Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7248/13.6TBCSC.L1-8
Relator: ANTÓNIO VALENTE
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO
EMPRESÁRIO DESPORTIVO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/01/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - Tendo uma empresa negociado em 2012, com um clube desportivo, a celebração de um contrato de trabalho desportivo entre aquele e um jogador de futebol, por si representado, é aplicável a Lei nº 28/98 de 26/06.
- Não estando essa empresa registada enquanto empresária desportiva na Federação Portuguesa de Futebol ou na Liga Portuguesa de Futebol, o contrato de mandato entre a empresa e o jogador é nulo, ou inexistente, nos termos do nº 4 do art. 23º da aludida Lei
(sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

Nestes autos de ação declarativa sob a forma de processo comum, figura como Autora:

- B... LDA;

Figura como Réu:

- S...

A Autora pede:

Que se condene o Réu a pagar à Autora a remuneração pelos serviços de intermediação prestados no valor de € 162.000,00 equivalente a 10% do valor do contrato do Réu;

Que se condene o Réu a pagar à Autora a remuneração pelos serviços de intermediação prestados no valor de € 162.000,00 equivalente a 10% do valor do contrato do Réu devida pelo E...;

Invoca, em súmula:

O Réu concedeu à Autora., com carácter de exclusividade, autorização de representação, dando-lhe poderes para contactar e negociar, em seu nome, a transferência e o consequente contrato de trabalho desportivo com o clube de futebol  E..., durante o período de 20 de Julho de 2012, data da assinatura da autorização, até 15 de Agosto de 2012, obrigando-se, a título de remuneração, a pagar-lhe uma comissão equivalente a 10% do valor total líquido do contrato a auferir pelo R. pelo seu contrato de trabalho com o clube espanhol.

Não obstante as negociações efetuadas, o Réu rejeitou o vencimento proposto pelo E... com o exclusivo propósito de garantir que a compensação pecuniária que seria devida a esta, não fosse paga, tendo vindo, depois, a contratar com aquele nos termos que aquele lhe havia proposto; a contratação do R. por parte do E... deveu-se única e exclusivamente à ação de intermediação da Autora.

O Réu contestou, impugnando e levantando as seguintes exceções de maior relevo: a questão da ilegitimidade da Autora, por não ser quem figurava no contrato e a nulidade do contrato, por a Autora não ser um agente autorizado FIFA.

         1 Realizou-se o julgamento, vindo a ser proferida sentença  que julgou a acção improcedente, absolvendo o Réu da instância.

Foram dados como provados os seguintes factos:

1) A Autora é uma sociedade comercial por quotas, cujo objeto social consiste no Agenciamento de carreiras desportivas e artísticas, mediação, negociação e conclusão dos respetivos contratos; investimentos imobiliários, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim; construção civil, empreitadas de construção civil, loteamentos, cfr. certidão comercial com a senha de acesso 0121-3588-3044, válida até 19 de Outubro de 2013.

2) A Autora é representada pelos sócios S... e M...

3) O Réu é um jogador profissional de futebol que atualmente presta serviços, correspondentes à sua categoria profissional, no clube de futebol E..., com sede em Espanha, adiante também designado por "E...".

4) Durante a época desportiva de 2011/2012, o R. prestava os seus serviços de futebolista no clube de futebol B..., que disputava a Primeira Liga Turca de futebol.

5) S... obteve os contactos do Réu assim como do seu assistente J...

6) E também conhecia o interesse efetivo do clube E... nos préstimos deste.

7) S..., no dia 16 de Julho de 2012, contactou J..., amigo do Réu e que o assistia, por via telefónica, dando-lhe conhecimento que poderia haver interesse do clube E... em contar com este para a época desportiva seguinte e adquirir os direitos económicos e desportivos do Réu.

8) O Réu mostrou-se recetivo ao eventual ingresso no plantel da equipa espanhola, fazendo-o depender do preço acordado.

9) O Réu subscreveu a declaração que dos autos é fls. 22, datada de 20 de julho de 2012, denominada "autorização de representação e exclusividade", declarando conceder á sociedade E... autorização e poderes para contactar e negociar, em sua representação a sua transferência e celebração do respetivo contrato de trabalho desportivo com o clube de futebol "E..., em regime de exclusividade, no período decorrente entre a presente data e 15 de agosto de 2012. "

10) S... e M..., gerentes da Autora, solicitaram que a autorização fosse subscrita em nome de E..., porquanto ponderavam proceder à alteração da denominação desta para E..., Lda.

