Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANTÓNIO VALENTE | ||
Descritores: | SOCIEDADES COMERCIAIS AÇÕES CONTRA OS ADMINISTRADORES PRAZO DE PROPOSITURA DA ACÇÃO AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS A FAVOR DA SOCIEDADE | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/22/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | I.– Tendo sido deliberado pelos accionistas da sociedade, propor acção contra dois administradores, pedindo a reparação da sociedade pelo prejuízos que estes lhe causaram, a respectiva acção terá de ser proposta no prazo de seis meses, nos termos do art. 75º nº 1 do CSC. II.– Só depois de decorrido tal prazo sem que a acção haja sido proposta, poderão os sócios interpor a acção prevista no art. 77º nº 1 do mesmo diploma, pedindo a reparação a favor da sociedade dos prejuízos causados pelos administradores. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa. Relatório: CASE II PROJETOS E PARTICIPAÇÕES EM SISTEMAS DE INFORMAÇÃO SA intentou contra NR e SB, ação declarativa sob a forma de processo comum, pedindo a condenação dos réus no pagamento à autora de € 326.835,58. Alegou além do mais ser acionista da sociedade Artéria SA. Que esta sociedade não deliberou qualquer remuneração aos administradores e que os réus, na qualidade de administradores nomeados se auto atribuíram remuneração mensal à revelia da sociedade que ascendeu no caso do auto no período de novembro de 2002 a março de 2006 a € 140.747,17 no caso do réu e € 136.404,34 no caso da ré. Como causa de pedir do remanescente do pedido no montante de € 49.684,07, a autora alegou que os réus ordenaram transferências bancárias e procederam ao levantamento em proveito próprio de cheques sacados sobre a conta da sociedade Artéria SA que identificou. Citados para o efeito, os réus contestaram, pedindo além do mais que seja proferida decisão prévia ao conhecimento de mérito. Pretendem a absolvição da instância por entenderem que a autora com a propositura da ação pretende atingir interesses diversos dos protegidos por lei. Para tanto alegaram que durante o período em que exerceram funções de administradores o fizeram a tempo inteiro, e que não podiam tê-lo feito de forma gratuita por motivos óbvios de subsistência. Que os documentos referentes aos pagamentos de salários se encontravam relevados nas prestações de contas que a autora deliberou favoravelmente. Que a restante quantia que os autores transferiram ou procederam ao levantamento mediante cheque, resultou da própria autora que, na qualidade de contabilista da Artéria SA sugenu e implementou o sistema da pagar aos réus e aos trabalhadores ao serviço da sociedade despesas até determinado valor, mediante apresentação dos respetivos comprovativos, sendo também, em parte pagamento de despesas da própria Artéria ou remunerações com pessoal. Vindo a ser proferido despacho que julgou improcedente o pedido de decisão prévia e a excepção de caducidade, determinando o prosseguimento dos autos. Foram dados como assentes os seguintes factos: 1)– A sociedade Artéria - Consultoria de Imagem, Comunicação e Publicidade SA foi constituída e inscrita no registo mediante a apresentação 19 de 10 de janeiro de 2001, com capital social de 50.000,00€, distribuído por 50.000 ações com o valor nominal de 1 € cada e como seguinte objeto: ''prestação de serviços de consultoria de imagem, comunicação e publicidade" 2)– Foi nomeado o seguinte Conselho de Administração: Presidente: VP Vogal: AG Vogal: JF Vogal: NR Vogal: SB 3)– Em 31 de março de 2006, NRe SB renunciaram aos respetivos cargos no Conselho de Administração, que fizeram inscrever no registo mediante a apresentação 23 de 05 de julho de 2006. 4)– No dia 21 de maio de 2006, AGrenunciou ao cargo no Conselho de Administração o que foi inscrito no registo mediante a apresentação 23 de 05 de julho de 2006. 5)– A sociedade Case II- Projetos e Participações em Sistemas de Informação, SA, foi constituída e inscrita no registo mediante a apresentação 25 de 12 de janeiro de 2000, com capital social de 250.0000,00€ distribuído por 50.000,00 ações no valor nominal de 5,00€ cada e com o seguinte objeto: "atividade de projetos, estudos, desenvolvimento e participações em sistemas de informação e serviços conexos, e ainda na de compra e venda, compra para revenda , arrendamento, gestão e administração de espaços comerciais, industriais e destinados a serviços e de imóveis. " 6)– Foi nomeado o seguinte Conselho de Administração: Presidente: VP Vogal: AG Vogal: JF 7)– A sociedade a que se alude em 5 é acionista da sociedade a que se alude em 1. 8)– NR e SB, receberam remuneração mensal no período em que exerceram funções, sem que tal tenha sido deliberado em assembleia-geral, o que sempre foi do conhecimento dos restantes elementos do Conselho de Administração e de todos os acionistas. 9)– A sociedade a que se alude em 1 está sem atividade desde maio de 2006. 10)– O Conselho de Administração atual da Sociedade a que se alude em 1 não tem interesse na manutenção da atividade da sociedade, pretendendo a sua dissolução e liquidação. 11)– A sociedade Case II- Projetos e Participações em Sistemas de Informação SA, prestava a título remunerado serviços de contabilidade à sociedade Artéria SA. 12)– O réu NR recebeu enquanto administrador da sociedade a que se alude em 1 no período compreendido entre janeiro de 2003 e dezembro de 2005, € 61.600,00 a título de vencimento e € 79.l47,17 identificados como adiantamento por conta de despesas, num total de € 140.747,17. 13)– A ré SB recebeu enquanto administradora da sociedade a que se alude em 1 no período compreendido entre janeiro de 2003 e dezembro de 2005, € 55.605,00 a título de vencimento e € 80.799,34 identificados como adiantamento por conta de despesas, tudo perfazendo um total de € 136.404,34. 14)– Para além dos valores a que se alude em 12 e 13, transitaram da conta da sociedade Artéria SA para as contas dos réus os seguintes valores: a)- Em cinco transferências bancárias concretizadas em 07 de janeiro de 2005 - € 2.497,86; b)- Através de 51 cheques bancários - € 47.181,21. Inconformados recorrem os RR concluindo que: – A possibilidade de um sócio titular de 5% ou mais do capital social, ou 2% quando se trate de sociedade emitente de acções admitidas à negociação, exigir judicialmente a responsabilidade do administrador, se a sociedade não deliberar propor a competente ação, visa proteger os accionistas minoritários da tolerância, interessada ou não, dos accionistas maioritários, para com atos lesivos praticados pelos administradores. – Apesar da ação ser proposta pelo sócio, o titular do direito à indemnização continua a ser a sociedade, que deve ser chamada à causa por intermédio dos seus representantes (cfr. nº 4 do artigo 77° do CSC). – A possibilidade deste tipo de acção visar apenas amesquinhar, incomodar e prejudicar os administradores no âmbito de litígios entre accionistas e os prejuízos que daí podem decorrer, justifica que o administrador demandado requeira decisão prévia sobre a conformidade do propósito subjacente à propositura da ação com as finalidades da lei, ou requeira que o autor preste caução (cfr. artigo 77° do CSC). Ora, – A A. é a accionista maioritária da ARTÉRIA: por si, ou por intermédio de sociedades ou pessoas consigo relacionadas, é titular de, pelo menos, 25.300 acções. – A ARTERIA deliberou, primeiro em assembleia geral de 20.06.2006, com o favorável da antepossuidora das acções de que a A. é titular, porque a incorporou por fusão, CERTICA, SGPS (cfr. doc. n°. 4, junto com a contestação a fls. 28) e novamente, por deliberação aprovada com o voto da Autora, na reunião da assembleia geral de 13.12.2007 (cf. doc. n°. 1 junto à contestação, fIs. 46-47), propor contra os recorrentes a presente ação. . – A ARTERIA não o fez, porque a ação seria manifestamente inviável: os administradores da ARTERIA não poderiam alegar que supunham que os recorrentes não recebiam qualquer remuneração pelo exercício dos cargos e, ainda menos, quando a situação durou 3 anos, e todos os valores que lhes foram entregues foram contabilizados. Além disso, – Se assim fosse, haveria que deliberar nos órgãos próprios a remuneração que a ARTERIA entendesse ser devida e, apenas se esta fosse inferior aos valores recebidos pelos RR., exigir o reembolso da diferença. Porém, – Os accionistas maioritários impediram qualquer reunião para deliberar sobre este assunto e, em consequência, inexistem quaisquer prejuízos causados pelos atos imputados aos recorrentes, que visaram pagar-lhes, ou aos trabalhadores da ARTERIA, a remuneração pelo trabalho desenvolvido a