Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
196/14.4YHLSB.L1-8
Relator: MARIA DO CÉU SILVA
Descritores: DIREITOS DE AUTOR
DIREITOS CONEXOS
TELEVISÃO
HOTEL
COMUNICAÇÃO AO PÚBLICO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1 - A condução das emissões do canal RTL por um cabo coaxial até um head end ou cabeceira e a distribuição pelos múltiplos aparelhos de televisão instalados nos quartos dos estabelecimentos hoteleiros através de um equipamento complementar análogo a uma ficha tripla do qual parte uma rede de cabos coaxiais são uma concretização da rede de distribuição do sinal interna alegada na petição inicial.
2 - Não se vislumbra o interesse de tal concretização para a decisão da causa quando é certo que já resulta da matéria de facto provada que a distribuição dos canais televisivos pelos diversos quartos é feita por cabo coaxial.
3 - A distribuição dos canais televisivos pelos diversos quartos dos estabelecimentos hoteleiros constitui comunicação ao público e não retransmissão, independentemente de a distribuição ser feita por cabo coaxial.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:   Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa

Na presente ação declarativa que A [ RTL …. GmbH ] move contra B [ Grupo …..- S.G.P.S., S.A ] . e C [ ……Investimento Hoteleiro, S.A. ] , a A. interpôs recurso da sentença pela qual foi declarado que a captação e disponibilização das emissões do Canal RTL da A. nos quartos dos hotéis D. João II e Alvor Praia, assim como nos quartos dos demais hotéis explorados, direta ou indiretamente, pelas RR. constitui um ato de comunicação ao público nos termos referidos na alínea e) do nº 1 do art. 187º do CDADC (mas não com “entradas pagas”) e foram as RR. absolvidas dos demais pedidos, a saber:
- que se declare que a disponibilização atrás mencionada se encontra sujeita à autorização prévia da A., enquanto organismo de radiodifusão e titular de direitos conexos (afins ou vizinhos do direito de autor) sobre as suas emissões, nomeadamente o direito de autorizar a comunicação ao público das referidas emissões e o direito da retransmissão das mesmas, bem como ao pagamento de uma remuneração como contrapartida das mesmas;
- que se declare que, não tendo a autorização sido outorgada pela A., a disponibilização do Canal RTL nos quartos dos hotéis explorados pela R. C, bem como nos quartos dos demais hotéis que se venham a apurar, é ilícita;
- que se condene a R. C a não disponibilizar o acesso ao Canal RTL, nos quartos dos hotéis por si explorados, sem ter solicitado e obtido a autorização da A. para a retransmissão e/ ou comunicação ao público das suas emissões;
- que se condene a R. C ao pagamento, a título de compensação pela retransmissão e/ ou comunicação ao público das emissões do Canal RTL, no montante de € 0,20, por quarto e por mês, pelo período decorrido entre o momento em que a R. C começou a disponibilizar o referido Canal nos quartos dos seus hotéis até ao dia em que cessar a disponibilização ilícita das emissões do Canal RTL, acrescido de juros à taxa legal desde o trânsito em julgado da presente ação;
- que se condene solidariamente a R. B ao pagamento a que se refere o pedido supra;
- que se condene a R. B, enquanto sociedade dominante, a tomar as medidas intra-grupo adequadas, designadamente através de instruções vinculantes ao abrigo do disposto no art. 503º do C.S.C. (ex vi art. 491º do C.S.C.), afim de que as sociedades por ela detidas não disponibilizem o Canal RTL nos hotéis por si explorados, sem obter a prévia autorização da A., pagando-lhe a correspondente remuneração;
- que se condene a R. B ao pagamento, a título de compensação pela retransmissão e/ ou comunicação ao público das emissões do Canal RTL, no montante de € 0,20, por quarto e por mês, pelo período decorrido entre o momento em que os hotéis explorados pelas restantes sociedades por si detidas (para além da R. C ) começaram a disponibilizar o referido Canal nos respetivos quartos até ao dia em que cessar a disponibilização ilícita das emissões do Canal RTL, acrescido de juros legais taxa legal desde o trânsito em julgado da presente ação;
- que se condene, nos termos do disposto no artigo 829º-A do C.C., a R. C ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória a dividir em partes iguais entre a A. e o Estado, no valor de € 5.000,00 por cada dia, posterior ao trânsito em julgado desta ação, em que a R. C não cumpra a injunção referida supra;
- que se condene solidariamente a R. Grupo Pestana ao pagamento a que se refere o pedido anterior.
Na alegação de recurso, a recorrente pediu que seja revogada a sentença recorrida e julgadas procedentes as pretensões declarativas e de condenação formuladas na presente ação, tendo, após convite a sintetizar, formulado as seguintes conclusões:
“1. Na Sentença aqui em crise, o Tribunal a quo deu como provado que entre 1 de maio de 2013 e 28 de fevereiro de 2014 os hotéis Pestana Alvor Praia e Pestana D. João II explorados pela Recorrida C rececionaram o canal de televisão RTL emitido por satélite pela Recorrente e distribuíram-no através de cabo coaxial pelos televisores instalados nos respetivos quartos.
2. O Tribunal a quo considerou que a referida distribuição do canal RTL apesar de ter sido efectuada pela Recorrida C, sem a autorização prévia da Recorrente, não se pode considerar ilícita à luz do n.º 1 do artigo 187º do CDADC (preceito legal que enuncia os direitos de proibição/autorização conferidos aos organismos de radiodifusão relativamente à exploração das suas emissões).
3. Concretamente, o Tribunal a quo estatuiu que a distribuição do canal RTL, efetuada pela Recorrida C, não vulnerou o direito de comunicação ao público de emissões de radiodifusão consagrado na alínea e) do n.º 1 do artigo 187º do CDADC porquanto, no entender do Tribunal, as comunicações ao público que constituem o objeto desse direito são apenas aquelas que forem efetuadas através de aparelhos instalados em espaços aos quais as pessoas acedem mediante o pagamento de uma contrapartida especificamente destinada a remunerar a respetiva visualização, não podendo considerar-se que o preço que paga para nele se alojar seja uma contrapartida específica que se pague para poder visualizar emissões de radiodifusão nos aparelhos de televisão nele instalados.
4. O Tribunal a quo estatuiu também que a distribuição do canal RTL efetuada pela Recorrida C, tampouco vulnerou o direito de retransmissão de emissões de radiodifusão enunciado na alínea a) do n.º 1 do artigo 187.º do CDADC, porquanto, a seu ver, “no caso dos autos não ocorreu a retransmissão das emissões do canal RTL da autora já que nem as Rés nem os identificados hotéis são organismos de radiodifusão, não possuindo sequer condições técnicas para realizar a retransmissão daquelas emissões”.
5. Tendo negado provimento à pretensão declarativa formulada pela Recorrente nestes Autos, o Tribunal a quo fez também cair todas as suas pretensões condenatórias, umas automaticamente, porque a seu ver dependiam da declaração de ilicitude da distribuição do canal RTL efetuada pela Recorrida C – a condenação desta a não distribuir esse canal pelos quartos dos seus hotéis sem prévia autorização da Recorrente, o pedido indemnizatório baseado nas regras da responsabilidade civil, a imposição às Recorrentes de uma sanção pecuniária compulsória e o pedido de que a Recorrida B, enquanto sociedade dominante, dê instruções vinculantes a fim de que as sociedades por ela detidas não disponibilizem o canal RTL nos seus hotéis sem obter a prévia autorização da Recorrente – e outra, a pretensão de condenação das Recorridas ao pagamento de uma compensação com base no instituto do enriquecimento sem causa, porque a seu ver “a Autora não logrou provar, tanto que nem sequer alegou, que as Rés retiraram um concreto benefício económico daquela disponibilização do canal RTL aos respetivos hóspedes”.