11) O Réu foi contactado por S... e M..., que se vieram a apresentar como representantes da E..., Lda .

12) O Réu subscreveu o documento nº 3 junto à p.i., apenas e na convicção que lhe foi criada pelo Sr. S... de que a E... Lda. o podia representar legitimamente junto do clube de futebol.

13) S... e M... contactaram a sociedade espanhola P... S.L., a qual tinha contactos no clube E..., com vista à negociação dos termos do contrato de trabalho desportivo a celebrar entre o clube espanhol e o Réu.

14) S... e M... assinaram em nome da E... e J... e outro em nome da P... S.L., acordo que dos autos é fls. 23 a 28, denominado "contrato de mandato" em 20 de Julho de 2012, conferindo a primeira ao segundo poderes a esta para negociar diretamente com o clube espanhol os termos da transação do jogador mediante remuneração .

15) A P..., através de J... contactou S..., do clube E..., mediante correio electrónico datado de 21 de Julho de 2012, pelas 19h02, apresentando-se como representante do Réu, cfr. cópia de e-mail que se junta devidamente traduzido para Português fls. 34 .

16) Em 22 de Julho de 2012, os representantes da Autora, M... e S..., viajaram para Barcelona, tendo regressado no dia seguinte pelas 20h10, e durante a estadia em Barcelona, os acima referidos, juntamente com os representantes da P... e os advogados desta, reuniram por duas vezes com o diretor desportivo do E..., R..., com o próprio presidente da Direcção, J..., nas instalações do clube.

17) Nessas reuniões o clube espanhol contrapropôs um contrato por duas épocas desportivas, com uma remuneração total líquida de € 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil Euros, a que correspondia a remuneração líquida no valor de € 750.000,00 (setecentos e cinquenta mil Euros) por cada época desportiva.

18) O Réu deu instruções à Autora para declinar a proposta apresentada.

19) O Réu manteve-se intransigente declarando que jamais poderia assinar mediante o valor de retribuição proposto .

20) Nas mesmas reuniões estiveram também presentes advogados, na qualidade de consultores jurídicos do E....

21)  A possibilidade da contratação do Réu por parte do E... começou a ser divulgada na imprensa escrita no dia 14 de Agosto de 2012, figurando num artigo do jornal desportivo "A Bola".

22) Nem a E... Lda nem os representantes desta, nem Autora, nem os seus sócios, se encontram registados em qualquer organismo como agentes de jogadores ou empresários de jogadores.

23) E em 17 de Agosto de 2012, a confirmação da contratação do R. foi amplamente noticiada na imprensa Espanhola.

Inconformada, recorre a Autora, concluindo que:

 - Através do presente recurso, a recorrente pretende colocar em crise a questão da não condenação do recorrido S... no pedido formulado por aquela, recorrendo-se de direito e de facto.

- Na verdade, o Meritíssimo Juiz "A quo" absolveu o recorrido da totalidade do pedido da recorrente.

-  Salvo o devido respeito que é muito, a decisão deveria ter sido no sentido contrário, ou seja, o recorrido S... deveria ter sido condenado no pedido da petição inicial relativo às remunerações pelos serviços de intermediação prestados e que foram provados em sede de audiência discussão e julgamento.

 - Pois, salvo o devido respeito pelo Meritíssimo Juiz "A Quo", que é muito, existiu uma errada apreciação da prova produzida em audiência de discussão julgamento, bem como, uma errada interpretação dos requisitos atinentes à determinação do contrato, interpretação essa em clara contradição com os factos dados como provados e até com a própria motivação da sentença, que levou à improcedência da acção contra o recorrido S...

- Diz-nos a alínea c) do n° 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil que: "É nula a sentença quando (. . .) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível(. . .)"

-  Com efeito, o Sr. Juíz "a quo" no ponto C) relativo à motivação da matéria de facto , mais precisamente na alínea c) relativa à concretização da convicção refere que: "(.  . .), a resposta dada aos seguintes pontos da matéria de facto provada e não provada fundou-se (...).13, 14, 15, 16, 17 no depoimento de J... (...)  ".

