a intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou Estado ou alcançar para si ou para terceiro benefício ilegítimo.
LV. O mesmo é dizer que se não estiver presente esse elemento não perfecciona o respectivo tipo.
LVI. Quando for o caso, verificados os elementos materiais do iter criminis, é essa especial direcção de vontade do agente: prejudicar outra pessoa, que dita o completamento do crime.
LVII. O que impõe a conclusão, face a este elemento subjectivo, de que o tipo em causa visa proteger aqueles valores, mas (também) em razão do prejuízo que os atentados contra eles podem causar a interesses de particulares.
LVIII. Esses interesses particulares, se bem que não exclusivamente, são pois protegidos de modo particular pela incriminação, constituindo um dos objectos imediatos da incriminação.
LIX. Se num caso concreto os arguidos visaram com a falsificação causar prejuízo aos interesses particulares de determinada pessoa, neste caso todos os adquirentes de obrigações PT, estes poderão constituir-se assistentes.
LX. A análise do tipo legal de falsificação de documento do artigo 256.° do Código Penal permite concluir que a circunstância de ser aí protegido um interesse de ordem pública não afastou, sem mais, a possibilidade de, ao mesmo tempo, ser também imediatamente protegido um interesse susceptível de ser corporizado num concreto portador, aquele cujo prejuízo o agente visava, assim se afirmando a legitimidade material do ofendido para se constituir assistente.
LXI. Neste sentido, veja-se o Acórdão n.° 1/2003 - Processo n.° 609/02 - do Supremo Tribunal de Justiça, disponível in www.dasi.pt que concluiu o seguinte que «No procedimento criminal pelo crime de falsificação de documento, previsto e punido pela alínea a) do n.º 1 do artigo 256." do Código Penal, a pessoa cujo prejuízo seja visado pelo agente tem legitimidade para se constituir assistente.»”
LXII. O Acórdão 1/2003, estabelece que o vocábulo “especialmente” usado pela lei significa “de modo especial, num sentido de particular e de não exclusivo” de sorte que” quando os interesses imediatamente protegidos pela incriminação, sejam, simultaneamente, do Estado e de particulares...a pessoa que tenha sofrido danos em consequência da sua prática tem legitimidade para se constituir assistente.”
LXIII. O direito penal tem por encargo proteger os bens jurídicos e todos os preceitos penais podem reconduzir-se à protecção de um ou vários bens jurídicos que podem ser lesados cumulativamente ou alternativamente.
LXIV. Neste caso, os interesses particulares, se bem que não exclusivamente, também são objecto imediato da protecção pela norma incriminadora.
LXV. A ampliação do conceito de ofendido acarreta o correto equilíbrio entre a necessidade de punir a necessidade que esta punição seja feita de forma justa e ponderada contribuindo assim para a realização de um processo penal mais equitativo e pacificador.
LXVI. Assim, impunha-se, face às circunstâncias particulares do caso e ao tipo legal de crime em causa que se concluísse que o Recorrente, surge como titular de um interesse digno de tutela e acautelado pela norma incriminadora em apreciação.
LXVII. Neste contexto, JS apresenta-se com legitimidade para se constituir assistente nos presentes autos.
LXVIII. Razão pela qual, face ao supra exposto, o Douto despacho violou a alínea a) do n.° 1 do artigo 68.° do Código de Processo.»
5. Em resposta, o magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido pugnou pela improcedência do recurso, rematando a peça nestes termos:
«1. Importa, perante o teor do recurso, aquilatar se o recorrente se mostra investido na posição de titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação no âmbito destes autos.
2. O conceito de ofendido, para efeitos de legitimidade para constituição como assistente, coincide com o conceito adoptado para se aferir da legitimidade para apresentação de queixa, previsto no art° 113° n° 1 do Código Penal, onde igualmente se estabelece que ofendido é o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação.
3. A legitimidade do ofendido é aferida necessariamente em relação ao crime concreto que estiver em causa, e a delimitação do seu conceito encontrar-se-á na tipologia criminal concretamente expressa em lei. Só assim é possível determinar se uma pessoa viu os interesses que a lei quis especificamente proteger afectados pela conduta adoptada pelo arguido ou pelo suspeito.
4. É a norma incriminadora que fornece ao intérprete o interesse que o legislador quis proteger, ao tipificar determinada conduta como criminosa.