6. No entender da Recorrente, a Sentença prolatada pelo Tribunal a quo apresenta vários pontos de desconformidade com o ordenamento jurídico tanto na vertente decisória relativa à matéria de facto, como na vertente decisória relativa à matéria de direito.
A. Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
a. Incompletude ou insuficiência da factualidade dada como provada resultante da não inclusão nessa factualidade do modo como foi feita a captação e distribuição por cabo das emissões do canal RTL nos hotéis Pestana D. João II e Pestana Alvor Praia e dos meios tecnológicos utilizados pela Ré C para esse efeito
7. O Tribunal a quo deu como provado que entre 1 de maio de 2013 e 28 de Fevereiro de 2014 o canal RTL da Recorrente foi distribuído através de cabo coaxial pelos quartos dos hotéis Pestana D. João II e Pestana Alvor Praia, no vigésimo quinto parágrafo da matéria de facto provada.
8. Do depoimento de parte do legal representante da Recorrida B, José Alexandre Lebre Theotónio, bem como do depoimento das testemunhas João Carlos Martins Ribeiro e Tiago José Mendes Leitão, resultou também demonstrado o modo como tal sucedeu, como se constata, dos excertos já acima devidamente transcritos em sede de alegações e constantes da gravação da audiência de julgamento do dia 7 de fevereiro de 2017, entre os minutos 05:50 e 07:25, bem como os minutos 11:29 e 12:38, quanto ao depoimento do legal representante da Recorrida B SGPS SA, entre os minutos 07:01 e 07:28 quanto à testemunha João Carlos ….., e entre os minutos 02:55 e 04:17, bem como os minutos 05:36 e 05:43, os minutos 06:32 e 07:50, e os minutos 19:39 e 21:29, quanto à testemunha Tiago …… .
9. Assim, resulta desses elementos de prova que a Recorrida C captava as emissões do canal RTL nos hotéis Pestana D. João II e Pestana Alvor Praia através de antenas parabólicas colocadas nos respetivos edifícios, sendo as mesmas imediatamente encaminhadas para um dispositivo com funções de “head end” (ou cabeceira), para a partir daí serem conduzidas, de forma simultânea e integral, através de tecnologia de distribuição por cabo coaxial, pelos diversos aparelhos de televisão instalados nos respetivos quartos.
10. Tal matéria factual afigura-se relevante para os presentes autos, atentas as pretensões da Recorrente, porquanto infirma a conclusão do Tribunal a quo segundo a qual “no caso dos autos não ocorreu a retransmissão das emissões do canal RTL da autora já que nem as Rés nem os identificados hotéis são organismos de radiodifusão, não possuindo sequer condições técnicas para realizar a retransmissão daquelas emissões”, e torna especialmente nítido o preenchimento do conceito legal de retransmissão por cabo de emissões de radiodifusão constante da alínea c) do artigo 3.º do Decreto-Lei 333/93 de 27 de novembro.
11. Face ao exposto, deverá este Venerando Tribunal ampliar a Matéria de Facto dada como provada pelo Tribunal a quo, adicionando-lhe o seguinte facto: PROVADO QUE “as emissões do canal RTL que entre o dia 1 de maio de 2013 e o dia 28 de fevereiro de 2014, foram distribuídas pelos 503 quartos dos hotéis Pestana Alvor Praia e Pestana D. João II eram captadas através de antena parabólica, conduzidas por um cabo coaxial até um head end ou cabeceira e daí eram distribuídas integral e simultaneamente pelos múltiplos aparelhos de televisão instalados nos quartos desses estabelecimentos hoteleiros através de um equipamento complementar análogo a uma ficha tripla do qual partia uma rede de cabos coaxiais que as conduziam aos referidos aparelhos de televisão.”
b. Incompletude ou insuficiência da factualidade dada como provada resultante de ter sido deixada de fora da mesma a constatação de que a Ré C obteve um benefício económico da disponibilização aos hóspedes dos seus hotéis Pestana Alvor Praia e Pestana D. João II das emissões do canal RTL
12. Nos Esclarecimentos prestados pela IGAC a 6 de junho de 2016, e juntos aos Autos a 28 do mesmo mês, é referido categoricamente, no parágrafo 3, que “uma unidade hoteleira, ao disponibilizar aos seus clientes conteúdos emitidos por canais televisivos está, naturalmente, a oferecer algo mais àqueles, do qual poderá resultar como contrapartida um benefício económico acrescido para o respetivo negócio, com maior ou menor relevo. Daí que o beneficiário será a entidade exploradora da unidade hoteleira”.
13. Desses Esclarecimentos conclui-se que qualquer hotel que disponibilize canais televisivos aos seus hóspedes através de aparelhos de televisão instalados nos respetivos quartos retira daí um benefício económico.
14. Tal matéria afigura-se essencial na presente ação, tendo em conta o pedido de pagamento de uma compensação pecuniária que foi formulado pela ora Recorrente na sua Petição Inicial.
15. Destarte, a ora Recorrente requer ao Tribunal ad quem que corrija a Decisão sobre a Matéria de Facto prolatada pelo Tribunal a quo e amplie os factos dados como provados adicionando-lhes o seguinte facto: PROVADO QUE “ao disponibilizar o canal RTL nos quartos dos hotéis Pestana Alvor Praia e Pestana D. João II, as Recorridas retiraram para si próprias um benefício económico.”
c. Erro de apreciação consistente em incluir no elenco da factualidade provada que “a ré B S.G.P.S., S.A. jamais deu instruções à ré C sobre qualquer matéria envolvendo os canais RTL da autora”.
16. O Tribunal a quo deu como provado, no vigésimo nono parágrafo da matéria de facto provada, que: “A ré B S.G.P.S., S.A. jamais deu instruções à ré C sobre qualquer matéria envolvendo os canais RTL da autora”.
17. O legal representante da Recorrida B declarou que “em 9 de julho de 2014, a administração da ré B – S.G.P.S. deu uma ordem expressa para não ser rececionado o canal RTL da Autora nos hotéis do B” – cf. gravação da audiência de julgamento do dia 7 de fevereiro de 2017, entre os minutos 13:24 e 14:54.
18. Na própria sentença recorrida, no capítulo “Fundamentação da Matéria de Facto”, é reconhecido que o legal representante da Recorrida B afirmou tal facto.
19. Essas afirmações que têm natureza de declaração confessória estão em contradição direta com o vigésimo nono parágrafo da matéria de facto provada, acima transcrito.
20. Por essa razão, o Tribunal a quo não deveria ter dado como provado o vigésimo nono parágrafo da matéria de facto provada, mas sim que no dia 9 de julho de 2014, a Recorrida B deu uma ordem expressa a todas as empresas de gestão hoteleira pertencentes ao Grupo para que não fosse mais rececionado o canal RTL da Recorrente nos hotéis por elas explorados.