- Ora, salvo o devido respeito, não se percebe como é que o Sr. Juíz "a quo", pode concretizar a sua convicção no depoimento de J..., dado que, apesar de tal testemunha ter sido indicada na Contestação como testemunha, o certo é que nunca foi ouvida enquanto tal. .

- Atente-se que não consta nenhum depoimento da supra referida testemunha gravado e não consta em nenhuma das actas de audiência de discussão e julgamento que a mesma tenha sido ouvida, ou tenha estado presente. 

 - Estatui o artigo 607º, n° 4 que "Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (. .  .)", 

 - Ora, salvo o devido respeito, questiona-se como é que o Sr. Juiz "a quo" poderia ter fundamentado a sua convicção no depoimento de uma testemunha inexistente? E como poderia conjugar o alegado depoimento com o depoimento de testemunhas que efectivamente o prestaram? 

- Portanto, salvo o devido respeito, que é muito, a sentença recorrida enferma da nulidade prevista no citado artigo 615º n° 1 alínea c), porquanto ocorre obscuridade que torna a decisão ininteligível.

- Nesse sentido apontam, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09 de Julho de 2014 e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Dezembro de 2014.

Sem prescindir, 

- Com efeito, ficaram provados (entre outros factos) que a recorrente conhecia o interesse efetivo do clube E... nos préstimos do recorrido, S..., um dos sócios da recorrente, no dia 16 de Julho de 2012, contactou J..., amigo do Recorrido e que o assistia, por via telefónica, deu-lhe conhecimento que poderia haver interesse do clube E... em contar com este para a época desportiva seguinte e adquirir os direitos económicos e desportivos do Recorrido (vide factos 6 e 7 dos factos dados como provados da sentenca recorrida).

- Mais ficou provado, que o Recorrido mostrou-se recetivo ao eventual ingresso no plantel da equipa espanhola, fazendo-o depender do preço acordado e por isso subscreveu a declaração que dos autos é fls. 22, datada de 20 de julho de 2012, denominada "autorização de representação e exclusividade", declarando conceder á sociedade E... autorização e poderes para contactar e negociar, em sua representação a sua transferência e celebração do respetivo contrato de trabalho desportivo com o clube de futebol "E..., em regime de exclusividade, no período decorrente entre a presente data e 15 de agosto de 2012. (vide fàctos 8 e 9 dos fàctos dados como provados da sentença recorrida).  

- Ficou ainda provado, que a recorrente contactou a sociedade espanhola P... S.L., a qual tinha contactos no clube E..., com vista à negociação dos termos do contrato de trabalho desportivo a celebrar entre o clube espanhol e o Recorrido e que em 22 de Julho de 2012, os representantes da Recorrente, M... e S... viajaram para Barcelona, tendo regressado no dia seguinte pelas 20h10 e, durante a estadia em Barce1ona, os acima referidos, juntamente com os representantes da P ... e os advogados desta, reuniram por duas vezes com o diretor desportivo do E..., R..., com o próprio presidente da Direcção, J..., nas instalações do clube. (vide factos 13 e 16 dos fàctos dados como provados da sentença recorrida) .

- E por outro lado, o Tribunal "a quo" dá como não provado que os termos do contrato assinado entre o Recorrido e o E... são os mesmos negociados pela Autora; que a contratação do Recorrido por parte do E... se deveu única e exclusivamente à ação de intermediação da Recorrente; que a título de remuneração, a Recorrente e o Recorrido acordaram que o Réu pagaria à Autora uma comissão equivalente a 10% do valor total líquido do contrato a auferir pelo Réu pelo seu contrato de trabalho com o clube espanhol e que a título de remuneração, a Autora acordou que o E... lhe pagaria uma comissão, também equivalente a 10% do valor da retribuição líquida e benefícios a auferir pelo Réu pelo mesmo contrato de trabalho..

 - Contudo, com o devido respeito, a recorrente discorda da parte do conteúdo da sentença proferida no processo acima referido, que refere" (...) não foram apresentados elementos de prova seguros quanto a esta matéria. (...) "

- Ora, sem prescindir, quanto ao que se alegou quanto à nulidade da sentença, a recorrente demonstrou claramente que a contratação do Recorrido por parte do E... se deveu única e exclusivamente à sua ação de intermediação.  

