Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
537/20.5T8BRR.L1-4
Relator: SÉRGIO ALMEIDA
Descritores: ASSÉDIO SEXUAL
ANTERIOR RELACIONAMENTO SEXUAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I.  Sendo assédio sexual o comportamento indesejado de carácter sexual, sob forma verbal, não verbal ou física, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador (art.º 26 , n.º 2 e 3 do Código do Trabalho), redunda numa conduta intensamente violadora dos deveres do empregador para com o trabalhador, nomeadamente a título de discriminação ou outro, ofensiva dos valores protegidos pela norma a respeito da integridade psíquica e moral deste, finalisticamente dirigida a um objetivo ilícito ou pelo menos eticamente reprovável.

II. O mero facto de um relacionamento voluntário de natureza sexual entre o sócio-gerente da empregadora e a trabalhadora a partir de certo momento se ter degradado, não significa só por si que passou a ter lugar sem o consentimento e mediante assédio sexual desta.

(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
Autora (A.) e recorrente: AAA
Ré (R.) e recorrida:  BBB

A A. intentou esta ação alegando que resolveu com justa causa o contrato de trabalho que a vinculava à Ré, porquanto foi assediada sexualmente pelo gerente da Ré, (…), desde setembro de 2016, através de contactos sexuais não desejados, envio de fotografias e vídeos; noutras ocasiões o gerente da Ré apalpava a Autora e atirava-a para cima de sofás. Em 4 de setembro de 2018 a Autora deu conhecimento à outra gerente da Ré, esposa de (…), do que se passava, mas a gerente da Ré passou a tratá-la mal, o que a levou a entrar de baixa em 7 de setembro de 2018 e a resolver o contrato de trabalho. Os factos provocaram-lhe danos psicológicos que pretende ver ressarcidos.
Pediu que seja julgada lícita a resolução do contrato de trabalho por parte da Autora e a Ré condenada a pagar-lhe:
 a) €26.544,00 a título de indemnização por resolução por justa causa;
b) A quantia de 80.000,00€, a título danos morais;
c) A quantia de 1.000,00€, a título de danos patrimoniais;
d) As diuturnidades vencidas e não pagas, incluindo subsídio de férias, Férias e subsídio de Natal, desde janeiro de 2002 a dezembro de 2018 no montante global de 2.805,40€.
e) As férias e respetivo subsídio de férias vencidas em 1 de janeiro de 2019, no valor de 1.664,00€.
f) As diferenças salariais pagas nas férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, correspondendo à média anual auferida nos últimos doze meses de cada ano, desde janeiro de 2004 até 31 de dezembro de 2018 a título de abonos para falhas no montante global de 1920,00€; e a título de subsídio de deslocação no montante global de €247,50.
Não havendo acordo, a R. contestou, excecionando a caducidade do direito de resolução do contrato; e o pagamento do subsídio de deslocação. Impugnando, alega que os pagamentos alegados pela Autora eram abono para falhas e impugna o crédito de diuturnidades. Quanto aos fatos relativos ao assédio sexual alega que a relação foi recíproca e mutuamente consentida. O envio de imagens e vídeos de cariz erótico era realizado com reciprocidade. A Ré impugna que o seu gerente tenha apalpado ou realizado qualquer contato sexual não desejado com a Autora. Alega que a A. apenas em 29 de novembro deu conhecimento dos factos à gerente da Ré e não em 4 de setembro, e, considerando que a Autora se encontra de baixa desde 7 de setembro, não se verificou qualquer comportamento persecutório por parte da gerente da Ré. Quanto ao pedido de danos morais, correm termos ação penal pelos mesmos factos, pelo que teriam de ter sido reclamados no processo-crime, nos termos do art.71.º, do CPP. Conclui peticionando a condenação da Autora como litigante de má-fé por alterar a verdade dos factos.
A Autora respondeu à matéria de exceção, pugnando pela sua improcedência.