21. Este facto, relatado (ou melhor, confessado) de viva voz ao Tribunal pelo próprio legal representante da Recorrida B, é prova cabal do controlo que aquela exercia sobre a conduta da Recorrida C e, consequentemente, da sua responsabilidade in instruendo pelos factos sobre os quais versa a presente ação,
22. Pelo que se impõe que o vigésimo nono parágrafo da matéria de facto provada seja eliminado, dando-se como provado, ao invés, o seguinte: PROVADO QUE “no dia 9 de julho de 2014, a Recorrida B deu uma ordem expressa a todas as empresas de gestão hoteleira pertencentes ao Grupo para que não fosse mais rececionado o canal RTL da Recorrente nos hotéis por elas explorados.”
B. Da impugnação da decisão sobre a matéria de direito
a. Contrariamente ao que decidiu o Tribunal a quo, a distribuição das emissões do canal RTL efetuada pela Recorrida C nos quartos dos seus hotéis consubstancia um ato de retransmissão de emissões de radiodifusão da Requerente que, para ser lícito, deveria ter sido previamente autorizado pela Requerente
23. O Tribunal a quo considerou que a distribuição do canal RTL através de cabo coaxial pelos aparelhos de televisão instalados nos quartos dos hotéis Pestana Alvor Praia e Pestana D. João II não constitui uma retransmissão das referidas emissões e que, portanto, não carecia do consentimento prévio da Recorrente, por entender que “no caso dos autos não ocorreu a alegada retransmissão das emissões do canal RTL da autora já que nem as rés nem os identificados hotéis são organismos de radiotelevisão, não possuindo sequer condições técnicas para realizar a retransmissão daquelas emissões.”
24. A Recorrente considera que este julgamento de Direito do Tribunal a quo padece de vários erros dos quais, por razões de síntese, aqui se destacam dois.
25. O Tribunal a quo errou, em primeiro lugar, ao julgar que o conceito de “retransmissão” que constitui o objeto do direito contemplado na alínea a) do número 1 do artigo 187.º do CDADC, se circunscreve à emissão simultânea, efetuada através de ondas radioelétricas por um organismo de radiodifusão, de emissões por ele captadas provenientes de outro organismo de radiodifusão.
26. O Tribunal a quo errou, em segundo lugar, ao julgar que os hotéis Pestana Alvor Praia e Pestana D. João II das Recorridas não possuíam condições técnicas suficientes para efetuar retransmissões das emissões de radiodifusão por eles rececionadas.
27. O primeiro erro de julgamento tem a sua origem na decisão do Tribunal a quo de não incluir no quadro normativo por si convocado para resolver o presente litígio o Decreto-Lei n.º 333/97 de 27 de novembro, que regula a radiodifusão por satélite e a retransmissão por cabo de emissões primárias de radiodifusão [o que não era sequer desconhecido pelo Tribunal a quo pois a convocação expressa de tal normativo foi feita pela Recorrente em sede de alegações finais na audiência de julgamento].
28. Com efeito, o direito de autorizar e de proibir a retransmissão de emissões de radiodifusão consagrado no artigo 187.º n.º 1 alínea a) do CDADC abrange não só (i) a emissão simultânea de uma emissão de radiodifusão efetuada através de ondas radioelétricas por um organismo de radiodifusão distinto daquele que efetuou primariamente a referida emissão, como também (ii) a distribuição ao público, processada de forma simultânea e integral por cabo, de uma emissão primária de programas de televisão ou rádio destinados à receção pelo público, isto é, a retransmissão por cabo, tal como definida no artigo 3.º, alínea c) do Decreto-Lei n.º 333/97 de 27 de novembro.
29. Na verdade, o Decreto-Lei n.º 333/97 de 27 de novembro, autentica lex specialis em relação ao CDADC, veio reconhecer expressamente no seu artigo 8.º a posição que vinha sendo defendida por alguns especialistas segundo a qual:
“Aplicam-se aos […] organismos de radiodifusão […] no respeitante […] à comunicação ao público por satélite das suas […] emissões e à [sua] retransmissão por cabo, as disposições gerais dos artigos 178.º. 184.º e 187.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos”,
30. Estabelecendo o artigo 3º do diploma legal supra referido que “entende-se por retransmissão por cabo a distribuição ao público, processada de forma simultânea e integral por cabo, de uma emissão primária de programas de televisão ou rádio destinados à receção pelo público”.
31. Ou seja, por força do disposto nos artigos 3º e 8º do Decreto-Lei n.º 333/97 de 27 de novembro, o direito, concedido aos organismos de radiodifusão, de autorizar e proibir a retransmissão das suas emissões, consagrado no 187.º n.º 1 alínea a) do CDADC, abrange organismo de radiodifusão distinto daquele do qual elas emanam, mas também a distribuição ao público, processada de forma simultânea e integral por cabo, de uma emissão primária de programas de televisão ou rádio destinados à receção pelo público.
32. Assim, o raciocínio que seguiu o Tribunal a quo para não subsumir ao conceito legal de “retransmissão” a distribuição por cabo das emissões do canal RTL – a consideração segundo a qual os hotéis da Recorrida C não são organismos de radiodifusão – cai totalmente pela base.
33. Ao aferir se a conduta da Recorrida C consubstancia um ato de retransmissão de emissões de radiodifusão, o Tribunal a quo não deveria ter dado qualquer relevância à questão da eventual qualificação da Recorrida C como organismo de radiodifusão.
34. Do Decreto-Lei n.º 333/97, de 27 de novembro resulta que a distribuição que a Recorrida C fez das emissões do canal RTL constitui uma distribuição ao público, processada por cabo de forma simultânea e integral, de uma emissão primária de programas de televisão destinados à receção pelo público, e portanto consubstancia uma retransmissão por cabo dessa emissão a qual, por remissão do referido Decreto-Lei, constitui, também, objeto do direito exclusivo de retransmissão atribuído à Recorrente pela alínea a) do n.º 1 do artigo 187.º do CDADC.
35. O segundo erro de julgamento cometido pelo Tribunal a quo foi considerar não submissível ao conceito de “retransmissão” a distribuição do canal RTL efetuada pela Recorrida C nos hotéis Pestana Alvor Praia e Pestana D. João II (o de considerar que esses hotéis não possuíam condições técnicas para efetuar quaisquer retransmissões das emissões de televisão neles rececionadas), e também é fácil de evidenciar.
36. Basta atentar no relato, transcrito sob o ponto a. da Parte II das presentes Alegações de Recurso, que a testemunha Tiago José ….., engenheiro eletrotécnico que exerce as funções de responsável pelas infraestruturas informáticas das empresas que integram o B, fez ao Tribunal a quo em sede de audiência de julgamento sobre o processo e a tecnologia utilizados pela Recorrida C nos hotéis Pestana D. João II e Pestana Alvor Praia para fazer chegar as emissões do canal RTL aos aparelhos de televisão instalados nos respetivos quartos.
37. Com efeito, a tecnologia e o modus operandi utilizados para fazer chegar as emissões do canal RTL aos quartos (receção do sinal por antena parabólica e a distribuição do mesmo através de um equipamento multiplicador, do qual sai uma rede de cabos coaxiais que o transportam de forma simultânea e integral a distintos terminais de televisão) são exatamente aqueles que são utilizados pelos operadores de televisão por cabo para fazer chegar aos respetivos clientes os sinais de televisão por eles contratados com as diversas entidades emissoras.