- Na verdade, a testemunha J..., reconhece que antes do contacto da recorrente, o Recorrido nem sequer equacionava em sair do clube turco onde se encontrava.

-  No que concerne aos valores acordados entre recorrente e recorrido pelos serviços de negociação que foram prestados pela recorrente, os mesmos também ficaram provados, aliás conforme se pode aferir, pelo depoimento da testemunha M...,  uma vez que, o mesmo presenciou e participou nas negociações realizadas na supra mencionada reunião.  

- Ora, decorre ainda do depoimento da supra mencionada testemunha, que no que concerne à parte que o clube teria que pagar à Recorrente o mesmo só poderia pagar um mínimo de 7,5%, caso o negócio se concluísse..  

- Também das declarações de parte do sócio da Recorrente, S..., decorre que em contacto telefónico com J..., amigo e assistente do recorrido, lhe transmitiu" no mínimo 10% são seguros para ti".

- Face ao exposto, teria que pelo menos ser dado como provado que a título de remuneração, a Recorrente receberia uma comissão equivalente a 10% do valor total líquido do contrato a auferir por aquele pelo seu contrato de trabalho com o clube espanhol e que a título de remuneração, a Autora acordou que o E... lhe pagaria uma comissão, no mínimo equivalente a 7,5% do valor da retribuição líquida e benefícios a auferir pelo Réu pelo mesmo contrato de trabalho, conforme decorre dos supra mencionados depoimentos.

Posto isto,

- Apesar da recorrente não ter fechado o negócio com o clube E..., certo é que, foi confirmada, em 17 de Agosto de 2012, a contratação do recorrido por aquele clube.

- E a recorrente, na pessoa do seu representante legal, S... tomou conhecimento de que os moldes em que a contratação do recorrido foi feita, foi a mesma que a recorrente havia inicialmente negociado com o clube E....

- E, nesse sentido, com o devido respeito, discorda-se da sentença quando se estabelece que não foi possível apurar com segurança que os termos do contrato assinado entre o Recorrido e o E... são os mesmos negociados pela Recorrente. 

- Bem como foi possível apurar com segurança os valores acordados relativos à remuneração e que a contratação do Recorrido por parte do E... se deveu única e exclusivamente à sua acção de intermediação.  

- Pois, na verdade, ficou claramente evidenciado tudo o supra exposto, ficando assim também demonstrado o incumprimento no pagamento pelo recorrido à recorrente dos valores acordados.

Sem prescindir ainda,  

- Face a tudo o que supra se alegou dúvidas não existem que o recorrido celebrou um contrato com a Recorrente, dando-lhe poderes para contactar e negociar em seu nome, a transferência e o consequente contrato de trabalho desportivo com o clube de futebol E...

- Sendo certo que, a sentença recorrida considerou que o acordo realizado se encontrava regulado pela Lei n° 28/98 de 26 de Junho.

- Com efeito, entende-se que atendendo à denominação contratual e aos serviços efectivamente prestados pela recorrente parece que o contrato em apreço constitui antes um contrato de prestação de serviços, que pelo seu objecto e condições deve ser regido pelas regras gerais previstas nos art. 1154° e ss do Código Civil, e não pelo regime estabelecido no art. 23° da Lei nº 28/98, de 26 de Junho. 

 - Com efeito, na situação sub judice a Recorrente propôs-se a desenvolver no interesse e/ou em representação do Recorrido, a benefício da carreira desportiva deste e a contactar e a negociar uma possível transferência e celebração de contrato de trabalho do recorrido com o clube E....

- Portanto, salvo devido respeito por entendimento diferente, as funções acometidas à Recorrente e a actividade própria relativa ao seu desempenho em face do negócio em causa evidenciam aspectos próprios de um contrato de mandato com representação - cf. art°s.1154 e ss. e 1157 e ss. CC.

- Diz-nos o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Março de 2014 que  :"(...) Por regra, o contrato de prestação de serviços desempenhado pelo empresário desportivo no agenciamento de um contrato de trabalho desportivo, seja para praticantes, seja para treinadores, constitui um contrato de prestação de serviços atípico, aplicando-se-lhe o regime do mandato. (...)" 

- Acresce que o contrato de prestação de serviços atípico, não regulado especialmente, que abrange uma enorme variedade de vínculos jurídicos, designadamente os contratos de prestação de serviços desempenhados pelos empresários desportivos no agenciamento de contratos de trabalho desportivo para praticantes e treinadores, tal como, aliás, é propugnado por André Dinis de Carvalho.

- Nestes casos, aplica-se ao contrato de prestação de serviços atípico o regime do mandato, como resulta do disposto no art. 1156.° do CC.

- Em contrapartida, tratando-se de contratos onerosos, como obrigação principal do mandante surge a de pagamento da retribuição que ao caso competir, de harmonia com a regra consagrada no art. 1167.°, al. b), do CC (vide Ac. STJ de 20 de Março de 2014).  

- Decorre do supra exposto, que o contrato não foi pontualmente nem integralmente cumprido nos termos dos artigos 406°, nº l e 763, nº 1, ambos do Código Civil.

- Pelo que, estamos perante um incumprimento de uma obrigação assumida em sede contratual pelo recorrido S....  

- Com efeito a Recorrente realizou todas as diligências necessárias com vista à contratação do recorrido pelo clube E..., contudo, não foi pago o preço, logo houve um incumprimento do contratante. 

- Sendo certo, que também, não existe nenhum facto provado em sede de audiência de discussão e julgamento, que desresponsabilize o recorrido do quadro do incumprimento culposo por falta de pagamento do preço. 

- Ora, face ao supra exposto, fácil será de concluir que a recorrido não preencheu o disposto n° 2 do artigo 342° do CC, muito pelo contrário.

- Mas, no nosso modesto entendimento, a recorrente cumpriu o nº 1 daquele preceito, nem que seja quanto a uma boa parte, uma vez que é dado como provado que os representantes da recorrente "M... e S..., viajaram para Barcelona,  (...) juntamente com os representantes da P... e os advogados deste, reuniram por duas vezes com o director desportivo do E..., R... com o próprio presidente da Direcção, J..., nas instalações do Clube".

-  Ora, face ao supra referido, não poderia ser outra a decisão que não a condenação da recorrida nos termos peticionados da petição inicial ou, pelo menos, em grande parte desses termos peticionados.  

- Na modesta opinião da recorrente não pode haver dúvidas que o recorrido é devedor da quantia peticionada pela recorrente in totu, até porque o mesmo se fez valer das negociações realizadas pela Recorrente para concluir o contrato com o clube E.... 

- Como tal, impunha-se decisão diversa, ou seja, a condenação do recorrido no pedido formulado pela recorrente, ou pelo menos, na grande parte daquele, que foi provado.

- Sendo certo que, os documentos juntos pela recorrente, nomeadamente, em sede de discussão e julgamento, não foram impugnados pela recorrida (pelo que, constituem prova aceite pela recorrida).  

- Tais documentos não impugnados e aceites, em conjugação com o depoimento das testemunhas supra mencionadas e o documento de fls,  22,  permitiam e obrigavam uma decisão diversa que condenasse o recorrido na totalidade do pedido ou, sem prescindir, em grande parte do mesmo, atenta a equidade.

- Face ao supra exposto, a sentença recorrida violou, a nosso ver, e entre outros o disposto nos artigos 615° n° I alínea c) do Código de Processo Civil e artigos 342.°, 343.°, 1154°, 1157°, 1167.°, alínea b), 406.° e 762.°, todos do Código Civil;

O Réu contra-alegou sustentando a bondade da decisão recorrida.

Cumpre apreciar.

O presente recurso assenta em três pontos fundamentais:

a) nulidade da sentença por ter o Mº juiz fundamentado a decisão factual em depoimento de testemunha que nunca chegou a ser ouvida;

b) matéria de facto provada, nomeadamente quanto aos termos do contrato celebrado entre as partes e quanto aos termos do contrato celebrado entre o Réu e o clube E...; 

c) qualificação jurídica do contrato celebrado entre Autora e Réu.

Quanto à nulidade.

Na fundamentação da decisão factual, o tribunal menciona o depoimento da testemunha J... a propósito dos pontos nºs 13 a 17 da matéria provada e dos nºs 2, 3, 6, 7, 8 e 9 da matéria não provada.

Ora, consultando as actas das sessões de julgamento, de 09/03/2016, 11/03/2016 e 31/03/2016, constata-se que a testemunha J... nunca chegou a ser ouvida, não comparecendo sequer no tribunal.