Saneados os autos e efetuado o julgamento, o tribunal julgou a ação parcialmente procedente por provada e decidiu:
i) Condenar a Ré a pagar à Autora €1.632,00, a título de férias e subsídio de férias proporcionais, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos contados desde o vencimento (25/02/2019) e até integral pagamento.
ii) Condenar a Ré a pagar à Autora €750,00, a título de subsídio de férias, à razão de €40,00 por cada ano de 2004 a 2008, e no valor de €50,00 por cada ano de 2005 a 2019, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos contados desde o vencimento, por referência a cada ano de vencimento e até integral pagamento,
iii) Absolver a Ré do mais peticionado.
iv) Condenar a Autora como litigante de má-fé no pagamento de multa de 2UC’s.
Inconformada, a A. apelou, apresentando motivação e concluindo:
(…)
Não se veem contra-alegações nos autos.
*
O MºPº teve vista, pronunciando-se no sentido da confirmação da sentença.
As partes não responderam ao parecer.
Foram colhidos os vistos legais.
FUNDAMENTAÇÃO
Cumpre apreciar neste recurso – considerando que o seu objeto é definido pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e excetuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras, art.º 635/4, 608/2 e 663, todos do Código de Processo Civil – se a decisão de facto merece a censura que lhe é efetuada e se, em face disso, existe assédio e com que consequências.
Do recurso da matéria de facto
(…)
Deste modo, sendo manifesta a falta de razão da recorrente, mantém-se a resposta dada, nada se alterando em sede de matéria de facto.
São estes os factos apurados nos autos:
1. Em 3 de julho de 2000, mediante contrato escrito, a Autora foi admitida ao serviço da Ré para (prestar atividade) no interesse e sob as ordens, direção e fiscalização desta última, constando do respetivo contrato que teria a categoria profissional de Rececionista.
2. No âmbito do contrato descrito no número anterior, na cláusula 4, constava que à data de admissão, para efeitos de antiguidade, conta desde 21 de outubro de 1997, data em que foi admitida na Firma (…)  e depois transferida, desta para o quadro da primeira contratante, com todos os direitos e regalias que auferia naquela empresa.
3. No âmbito do contrato celebrado com a Ré, à data de 25 de fevereiro de 2019, a Autora recebia como contrapartida:
a) 816,00€ a título de vencimento base.
b) 6,40€ por cada dia útil, a título de subsídio de alimentação.
c) 50,00€ a título de abono para falhas.
d) 30,00€ a Título de subsídio de transporte.
4. A Autora não recebia diuturnidades;
5. A Autora é sindicalizada do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal, com o número de associado ….
6. A Autora recebeu quantias mensais para falhas no montante inicial de €40,00 desde janeiro de 2004 a dezembro de 2008, e de €50,00, desde janeiro de 2009, pagas todos os meses e durante o ano, com exceção do mês de férias.
7. A função de caixa da Ré sempre foi feita pelas rececionistas.
8. A gerência da Ré promoveu uma reunião com as três rececionistas, tendo ficado acordado que a Ré passaria a pagar a quantia mensal de €40,00 como abono para falhas, assumindo aquelas a responsabilidade pelos valores eventualmente em falta ao fim do dia.
9. A Autora recebeu quantias mensais a título de subsídio de deslocação desde janeiro de 2006, no montante de 30,00€ e foram pagas todos os meses durante o ano, com exceção do mês de férias.
10. No subsídio de férias, férias e subsídio de Natal a Autora só recebeu o vencimento base, excluindo as diuturnidades, subsídio abono para falhas e subsídio para deslocação.
11. A Clínica BBB está dividida fisicamente em rés-do-chão e cave.
12. No rés-do-chão funciona a receção e sala de espera.
13. Na cave funciona a parte clínica.
14. A Autora sempre desenvolveu a sua atividade no rés-do-chão.
15. O sócio-gerente da Ré (…) sempre desenvolveu a sua atividade na cave.
16. A atividade de receção era assegurada por três rececionistas.
17. O horário de abertura da clínica é às 8:00 horas e o de encerramento pelas 22:00 horas.
18. O horário das rececionistas for sempre acordado entre elas.
19. No dia 30 de setembro de 2016, quando à saída de uma festa de confraternização organizada pela empresa, que teve lugar no Restaurante/Discoteca …”, em Lisboa, cerca das 2h 30 m, já do dia 01 de outubro de 2016, o sócio-gerente da Ré (…) partilhou um táxi com a Autora para se dirigirem para Campo de Ourique, em Lisboa, onde estava parqueado o veículo da Autora,
20. Nesse trajeto a Autora esfregou os órgãos genitais do sócio-gerente da Ré (…).
21. A partir daquela data o sócio-gerente da Ré (…) enviou para o telemóvel nº (…), pertença da Autora, do telemóvel do Sr. (…), vídeos e imagens nas quais são mostrados os seus órgãos genitais a masturbar-se.
