Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3094/2004-7
Relator: JORGE SANTOS
Descritores: TRIBUNAL ARBITRAL
CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA
COMPETÊNCIA
COLISÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/18/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: A cláusula compromissória é um negócio jurídico bilateral em ordem à fixação de um tribunal arbitral constituído por árbitros escolhidos pelos outorgantes para dirimir futuros e eventuais litígios emergentes de uma determinada relação jurídica contratual ou extracontratual. Diversamente, o compromisso arbitral tem por objecto um litígio já existente e actual.
Qualquer questão suscitada sobre a competência do tribunal arbitral deve ser por este decidida, mesmo que para tal seja necessário apreciar a existência, validade, eficácia ou aplicabilidade da convenção de arbitragem.
É admissível a coligação na lei de arbitragem voluntária, não havendo convenção em contrário e permitindo a cláusula compromissória a pluralidade de partes.
As questões referentes à competência e regularidade da constituição do tribunal arbitral constituem fundamentos da acção de anulação da decisão arbitral a propor nos tribunais judiciais, mas só depois de proferida aquela decisão.
Caso seja proposta antes de proferida essa decisão, há preterição do tribunal arbitral o que conduz à absolvição da instância.
Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Lisboa:

LNG HOLDINGS SA propôs em 15/7/2003 a presente acção declarativa em

processo comum sob a forma ordinária contra API CAPITAL – SOC. DE CAPITAL DEE RISCO SA pedindo que o tribunal:

Declare que é ilegal, ou legalmente impossível, o fim para que se acha constituído o tribunal arbitral, identificado nos termos dos documentos 9 e 10 aqui juntos, de julgar a pretensão indemnizatória formulada pela R. contra a A. na carta de 6 de Dezembro de 2002, fim esse que está incluído na dupla finalidade da constituição do referido tribunal, para julgar também a pretensão indemnizatória da R. contra a Finantel formulada pela R. à Finantel por carta da mesma data da acima referida.
Declare que, em consequência da declaração mencionada na alínea a), nos termos do art. 280, nº 1 do Código Civil, aplicável directamente ou por analogia, é absolutamente nula a constituição do mencionado tribunal arbitral para o conhecimento e o julgamento da referida pretensão indemnizatória da R. contra a A.
Declare que, em consequência da declaração mencionada na alínea b), o referido tribunal arbitral, não tem, e nunca teve, existência jurídica ou que é absolutamente nula a sua existência jurídica para o conhecimento e o julgamento da mencionada pretensão indemnizatória da R. contra a A.
Condene a R. a pagar à A. a indemnização, cujo montante se vier a liquidar em execução da sentença, correspondente às despesas em que a A. incorrer relativas à arbitragem processada nesse tribunal arbitral na pendência da presente acção, equivalentes à remuneração, acrescida de IVA, aos árbitros conforme as tabelas por estes adoptadas, e ao pagamento das despesas administrativas que os mesmos venham a estabelecer, e, bem assim, as despesas de pagamentos a tribunal em que a A. incorra numa eventual acção de anulação da sentença arbitra], que, por cautela, interponha na pendência desta acção, com fundamento diverso da nulidade da constituição do tribunal arbitral, e da sua inexistência jurídica, para o conhecimento e julgamento da referida pretensão indemnizatória da R. contra a A..
Para o efeito, alega que a Autora (antes denominada Firstmark Communications Europe SA), a Ré (antes denominada IPE Capital – Soc. De Investimento SA), a FINANTEL SGPS SA e o BANCO DE INVESTIMENTO GLOBAL SA (BIG) foram accionistas da TELEWEB – Comunicações Interactivas SA .

Do acordo parassocial celebrado em 9/3/2000 consta a cláusula 23 onde se fixa o modo da resolução dos litígios, controvérsias ou pretensões decorrentes do referido acordo com recurso à arbitragem.