seu favor. Com efeito, – As quantias em causa nos autos são valores pagos como remuneração, aos RR. e aos colaboradores da ARTERIA, contabilizadas pela A. e assinalados nos Relatórios de Auditoria que a A. encomendou ao seu próprio trabalho, para simular o desconhecimento de factos que bem conhecia como até à propositura da presente acção, entendia a própria A. Portanto, – A presente ação visa apenas concretizar as ameaças plasmadas na carta junta como documento número 7 à contestação e permitir à A. receber valor equivalente ao valor nominal das acções de que é titular e a parte não paga do preço dos "serviços" alegadamente prestados à ARTERIA, que a destruição que promoveu da empresa desta a impede agora de receber. Ou seja, – A presente ação é instrumental num diferendo entre accionistas, não visa o único fim lícito que poderia prosseguir, inclusive porque não há quaisquer prejuízos a indemnizar, uma vez que os valores em causa tiveram como contrapartida o trabalho recebido pela sociedade ARTERIA, dos recorrentes e/ou dos seus trabalhadores. Por outro lado, – Quando um direito deve ser exercido dentro de um prazo, o decurso do prazo extingue o direito. – O artigo 77°, n°. 4 do esc permite que os sócios exerçam direitos que pertencem à sociedade: nos autos, a autora pede a condenação dos administradores recorrentes a pagar à ARTERIA o valor que dela receberam pelo exercício dessas funções. – Se a ARTERlA já não pode exercer o direito, por o respetivo prazo ter decorrido, também os accionistas não o podem exercer em sua substituição. – A tanto não obsta a preocupação expressa no douto despacho sob recurso, do accionista aguardar o decurso do prazo para saber se a sociedade instaura ou não a ação de responsabilidade. – Deliberada pela assembleia geral a propositura da ação, como sucedeu no caso dos autos, incumbe aos administradores executar a deliberação sob pena de, não o fazendo, responderem nos termos do artigo 72° do CSC. Assim, – Os accionistas podem propor a ação quando a assembleia geral não tiver deliberado sobre o assunto, ou a deliberação não tiver recolhido o voto favorável da maioria dos accionistas. – Não há necessidade de entender que o direito "renasce", em contradição com com a unidade do sistema jurídico. Pelo exposto, - Ao assim não entender, no douto despacho sob recurso foram violados os artigos 72° e ss. e, designadamente, os artigos 74°, nºs, 3, 75° e 77° do Código das Sociedades Comerciais e os artigos 298° e 328° e ss. do Código Civil – O douto despacho recorrido devia, assim, ter julgado que a ação visa interesses diferentes dos protegidos por lei, ou quando menos, julgado procedente a exceção da caducidade e absolvido os recorrentes da instância, pelo que deve o mesmo ser revogado. Cumpre apreciar. O que está em causa no presente recurso é apurar se devia ter sido julgado procedente o incidente de decisão prévia suscitado pelos RR e se procedia a invocada excepção de caducidade. Começando pelo incidente de decisão prévia. Nos termos do art. 77º nº 5 do CSC, o Réu pode alegar que o Autor propôs a acção de responsabilidade para prosseguir interesses diversos dos protegidos por lei, requerendo que sobre a questão seja proferida decisão prévia. Resultou provado que os RR, vogais do Conselho de Administração da Artéria – Consuktadoria de Imagem, Comunicação e Publicidade SA, renunciaram a tais cargos em 31/03/2006, tendo ambos recebido remuneração mensal no período em que exerceram funções, sem que tal tenha sido deliberado em assembleia geral. O facto de receberem uma remuneração mensal era contudo do conhecimento dos demais membros do Conselho de Administração e de todos os accionistas. O Réu NRrecebeu enquanto administrador da sociedade, entre Janeiro de 2003 e Dezembro de 2005 a quantia de € 61.600,00 a título de vencimento e € 79.147,17 identificados como adiantamento por conta de despesas. A Ré SBrecebeu, enquanto administradora da sociedade, entre Janeiro de 2003 e Dezembro de 2005, a quantia de € 55.605,00 a título de vencimento e a quantia de € 80.799,34 identificada como adiantamento por conta de despesas. Para além desses montantes transitaram da conta da sociedade Artéria para as contas dos RR, por cinco transferências bancárias de 07/01/2005 o montante de € 2.497,86 e através de 51 cheques bancários o montante de € 47.181,21. Em relação aos valores recebidos pelos RR a título de remunerações, é certo que estas deveriam ter sido fixadas pela assembleia geral de accionistas ou por uma comissão por aquela nomeada – art. 399º nº 1 do CSC. E tal não aconteceu. Contudo, provou-se que a Autora Artéria, na pessoa dos demais administradores, e todos os accionistas, sempre tiveram conhecimento do recebimento de tais retribuições por parte dos ora RR, até porque estes exerciam a sua actividade em exclusivo e não o poderiam fazer gratuitamente – veja-se a confissão do presidente do conselho de administração da Case II a fls. 245. Ora, na petição inicial, a Autora afirma (art. 36º) que “caso os RR não tivessem retirado abusivamente dos cofres sociais, as verbas supra mencionadas e outras que se referirão, sem o conhecimento e consentimento dos demais administradores (...) a Artéria teria permanecido (...) uma sociedade viável”. Daí que, pelo menos quanto à verba recebida pelos RR a título de remunerações, a Autora, tendo alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa – art. 542º nº 2 b) do CPC – tenha visado um interesse não protegido por lei. Se o pedido da Autora se limitasse às verbas recebidas pelos RR a título de remunerações, teria certamente procedido o incidente de decisão prévia, como se vê do teor do próprio despacho recorrido. Contudo, o pedido da Autora envolve outras verbas recebidas pelas RR. Não só a verba global de € 159.946,51 supostamente a título de despesas, como as verbas objecto de transferência bancária e cheques num total de € 49.679,07, sem que se tenha apurado a respectiva razão de ser. Em relação a estas quantias o pedido da Autora mantém pertinência, havendo que apurar além do mais se as mesmas foram pagas com o acordo da sociedade nas pessoas dos restantes accionistas, qual a natureza da mencionada quantia de € 49.679,07 e se os documentos que suportam os recebimentos das quantias mencionadas estavam refletidos na prestação de contas dos exercícios de 2002 a 2005 – questões que, de resto, integram os temas de prova enunciados a fls. 213. A matéria dada como provada e inserida no presente incidente não permite responder a estas questões. Sabe-se apenas que a Autora Case II prestava, a título remunerado, serviços de contabilidade à sociedade Artéria. A matéria ora dada como provada não permite concluir que a Autora prossiga interesses não protegidos por lei, nomeadamente os interesses da sociedade visando a responsabilidade dos RR enquanto seus administradores e a reparação do prejuízo que estes supostamente terão causado à sociedade. Coisa diferente, como é óbvio, é a da procedência da pretensão da Autora. Mas o despacho recorrido não decidiu fosse o que fosse quanto a tal pretensão. Apenas julgou improcedente o incidente de decisão prévia, por não se provar que a Autora, ao propor a acção, vise um objectivo não protegido por lei, pelo menos no que toca às verbas relativas a pagamento de despesas e às que foram objecto de transferências bancárias e pagamentos por cheques. E neste aspecto, face, repete-se, aos factos dados como assentes, não vemos que outra decisão poderia ter sido tomada. Quanto à caducidade. Na base da excepção invocada pelos RR está o facto de a sociedade ter deliberado intentar a acção em 13/12/2007, tendo esta dado entrada apenas em 21/08/2008. Nos termos do art. 75º nº 1 do CSC, a acção de responsabilidade proposta pela sociedade, depende de deliberação dos sócios e deve ser proposta no prazo de 6 meses a contar de tal deliberação. Contudo, o art. 77º nº 1 do mesmo diploma, prevê que um ou vários sócios podem propor acção social contra gerentes ou administradores, com vista à reparação a favor da sociedade do prejuízo que esta tenha sofrido, quando a mesma não a haja solicitado. Daqui retira o Mº juiz a quo a conclusão de que “os accionistas só poderão intentar a acção findo que esteja o prazo para a sociedade o fazer, na medida em que só nessa altura poderá verificar-se com segurança o pressuposto de não ter a sociedade intentado a acção”. A ora Autora Case II é accionista da sociedade Artéria, tendo esta deliberado intentar a acção, sendo tal deliberação de 13/12/2007. Na verdade, só decorridos 6 meses poderia a Case II ter a certeza que a acção não fora intentada pela Artéria nem o poderia já vir a ser. A verificação da não propositura da acção pela sociedade Artéria dentro do prazo de 6 meses constitui um pressuposto que legitima a a propositura da acção por um accionista – neste caso a Case II – visando a reparação dos prejuízos sofridos pela sociedade Artéria. O prazo de 6 meses a contar da deliberação só se pode aplicar à sociedade e não ao accionista que, em proveito da sociedade, e perante a inércia desta em cumprir a deliberação, decide avançar ele próprio com a instauração do processo. Outra interpretação, conduziria a concluir que os sócios só poderão propor acção de responsabilidade contra gerentes e administradores, com vista è reparação, a favor da sociedade, do prejuízo que esta tenha sofrido, quando a sociedade não haja deliberado propor tal acção. Havendo deliberação nesse sentido, o sócio terá de aguardar que decorra o prazo de seis meses para que a deliberação seja cumprida e a acção proposta. Podendo suceder que os gerentes ou administradores cuja responsabilidade foi suscitada, impeçam por vários modos a propositura de tal acção. A seguir-se a interpretação dos recorrentes, o sócio estaria impedido de propor acção, face à caducidade, podendo apenas suscitar a responsabilidade dos gerentes ou administradores no não cumprimento da deliberação. Não parece, de modo algum, ser esse o sentido da parte final do art. 77º nº 1 do CSC: repare-se que a legitimação dos sócios para proporem a acção de responsabilidade dos gerentes ou administradores, com vista à reparação em favor da sociedade do prejuízo que lhe hajam causado, ocorre “quando a mesma não a haja solicitado”. Ou seja, os sócios podem propor a acção apenas nos casos em que a sociedade o não tenha feito. O art. 77º nº 1 não se reporta à existência de deliberação da sociedade que é apenas o modo de formação e expressão da vontade do ente colectivo, mas à “solicitação” de tal reparação por prejuízos que lhe tenham sido causados por gerentes ou administradores e que só poderá concretizar-se mediante a acção judicial do art. 75º. Ora, se existe deliberação no sentido de propor acção para responsabilizar gerentes ou administradores e depois a deliberação não é cumprida, não sendo proposta a acção, não se pode dizer que tenha existido qualquer solicitação de reparação dos prejuízos. Tal solicitação, repete-se, só poderá ter lugar na correspondente acção intentada pela sociedade. Alegam os recorrentes que se os administradores, existindo deliberação para propositura da acção, o não fizerem incorrem na responsabilidade prevista no art. 72º do CSC. Mas tal responsabilidade, que a sociedade terá de exercer nos termos do art. 75º nº 1, limitar-se-à à omissão de propositura tempestiva da acção, não àquilo que constituiria o cerne da pretensão a formular em tal acção, uma vez que o respectivo direito de acção da sociedade havia caducado. Por outro lado, o sócio só pode interpor a acção prevista no art. 77º nº 1 do CSC caso a sociedade não o tenha feito. Enquanto decorrer o prazo para a sociedade, após deliberação nesse sentido, intentar acção contra o administrador com vista à reparação dos prejuízos que este lhe causou, o sócio não pode substituir-se à sociedade propondo a aludida acção do art. 77º. Daqui resulta, que o direito do sócio demandar o administrador da sociedade, visando a reparação desta pelos prejuízos causados por tal administrador, só pode ser exercido no caso de a sociedade não deliberar propor a acção ou tendo deliberado propô-la o não fizer no prazo de 6 meses. Só então o direito do sócio pode, legalmente, ser exercido – ver art. 329º do Código Civil. Conclui-se assim que: – Tendo sido deliberado pelos accionistas da sociedade, propor acção contra dois administradores, pedindo a reparação da sociedade pelo prejuízos que estes lhe causaram, a respectiva acção terá de ser proposta no prazo de seis meses, nos termos do art. 75º nº 1 do CSC. – Só depois de decorrido tal prazo sem que a acção haja sido proposta, poderão os sócios interpor a acção prevista no art. 77º nº 1 do mesmo diploma, pedindo a reparação a favor da sociedade dos prejuízos causados pelos administradores. Termos em que se julga a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida. Custas pelos recorrentes. LISBOA, 22/3/2018 António Valente Ilídio Sacarrão Martins Teresa Prazeres Pais |