22. Assim, foram enviados entre outros vídeos do seu telemóvel (…) para o da Autora nº (…) nos dias:
25.03.2017 ficheiro MOV tamanho 9781 KB;
13.04.2017 ficheiro MOV tamanho 5679 KB;
31.05.2017 ficheiro MOV tamanho 5285 KB;
03.06.2017 ficheiro MOV tamanho 16262 KB;
13.06.2017 ficheiro MOV tamanho 3887 KB;
06.07.2017 ficheiro MOV tamanho 9704 KB;
10.8.2017 ficheiro MOV tamanho 2464 KB;
18.09.2017 ficheiro MOV tamanho 9704 KB;
14.10.2017 ficheiro MOV tamanho 2520 KB;
13.02.2018 ficheiro MOV tamanho 20023 KB;
01.03.2018 ficheiro MOV tamanho 4050 KB;
02.04.2018 ficheiro MOV tamanho 2520 KB;
12.06.2018 ficheiro MOV tamanho 9781 KB;
03.07.2018 ficheiro MOV tamanho 9781;
24.07.2018 ficheiro MOV tamanho 9317 KB;
23. E ainda imagens nos dias:
23.11.2017 Fotograma 1
17.01.2018 Fotograma 2
28.04.2018 Fotograma 3
27.07.2018 Fotograma 5
15.09.2018 Fotograma 6
23.06.2018 Fotograma 7
24. A Autora enviou ao sócio-gerente da Ré (…) fotos em lingerie, nua e a masturbar-se.
25. A Autora enviou ao sócio-gerente da Ré (…) vídeos seus a masturbar-se.
 26. Autora e o sócio-gerente da Ré (…) mantiveram contactos sexuais consentidos.
27. A Autora vive em união de facto, tendo uma filha com o seu companheiro.
28. O sócio-gerente da Ré (…)  é casado com a Srª (…).
29. Em data anterior a setembro de 2018 a Autora pediu à Ré que fosse feito um acordo de despedimento por extinção do posto de trabalho e que lhe fosse paga uma indemnização correspondente à sua antiguidade.
30. No dia 29 de novembro de 2018 a Autora enviou à outra sócia-gerente da Ré, Srª (…), esposa de (…), reencaminhando-lhe um vídeo e uma foto de (…) (camisola Belenenses –casa de banho de sua casa).
31. A Autora esteve de baixa médica desde o dia 7 de setembro de 2018 até à data da resolução do contrato de trabalho.
32. No dia 25 de fevereiro de 2019 a Autora comunicou à sua entidade patronal, por escrito, a resolução do seu contrato de trabalho com justa causa, tendo a mesma sido recebida em 26/02/2019, com o seguinte teor:
“Venho comunicar-lhe a imediata resolução, com justa causa, do contrato de trabalho celebrado no dia 21 de Outubro de 1997, nos termos do art.º 29º e n.º s 1 e 2 e alínea f) do art.º 394º do Código do Trabalho, por motivo de falta culposa de assédio sexual e moral, porquanto:
A signatária sentiu-se perturbada e constrangida a contacto de natureza sexual, devido ao comportamento indesejado e doloso praticado pelo sócio gerente Sr. Dr. (…), no local de trabalho, desde, pelo menos o dia 30 de Setembro de 2016, quando à saída de uma festa de confraternização organizada pela empresa, que teve lugar no Restaurante/Discoteca “(…), em Lisboa, cerca das 2 h 30 m, já do dia 01 de Outubro de 2016, entrou inesperadamente e à força, no táxi que a signatária tomou para se dirigir para Campo de Ourique, em Lisboa, onde estava parqueado o seu veículo, e acto continuo, com violência pegou na mão desta que estava fechada reagindo ao despautério do Sr. Dr. (…), tendo este continuado a forçar, até que conseguiu esfregar a mão da signatária nos seus órgãos genitais impondo à signatária que se mantivesse calada dada a presença do motorista do táxi.