38. Ou seja, a distribuição de emissões de radiodifusão levada a cabo por um hotel pelos aparelhos de televisão instalados nos respetivos quartos não é diferente, do ponto de vista técnico, da distribuição das mesmas emissões que for levada a cabo por um operador de televisão por cabo, relativamente aos respetivos clientes.
39. Nestes termos, deve o Venerando Tribunal ad quem revogar a Sentença ora recorrida e declarar que a distribuição das emissões do canal RTL levada a cabo entre 1 de maio de 2013 e 28 de fevereiro de 2014 nos hotéis Pestana Alvor Praia e Pestana D. João II pela Recorrida C, constitui uma retransmissão daquelas emissões, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 187.º do CDADC, em conjugação com o disposto nos artigos 3.º e 8.º do Decreto-Lei 333/97 de 27 de novembro, a qual, tendo sido levada a cabo sem a autorização prévia da ora Recorrente, constitui um ilícito vulnerador do direito exclusivo de retransmissão, outorgado pelas disposições legais acima referidas à ora Recorrente.
40. No entanto, caso o Venerando Tribunal ad quem, apesar de tudo o que ficou dito, tenha dúvidas sobre se aquilo que sucedeu nos hotéis Pestana Alvor Praia e Pestana D. João II da Recorrida C se subsume ao conceito de retransmissão por cabo, deverá questionar o Tribunal de Justiça da União Europeia, ao abrigo do mecanismo de reenvio prejudicial previsto no artigo 97.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e nos artigos 93.º e seguintes do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, sobre se a situação em questão se subsume à noção de retransmissão por cabo constante do n.º 3 do artigo 1.º da Diretiva 93/83/CEE de 27 de setembro de 1993, do Conselho (disposição esta que o Decreto-Lei 333/97 de 27 de novembro justamente transpôs para a ordem jurídica portuguesa).
41. A pergunta a formular ao Tribunal de Justiça da União Europeia poderia ser a seguinte: “A situação em que uma unidade hoteleira procede à distribuição, simultânea e integral, através de uma rede de cabos coaxiais, de emissões primárias de um canal de televisão destinado à receção pelo público captadas através de antena parabólica subsume--se ao conceito de “retransmissão por cabo”, constante do n.º 3 do artigo 1.º da Diretiva n.º 93/83/CEE de 27 de setembro de 1993, do Conselho?”
b. Contrariamente ao que decidiu o Tribunal a quo, os pedidos de condenação formulados nos presentes autos pela Recorrente são procedentes
42. Conforme ficou demonstrado, a distribuição do canal RTL pelos quartos dos hotéis Pestana Alvor Praia e Pestana D. João II levada a cabo pela Recorrida C constitui um ato ilícito, porquanto infringe o direito exclusivo da Recorrente a autorizar e proibir a retransmissão por cabo das suas emissões, nos termos do n.º 1 do artigo 187.º, do CDADC conjugado com os artigos 3.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 333/97 de 27 de Novembro.
43. Conforme também ficou demonstrado, a Recorrida B, no dia 9 de Julho de 2014 deu uma ordem expressa para que não mais fosse rececionado (e, consequentemente, distribuído) o canal RTL nos hotéis da Recorrida C, sendo portanto evidente que se encontrava em posição de impedir a adoção dessa conduta por parte da Recorrida C antes que esta tivesse tido lugar.
44. Consequentemente, o Tribunal a quo devia não só ter declarado que a atuação da Recorrida C constitui um ato ilícito de retransmissão não autorizada de emissões televisivas da Recorrente como devia, em consequência, ter julgado procedentes os pedidos de condenação formulados pela Recorrente nos presentes autos.
45. Assim, além de condenar a Recorrida C a não disponibilizar o canal RTL nos quartos dos hotéis por si explorados, sem a prévia autorização da ora Recorrente, devia ainda o Tribunal a quo ter condenado solidariamente ambas as Recorridas ao pagamento, a título de compensação pela retransmissão por cabo das emissões do canal RTL nos hotéis Pestana Alvor Praia e Pestana D. João II, no montante de 0,20€, por quarto e por mês, pelo período decorrido entre 1 de maio de 2013 e 28 de fevereiro de 2014, acrescido de juros à taxa legal.
46. Essa condenação deveria ter sido extraída pelo Tribunal a quo ou do dever genérico de indemnizar outrem pelos danos causados pela violação ilícita e culposa do seu direito – consagrada, genericamente, no n.º 1 do artigo 483.º do Código Civil e, especificamente para os direitos conexos aos direitos de autor, no n.º 1 do artigo 211.º do CDADC – ou, caso não vislumbrasse culpa ou negligência na conduta da Recorrida C, na obrigação de repetição do indevido estabelecida na cláusula geral do artigo 473.º do Código Civil que é aplicável sempre que ocorra enriquecimento por intervenção ou fruição não autorizada de bens intelectuais alheios sem culpa do interventor.
47. Sublinhe-se, quanto a este último aspeto, que não é de todo certa a afirmação do Tribunal a quo segundo a qual a Recorrente “não logrou provar, tanto que nem sequer alegou, que as [Recorridas] retiraram um concreto benefício económico da disponibilização do canal RTL aos respetivos hóspedes”.
48. Pelo contrário! A Recorrente alegou que o preço da licença que teria podido obter das Recorridas caso estas tivessem solicitado a sua autorização para retransmitir nos seus hotéis as emissões nos canais RTL seria € 0,20, por quarto e por mês, em linha com os preços negociados pela Recorrente com outras empresas hoteleiras em Portugal.
49. E a razoabilidade desse valor ficou demonstrada pelo exame pericial realizado pela IGAC a instâncias do Tribunal a quo.
50. Tendo em conta o exposto, conclui-se que, com a decisão proferida, o Tribunal a quo, ao não convocar para o quadro normativo no qual baseou a resolução do presente litigio as normas dos artigos 3.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 333/97 de 27 de Novembro, as quais ampliam o âmbito material de aplicação do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 187.º do CDADC às retransmissões por cabo de emissões de radiodifusão, violou estes preceitos legais”.