5. No caso vertente, o recorrente apresentou-se à constituição como assistente invocando apenas o disposto no art° 68° n° 1 al. a) do CPP, tendo o tribunal a quo necessidade de recorrer aos termos do pedido cível deduzido.
6. Sendo o seu fundamento a subscrição de acções emitidas pela Portugal Telecom, SGPS, sendo o valor investido, despendido pelo recorrente, de €234.198,18.
7. Não foi apurado neste inquérito em que circunstâncias foram comercializados os instrumentos de divida a que alude o recorrente e se tais factos implicariam responsabilidade criminal e de quem.
8. O objecto do processo foi fixado com a acusação proferida no dia 14.07.2020.
9. Nele não foi imputada a prática de qualquer crime por aqueles factos, pelo que, e salvo melhor opinião, não assume o recorrente a qualidade de ofendido nos termos e para os efeitos do art° 68° n° 1 al. a) do CPP, ou seja, aquela que a norma incriminadora especialmente quis proteger com a incriminação.
10. E, por isso, carece de legitimidade para se constituir assistente.
11. Sempre se dirá, contudo, que não estando o recorrente investido na qualidade de ofendido, como pretende, sempre poderia ser admitido a intervir como assistente ao abrigo do que dispõe o art.º 68º nº 1 al. e) do CPP (o que não requereu), já se procede por crimes de corrupção no sector privado.
12. Todavia, nos termos pretendidos, deverá ser negado provimento ao recurso interposto, por total falta de fundamento face ao que dispõe o art.º 68.º nº 1 do CPP, mantendo-se a decisão recorrida.»
6. Admitido o recurso e remetido o apenso a este Tribunal, o Ministério Público, através da Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta, manifestou concordância com a resposta apresentada.
7. Notificado nos termos do n.º 2 do artigo 417.º do CPP, o recorrente nada disse.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
A.Delimitação do objeto do recurso
8. Mostra-se sedimentado na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que a delimitação do objeto do recurso decorre do enunciado das conclusões formuladas na motivação do recurso, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 2.ª ed., Ed. Verbo, pág. 335 e Ac. do STJ de 24/03/99, in CJ [STJ], ano VII, T1, pág. 247, entre muitos).
A questão a dirimir no presente recurso é, apenas, a de saber se ao recorrente JS assiste legitimidade para se constituir assistente, em face da alínea a) do n.º 1 do artigo 68.º do CPP. É, contudo, necessário proceder a algumas clarificações adicionais, em função da delimitação feita no recurso.
A legitimidade material para uma pessoa (singular ou coletiva) se constituir assistente num processo penal depende dos crimes em investigação ou em julgamento, podendo abarcar todo o objeto do processo ou apenas uma sua parte, nomeadamente quando, como amiúde sucede, a lide integra a discussão de crimes de várias espécies ou o preenchimento plúrimo do mesmo tipo penal. O caso vertente é exemplo dessas situações, expressamente previstas e reguladas na vertente da representação judiciária no n.º 2 do artigo 70.º do CPP, sendo imputados aos arguidos ilícitos penais de diferente natureza, designadamente, crimes de associação criminosa, de corrupção (ativa e passiva) no setor privado, de falsificação de documento, de burla qualificada, manipulação de mercado, de infidelidade e de branqueamento de capitais.
O despacho recorrido interpretou o requerimento formulado como não abarcando o crime de corrupção, relativamente ao qual a alínea e) do artigo 68.º do CPP não deixa dúvidas sobre a legitimidade do recorrente, em comum com qualquer outra pessoa. Extração de sentido que o recurso confirma, pois não faz a menor referência a essa espécie criminal, pese embora, tendo o recorrente aderido a toda a acusação, se proponha auxiliar o Ministério Público também nessa vertente do processo.
Tem-se, então, como assente que o recurso não abrange a recusa de constituição como assistente pelos crimes de corrupção.
Mas não só.