Na verdade, a partir daquela data, quer de forma verbal, quer de forma não verbal, nomeadamente através de vídeos e imagens exibicionistas enviadas para o seu telemóvel nº (…) do telemóvel do Sr. (…), com fotos obscenas nas quais são mostrados os seus órgãos genitais a masturbar-se, e fisicamente, apalpando-a nas mamas, no rabo, nas ancas, atirando-a para cima dos sofás da clínica, constrangendo a contacto de natureza sexual.
Para lograr os seus intentos lascivos, obrigava a signatária a ficar na clínica depois das colegas saírem do posto de trabalho para a constranger a contacto de natureza sexual, manifestando o seu comportamento doloso, reiterado, indesejado e inadequado durante dois anos enquanto a signatária ia resistindo e se calava com receio de perder o seu posto de trabalho, sentindo-se cada vez mais vulnerável.
Face à obstinação do Sr. Dr. (…), a signatária passou a recear ir trabalhar para a clinica e sentindo-se deprimida, no fim das férias de 2018, depois de regressar ao trabalho e visto o Sr. Dr. (…) continuar com o seu comportamento exibicionista doloso de abuso sexual, mesmo durante as suas férias, resolveu no dia 4 de Setembro de 2018, dar conhecimento à outra sócia gerente empregadora, Srª Drª (…) mulher do Dr. (…) reencaminhando-lhe um vídeo e uma foto do Dr. (…), para provar o comportamento reiterado e doloso de abuso sexual deste.
A sócia-gerente, Srª Drª (…), reagiu com hostilidade à denúncia da signatária, impondo-lhe que abandonasse a clinica de imediato porque não a queria voltar a ver como trabalhadora da empresa, passando a persegui-la, não lhe dando trabalho, criando um ambiente degradante, humilhante e desestabilizador, virando as colegas de trabalho contra a signatária, factos estes que tiveram como consequência que a signatária entrasse no dia 7 de Setembro de 2018 de baixa psiquiátrica, sentindo-se angustiada e triste, sem auto estima e falta de confiança, com perturbação do sono, sendo-lhe prescrita medicação com antidepressivos conhecidos como inibidores selectivos da receptação da serotonina e com ansiolíticos.
Este quadro depressivo que a arrastou para a baixa psiquiátrica, trouxeram-lhe consequências nefastas para a sua saúde, durante cinco meses, não tendo condições psicológicas, nem físicas para retomar a sua actividade profissional, muito menos na empresa a que se encontra vinculada e aqui denunciada pelo comportamentos dos empregadores.
Aliás só agora a signatária reuniu condições psíquicas e físicas para resolver o contrato com justa causa depois de aconselhada pelo seu sindicato.
Fico a aguardar o envio, no prazo de cinco dias úteis, da declaração modelo 5044 da Segurança Social (1) e do Certificado de Trabalho (2), sem prejuízo do pagamento dos créditos emergentes da cessação do contrato, incluindo as diuturnidades que nunca foram pagas, as diferenças salariais pagas nas férias, subsídio de férias e de Natal, correspondendo à média anual auferida nos últimos doze meses, acrescida da indemnização prevista no nº 1 do artigo 396º do CT assim como a indemnização por danos morais e patrimoniais, prevista no nº 3 do mesmo preceito legal, a negociar ou a determinar pelo Tribunal.
A signatária pretende, ainda, participar criminalmente contra o Sr. Dr. (…) assim como denunciar o assunto à Autoridade para as Condições de Trabalho.
 Com os melhores cumprimentos”.
33. Em resposta a essa carta de resolução do contrato de trabalho com justa causa por parte da Autora, na qualidade de trabalhadora, a entidade patronal da Autora, ora Ré, enviou uma carta datada de 1 de março de 2019 com o seguinte teor:
“Assunto: Resposta À sua carta datada de 25 de Fevereiro de 2019
Envio da Declaração Modelo 5044, do Certificado de Trabalho e recibo de vencimento
Exma. Senhora,
Com os melhores cumprimentos e relativamente à sua comunicação supra referenciada, na qual veio comunicar a resolução imediata do contrato de trabalho invocando justa causa vimos informar V. Exª que aceitamos a resolução, mas não reconhecemos nem aceitamos a invocada justa causa, mais declarando que não prescindimos do prazo de aviso prévio.