A R. respondeu à alegação da recorrente, pugnando pela manutenção da sentença recorrida, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1. O Tribunal a quo procedeu a uma exemplar apreciação das questões de facto, incluindo da prova produzida, e aplicação do direito, não merecendo a Sentença recorrida qualquer censura;
2. Em qualquer circunstância, não procede a alteração pretendida pela A. Recorrente, no que respeita ao modo como se processava a distribuição do Canal RTL pelos quartos das unidades hoteleiras da 2ª R. Recorrida, com fundamento em factos alegadamente “complementares”, uma vez que nem estão em causa “factos complementares”, nem estão preenchidos os pressupostos exigidos pela alínea b) do n.º 2 do artigo 5º do C.P.C. para que os mesmos pudessem ser considerados;
3. Mesmo que assim não fosse, no que não se concede, a prova produzida não permite, e muito menos impõe, de modo algum, a alteração da decisão proferida sobre a indicada matéria de facto, tal como exige o artigo 662, n.º 1, do C.P.C.;
4. Do mesmo modo, carece de fundamento, não podendo ser admitida, a pretensão da A. Recorrente de alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto no que respeita à obtenção pela 2ª R. Recorrida de um benefício económico resultante da disponibilização do Canal RTL nas duas unidades hoteleiras em causa nos autos, com base no Relatório Pericial, já que não foram sequer oportunamente alegados quaisquer factos sobre esta matéria, nos termos exigidos pelos artigos 342º, n.º 1, do Código Civil e 5º, n.º 1, do C.P.C;
5. Ainda que assim não fosse, no citado Relatório Pericial, o Perito não se pronunciou sequer sobre qualquer suposto benefício económico da 2ª R. Recorrida decorrente daquela disponibilização – questão que não se encontrava compreendida no objeto da perícia, por não ter sido sequer alegada – tendo-se limitado a tecer considerações genéricas alusivas ao eventual benefício decorrente da disponibilização de aparelhos de televisão nos quartos dos hotéis em causa, e nada mais;
6. Por fim, carece também de fundamento a pretendida alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto no que respeita à instrução dada pela 1ª Recorrida no dia 9 de Julho de 2014, facto que não foi alegado pela A. Recorrente nem tem qualquer relevância para a apreciação das questões jurídicas em causa nos autos;
7. Ainda que se pudesse entender, sem conceder e por mero absurdo, que tal instrução afasta o facto alegado pelas RR. Recorridas, de que a 1ª Recorrida nunca deu instruções à 2ª R. Recorrida (o qual deve ser entendido no contexto temporal do período a que se reporta), apenas e quanto muito poderia este facto ser dado como não provado, nos termos do artigo 342º, n.º 2, e 346º do Código Civil;
8. No que respeita à fundamentação de direito da Sentença recorrida, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre o objeto do litígio, nos termos em que o mesmo foi trazido para os autos pela A. Recorrente, tendo como única causa de pedir a “disponibilização” do Canal RTL nos quartos de dois estabelecimentos hoteleiros explorados pela 2ª R. Recorrida, ao abrigo do princípio do dispositivo e do ónus da alegação, previstos no artigo 3º, n.º 1, e 5º, n.º 1, ambos do C.P.C;
9. A impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, realizada nas alegações sob resposta, visa carrear para os autos matéria de facto nova e que não foi oportunamente alegada e, desse modo, proceder a uma descarada alteração da causa de pedir, mas que não poderá ser admitida sob pena de violação do disposto nos artigos 5º, n.º 1, 260º e 265º, n.º 1, todos do C.P.C;
10. Ainda que assim não se entenda, no que não se concede de modo nenhum, mesmo à luz da nova causa de pedir, assente no conceito de “retransmissão por cabo” e do regime resultante do Decreto – Lei n.º 333/97, de 27.11, as pretensões da A. Recorrente carecem de qualquer fundamento, já que o artigo 8º do mencionado diploma determina a aplicação dos artigos 178º, 184º e 187º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC), entre outros, aos organismos de radiodifusão, no que respeita à comunicação ao público via satélite das suas emissões e à retransmissão por cabo;
11. Deste modo, mesmo que se pudesse considerar que a disponibilização do Canal RTL, efetuada pela 2ª R. Recorrida, nas unidades hoteleiras em causa nos autos, integra de alguma forma o conceito de “retransmissão por cabo”, tal como a A. Recorrente erradamente pretende e no que, obviamente, não se concede, ainda assim não assistiria à A. Recorrente qualquer direito de autorizar ou proibir a mesma, nos termos expressamente previstos no artigo 187º, n.º 2, do CDADC, que dispõe que “ao distribuidor por cabo que se limita a efetuar a retransmissão de emissões de organismos de radiodifusão não se aplicam os direitos previstos neste artigo”;
12. Em consequência, mesmo admitindo por absurdo que a disponibilização do Canal RTL, efetuada pela 2ª R. Recorrida, nas duas unidades hoteleiras em causa nos autos, constituiria um ato de “retransmissão por cabo” (no que não se concede), não se verifica qualquer violação dos direitos da A. Recorrente, pelo que não existe qualquer facto ilícito, nem obrigação de indemnizar, nos termos previstos, a contrario, no artigo 483º do Código Civil;
13. Ainda que, mais uma vez, assim não se entenda, no que não se concede, o artigo 7º, n.º 1, do Decreto-Lei 333/97, aplicável por remissão do artigo 8º do mesmo diploma, estabelece que o direito de autorizar ou proibir a retransmissão por cabo apenas pode ser exercido através de uma entidade de gestão coletiva dos direitos de autor ou dos direitos conexos, sendo os litígios obrigatoriamente resolvidos pela via arbitral, o que não sucedeu no caso dos autos e determina a necessária improcedência de todas as pretensões da A. Recorrente;
14. Por outro lado, não se verificam nos autos os pressupostos do enriquecimento sem causa, previstos nos artigos 471º e seguintes do Código Civil, que estabelece a obrigação de restituir, pelo enriquecido, daquilo com que injustamente se locupletou à custa do empobrecido, mas que assume uma natureza subsidiária, não podendo este regime ser invocado para contornar o regime legal, com o propósito de obter por um lado aquilo que a lei veda por outro;
15. Ainda que assim não fosse, constitui pressuposto essencial deste regime a existência de um injusto enriquecimento, no caso, da 2ª R. Recorrida, à custa da A. Recorrente, mas que não foi alegado nos autos, como se impunha (se fosse o caso, mas que não é), tendo a A. Recorrente se limitado a invocar – a propósito do seu direito a indemnização – um suposto “dano” por si sofrido, correspondente ao alegado “lucro cessante”, e que, como é óbvio, não corresponde a qualquer enriquecimento da 2ª R. Recorrida, pelo que, também nesta hipótese absurda, a pretensão da A. Recorrente não pode deixar de improceder;
16. Improcedem também as pretensões da A. Recorrente no que respeita à 1ª R. Recorrida, uma vez que – até mesmo na tese sustentada pela A. Recorrente, nas alegações sob resposta – não resulta dos autos, por não ter sido sequer alegada, qualquer atuação da 1ª R. Recorrida que pudesse consubstanciar uma violação ilícita do (alegado mas inexistente) direito da A. Recorrente, não estando assim reunidos os pressupostos da obrigação de indemnizar, nem da solidariedade, exigidos pelos artigos 483º e 491º, ambos do Código Civil;
17. Do mesmo modo, não pode deixar de ser julgado improcedente o (novo) pedido de condenação da 1ª R. Recorrida na ratificação da instrução dada no dia 9.07.2014, por, para além do mais, violar o disposto no artigo 265º, n.º 2, do C.P.C.”
São as seguintes as questões a decidir:
- da impugnação da matéria de facto provada; e
- da retransmissão das emissões de organismos de radiodifusão por ondas radioelétricas.
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Na sentença recorrida, foram dados como provados os seguintes factos:
1 - A A., com sede efetiva na Alemanha, em Picassoplatz, 1, 50679 Köln, é uma entidade que efetua emissões de radiodifusão sonora e visual, destinadas à receção pelo público em geral.
2 - A A. é uma das sociedades que forma parte de um conglomerado de empresas emissoras de conteúdos televisivos, conjuntamente designadas pela designação comercial “Media Group RTL Germany” ou “Mediengruppe RTL Deutschland”, designação esta que constitui um nome comercial; integram ainda o “Media Group RTL Germany” ou “Mediengruppe RTL Deutschland” as seguintes sociedades:
- VOX Television GmbH, responsável pela emissão do canal “VOX”;
- RTL 2 Fernsehen GmbH & Co KG, responsável pela emissão do canal “RTL II”;
- RTL Disney Fernsehen GmbH & Co. KG, responsável pela emissão do canal “Super RTL”;
- n-tv Nachrichtenfernsehen GmbH, responsável pela emissão do canal “n-tv”.
3 - Todas estas entidades, incluindo a A. pertencem direta ou indiretamente à RTL Group S.A., Luxembourg; esta sociedade constitui o vértice de um dos principais grupos empresariais da área do entretenimento na Europa, da qual fazem parte vários canais de televisão e rádio em vários países europeus.
4 - A RTL Group S.A. encontra-se cotada na bolsa de valores de Frankfurt/ Main, Luxemburgo e Bruxelas, sendo 75,1% das suas ações detidas pela empresa Bertelsmann SE & Co. KGaA, sedeada em Gütersloh, Alemanha.
5 - A estrutura acionista completa da A. encontra-se publicada pela competente entidade reguladora alemã (“Kommission zur Ermittlung der Konzentration im Medienbereich”).
6 - A A. efetua emissões de radiodifusão sonora e visual de vários canais de televisão “gratuitos”, isto é, cuja receção e uso para fins privados não está sujeita ao pagamento de qualquer licença, nomeadamente: o canal “RTL Television” (doravante “Canal RTL”) e o canal “RTL Nitro”; a A. é ainda responsável pela emissão dos canais “RTL Crime”, “RTL Living” e “GEO Television”.
7 - A A. é detentora da licença de radiodifusão emitida pela entidade alemã com competência para a concessão de licenças a canais de televisão ou rádio para prestação de serviços de radiodifusão (a “Niedersächsische Landesmedienanstalt” [NLM] - Organismo para a Comunicação Social da Baixa Saxónia), sendo a A. responsável por todos aspetos que a transmissão dos referidos canais envolve, desde a elaboração dos respetivos conteúdos até ao cumprimento de todas as exigências técnicas, financeiras ou legais; nomeadamente, a RTL Television é responsável pelo pagamento das taxas administrativas devidas ao Organismo para a Comunicação Social da Baixa Saxónia.
8 - O canal RTL é um “canal generalista”; o seu programa disponibiliza aos seus telespetadores uma gama muito ampla de formatos televisivos (filmes, séries, espetáculos, documentários, eventos desportivos, notícias e magazines) e é um dos canais de televisão de língua alemã mais conhecidos e visionados pela população germano-falante da União Europeia.
9 - A identificação da A. na emissão televisiva é feita através da aposição, num dos cantos da imagem radiodifundida, do logótipo com as letras “RTL”, conforme doc. nº 4 junto com a P.I.
10 - O canal RTL é tecnicamente rececionável na Alemanha, na Áustria e na Suíça através de todas as opções existentes de receção de emissões televisivas: satélite, cabo, IP, OTT/ Internet e televisão terrestre (“transmissão primária”); sendo a RTL um canal televisivo gratuito, não é cobrada qualquer taxa pela sua receção em domicílios privados e o sinal não está encriptado na maioria das opções de receção.
11 - Embora a programação do canal RTL seja criada e direcionada para o público residente na Alemanha, Áustria e Suíça e todas as fontes de financiamento publicitário provenham destes países, tendo em conta o alastramento do sinal de satélite (satélite ASTRA 19,2º Este), este canal é tecnicamente rececionável em vários outros países europeus, designadamente em Portugal, bastando para isso usar uma parabólica comum posicionada no satélite ASTRA 19,2º.
12 - Relativamente à receção e utilização desse sinal por operadores de televisão por cabo ou por hotéis, a A., enquanto organismo de radiodifusão, entende que tem o direito de autorizar, nas condições que entender, ou de proibir a retransmissão e a comunicação ao público das suas emissões, sendo prática da A. a celebração de acordos de licenciamento nesse sentido.
13 - A A. já celebrou vários acordos de licenciamento nesse sentido tanto com operadores de televisão por cabo como com hotéis situados na União Europeia, sendo essa, em conjunto com a publicidade, a sua fonte de receitas; o hotel denominado “Pestana Berlin Tiergarten”, situado em Berlim e explorado por uma sociedade pertencente à R. B, a empresa Pestana Berlin S.a.r.l., com sede no Luxemburgo, paga uma remuneração à entidade de gestão coletiva alemã GEMA, designadamente pela disponibilização dos canais pertencentes ao Media Group RTL, nomeadamente do Canal RTL, aos respetivos hóspedes, conforme docs. nºs 21 e 22 juntos com a P.I.; a referência, nos referidos documentos, à sociedade VG Media justifica-se pelo facto de esta ser uma sociedade de gestão coletiva de direitos de propriedade intelectual na área dos media, a quem a A. subcontratou a gestão das remunerações, no seu entender, devidas pelos estabelecimentos hoteleiros.
14 - A A. já celebrou acordos de licença de retransmissão e de comunicação ao público das suas emissões com operadores de televisão por cabo que operam em Portugal, bem como com alguns hotéis localizados no nosso país, sendo o preço que aplica aos hotéis portugueses pela celebração dos referidos contratos, no tocante ao Canal RTL, de € 0,20, por quarto e por mês, montante a que acrescem os impostos aplicáveis e é independente da taxa de ocupação do hotel.
15 - A R. B é uma sociedade que se dedica à gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas.
16 - A R. B S.G.P.S. detém participações sociais maioritárias em sociedades que, por sua vez, são proprietárias ou exploram, designadamente, as seguintes unidades hoteleiras: Pousada de S. Teotónio; Pousada de S. Bento; Pousada Monte de Santa Luzia; Pousada da Ria; Pousada de Viseu; Pousada da Covilhã; Pousada de Marvão; Pousada Infante de Sagres; Pousada de Santa Marinha; Pousada de Santa Maria do Bouro; Pousada Convento do Desagravo; Pousada do Castelo; Pousada Conde de Ourém; Pousada de Palmela; Pousada dos Loios; Pousada de Santa Isabel; Pousada D. Maria; Pousada Castelo do Alvito; Pousada de S. Francisco; Pousada Flôr da Rosa; Pousada N. Senhora da Assunção; Pousada D. João IV; Pousada D. Afonso II; Pousada Convento da Graça; Pousada Palácio de Estoi; Pousada Forte de Santa Cruz; Pousada do Freixo; Pousada da Cidadela; Hotel Pestana Porto; Hotel Pestana Cascais; Hotel Pestana Sintra; Hotel Pestana Alvor Park; Hotel Pestana D. João II; Hotel Pestana Delfim; Hotel Pestana Vicking; Apartamentos Pestana Vilage; Apartamentos Pestana Bay Gardens; Apartamentos Pestana Palms; Hotel Pestana Promenade; Hotel Pestana Bahia Palace; Hotel Pestana Palace; Hotel Pestana Alvor Praia; Hotel Pestana Vila Sol; Hotel Pestana Porto Santo; Hotel Pestana Columbus; Hotel Pestana Casino Park; Hotel Pestana Carlton Madeira; Hotel Pestana Grand; a R. B integra um dos maiores grupos de empresas portuguesas no setor do turismo que explora unidades de alojamento turístico que totalizam aproximadamente 9450 quartos; este grupo de empresas possui, nomeadamente e para além dos 45 hotéis (10 na Madeira, 9 no Algarve, 5 em Lisboa/Cascais/Sintra, 1 no Porto, 9 no Brasil, 2 na Argentina, 1 na Venezuela, 3 em Moçambique, 1 na África do Sul, 1 em Cabo Verde e 3 em S. Tomé e Príncipe, 1 em Londres e 1 em Berlim), 9 empreendimentos de Vacation Club, 4 empreendimentos imobiliário/ turístico e a gestão da rede das 33 Pousadas de Portugal.