Logo na primeira conclusão, são excluídos do elenco de crimes relativamente aos quais o recorrente se pretende constituir assistente duas outras espécies criminais, a saber, os crimes de associação criminosa e de manipulação de mercado, os quais não são referidos no recurso como fundamento da pretensão de constituição como assistente. Encontra-se apenas, na conclusão XXXII., transcrição do despacho do Ministério Público, relativa a segmento que, ao contrário do que se diz, não integra a acusação (esta só se inicia na pág. 265 do despacho, a fls. 48200) e, na conclusão XLVII., alusão à «integridade dos mercados financeiros», mas referida aos crimes de burla qualificada e de infidelidade. Estranhamente, encontra-se menção também ao crime de abuso de confiança, sendo dito que esse tipo de crime é imputado na acusação (conclusão I.), o que, novamente, não se mostra correto, pois o Ministério Público não imputa esse crime, em qualquer das suas formas, aos arguidos. A alegação é repetida na conclusão LI., mas aí referida a «eventuais crimes de falsificação e de abuso de confiança» e à «factualidade alegada pela recorrente», e não ao enunciado da acusação pública.
Assim, também quanto a essas duas espécies criminais – crimes de associação criminosa e de manipulação de mercado -, se operou, atento o modo como foi negativamente delimitado o recurso, o trânsito em julgado do despacho recorrido, não podendo, por conseguinte, ser apreciada a questão colocada face a tais crimes.
Outra precisão a fazer decorre da distonia interna da motivação do recurso. Com efeito, a motivação de recurso começa por aludir a «acções da PT» (conclusão IV.) vindo, contudo, no desenvolvimento argumentativo, a ser feita menção, por várias vezes, à titularidade de «obrigações» (conclusões XXXV., XLI., XLII. e), com referência a uma pluralidade de entidades emissoras - Portugal Telecom, Portugal Telecom SGPS “e/ou Multimédia” e Portugal Telecom International Finance BV. Sobre todas essas sociedades incide, por junto, a queixa do «não reembolso do capital na data da respetiva maturidade», imprecisão terminológica e concetual que deixa dúvidas sobre a espécie do(s) efetivo(s) produto(s) financeiro(s) de que é titular e, por decorrência, a natureza dos interesses que o recorrente pretende fazer valer neste processo.
O auxílio do pedido civil deduzido em 2 de fevereiro de 2021, com o qual se estabelece na motivação de recurso uma relação de identidade, permite discernir que se trata de ações nominativas, com o ISIN:PTPTCOAM0009, tendo como emitente a Portugal Telecom SGPS, SA, agora denominada PHAROL (artigo 3.º do pedido cível, a fls. 7 do apenso de recurso), fundando-se os danos patrimoniais na «brutal desvalorização das ações da PT» (artigo 55.º do mesmo pedido).
Sobre essa matéria – as consequências sofridas pela Portugal Telecom SGPS, SA por efeito de conduta dos arguidos – diz o Ministério Público estar ainda pendente investigação, pois foi decidida a organização de inquérito autónomo sobre tais factos, o que tem adesão no ponto 4.3. do despacho de encerramento do inquérito, na parte relativa aos Apensos Q183 e Q188 (fls. 48117 do processo principal). O recorrente não disputa essa alegação, desconhecendo-se, no entanto, se o mesmo, por si ou conjuntamente com os três outros requerentes, impulsionou ou não, nesse outro inquérito pendente, requerimento para a sua constituição como assistente, com vista a participar constitutivamente no mesmo nos termos previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 69.º do CPP.
De todo o modo, também esse problema não é afetado pelo desfecho do recurso, o que dispensa qualquer diligência de apuramento dessa realidade, uma vez que o indeferimento da constituição como assistente do recorrente neste processo, ou, ao invés, a sua admissão, não preclude a formulação pelo mesmo de idêntico propósito num outro, com objeto distinto.
Posto isto, passemos a responder à questão colocada.
B.Decisão recorrida
9. O despacho recorrido tem o seguinte teor:
«(...) Todos estes requerentes [alude-se a um conjunto de requerimentos similares ao aqui em apreço] fundamentam o seu pedido (como decorre do pedido de indemnização civil) na aquisição de ações da Portugal Telecom, Portugal Telecom, SGPS, e/ou da PT Multimédia, PT International Finance, BV. Porém, verifica-se como aduzido pelo titular da acção penal que, tais instrumentos de dívida não são objeto do despacho do encerramento do inquérito proferido nestes autos no dia 14.07.2020, pelo que corroboramos o entendimento sancionado pelo detentor da acção penal de que, no âmbito do presente inquérito, não têm os requerentes legitimidade para se constituírem assistentes, nos termos e para os efeitos do art.º 68.º n.º 1 al. a) do Código de Processo Penal, pelo que se indeferem os respectivos pedidos».