Informamos ainda que consideramos totalmente falsos e absurdos os motivos invocados, sem prejuízo de os mesmos serem devidamente contraditados em sede judicial.
Informamos que, face à falta do aviso prévio e depois de fazer a devida compensação, a sociedade (…) é credora da quantia de 492,80 €, tudo conforme consta do respetivo anexo.
Junto anexamos Modelo 5044 da Segurança Social, Certificado de Trabalho e recibo, cuja cópia, depois de assinada, pode ser devolvida via email, devendo proceder a transferência ou depósito da quantia de (…) para a conta da (…) com o IBAN PT (…)  sendo o respetivo recibo emitido após lançamento a crédito daquele montante.
Reiterando os melhores cumprimentos, subscrevemo-nos,
Atenciosamente”
34. A Autora denunciou os factos à Polícia Judiciária onde está em investigação o crime praticado pelo representante da (…), sua entidade patronal, sócio-gerente (…), cujo inquérito está sob a alçada do DIAP de Lisboa – 2ª Secção, Proc. 83/19.0JDLSB.
35. A Autora, sentindo-se angustiada e triste, sem autoestima e falta de confiança, com perturbação do sono, foi-lhe prescrita medicação com anti-depressivos conhecidos como inibidores seletivos da recetação da serotonina e com ansiolíticos.
36. A Autora manteve-se em consultas de psiquiatria desde 17.09.2018 até 24 de abril de 2019.
De Direito
Nos termos do disposto no art.º 29, n.ºs 1 a 3 do Código do Trabalho,
1 - É proibida a prática de assédio.
2 - Entende-se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.
3 - Constitui assédio sexual o comportamento indesejado de carácter sexual, sob forma verbal, não verbal ou física, com o objectivo ou o efeito referido no número anterior.
4 a 6 (…)
O assédio pressupõe uma conduta violadora dos deveres do empregador para com o trabalhador, nomeadamente a título de discriminação ou outro. No entanto, nem toda a violação desses deveres consubstancia assédio, exigindo-se que tenha um objetivo final ilícito, ou pelo menos eticamente reprovável (neste sentido, por todos, cfr. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1.3.2018 e 9.5.2018, tendo decidido este que “Não é toda e qualquer violação dos deveres da entidade empregadora em relação ao trabalhador que pode ser considerada assédio moral, exigindo-se que se verifique um objectivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável, para que se tenha o mesmo por verificado. Mesmo que se possa retirar do art.º 29º do Código do Trabalho que o legislador parece prescindir do elemento intencional para a existência de assédio moral, exige-se que ocorram comportamentos da empresa que intensa e inequivocamente infrinjam os valores protegidos pela norma a respeito da integridade psíquica e moral do trabalhador”.
Se tal violação tiver cariz sexual estaremos perante assédio sexual (art.º 29/3).
A sentença recorrida considerou que, apesar de se provarem atos sexuais de relevo entre o gerente da R. e a autora, não se verificou o elemento de constrangimento, ativo, hostil, ou não desejado por parte da trabalhadora, não se provando, pois, que tenha havido assédio sexual.
Da factualidade provada não resulta efetivamente que tal tenha acontecido. Pelo menos não se demonstrou.
A procedência do recurso carecia necessariamente da procedência do recurso quanto à decisão da matéria de facto, de modo a que se pudesse concluir que, pelo menos na fase final, a autora tinha sido de alguma maneira constrangida a suportar atos de cariz sexual.
Porém a impugnação da matéria de facto improcedeu, como se viu.
Logo, não se provou o dito assédio, nenhuma censura merecendo a sentença quer nessa parte quer na de direito, relativamente à justa causa da resolução do contrato pela trabalhadora.
O que acarreta sem necessidade de mais considerandos, a improcedência do recurso.

DECISÃO
Pelo exposto, este Tribunal julga improcedente o recurso e confirma a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 15 de dezembro de 2022
Sérgio Almeida
Francisca Mendes
Celina Nóbrega
Decisão Texto Integral: