Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MANUELA GOMES | ||
Descritores: | PROPRIEDADE HORIZONTAL DELIBERAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/30/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | RECURSO PROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1. Do estatuído na parte final do nº 1 do art. 1420º do CCivil conjugado com o disposto no nº 2 do art. 1024º do CCivil, tem derivado o entendimento de que o arrendamento de parte comuns dos prédios em propriedade horizontal só é válido desde que firmado com o acordo ou consentimento de todos os condóminos. 2. Estando em causa a deliberação da assembleia de condóminos no sentido de celebrar um concreto contrato de arrendamento, de duração limitada, nos termos do art. 98º, a faculdade de celebrar contratos de duração limitada, traduz-se em simples acto de administração ordinária. 3. A par com o direito de propriedade de cada condómino sobre a sua fracção, ao carácter instável e precário da compropriedade das partes comuns contrapõe-se, no condomínio, uma afectação estável e essencial das coisas comum. Desde que a coisa comum esteja afecta a uma determinada finalidade e que cada um dos condóminos possa dela usufruir directamente (ex. sala de condomínio, ginásio ou piscina privativos do condomínio), qualquer acto que tenha a susceptibilidade de perturbar ou retirar esse direito a cada um dos condóminos só pode validamente ser realizado com o acordo de todos os condóminos. 4. O mesmo já não pode afirmar-se relativamente às partes que, embora comuns, estejam afectas a finalidades específicas mas que não podem ser utilizadas directamente por cada um dos condóminos. É o caso da denominada “casa da porteira”, normalmente uma fracção autónoma, destinada à habitação de um terceiro, a contratar para a realização dos serviços de limpeza e controlo do prédio. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa. 1. H e Maria, intentaram acção declarativa, com processo comum, sob a forma sumária, contra todos os outros Condóminos do seu prédio, representados pelas suas administradoras C e A, pedindo o reconhecimento da nulidade ou anulabilidade as deliberações da Assembleia de Condóminos realizadas em 8 de Junho de 2000, 16 de Novembro de 2000 e 30 de Janeiro de 2001, respeitantes à aprovação de uma proposta, apresentada pelas administradoras, de arrendamento a terceira pessoa da "casa de porteira", parte comum do edifício. Para tanto, invocaram os autores ser nula, ou pelo menos anulável, a deliberação da assembleia de condóminos, tomada na reunião de 30.01.2001 (acta n° 17), da qual consta que foi aprovada, com apenas o voto contra da autora Maria, condómina do 6° andar direito, fracção N, a proposta da administração no sentido de ser dada de arrendamento para habitação a "casa de porteira", tendo esta proposta sido acompanhada de minuta de contrato de arrendamento, deliberação essa que só seria válida se tivesse sido tomada por unanimidade. Os réus contestaram. Confirmaram que, com a concordância de uma maioria qualificada de condóminos e apenas com voto contra da autora Maria, condómina do 6° andar direito, a fracção N, "casa de porteira", situada no 7° piso do prédio, parte comum do edifício, foi dada de arrendamento a Z, mediante a renda mensal de 40 000$00, pessoa que juntamente com a irmã, condómina do 5º andar direito, se comprometeu a colaborar na limpeza do prédio, o que se traduziu num aumento de receitas e diminuição das despesas do prédio. Mais invocaram que sendo a fracção em causa destinada a habitação e sendo usada para tal, não houve qualquer alteração relativamente ao título constitutivo da propriedade horizontal. Na réplica, os autores reafirmaram que destinando-se a fracção em causa, por virtude do respectivo título constitutivo a “casa da porteira”, a circunstância de ter sido arrendada para habitação, constitui na mesma modificação do título e que a empregada de limpeza é a irmã da arrendatária e não esta, já que é àquela que é paga uma remuneração e que está sob as ordens e fiscalização do condomínio. Prosseguindo os autos os seus normais termos, em 30.07.2004 foi proferida sentença a julgar a acção procedente e a decretar a anulação da deliberação em causa (fls. 160) Inconformados, apelaram os réus. Alegaram e formularam as seguintes conclusões: - De acordo com o título constitutivo foi eliminada a fracção “P” por não constituir uma fracção autónoma, pois, trata-se "da casa destinada à porteira", integrante das partes comuns do prédio - Espaço que esteve livre e devoluto alguns anos antes de Junho de 2000; - Assim, pelo título constitutivo, é dado àquela parte comum, o destino e fim de habitação; - Destino e fim que se mantêm - a habitação; - Assim, e por não haver alteração ao título constitutivo, a deliberação votada e aprovada por maioria qualificada de 2/3 do capital investido, não carecia nem carece de ser aprovada por unanimidade; - Por, nomeadamente, a locação com prazo não superior a 6 (seis) anos ser um acto de administração ordinária; - O presente contrato de arrendamento foi celebrado por prazo de 5 anos e de 3 anos, para as suas renovações; - Assim, a decisão tomada pela Administração do Condomínio é um acto de administração ordinária; - O presente arrendamento não é de um prédio indiviso, mas sim da casa destinada à porteira; - Que é um espaço comum de todos os condóminos, na proporção do respectivo direito e que não é utilizável por qualquer dos condóminos, nem por todos, em conjunto, enquanto não for alterado o título constitutivo; - O contrato de arrendamento em causa podia ser celebrado pela Administração do condomínio sem se submeter à aprovação da assembleia; - Porque a sua função é regulamentar a uso da coisa comum, mantendo-a no seu destino, como era e é, habitação; - E de forma a prestar um serviço de que resulte interesse comum; - A Administração deve gerir a coisa comum, tendo em vista esse mesmo interesse comum; Terminou pedindo a revogação da sentença recorrida e a sua absolvição do pedido. Os recorridos contra alegaram pugnando pela manutenção do decidido, basicamente fundados na circunstância da deliberação em causa violar o direito de compropriedade dos condóminos sobre as partes comuns. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Matéria de Facto. 2. A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos: a) Por escritura de 18.05.1971, foi constituído em regime de propriedade horizontal, o prédio urbano, lote n° 62, situado na Rua Luís de Camões, n° 27, Torre da Marinha, freguesia de Arrentela, concelho de Seixal, descrito na Conservatória do Registo Predial do Seixal sob o n° 18.273; b) Por escritura de 26.02.1982 foi rectificada a escritura de 18.05.1971, ficando a constar que o prédio é constituído apenas por 14 fracções autónomas e não 15 como por lapso fora indicado na escritura anterior. Foi eliminada a fracção “P” por não constituir uma fracção autónoma, e tratar-se da "casa de porteira" integrante das partes comuns do prédio; c) Conforme consta da certidão da Conservatória do Registo Predial do Seixal, o citado prédio, descrito sob o n° 18.273 é constituído pelas seguintes 14 fracções autónomas: A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, L, M, N, O; d) Da referida certidão consta a descrição do prédio com a rectificação da primeira descrição que continha a fracção “P” e que foi eliminada por ap.02/94.07.20; e) Na assembleia de condóminos reunida em 30.01.2001 foi tomada a deliberação, por maioria (acta n° 17) que aprovou a proposta da administração do condomínio no sentido de dar de arrendamento a terceira pessoa para habitação a "casa de porteira", situada no 7° piso e que é parte comum do edifício; f) A referida "casa de porteira" é uma parte comum do edifício, como consta da escritura já mencionada de 26.02.1982; g) Nas assembleias anteriores referidas na petição nada ficou deliberado definitivamente a este respeito de dar de arrendamento a "casa de porteira"; h) Na minuta do contrato de arrendamento para habitação da dita casa da porteira, que já se encontra concretizado, figura, em síntese, o seguinte: "acordam em dar de arrendamento a Z a parte comum do prédio em questão, situada no 7° piso que se destina a porteira, não existe porteira, mas existe necessidade de se obter rendimento para suportar as despesas do condomínio"; i) A autora M, condómina do 6° andar direito, votou contra a deliberação em questão, como consta da referida acta n° 17; Para além destes, está ainda documentalmente provado que: j) Da minuta do contrato de arrendamento dito em h), consta ainda que o contrato “… é feito por cinco anos, com início em 1.03.2001 e fim no último dia de Fevereiro de 2006, renovando-se sucessivamente por períodos de três anos, caso não seja denunciado por qualquer das partes” (cláusula 5ª). O Direito. 