Por carta de 30/7/2001 a Ré notificou a Autora de alegada violação do referido acordo ao não subscrever o aumento de capital da Teleweb, não previsto em Plano Comercial de Actividade, até 5 milhões de euros cada um, nos termos da cláusula 6 – 6.2, e reclama o pagamento de 5 milhões de euros de “liquidated damages”, nos termos da cláusula 19 – 19.5 g).
Igual carta foi enviada à Finantel.
Por carta de 31/10/2001 a Ré notificou a Autora de que resolvia o referido acordo parasocial perante a Autora, mas que não a impedia de submeter a acima referida questão à arbitragem, o que iria fazer.
Igual carta enviou a Ré à Finantel.
A Autora opôs-se ao conteúdo da referida carta através da carta de 26/11/2001.
Por carta de 28/12/2001 a Ré notificou a Autora para os termos da cláusula 24.1 do acordo parassocial, dando notícia do objecto da sua pretensão e assacando à Autora e à Finantel violações do mesmo acordo. Igual carta foi enviada à Finantel. A Autora opôs-se por carta de 30/1/2002.
Por carta de 6/12/2002 a Ré notificou a Autora para a constituição de tribunal arbitral, define o objecto do litígio, quantifica o pedido indemnizatório em 5 milhões de euros, indica o seu árbitro e termina “...cabendo às restantes requeridas Finantel SGPS SA e Firstmark Communications Europe SA a indicação de outro árbitro que, em conjunto com aquele, escolherá terceiro”.
Igual carta foi enviada à Finantel.
Por carta de 15/1/2003 a Autora opôs-se sustentando que o litígio que opunha a Ré à Autora era separado do que a opunha à Finantel, não havendo qualquer solidariedade ou comunhão de obrigações resultantes do acordo parassocial, pelo que cada litígio tinha de ser submetido a uma arbitragem separada e independente e indicou o seu árbitro para a arbitragem que só a si diz respeito.
A Finantel enviou à Ré carta idêntica.
A pedido da Ré, o Presidente da Relação de Lisboa nomeou o árbitro das sociedades Finantel e LNG por despacho de 2/5/2003.
Este árbitro e o indicado pela Ré, por sua vez, escolheram um terceiro árbitro ficando constituído o tribunal arbitral que passou a funcionar


Citada, contestou a Ré a fls.130.
Aceita toda a factualidade alegada, discordando apenas dos fundamentos de direito.
Cabe ao próprio tribunal arbitral decidir sobre a sua própria competência mesmo que tenha de apreciar a existência, aplicabilidade, validade ou a eficácia da convenção de arbitragem (art.21 da Lei 31/86 de 29/8). A competência abrange também a interpretação sobre o objecto do litígio, concretamente, sobre a possibilidade de o mesmo se constituir para apreciar conjuntamente mais do que uma pretensão contra mais do que um Réu. Dentro da questão da competência ou como questão autónoma desta está a irregularidade da constituição do tribunal arbitral. A clausula compromissória prevê a “multiparty arbitration” já que o acordo parassocial envolve quatro accionistas. Trata-se de questão de interpretação da clausula compromissória quanto ao âmbito da competência do tribunal arbitral e que indissociável dos termos da sua constituição. A questão deveria ter sido posta na contestação apresentada no tribunal arbitral. A clausula 24.3 prevê a possibilidade de a arbitragem ser plurilateral. Ela é admissível e conveniente por questões de economia processual. Não viola o princípio da independência do juiz árbitro e o da igualdade o facto de a peticionante nomear um juiz e as demandadas nomearem entre si um só também, em vez de cada uma nomear um. As demandadas, entre si, não quiseram nomear um juiz árbitro e não alegaram que houvesse entre si divergência na escolha do seu juiz árbitro.
Impugna os factos e prejuízos em que assenta o pedido indemnizatório.
Pede a absolvição da instância por preterição da convenção de arbitragem ou, então, a absolvição do pedido.

Replicou a Autora a fls.192.
A questão da coligação passiva nada tem a ver com a competência do tribunal arbitral. A lei de arbitragem, aliás, não tratou da questão da cumulação de demandas. E essa coligação passiva não é admissível pelo que cada litígio (contra a Autora e o outro contra a Finantel) tem de correr em separado e de modo independente, pelo que é inexistente juridicamente o tribunal constituído. A questão da coligação tem a ver com a constituição do tribunal arbitral e precede-o.
Conclui como na p.i.

A fls.279 veio a Ré arguir a nulidade da réplica, relativamente aos artigos 29 a 52, por violação do art.502 CPC porque extravasam a resposta às excepções deduzidas pela Ré. Pede sejam dados como não escritos os referidos artigos da réplica.
A Autora respondeu a fls.289.
Por despacho de fls. 283 foi deferido este pedido.
Concomitantemente foi proferida sentença a fs.284 que absolveu a Ré da instância por preterição da convenção de arbitragem.

Do referido despacho interpôs recurso a Autora afls.296 o qual foi devidamente admitido como de agravo (fls.301).
A agravante ofereceu alegações rematando com as seguintes conclusões:
(...)

Da sentença absolutória da instância interpôs recurso a Autora
o qual foi devidamente admitido como de agravo (fls.302).
A agravante ofereceu alegações rematando com as seguintes conclusões:
(...)

Contra alegou a Ré batendo-se pela manutenção das decisões recorridas.
Cumpre decidir.

(...)

O DIREITO
É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do artigo 690 e 684 nº2 CPC, salvo questões de conhecimento oficioso (art.660 nº2 CPC).

1º AGRAVO - nulidade da réplica.
Foi declarada nula parte da réplica porque extravasava o âmbito e o fim a que se destina (resposta às excepções deduzidas pela Ré na contestação) e, por isso, foram considerados não escritos os artigos 29 a 52.

Cremos que bem andou o Mº Juiz.
Antes de mais, diga-se que a questão do efeito do recurso foi decidida já por despacho de 14.4.2004 de fls.381 a 382. Prejudicada fica a conclusão 1ª.
Atento todo o conteúdo da decisão de fls.283, estranha-se a argumentação sintetizada nas conclusões II a V das alegações de recurso. Na verdade, em parte alguma da douta decisão foi ventilado sequer o carácter ofensivo do respeito devido ao tribunal, qualquer questão de ordem disciplinar na condução de qualquer audiência que, de resto, não chegou a haver porque a acção foi decidida no saneador sem audiência preliminar, qualquer questão que envolva o direito constitucional da liberdade de expressão e nem sequer foi chamado à colação artigo 154 CPC.
Veja-se que o fundamento do deferimento do pedido da arguição da nulidade parcial da réplica foi tão somente o facto de extravasar a resposta às excepções deduzidas na contestação.
E, de facto, a Autora extravasou os limites da réplica impostos pelo artigo 502 CPC, o que constitui nulidade processual que implica a nulidade na parte em que excedeu tais limites, atento o disposto no art. 201 CPC.
É que na contestação a Ré arguiu a excepção dilatória da violação da convenção de arbitragem e só quanto a isto poderia a Autora responder na réplica. Mas a Autora aproveitou-se e nos artigos 29 a 52 retomou, reforçou, reorganizou e aperfeiçoou a sua argumentação jurídica já constante da p.i., isto é, mais fez alegações de direito do que articulação de factos.
É de manter a decisão recorrida.


2º AGRAVOsentença absolutória da instância

Questão a decidir: ao propor a presente acção no tribunal judicial a Autora violou a convenção de arbitragem?

1. Importa, antes de mais, conferir o conceito de cláusula compromissória.
A Constituição da República Portuguesa no seu art. 202nº4 permite lançar mão de meios alternativos de resolução dos conflitos através de instrumentos e formas de composição não jurisdicional de conflitos.
A cláusula compromissória é considerada um negócio jurídico bilateral livremente convencionado entre as partes em ordem à fixação de um tribunal arbitral constituído por árbitros escolhidos pelos outorgantes para dirimir futuros e eventuais litígios emergentes de uma determinada relação jurídica contratual ou extracontratual (ver art.1º nº2LAV). Diversamente, o compromisso arbitral tem por objecto um litígio já existente e actual.
Excluem-se da lei da arbitragem voluntária todos os litígios que por lei especial estejam submetidos exclusivamente a tribunal judicial ou a arbitragem necessária ou respeitem a direitos indisponíveis (nº1 do referido preceito).
Trata-se de um contrato autónomo relativamente ao contrato substantivo donde poderão surgir litígios que o tribunal arbitral irá apreciar. A convenção de arbitragem confere um direito potestativo a cada um dos outorgantes facultando-lhe a possibilidade de requerer a constituição de um tribunal arbitral para apreciação e decisão de um concreto litígio previsto e admitido pela própria convenção.


2. A problemática em questão neste recurso é a seguinte:
Entende a Autora agravante, no fundo, que, não sendo admissível no tribunal arbitral a coligação passiva (a Autora e a Finantel), deveria o seu litígio ser apreciado separada e independentemente do litígio que opõe a mesma demandante API Capital à Finantel. Consequentemente, teria, então, a Autora direito a nomear sozinha um juiz árbitro em vez de o ter de nomear conjuntamente com a sua coligada Finantel. Por isso, apela ao princípio da igualdade violado pelo facto da API ter direito a nomear um juiz árbitro, enquanto que a Autora e a Finantel acabam por poder nomear um só em vez de dois (um cada uma).

3. Importa, por isso e antes de mais, analisar se a clausula compromissória admite a coligação de partes, no caso, do lado passivo. Há que proceder à sua interpretação.
A competência do tribunal arbitral não está fixada por lei, mas por convenção escrita – a cláusula compromissória. Trata-se de competência convencional, ao contrário do que sucede no processo civil em que a competência dos tribunais judiciais está predefinida por lei.
Portanto, e como bem refere a recorrida nas suas alegações, “o tribunal arbitral será competente nos termos e nos limites queridos e fixados pelas partes na convenção de arbitragem”.
Ora, no item 24.3 da cláusula compromissória acima transcrita consta a palavra “accionista(s)” na parte activa e também na parte passiva. Isto é, permite que o litígio seja proposto no tribunal arbitral por um ou mais accionistas e contra um ou mais accionistas.
De resto, será natural que surja um litígio que oponha um dos accionistas aos demais accionistas porque são quatro os accionistas.
E na referida cláusula, ao admitir a pluralidade de partes, para além da simples cumulação de acções, pode perfeitamente caber a coligação, neste caso, passiva na medida em que envolve pluralidade de partes, mesma causa de pedir e pedidos diferentes (art.30 CPC). A referida cláusula não afasta a intervenção da pluralidade de partes (restrito aos accionistas) na modalidade da coligação.
Por isso, não está vedado à API CAPITAL demandar a aqui Autora e a Finantel conjuntamente, alegando como causa de pedir a violação das mesmas cláusulas do acordo parassocial e formulando pedidos diferentes a cada uma das demandadas (5 milhões de euros a cada uma).
Aliás, a apelante admite como possível esta interpretação no nº2 das suas alegações recursórias (fls.315).
Mas, como abaixo se verá, esta interpretação podia e pode ser questionada pela Autora no próprio Tribunal arbitral, pois é matéria que cabe no âmbito da sua competência convencional.

Diga-se que não se vêem razões de tal modo fortes que tornem de todo desaconselhável ou inadmissível a coligação na arbitragem. Para além da cláusula compromissória prever a chamada “multiparty arbitration” (com mais do que um requerente ou requerido), até porque são quatro os firmantes do acordo parassocial em causa, na previsão de que um ou mais pudessem ser demandantes ou demandados, o conhecimento conjunto pelo mesmo tribunal arbitral de pretensões dirigidas contra mais do que um demandado permite uniformidade de critérios e de decisões referentemente ao mesmo tipo de litígio concreto. Veja-se que, no caso, as cláusulas alegadamente violadas são exactamente as mesmas, tal como é o mesmo pedido formulado.

Concordantemente com a posição da recorrida, diga-se que o legislador, na lei de arbitragem voluntária, limita-se a estabelecer um conjunto de princípios fundamentais cuja observância pretende ver assegurada na tramitação processual de arbitragem. Mas todas as demais regras de processo são totalmente deixadas à disponibilidade das partes. É o que acontece nestes casos em que as partes previram o funcionamento de uma arbitragem multilateral, tornando-se necessário proceder à adaptação de algumas regras processuais.
O art.15 a 18 da LAV faculta às partes a adopção de regras processuais próprias desde que observem um núcleo de princípios fundamentais expressos no art. 16. É muitíssimo mais acentuado o princípio do dispositivo na lei de arbitragem comparado com as regras do processo civil.

Como se colhe da cláusula compromissória, podiam as demandadas, aqui Autora e Finantel, nomear o seu árbitro, mas não consta que o tivessem feito quanto mais não fosse, por mera cautela. É questão que lhes diz respeito. Por isso, o árbitro das demandadas teve de ser nomeado pelo Presidente da Relação de Lisboa a pedido da demandante API.
E se, como no caso concreto, as duas demandadas apenas tiveram direito à nomeação de um árbitro enquanto que a demandante teve direito a um também, igual situação ocorreria no caso de haver um único e mesmo pedido formulado contra as mesmas e tendo a mesma relação material controvertida.


4. No termos do art.21 nº1 da Lei de Arbitragem Voluntária, o tribunal arbitral pode pronunciar-se sobre a sua própria competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que ela se insira, ou a aplicabilidade da referida convenção.
É o que se chama competência da competência do tribunal arbitral.
Interpretando correctamente o referido preceito, colhe-se a seguinte regra: qualquer questão suscitada sobre a competência do tribunal arbitral deve por este ser decidida mesmo que para tal seja necessário apreciar a existência, validade, eficácia ou aplicabilidade da convenção de arbitragem. E não só nos casos em que esteja em causa a existência, validade, eficácia ou aplicabilidade da convenção de arbitragem.
Como alega a recorrida “ a ratio da lei é clara, na medida em que, fundando o Tribunal Arbitral a razão da sua constituição na convenção de arbitragem, poderiam colocar-se sérias dúvidas quanto à extensão desta “auto-competência”, nomeadamente quando estivesse em causa a invalidade da convenção. A lei quis especificar e esclarecer a extensão da competência; não quis restringir a “competência da competência” do tribunal arbitral aos aspectos referidos”.
A citada norma confere ao tribunal arbitral legitimidade e competência para interpretar a cláusula compromissória verificando a sua aplicabilidade e daí poderá concluir pela incompetência do tribunal arbitral para conhecer do pedido ou pedidos formulados. Por isso, a questão da admissibilidade da coligação passiva é questão de interpretação cometida ao próprio tribunal arbitral que poderá concluir que não é admissível.
A incompetência do tribunal arbitral, aliás, deve ser arguida no próprio tribunal arbitral até à apresentação de defesa quanto ao fundo da causa, ou juntamente com esta (art. 21 nº3 LAV) e não no tribunal judicial, sob pena de violação da cláusula compromissória.

A questão da coligação passiva, tão posta em relevo pela Autora, permitindo que o tribunal arbitral se tenha constituído para conhecer de ambas as pretensões contra a aqui Autora e a Finantel, não é uma questão arrumada e definitiva para efeitos de apreciação pelo tribunal arbitral. Se alguma das partes suscitar essa questão junto do tribunal arbitral, como, de resto, o fez a Finantel, este poderá decidir que, nos termos da cláusula compromissória e na falta de acordo entre as partes, não pode conhecer ambas as pretensões em conjunto, julgando-se, por isso, incompetente. No caso, o tribunal arbitral declarou-se competente e regularmente constituído para conhecer de ambas as pretensões, conforme doc. fls.54 a 162.

Esta questão da competência e da regularidade da constituição do tribunal arbitral poderá constituir um dos fundamentos para a acção de anulação da decisão do tribunal arbitral (art.27 b) da LAV).

Diga-se, aliás, que, se o Estado, através da Lei de Arbitragem Voluntária, permitiu a subtracção aos seus tribunais judiciais o conhecimento do mérito da causa entregando essa competência aos tribunais arbitrais, “a fortiori” lhe atribui competência para conhecer de simples regras de ordem processual.
Como se anota na douta sentença e citando um parecer de Lebre de Freitas junto ao proc.149/2002 da 9ª Vara Cível - 1ª secção, de Lisboa, pg. 29:
"A constituição da jurisdição arbitral não exclui, pois, apenas a apreciação pelo tribunal judicial do mérito da causa, excepções peremptórias incluídas, exclui também qualquer interferência do tribunal judicial no conhecimento das questões processuais prévias à decisão de mérito, sem prejuízo do que deixo dito acerca do controlo judicial externo sobre a delimitação e as condições de exercício do tribunal arbitral”.
E a fls.19: “havendo convenção de arbitragem, a função jurisdicional declarativa é plenamente assumida pelo tribunal arbitral, não tendo o tribunal do Estado competência para se imiscuir no seu desempenho. À jurisdição estadual cabe tão-só uma função de controlo, que tem a ver com a delimitação e as condições de exercício da jurisdição (sem prejuízo do direito ao recurso, quando as partes não o tenham excluído)”.
Diga-se, aliás, que a intervenção do tribunal judicial no processo de arbitragem voluntária é escassa. E bem, porque convencionalmente as partes quiseram recorrer a um meio alternativo de resolução de conflitos, subtraindo-se ao processado e intervenção clássica do tribunal judicial. Não faria sentido estar dependente da pronúncia deste de modo frequente e sobre as mais variadas questões, sobretudo de ordem processual e de menor relevo. Aliás, uma das finalidades da convenção de arbitragem é a celeridade, com o que é incompatível a perda de tempo com intervenções dilatórias.
Exceptuando a fase da impugnação da decisão arbitral e da execução da decisão arbitral (art.27 a 30 da referida Lei, fases estas posteriores à decisão arbitral, a lei apenas permite a intervenção do tribunal judicial em dois casos: na nomeação de árbitros e na determinação do litígio. Aquela intervenção é restrita ao Presidente da Relação do lugar fixado para a arbitragem ou, na falta de tal fixação, do domicílio do requerente. Quando haja falta de acordo sobre a determinação do litígio, então, cabe ao tribunal judicial comum a sua fixação.

Ora, no caso presente, o litígio está perfeitamente determinado tanto para a aqui Autora como para a Finantel. Aliás, quanto à determinação do objecto do litígio nenhuma questão se põe verdadeiramente. O que a Autora aqui questiona, como se disse, é que não deve haver coligação na parte passiva (demanda contra a Autora e a Finantel), mas essa é questão diferente e de ordem meramente processual.

No caso dos autos, anote-se, as partes excluíram o direito ao recurso no item 24.7 da cláusula compromissória.

5. No fundo, porém, e como consequência, pode tratar-se de uma eventual irregularidade na constituição do tribunal arbitral, na medida em que a Autora pretende caber-lhe a nomeação de um juiz árbitro e não conjuntamente com a Finantel.
Mas tanto esta questão como a da incompetência do tribunal arbitral não são questionáveis neste momento ante o tribunal judicial estadual. Na verdade, tais questões constituem fundamentos para a impugnação futura junto dos tribunais judiciais através de acção de anulação da decisão arbitral que vier a ser proferida, como faculta o art.27º b) da Lei de Arbitragem Voluntária nº31/86 nos seguintes termos: a sentença arbitral só pode ser anulada pelo tribunal judicial por algum dos seguintes fundamentos:…b) ter sido proferida por tribunal incompetentes ou irregularmente constituído.
O momento adequado não é agora, mas depois da prolação da decisão arbitral e só no caso de a parte ter suscitado tais questões no processo de arbitragem logo que delas teve conhecimento (nº2 do citado preceito).
Consequentemente, a presente acção é intempestiva e meio impróprio para dirimir as questões suscitadas pela Autora e, por isso, viola a clausula compromissória por preterição do tribunal arbitral o que constitui excepção dilatória absolutória da instância (art. 494 j) e 493 nº2 CPC).

Face ao exposto, improcedem as conclusões do recurso.
Assim, acorda-se em negar provimento a ambos os agravos.
Custas pela agravante.

Lisboa 18 de Maio de 2004

Jorge Santos
Vaz das Neves
António Geraldes