A fls. 328, vem o Mº juiz a quo apreciar a invocada nulidade, dizendo que de facto ocorreu um lapso de escrita, já que o nome da testemunha a que se queria referir era M....

Com efeito, na fundamentação da decisão de facto, na parte relativa à prova por declarações menciona-se M..., sublinhando-se ter ele referido que se o processo for procedente receberá uma comissão. Depois, relata-se as declarações desta testemunha relativamente à viagem a Barcelona de M... e S... para negociações com o director desportivo do E... e com o próprio presidente do clube.

Mais adiante, a respeito dos nºs 13 a 17, atribuem-se tais declarações a J... igualmente salientando que este tem nítido interesse na causa.

Parece evidente que o Mº juiz a quo se está a referir a M... mesmo quando, por lapso, menciona o nome de J...

Essa troca de nomes constitui um manifesto lapso, que o Mº juiz corrigiu no seu despacho de fls. 328 e que é patente pela mera leitura da fundamentação da decisão de facto.

Julgando-se assim sanada a invocada irregularidade.

A recorrente insurge-se contra a decisão de facto, na parte em que julgou como não provada a matéria correspondente aos artigos 62º e 63º, 64º, 76º e 77º da petição inicial. Alega que tal matéria ficou demonstrada através dos depoimentos de J..., M... e das declarações de parte do representante da Autora, S.... 

Relativamente ao teor do contrato celebrado entre o recorrido S... e o clube E..., concordamos com o Mº juiz a quo quando afirma que não foi feita prova dos seus termos, nomeadamente que estes sejam os mesmos que haviam sido negociados pela Autora.

O depoimento de J..., delegado técnico do E...l, para além de vago e de referenciar uma outra entidade envolvida no negócio – a G... – menciona valores diferentes. M... afirma desconhecer o teor do contrato. O mesmo se diga da testemunha J..., amigo do Réu.

Só o representante legal da recorrente, S..., afirmou que o contrato foi idêntico ao inicialmente negociado, embora oscile entre os valores de 3 e 4 milhões de euros.

Desacompanhado de outras provas, este depoimento de alguém que tem interesse directo no desfecho da causa como representante da parte, não se nos afigura suficientemente convincente, até porque no seu depoimento, M... foi peremptório ao referir que o E...l deixou claro que não poderia pagar mais de 3 mihões já que à data se encontrava intervencionado, com um administrador judicial, que estabelecia os limites das despesas que o clube estava autorizado a fazer.

No decurso da produção de prova falou-se ainda de outros elementos que eventualmente poderiam ter integrado o contrato, como seja uma cláusula visando o direito de imagem.

Mas, na realidade, dados os limites então impostos legalmente ao E..., as declarações de S... não permitem alcançar uma conclusão quanto o teor do contrato, sobretudo face às declarações de M... e do próprio J... (que igualmente mencionou que o clube estava dependente de um administrador, na parte financeira, nomeado pela Liga Espanhola devido a dívidas não pagas a atletas e fornecedores).

Pelo que nada há alterar ao nº 4 da matéria dada como não provada.

Pretende ainda a recorrente que se dê como provado que “a contratação do Réu por parte do E... se deveu única e exclusivamente à acção de intermediação da Autora”.

Também aqui discordamos da recorrente.

Na verdade, as negociações entre a Autora e o E... foram abandonadas quando o clube se mostrou intransingente em ir além de 3 milhões de euros e de 7,5% de comissão. M... e J... referiram que o jogador S... recusou a verba apresentada pelo E... De resto, J... acrescentou que S... se mostrou muito descontente com S... e o outro sócio da Autora, por darem mostras de desconhecerem o regime fiscal vigente na Catalunha, nomeadamente no tocante a jogadores estrangeiros, afirmando que neste caso os impostos e outros descontos podiam chegar aos 50%. Uma vez que o contrato era celebrado por duas épocas, a verba ilíquida de € 3.000.000,00 teria de ser dividida por 2, € 1.500.000,00. Depois dos descontos, o jogador ficaria a receber cerca de € 750.000,00 por ano. Ora, tendo em conta que, à data, S... jogava no clube turco B..., com o qual tinha um excelente contrato, tais valores salariais não o interessavam minimamente. 

Quando S... contactou telefonicamente J... para lhe comunicar existir interesse do E...l na contratação de S..., mencionou a verba de 4 milhões por duas épocas e foi nessa base que J... comunicou tais dados a S... tendo até, como referiu no seu depoimento, insistido com o jogador para que aceitasse, não só pelo montante envolvido, como porque ficaria mais próximo da família.

O mesmo J... afirmou que fez pesquisas àcerca da empresa que S... dizia representar, E..., não tendo conseguido obter quaisquer informações a respeito desta e da sua própria existência.

Quando o E... se mostrou irredutível em não ultrapassar a fasquia dos três milhões e conhecendo o regime fiscal prevalecente na Catalunha, muito penalizador sobretudo para jogadores estrangeiros – conhecimento que lhe advinha do facto de ter jogado vários anos nessa região – S... rescindiu a autorização de representação com exclusividade – ver fls. 22 -  que celebrara com a E....

Não vislumbramos assim motivos para alterar o nº 5 da matéria dada como não provada pelo tribunal a quo.

Quanto à questão das comissões.

A recorrente alega que estava acordado que receberia 10% do valor líquido do contrato – e a pagar por S... – e igualmente 10% mas estes pagos pelo clube E... Contudo, o clube recusou pagar mais de 7,5%. Isto resultou dos depoimentos de S... e de M..., mas foi negado por J... que sustentou que a comissão, se existia, seria a pagar apenas pelo clube espanhol.

Tendo em atenção que, quer S... quer M... têm interesse directo nesta matéria, um por ser o legal representante da Autora e o outro porque teria a haver comissões em caso de procedência da acção, a Mª juiz optou por dar a matéria como não provada.

Em nosso entender, e até por uma questão de senso comum, parece evidente que a Autora não iria ter a iniciativa de intervir num negócio destes, em representação de S..., com uma deslocação a Barcelona do seu sócio gerente S..., caso não tivesse algum proveito no mesmo. Acresce que no contrato de mandato celebrado entre a E... e a P... SL – ver fls. 23 e seguintes – a E... se obriga a remunerar a P... pelas negociações  com o E... e resultado das mesmas, no valor correspondente a 50% sobre o valor da comissão acordada que seria de 10% do valor total do contrato.

Face a isto, entendemos que deve ser dada uma resposta restritiva a tal factualidade, nos seguintes termos:

“A título de remuneração, a Autora teria direito a uma comissão equivalente, pelo menos, a 10% do valor total líquido do contrato a auferir pelo Réu, sendo o pagamento realizado pelo Réu e pelo clube E... em proporção que não ficou apurada”.

Passando agora à integração jurídica da factualidade.

Contrariamente à recorrente, entendemos que é aqui aplicável o regime da Lei nº 28/98 de 26/06.

No documento de fls. 22, o jogador S... “concede autorização à empresa E... Lda (...) doravante designado por Representante, para contactar e negociar em sua representação, a sua transferência e celebração do respectivo contrato desportivo com o clube de futebol E..., em regime de exclusividade, no período decorrente entre a presente data e 15 de Agosto de 2012”.

Ora, o art. 2º d) da mencionada Lei nº 28/98 dispunha que era empresário desportivo a pessoa singular ou colectiva que, estando devidamente credenciada, exerce a actividade de representação ou intermediação, ocasional ou permanente, mediante remuneração, na celebração de contratos desportivos.

A actividade que a Autora realizou, em representação do Réu, foi exactamente de contactar e negociar com o E... a celebração de contrato desportivo como jogador de futebol. Fazendo-o mediante remuneração.

Não vemos razão para excluir o contrato dos autos do regime então estabelecido pela Lei nº 28/98.

Sucede que, nos termos do art. 22º nº 1 da aludida Lei nº 28/98, “só podem exercer actividade de empresário desportivo as pessoas singulares ou colectivas devidamente autorizadas pelas entidades desportivas, nacionais ou internacionais, competentes”.

E o art. 23º determinava que “os empresários desportivos que pretendam exercer a actividade de intermediários na contratação de praticantes desportivos devem registar-se como tal junto da federação desportiva da respectiva modalidade que, para este efeito, deve dispor de um regisme organizado e actualizado”.

Finalmente, o nº 4 do mesmo preceito previa que “os contratos de mandato celebrados com empresários desportivos que se não encontrem inscritos no registo referido no presente artigo, bem como as cláusulas contratuais que prevejam a respectiva remuneração pela prestação desses serviços, são considerados inexistentes”.

E isto é verdade quer se trate de representação pelo empresário de uma sociedade desportiva, com vista à contratação de um jogador, quer o empresário represente o jogador para negociação de um contrato com uma sociedade desportiva.

Como se refere na decisão recorrida, a Regulamento dos Agentes de Jogadores da FIFA, de 2008, não tem aqui aplicação, na medida em que nele se prevê a possibilidade de o jogador ser representado por advogado, de acordo com as regras vigentes no seu país de domicílio, e a Autora não é advogada nem actuou nessa qualidade.

A Autora não se encontrava registada ou credenciada para o exercício da actividade de empresária desportiva, quer junto da Federação Portuguesa de Futebol quer junto da Liga Portuguesa de Futebol.

Logo, o contrato que invoca será inexistente, e portanto sem aptidão para produzir efeitos jurídicos.

A tese da recorrente de que estaríamos perante um contrato de mandato com representação, nos termos do art. 1154º do Código Civil, não nos parece aceitável, desde logo porque, existindo um regime jurídico específico visando regular (e disciplinar) a actividade dos agentes desportivos nas contratações de jogadores, é esse que deve ser aplicado quando a situação em apreço consiste exactamente na representação de um jogador profissional num contrato de trabalho desportivo com um clube ou sociedade desportiva.                                                                                                   

A não ser assim, estaria encontrado um expediente para que, agentes ou empresários que, por qualquer razão não estão registados nas respectivas federações, pudessem praticar a actividade de intermediação na contratação de jogadores – negócio que, como é do conhecimento geral, se mostra altamente apetecível – exactamente como os empresários que, cumprindo a lei, estão devidamente registados, tornando inútil a Lei nº 28/98.

Assim, o contrato pelo qual um empresário desportivo representa um jogador profissional de futebol na negociação de um contrato de trabalho desportivo com um clube ou sociedade desportiva, mediante remuneração, embora se trate obviamente de uma modalidade de mandato com representação, estava à data dos factos sujeito à regulamentação específica da Lei nº 28/98, nomeadamente no que toca aos critérios para qualificação da figura do empresário desportivo.

No tocante à questão abordada na sentença recorrida e atinente ao eventual enriquecimento sem causa, constata-se que não se acha provado que exista enriquecimento do Réu à custa da Autora. O que se apurou foi que, estando o clube espanhol interessado no jogador S... e, sabendo disso, a E... comunicou a um amigo do jogador, J..., esse interesse e a possibilidade de celebrar um contrato por € 4.000.000,00 ilíquidos.

Mas as negociações posteriores mostraram que o clube não aceitava pagar mais de € 3.000.000,00 ilíquidos, verba que não interessava ao jogador.

Tendo em seguida o jogador, por si só, sem intervenção da E..., alcançado um acordo com o E... em termos que se desconhecem.

Não se pode falar de enriquecimento já que, com a intervenção da E... em representação do Réu não foi celebrado qualquer contrato, cessando as negociações.

Não se vislumbra que o Réu tenha integrado no seu património valores que determinam, concomitantemente, um empobrecimento da Autora, uma diminuição no seu património, sem causa legalmente justificativa – art. 473º nºs 1 e 2 do Código Civil.

Aquilo em que a Autora centrou a causa foi no incumprimento contratual, em circunstâncias que aqui excluem o enriquecimento sem causa.

E sendo o contrato nulo (ou inexistente) não pode produzir quaisquer efeitos entre as partes.

Conclui-se assim que:

-  Tendo uma empresa negociado em 2012, com um clube desportivo, a celebração de um contrato de trabalho desportivo entre aquele e um jogador de futebol, por si representado, é aplicável a Lei nº 28/98 de 26/06.

-  Não estando essa empresa registada enquanto empresária desportiva na Federação Portuguesa de Futebol ou na Liga Portuguesa de Futebol, o contrato de mandato entre a empresa e o jogador é nulo, ou inexistente, nos termos do nº 4 do art. 23º da aludida Lei.

Termos em que improcede a apelação.

Custas pela apelante.

LISBOA, 01/06/2017

António Valente

Ilídio Sacarrão Martins

Teresa Prazeres Pais