3. Não obstante o teor das conclusões da alegação dos recorrentes, a questão central que cabe apreciar traduz-se em saber se a deliberação da assembleia do condomínio, tomada por maioria, respeitante ao arrendamento da casa da porteira, parte comum do prédio, é válida, não obstante o voto contra dos ora recorridos, condóminos do 6º direito. Entendeu a sentença recorrida que a dita deliberação era anulável, não só por ser violadora do direito de compropriedade de cada condómino sobre as partes comuns, mas também por ser violadora do disposto no art. 1419º do C. C., na medida em que o título de constituição da propriedade horizontal só pode ser alterado com o acordo de todos os condóminos. Argumentam os recorrentes que a deliberação em causa não carece do voto unânime dos condóminos, já que se traduz num acto de administração ordinária e que, contrariamente ao decidido a deliberação que se pretende ver anulada também não contende com o constante no título constitutivo da propriedade horizontal, no que respeita à parte comum destinada à casa da porteira. Vejamos. Deriva do disposto no art. 1433º nº 1 do C. Civil que as deliberações da assembleia de condóminos contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado. Será que a deliberação em causa é contrária à lei, por violação do disposto nos artigos 1419º e 1424º nº 2 do C. Civil, como entendeu a sentença recorrida? Nos termos do disposto no art. 1420º nº 1 do C. Civil, cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício. E deriva do estatuído no nº 2 do art. 1024º que o “…, o arrendamento de prédio indiviso feito pelo consorte ou consortes administradores só se considera válido quando os restantes comproprietários manifestem, antes ou depois do contrato, o seu assentimento” Do estatuído na parte final daquele preceito conjugado com o disposto no segmento normativo transcrito, tem derivado o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o arrendamento de parte comuns dos prédios em propriedade horizontal só é válido desde que firmado com o acordo ou consentimento de todos os condóminos (neste sentido, v. por exemplo, acórdãos desta Relação, de 25.06.1991 e de 3.07.2003, em www.dgsi.pt/jtrl). Porém, salvo melhor entendimento, afigura-se-nos que o caso em apreciação contém particularidades que justificam e impõem o afastamento dessa doutrina. Resulta dos factos provados que os ora recorridos votaram contra a deliberação da assembleia de condóminos do seu prédio de celebrar um concreto contrato de arrendamento, de duração limitada, nos termos do art. 98º do RAU - por 5 anos, renovável por períodos de três, se não fosse denunciado por qualquer das partes. Ora a possibilidade legal de celebrar contratos de duração limitada, o que constitui uma ruptura com o anterior princípio da renovação automática dos contratos de arrendamento para habitação, faz com que estes possam traduzir-se em simples actos de administração ordinária e não em actos de disposição como era entendido. Resulta do disposto no art. 1430º do C. Civil que a administração das partes comuns do edifício compete, em primeira linha, à assembleia dos condóminos, mediante deliberações, em princípio, tomadas por maioria simples do capital investido e a executar pelo administrador. Cabe-lhe, portanto, deliberar relativamente a todos os actos de administração ordinária, encontrando-se entre eles a locação, excepto se esta for celebrada por prazo superior a seis anos (art. 1024º nº 1 do C. Civil), o que não foi caso. Do exposto deriva que, em princípio, nada obsta à deliberação tomada. É certo que, do disposto no nº 2 do preceito citado, já acima transcrito, deriva que, na compropriedade, o arrendamento do prédio comum só é válido, com o consentimento ou a aceitação de todos os comproprietários. Subjacente a esta norma está seguramente a ideia de possibilitar ao comproprietário o uso e fruição da coisa comum; se esse seu direito se revelar incompatível com o dos restantes comproprietários, o instituto tem meios específicos para a resolução do conflito. Ao contrário do que acontece na propriedade horizontal, em que os condóminos não gozam nem do direito de renúncia (art. 1420º nº 1 do C. Civil), nem do direito de preferência, nem do direito de pedir a divisão das partes comuns (art. 1423º), na compropriedade, o comproprietário pode servir-se da coisa comum (art. 1406º nº1) e, salvo excepção que não interessa considerar, nenhum condómino é obrigado a permanecer na indivisão (art. 1412º), podendo exigir a divisão da coisa comum. Daí que a doutrina se venha questionando sobre a natureza jurídica do instituto da propriedade horizontal – propriedade limitada, para uns (cfr. Henrique Mesquita, RDES, ano XXIII, nºs 1 a 4, 1976, p. 79 e seguintes), direito real composto ou complexo, para outros (cfr. Oliveira Ascensão, Direitos Reais, 1978, p. 498 e Menezes Cordeiro, Direitos Reais, II, p.910) ou, mais recentemente como um tipo específico de direito real de gozo, como afirma Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 4ª ed, p. 380, por considerar de toda a conveniência autonomizar o condomínio da propriedade, seja ela singular ou colectiva, face ao cada vez maior número de diferenças de regime entre da propriedade horizontal e os dois outros institutos a que tem andado associado. A par com o inquestionável direito de propriedade de cada condómino sobre a sua fracção, ao carácter instável e precário da compropriedade das partes comuns contrapõe-se, cada vez mais, no condomínio, uma afectação estável e essencial das coisas comum. Desde que a coisa comum esteja afecta a uma determinada finalidade e que cada um dos condóminos possa dela usufruir directamente (ex. sala de condomínio, ginásio ou piscina privativos do condomínio, etc), qualquer acto que tenha a susceptibilidade de perturbar ou retirar esse direito a cada um dos condóminos só pode validamente ser realizado com o acordo de todos os condóminos. A assembleia de condóminos, ainda que por maioria qualificada, tanto como não pode despojar qualquer condómino da possibilidade deste usar ou fruir plenamente a sua fracção, também não pode privá-lo da possibilidade de usar directamente as partes comuns, desde que estas estejam especificamente destinadas a esse uso comum. O mesmo já não pode, todavia, afirmar-se relativamente às partes que, embora comuns face aos título constitutivo ou às disposições legais, estejam afectas a finalidades específicas mas que não podem ser utilizadas directamente por cada um dos condóminos. É o caso da denominada “casa da porteira”, normalmente uma fracção autónoma, destinada à habitação de um terceiro, a contratar para a realização dos serviços de limpeza e controlo do prédio. Relativamente a esta os condóminos não têm direito de a usar ou por qualquer forma fruir directamente, nem qualquer condómino (sozinho) tem poderes para a afectar ao seu uso específico. Daí que, face ao ordenamento jurídico da propriedade horizontal, tal como está actualmente constituído, sobretudo após as alterações introduzidas no instituto em 1994, se nos afigure que, no caso em apreciação, tendo a deliberação, cuja anulação os recorridos visavam obter, incidido sobre um acto de administração ordinária da assembleia de condomínio, acto para o qual esta é competente (art.1430º nº 1), e não sendo esse acto susceptível de afectar qualquer direito de utilização directa dos autores, ora recorridos, sobre a dita parte comum, essa deliberação não ofende o disposto no art. 1024º nº 2, que não é aplicável ao caso, uma vez que o dito segmento normativo, embora integrado no Capítulo da Locação, do Código Civil, destina-se especificamente a regular o arrendamento de prédios indivisos, portanto em situação de propriedade comum ou compropriedade e não de espaços da propriedade horizontal, dadas as especificidades inerentes a esta última. Por outro lado, a deliberação em causa também não ofende o estatuído no art. 1419º do C. Civil, uma vez que, para além da parte comum em causa se manter afecta à habitação e, portanto, em conformidade com o núcleo central da sua aptidão tal como definido no título constitutivo, o afastamento temporário do seu destino específico - albergar a porteira, quando exista-, a sua afectação temporária a outra finalidade, não desvirtua o fim que lhe foi atribuído no título constitutivo e que continua a ser o de servir para a habitação e, particularmente para a habitação da porteira, desde que o condomínio validamente delibere a sua contratação. Procede, pelo exposto, no essencial, a argumentação dos recorrentes, impondo-se conceder provimento ao recurso e decidir em conformidade com a doutrina exposta, ou seja no sentido de que a deliberação impugnada, porque não padece dos vícios que lhe foram apontados, não é de anular e, consequentemente, a acção tem de improceder. Decisão. 4. Termos em que acordam os juízes que compõem este Tribunal em: - Conceder provimento ao presente recurso e revogar a sentença recorrida; - Julgar a acção improcedente e absolver os réus do pedido. - Condenar os autores/ recorridos nas custas, tanto da acção como do recurso. Lisboa, 30 de Março de 2006 (Maria Manuela B.A.Santos G. Gomes) (Olindo Geraldes) (Fátima Galante) |