C. Apreciação
10. Como se disse, o recorrente JS discorda do decidido, argumentando essencialmente que foi deduzida acusação pública por crimes de infidelidade, de burla, de falsificação de documentos e de branqueamento de capitais, e que, enquanto «lesado/ofendido», lhe assiste legitimidade para se constituir assistente por esses crimes, afirmação que suporta tanto no conteúdo da acusação pública, como no pedido de indemnização civil que deduziu, sustentando que, nesse seu impulso, «alega e contextualiza, utilizando para o efeito partes da acusação deduzida pelo Ministério Público, a relação entre a Portugal Telecom e o Grupo Espírito Santo, de modo a concluir que as condutas criminosas perpetradas pelos arguidos tiveram influência directa na perda do seu investimento». E, ao longo da motivação do recurso, com expressão das conclusões VI. a XLVI. da motivação do recurso (prolixas, assinale-se), esforça-se por estabelecer conexões entre o enunciado da acusação pública, a que aderiu in totum, e o pedido indemnizatório deduzido no presente processo.
Essa linha de raciocínio enferma de vários equívocos.
11. O primeiro reside na invocação de um conceito complexo de «lesado/ofendido», tomado por junto como fundamento de admissibilidade da sua constituição como assistente. Todavia, no sistema processual penal vigente, as noções de «lesado» e de «ofendido» são distintas, correspondendo-lhes um estatuto jurídico-subjetivo caracterizado por poderes próprios, os quais, ainda que se possam cumular, não podem ser confundidos.
O conceito de lesado encontra-se no título dedicado à disciplina do pedido de indemnizatório fundado na prática de um crime e é definido pelo legislador no n.º 1 do artigo 74.º do CPP como sendo «a pessoa que sofreu danos ocasionados pelo crime, ainda que se não tenha ou não possa constituir-se como assistente». É certo que, no número seguinte, se estatui que a essa pessoa compete, no que respeita à sustentação e prova do pedido de indemnização civil, o exercício dos mesmos poderes que a lei confere aos assistentes, mas estamos aí perante de uma equiparação de poderes (em esquecer o sentido do advérbio correspondentemente, sinalizado a que a remissão operada é condicionada à natureza e teleologia do concreto direito processual), e não perante a homogeneização das posições jurídico-subjetivas que o raciocínio do recorrente toma como premissa.  
Significa isto, tendo em mente que os conceitos jurídicos devem ser lidos e interpretados no sistema em que são instituídos, que, para o legislador penal, a qualidade de assistente não é condição necessária, nem suficiente, para a dedução de pedido cível em processo penal, o mesmo podendo ser dito, inversamente, relativamente à parte civil. Pode o sujeito constituir-se assistente sem deduzir pedido indemnizatório, seja por não o poder fazer (por exemplo, por decurso do prazo), seja por lhe ser permitido e mais vantajoso fazê-lo em separado, nos casos previstos no artigo 72.º do CPP, seja, por último, simplesmente porque abdica de se ver ressarcido ou compensado dos danos sofridos, mantendo ainda assim vontade de participar ativamente no processo penal, mormente na fase de julgamento.
Ora, o despacho recorrido nada decidiu sobre a matéria indemnizatória. Nem o poderia fazer, pois apenas na fase de julgamento, caso franqueada a fase de instrução em que se encontra o processo, haverá lugar ao saneamento desse pedido cível e, caso se entenda verificados os respetivos requisitos e pressupostos de admissibilidade, determinada o seu prosseguimento, com a notificação aos demandados para contestar, nos termos do artigo 78.º do CPP.
Essa vertente da lide mantém-se inalterada qualquer que seja o desfecho do presente recurso, incluindo quanto aos três requerentes que, assumindo-se como partes civis, não impugnaram o despacho que lhes negou a admissão como assistentes.
Mas, por outro lado, não estando sequer processualmente adquirida a admissibilidade do pedido deduzido, todos os factos inovadores relativamente à acusação constantes desse impulso, qualquer que seja o título que lhes seja conferido [o recorrente propõe vários, começando pela contextualização (conclusão V.), culminando com a decorrência (conclusões XLI. a XLVII)], não podem ser aqui atendidos como veículo de uma ampliação do objeto do processo, tal como fixado pela acusação pública, maxime para o efeito de legitimar a constituição como assistente, à luz do conceito de ofendido, tal como definido pela alínea a) do n.º 1 do artigo 68.º do CPP.
Cabe recordar que ao assistente é permitido deduzir acusação particular pelos factos acusados pelo Ministério Público, por parte deles ou por outros, mas neste último caso com a condição de que não importe em alteração substancial daqueles (artigo 284.º, n.º 1). E que, in casu, a acusação deduzida juntamente com o requerimento em apreço se limitou à adesão do Ministério Público, nos termos permitidos pela alínea a) do n.º 2 do mesmo preceito, implicando que, mesmo que vingasse a pretensão de constituição como assistente, o objeto do processo não sofreria alteração, nada sendo aduzido aos fundamentos de facto constante da acusação, o que inclui, naturalmente, a alegação de factos novos constante do pedido de indemnização civil.
Assim, o recorrente incorre num segundo equívoco quando pretende fundar a sua pretensão de constituição como assistente nos factos alegados no pedido de indemnização civil, pois esse entendimento não pode prosperar. A matéria dos danos sofridos e respetiva causalidade, enunciada no pedido cível, pode apenas ser atendida como ilustração dos argumentos esgrimidos a propósito do preenchimento do conceito de ofendido, ajudando a compreender qual o objeto da conduta em questão e, nessa medida, constituir premissa da questão de saber se a mesma está ou não compreendida na vinculação temática operada pela acusação pública.
Em suma, na análise da questão sobre a legitimidade material do recorrente para se constituir assistente, releva decisivamente apenas o enunciado da acusação pública, que define o objeto do processo.
12. A norma invocada pelo recorrente no impulso apreciado pelo despacho recorrido, tida no recurso como violada, consta da alínea a) do n.º 1 do artigo 68.º do CPP, cujo teor importa recordar:
«Artigo 68.º - Assistente
1. Podem constituir-se assistentes no processo penal, além das pessoas e entidades a quem leis especiais conferirem esse direito:
a) Os ofendidos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, desde que maiores de 16 anos;
(...)»
13. A participação do ofendido no processo penal tem entre nós uma longa consagração normativa, assumindo uma extensão que persiste sem paralelo no panorama do direito comparado. A sua consagração constitucional encontrou expressão na revisão da Lei Fundamental operada em 1997, passando o artigo 32.º da Constituir a estatuir no seu n.º 7 que «o ofendido tem o direito de intervir no processo, nos termos da lei», tornando explícito o que a jurisprudência constitucional já entendia estar compreendido na garantia de acesso ao direito e a tutela jurisdicional efetiva, constante do artigo 20.º da Constituição (cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional com os n.ºs 24/88 e 636/2011, acessíveis em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/).
Todavia, o instituto processual que concretiza esse direito fundamental – o estatuto do assistente – não colide nem afasta a natureza iniludivelmente pública do processo penal. Como explicitado no Acórdão n.º 636/2011, em linha com orientação jurisprudencial constante, «não sendo o processo penal constitucionalmente configurável como um processo de “partes” não pode também o textual reconhecimento do direito do ofendido a nele intervir ser lido como se tratasse de uma autorização para conformar as respetivas regras de acordo com uma matriz despublicizada, que a Constituição não acolhe».
Compreende-se, pois, que o assistente assuma no ordenamento vigente essencialmente uma função de colaboração com o Ministério Público, contribuindo ativamente para a realização das respetivas atribuições de interesse público, mas a ele subordinado (assim, Damião da Cunha, “Algumas Reflexões sobre o Estatuto do Assistente e Seu Representante no Direito Processual Português”, RPCC, ano 5, 2.º, pp. 153-171; p. 164). Essa subordinação assume maior intensidade após a fixação do objeto do processo, como aqui sucede, reconhecendo o recorrente que não apresentou denúncia criminal, nem participou ou procurou influir por qualquer forma na fase de investigação, sendo certo que estava seguramente ciente da sua pendência, dada a elevada notoriedade do caso.
O estatuto e poderes do assistente encontram-se modulados pelos casos em que o assistente assume a condição de ofendido, sendo esse o conceito operante em equação no presente recurso. Sem embargo, importa não perder de vista que o direito a se constituir assistente em lide criminal pode assentar noutros títulos, destacando-se a previsão da alínea e) do n.º 1 do artigo 68.º, na qual o legislador legitima indistintamente a participação como tal de qualquer pessoa, sem necessidade da concretização dos interesses protegidos pela incriminação num determinado portador, podendo discutir-se, de jure constituendo, se não se deveria ir mais além, abrangendo as causas por crimes contra bens jurídicos coletivos ou interesses jurídicos difusos, de titularidade intersubjetiva (nesse sentido Paulo Sousa Mendes, Lições de Direito Processual Penal, 2021, p.. 134-135), direito já consagrado relativamente aos titulares do direito de ação popular (artigo 25.º da Lei n.º 83/95, de 31 de agosto). Certo é, porém, e como já se disse, que o recorrente não pretende exercer esse direito relativamente a um dos crimes já constante do catálogo constante da referida alínea e): o crime de corrupção.
14. O despacho recorrido é muito exíguo na fundamentação, limitando-se praticamente a afastar a legitimidade material por efeito de o «instrumento de dívida» invocado pelo recorrente (e outros) não ter sido objeto do despacho de encerramento do inquérito, tanto bastando ao JIC para indeferir a requerida constituição como assistente.
Todavia, essa circunstância não é suficiente para suportar a conclusão e fundar o indeferimento, praticamente liminar, da pretensão formulada. Com efeito, o prosseguimento de investigação relativa à colocação e transação no mercado de capitais de ações nominativas emitidas pela Portugal Telecom SGPS, SA, é apenas relevante como alternativa para a participação dos interessados nesse novo processo, caso se considere que a matéria não se encontra integrada no objeto deste processo. Se o recorrente tiver razão, e esses factos estiverem já presentes na acusação pública deduzida neste processo, então tais interesses encontram-se já corporizados na pessoa do recorrente, titular do instrumento financeiro, abrindo caminho à qualificação da sua posição jurídica como sendo a de ofendido, desde que se conclua que o sujeito assume, no caso concreto, a titularidade dos interesses que a lei quis proteger com a incriminação. Ou seja, na expressão de Henriques Gaspar, sintetizando o sentido da jurisprudência na densificação da norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 68.º, desde que revele a titularidade “de um interesse específico, particularmente qualificado, que intercede na relação entre o bem jurídico e o sujeito afetado; para este efeito, só será «ofendido» quem for titular de um interesse legítimo, tutelado pela lei, concretizado e inserido de modo funcionalmente relevante na relação teleológico-funcional entre o bem jurídico e o sujeito afetado” (Código de Processo Penal Comentado, 3.ª Edição, p. 203).
É esse caminho, a que o tribunal recorrido se eximiu por inteiro, que cabe agora percorrer em face de cada uma das espécies criminais referidas na acusação e no recurso (os crimes de infidelidade, de burla qualificada, de falsificação de documento e de branqueamento de capitais), pois dele depende a resposta à questão colocada no recurso.
15. A acusação imputa a vários arguidos a prática do crime de infidelidade, p. e p. pelo artigo 224.º, n.º 1 do CP, o qual assume, a um tempo, a tutela do património na base do qual esteja o mandato ou o encargo de administração cuja confiança é violada e, também a fidelidade ou lealdade interpessoal ínsita na relação fiduciária que se estabelecia entre o agente e o ofendido, quebrada pela conduta antijurídica (nesse sentido, em anotação ao preceito, Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense, Tomo II, 1999, p. 365).
Nos artigos 8697 a 8700 da acusação é afirmado que a conduta imputada representou um prejuízo para a Portugal Telecom SGPS S.A. (atual PHAROL) de 897 milhões de euros, com projeções também na relação desta com a OI.
Ora, atento o bem jurídico complexo protegido pelo crime, o sujeito afetado pela incriminação está concretizado naquela pessoa coletiva, que não se confunde na sua esfera de direitos e interesses com os seus acionistas, sendo, nos termos da acusação, visado pelos arguidos unicamente o prejuízo do património societário. Assim, independentemente de poderem existir danos reflexos, indiretos ou de segundo grau noutros sujeitos, relevantes em sede ressarcitória civil, certo é que, do ponto de vista jurídico-criminal, a relação teleológico-funcional pressuposta na incriminação da infidelidade, tal como factualmente delineada na acusação, não tem o recorrente como titular de interesse protegido.
16. Relativamente aos crimes de burla, vista a acusação pública, volta a verificar-se que em nenhum momento é feita referência à pessoa do recorrente ou às ações pelo mesmo detidas. O laudo acusatório, ao longo de mais de 87 páginas (fls. 51304 a 51391), delimita os factos a que a imputação de cada um dos crimes de burla qualificada é referenciada. Nenhum alude a ações emitidas pela Portugal Telecom SGPS, antes a obrigações por ela subscritos, concretamente, a obrigações emitidas pela sociedade Rioforte, cujo capital não foi reembolsado em virtude da insolvência do emitente.
Nessa conformação do objeto do processo, também aqui, o titular do interesse que integra o bem jurídico do crime de burla – os direitos subjetivos patrimoniais de uma pessoa, pois exige-se um prejuízo efetivo no património do sujeito passivo da infração ou de um terceiro – corresponde apenas ao sujeito do tomador da obrigação que gerou o prejuízo patrimonial.
Afirma-se na motivação do recurso que condutas referidas na acusação «tiveram impacto na PT e posteriormente na OI» (conclusão XLII) e que «o pedido de recuperação pela OI a consequente perda e danos na esfera patrimonial do lesado/recorrente, está diretamente relacionada com os factos descritos na acusação» (conclusão XLIV).
Porém, entre os factos e a «perda» invocada intercede o funcionamento do mercado de capitais, sendo o valor das ações de que o recorrente é titular formado por um amplo conjunto de fatores materiais e imateriais, onde se incluem naturalmente, os resultados da exploração da sociedade anónima, incluindo, tratando-se de uma sociedade gestora de participações sociais, os resultados positivos ou negativos apresentados pelas participadas.
Mas, para o que aqui releva, verifica-se que a imputação subjetiva formulada na acusação não inclui a vontade de prejudicar outra esfera patrimonial, para além da pertencente à Portugal Telecom SGPS S.A., hoje PHAROL, mormente os respetivos acionistas, a qual, aliás, como referido no mesmo ponto 4.3. do despacho do Ministério Público deduziu queixa-crime contra os decisores do investimento nas aludidas obrigações e moveu ação cível contra os mesmos.
Nessas circunstâncias, entende-se que o recorrente não é titular de nenhum dos concretos interesses patrimoniais que a lei quis especialmente proteger com a incriminação de qualquer das condutas subjacentes à imputação neste processo de crimes de burla qualificada. Sobre a matéria em investigação noutros processos em fase de inquérito, designadamente no processo n.º 6/15.5GBTMC, referido a fls. 48119 do processo principal, não cabe aqui tomar posição.
Mais uma vez, coisa diferente é saber se, enquanto lesado, é devida indemnização ao recorrente por danos patrimoniais indiretos ou reflexos e/ou por danos não patrimoniais, posição jurídica exercida no pedido cível aqui deduzido, em paralelo com a pretensão formulada em processo pendente junto de instância judicial brasileira, questão que não pode ser respondida no presente recurso.
17. Passando a apreciar a posição do recorrente relativamente aos crimes de falsificação de documento imputados na acusação, aqueles objeto de maior investimento argumentativo na motivação do recurso, com citação de aresto proferido por esta Relação em 3 de fevereiro de 2016 no presente processo, e do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência com o n.º 1/2003, de 16 de janeiro de 2003. No entanto, adiante-se, nem um nem outro dão conforto ao entendimento proposto pelo recorrente.
O primeiro aresto foi proferido na fase de inquérito, ou seja, antes da vinculação temática determinada pela acusação pública e do estreitamento do objeto do processo operado pela extração de certidão para prosseguimento da investigação em processo autónomo. Para além de se aludir a «lesados pelos gestores da instituição bancária na qual haviam depositado o seu dinheiro», o que remete para factos atinentes a uma relação jurídica bem distinta da titularidade de ações nominativas. Essa matéria tanto pode estar relacionada com factos que vieram subsequentemente a ser objeto de arquivamento (cfr. ponto 2.6.2. do despacho do Ministério Público) como encontrar-se efetivamente compreendida na acusação pública proferida em 14 de julho de 2020.
O segundo Acórdão, emitido pelo Supremo Tribunal de Justiça em sede de recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, dirimiu conflito jurisprudencial no sentido de que «no procedimento criminal pelo crime de falsificação de documento, previsto e punido pela alínea a) do n.º 1 do artigo 256.º do Código Penal, a pessoa cujo prejuízo seja visado pelo agente tem legitimidade para se constituir assistente». No cerne dessa resposta ao problema interpretativo em liça encontra-se o entendimento, com a qual se concorda, no sentido de que um tipo legal pode proteger mais do que um bem jurídico, reconhecendo-se no tatbestand do artigo 256.º do CP também a proteção de interesses particulares ou individuais, integrando, então, um dos objetos imediatos da incriminação. Para melhor compreensão, importa transcrever o segmento final da fundamentação, conclusivo, antecedendo imediatamente o dispositivo:
«Na verdade, a análise do tipo legal de falsificação de documento do artigo 256.º do Código Penal permite concluir que a circunstância de ser aí protegido um interesse de ordem pública não afastou, sem mais, a possibilidade de, ao mesmo tempo, ser também imediatamente protegido um interesse susceptível de ser corporizado num concreto portador, aquele cujo prejuízo o agente visava, assim se afirmando a legitimidade material do ofendido para se constituir assistente» (negrito e sublinhado aditado).
Assente a interpretação normativa devida, importa aqui determinar se o interesse suscetível de ser corporizado num sujeito, correspondente aos crimes de falsificação de documento imputados na acusação pública, tem o recorrente como concreto portador, mesmo que não exclusivo.
Novamente, a resposta é negativa. Nem no plano inicial do enunciado acusatório, citado no recurso, onde se delineia a fundação e atuação de uma associação criminosa, nem nos crimes executados em atuação da mesma, encontramos factos relativos a falsificações pertinentes à emissão de ações tituladas pelo recorrente, valendo também neste plano o que disse a propósito do crime de burla qualificada quanto à imputação subjetiva: nos termos da acusação, o prejuízo da esfera jurídica do recorrente, mormente da esfera patrimonial, não foi visado pelos agentes do crime de falsificação de documento.
Importa deixar claro que não é, em abstrato, a natureza do crime que veda a constituição do recorrente como assistente, como defendia o entendimento contrário ao que veio a ser acolhido pelo Acórdão n.º 1/2003, mas sim o concreto e específico leque de factos e decorrentes feixe de relações jurídicas enunciados pelo Ministério Público na acusação, a que o recorrente simplesmente aderiu, que não comporta – bem ou mal, não está aqui em discussão – a matéria invocada para legitimar a aquisição desse estatuto processual. O que significa que esse sujeito em concreto não é aqui afetado num direito ou posição jurídica inscrita no objeto do processo fixado na acusação pública e, correspondentemente, não é titular de um interesse qualificado na pretensão punitiva, idóneo a legitimar a sua participação no presente processo como assistente, com referência a tais crimes.
Repita-se: poderá, isso sim, participar, com poderes equiparados aos de assistente, em defesa do pedido cível que (também) deduziu. E não está excluído que se possa constituir assistente, por tais factos ou outros, noutro processo penal, atualmente em fase de inquérito. Nota-se, no entanto, que foi determinado o arquivamento do inquérito relativamente à queixa por falsificação de documento apresentada pela PHAROL (fls. 48120).
18. Resta tomar a acusação pelo crime de branqueamento de capitais, relativamente ao qual a motivação do recurso nem mesmo ensaia a demonstração da titularidade pelo recorrente de um interesse específico na incriminação constante do artigo 368.º-A do CP, que manifestamente não existe. A sua posição perante o interesse comunitário na realização da justiça, na vertente da perseguição e perda a favor do Estado das vantagens da prática do crime precedente, ou relativamente ao crime precedente e à estabilidade da ordem socioeconómica, não assume uma qualquer particularidade relativamente ao que sucede com as pessoas em geral.
19. Aqui chegados, afastada a legitimidade material para a constituição como assistente invocada na motivação, importa concluir pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida, embora com fundamentação diversa.
III. Dispositivo
Pelo exposto, acordam os Juízes da 5.ª Secção Criminal desta Relação em:
a) Negar provimento ao recurso e manter, embora com diferentes fundamentos, o despacho recorrido;
b) Condenar o recorrente JS nas custas, que se fixam em 3 (três) UC.
Notifique.
Texto elaborado em computador e revisto pelo relator (art.º 94.º, n.º 2 do CPP).
                                                                          
Lisboa, 14 de dezembro de 2021
Fernando Ventura
Maria José Machado