17 - A R. B é o vértice da maior cadeia de turismo de origem portuguesa, encontrando-se no top 25 do ranking das cadeias hoteleiras da Europa e no top 75 a nível mundial.
18 - A R. C, maioritariamente detida pela R. B, é uma sociedade portuguesa que se dedica ao exercício e ao fomento da indústria hoteleira, construindo ou financiando a construção de hotéis e interessando-se direta ou indiretamente na exploração de hotéis e estabelecimentos similares.
19 - A R. B detém uma participação direta de, pelo menos, 98,98% no capital social da R. C.
20 - O mesmo tipo de relação societária verifica-se entre a R. B e várias das restantes sociedades por esta detidas cuja atividade visa igualmente a exploração comercial de hotéis; assim, designadamente, aquela R. é detentora de 100% do capital social das seguintes sociedades: Carlton Palácio, Sociedade de Construção e Exploração Hoteleira, S.A., M. & J. Pestana, Sociedade de Turismo da Madeira, S.A., Pestana Cidadela - Investimentos Turísticos, S.A., ITI - Sociedade de Investimentos Turísticos na Ilha da Madeira, S.A., Quinta da Beloura - Golfe, S.A.
21 - A R. C explora, nomeadamente, as seguintes unidades hoteleiras: Hotel Pestana Alvor Park; Hotel Pestana D. João II; Hotel Pestana Delfim; Hotel Pestana Vicking; Hotel Pestana Alvor Praia; Hotel Pestana Vila Sol.
22 - No dia 22 de fevereiro de 2014, a disponibilização do Canal RTL no Hotel Pestana Alvor Praia foi certificada por notário e por dois solicitadores de execução; no mesmo dia, a disponibilização do Canal RTL no Hotel Pestana D. João II foi também certificada por notário e por dois solicitadores de execução; através do certificado exarado pela notária Isabel Loureiro e dos relatórios de verificação não judicial emitidos pelos solicitadores de execução Júlio Silva dos Reis e Luís Francisco Branco Malheiro é possível constatar que: no Hotel Pestana D. João II, no dia 22 de fevereiro de 2014, estava disponível o Canal RTL no quarto 425, no canal 72 do aparelho de televisão; no Hotel Pestana Alvor Praia, no dia 22 de fevereiro de 2014, estava disponível o Canal RTL no quarto 438, no canal 12 do aparelho de televisão.
23 - O Hotel Pestana Alvor Praia dispõe de 202 unidades de alojamento e o Hotel Pestana D. João II dispõe de 301 unidades de alojamento, tendo a disponibilização do canal RTL ocorrido em todos os quartos daquelas duas unidades, em simultâneo; a disponibilização do canal RTL nestas duas unidades hoteleiras manteve-se, pelo menos, entre maio de 2013 até ao final de fevereiro de 2014.
24 - Os hóspedes de nacionalidade alemã dos hotéis Pestana Alvor Praia e Pestana D. João II representaram, nos últimos anos, pelo menos, 10% do volume total de negócio daquelas duas unidades.
25 - A distribuição dos canais televisivos recebidos nos hotéis Alvor Praia e Dom João II pelos diversos quartos desses estabelecimentos é feita por cabo coaxial.
26 - A maioria dos hóspedes que se instalam nos hotéis da R. C não tem qualquer espécie de interesse por um canal de língua alemã.
27 - A 29-05-2013, a Associação da Hotelaria de Portugal (AHP) e a Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) celebraram o acordo constante do doc. n.º 1 junto com a contestação, que contem, designadamente, o tarifário a aplicar por esta entidade no licenciamento dos direitos de autor.
28 - De acordo com esse tarifário, o valor a pagar relativo a todos os canais de televisão que possam estar disponíveis em Portugal, seja por cabo, seja por satélite, seja por que forma for, varia, para os hotéis de 5 estrelas, entre € 6,00 e € 4,67 por quarto por ano, e, para os hotéis de 4 estrelas, entre € 5,33 e € 4,00 por quarto por ano; feitas as contas ao mês, resulta um valor mensal entre € 0,50 e € 0,33 por quarto.
29 - A R. B S.G.P.S. jamais deu instruções à R. C sobre qualquer matéria envolvendo os canais RTL da A.
30 - No dia 7 de agosto de 2012, o Diretor do Departamento Internacional de Distribuição e Direitos de Autor e Direitos Conexos do Media Group RTL, Marc Zimmermann, remeteu uma carta em nome do Media Group RTL à R. B; nesta carta, o representante do Media Group RTL afirmou ter tomado conhecimento de que diversos canais pertencentes a este Grupo, designadamente o Canal RTL, estavam a ser disponibilizados nos quartos de diversos hotéis explorados por sociedades integradas na B S.G.P.S., exigindo que lhe fosse paga a remuneração correspondente.
31 - No dia 30-10-2012, o Diretor do Departamento Internacional de Distribuição e Direitos de Autor e Direitos Conexos do Media Group RTL, Marc Zimmermann, remeteu uma carta em nome do Media Group RTL ao Hotel Pestana Viking, conforme doc. nº 2 junto com a contestação cujo teor se considera aqui reproduzido.
32 - No dia 12 de novembro de 2012, o Administrador, à data, da R. B, Luís Castanheira Lopes, remeteu ao Media Group RTL carta nos termos da qual veicula o entendimento de que:
“(…) a lei portuguesa não estabelece a obrigação de obter autorização nem de efectuar o pagamento de quaisquer direitos com vista à recepção do sinal directo de televisão, quer nos quartos quer nas áreas públicas dos Hotéis. Na verdade, os Hotéis apenas têm a obrigação de pagar os direitos de autor e demais direitos que lhe sejam conexos nos casos de ‘video on demand’ e não nos casos da mera receção do sinal de televisão. A presente informação foi, igualmente, prestada no dia 1 de Outubro, p.p, pela AHP, Associação da Hotelaria de Portugal, de que esta Empresa faz parte. Em face do que precede, informo que nos encontramos a cumprir todas as normas a que estamos obrigados e que não temos obrigação de efectuar qualquer pagamento, seja à RTL ou seja a qualquer outra organização pela mera recepção de televisão”.
33 - A referida missiva do Administrador da R. B fazia referência a um parecer jurídico emitido em 2004 a pedido da Associação da Hotelaria de Portugal (doravante apenas “AHP”), a propósito da consagração (ou não) na lei portuguesa da obrigação de pagamento de remuneração aos organismos de radiodifusão, por parte de estabelecimentos hoteleiros que, captando as emissões dos referidos organismos, as disponibilizem aos seus hóspedes através de aparelhos de televisão situados nos respetivos quartos. Esse parecer foi enviado pela própria AHP à Media Group RTL no dia de 12 de setembro de 2012 (em carta cuja cópia constitui o doc. nº 18 junto com a P.I.) e o entendimento nele perfilhado foi reiterado pela AHP em nova carta enviada ao Media Group RTL no dia 1 de outubro do mesmo ano (em carta cuja cópia constitui o doc. nº 19 junto com a P.I.); através destas missivas a AHP respondia a uma carta que lhe fora enviada pelo Media Group RTL, em carta de 14 agosto de 2012 (em carta cuja cópia constitui o doc. nº 20 junto com a P.I.), enviada pelo Media Group RTL.
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Na sentença recorrida, foram dados como não provados os seguintes factos:
1 - Para a meia dúzia de hóspedes que, anualmente, poderão visionar canais de língua alemã, ser-lhes-á totalmente indiferente e irrelevante visionarem o canal RTL ou qualquer outro.
2 - O canal RTL foi ainda disponibilizado aos clientes no Hotel Pestana Village entre outubro de 2009 e janeiro de 2013 e no Hotel Pestana Bay tal disponibilização ainda ocorria em novembro de 2014, desconhecendo a A. quando se terá iniciado; no hotel Pestana D. João II a disponibilização do canal RTL já se verificava em março de 2009.
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A recorrente impugnou a decisão sobre a matéria de facto, requerendo o aditamento à matéria de facto dada como provada dos seguintes factos:
- “as emissões do canal RTL que entre o dia 1 de maio de 2013 e o dia 28 de fevereiro de 2014, foram distribuídas pelos 503 quartos dos hotéis Pestana Alvor Praia e Pestana D. João II eram captadas através de antena parabólica, conduzidas por um cabo coaxial até um head end ou cabeceira e daí eram distribuídas integral e simultaneamente pelos múltiplos aparelhos de televisão instalados nos quartos desses estabelecimentos hoteleiros através de um equipamento complementar análogo a uma ficha tripla do qual partia uma rede de cabos coaxiais que as conduziam aos referidos aparelhos de televisão”;
- “ao disponibilizar o canal RTL nos quartos dos hotéis Pestana Alvor Praia e Pestana D. João II, as Recorridas retiraram para si próprias um benefício económico.”
Da matéria de facto provada consta que o canal RTL “é tecnicamente rececionável em vários outros países europeus, designadamente em Portugal, bastando para isso usar uma parabólica comum posicionada no satélite ASTRA 19,2º” (ponto 11, que tem a ver com o alegado pela recorrente no artigo 13º da petição inicial); e que “a distribuição dos canais televisivos recebidos nos hotéis Alvor Praia e Dom João II pelos diversos quartos desses estabelecimentos é feita por cabo coaxial” (ponto 25, que corresponde ao alegado pelas RR. no artigo 116º da contestação).
É certo que da matéria de facto provada nada consta quanto à “cabeceira” e ao “equipamento complementar análogo a uma ficha tripla”, mas certo é também que sobre eles nada consta também nos articulados.
Nos termos do art. 5º nº 1 e nº 2 al. b) do C.P.C., “às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas”; “além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz… os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar”.
“No âmbito dos factos essenciais, é possível distinguir dois planos, isto é, factos essenciais nucleares e factos essenciais complementares e concretizadores. Os «nucleares» constituem o núcleo primordial da causa de pedir ou da excepção, desempenhando uma função individualizadora ou identificadora, a ponto de a respectiva omissão implicar a ineptidão da petição inicial ou a nulidade da excepção. Já os «complementares» e os «concretizadores», embora também integrem a causa de pedir ou a excepção, não têm já uma função individualizadora. Assim, os factos complementares são os completadores de uma causa de pedir (ou de uma excepção) complexa, ou seja, uma causa de pedir (ou uma excepção) aglutinadora de diversos elementos, uns constitutivos do seu núcleo primordial, outros complementando aquele. Por sua vez, os factos concretizadores têm por função pormenorizar a questão fáctica exposta sendo, exactamente, essa pormenorização dos factos anteriormente alegados que se torna fundamental para a procedência da acção (ou da excepção)” (Paulo Pimenta, Os Temas da Prova, Comunicação no CEJ, pág. 22 e 23).
No artigo 15º da petição inicial, a recorrente afirmou que o encaminhamento do sinal televisivo do Canal RTL por operadores de televisão por cabo ou por hotéis, através das suas próprias redes de distribuição de sinal, nomeadamente em redes de televisão por cabo ou em redes de distribuição do sinal internas (no caso dos hotéis), é qualificável como um ato de «retransmissão» e de «comunicação ao público».
A condução das emissões do canal RTL por um cabo coaxial até um head end ou cabeceira e a distribuição pelos múltiplos aparelhos de televisão instalados nos quartos dos estabelecimentos hoteleiros através de um equipamento complementar análogo a uma ficha tripla do qual parte uma rede de cabos coaxiais são uma concretização da alegada rede de distribuição do sinal interna.
Contudo, não se vislumbra o interesse de tal concretização para a decisão da causa quando é certo que já resulta da matéria de facto provada que “a distribuição dos canais televisivos recebidos nos hotéis Alvor Praia e Dom João II pelos diversos quartos desses estabelecimentos é feita por cabo coaxial”.
A recorrente pretende que seja aditado à matéria de facto provado que as RR., ao disponibilizarem o canal RTL nos quartos dos hotéis Pestana Alvor Praia e Pestana D. João II, retiraram para si próprias um benefício económico.
Por um lado, não resulta dos esclarecimentos prestados pelo perito que da disponibilização por uma unidade hoteleira aos seus clientes conteúdos emitidos por canais televisivos resulta, como contrapartida, um benefício económico acrescido para o respetivo negócio, mas sim que “poderá resultar”.
Por outro lado, trata-se de um facto conclusivo e, portanto, não pode ser levado à matéria de facto provada.
Da fundamentação constante da sentença recorrida pode ler-se: “a mesma autora não logrou provar, tanto que nem sequer alegou, que as rés retiraram um concreto benefício económico daquela disponibilização do Canal RTL aos respetivos hóspedes”.
Faltou a concretização do benefício económico na petição inicial e a concretização não resultou da instrução da causa.
Acresce dizer que resulta da matéria de facto provada que a maioria dos hóspedes que se instalam nos hotéis da R. C não tem qualquer espécie de interesse por um canal de língua alemã.
Impugnando a decisão sobre a matéria de facto, a recorrente defendeu ainda que o tribunal a quo não deveria ter dado como provado que “a R. B S.G.P.S. jamais deu instruções à R. C sobre qualquer matéria envolvendo os canais RTL da A.”, mas sim que, “no dia 9 de julho de 2014, a Recorrida B deu uma ordem expressa a todas as empresas de gestão hoteleira pertencentes ao Grupo para que não fosse mais rececionado o canal RTL da Recorrente nos hotéis por elas explorados.”
Da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto consta que, “no seu depoimento, José ….……, um dos administradores da ré B - S.G.P.S., S.A., … realçou que em 9 de julho de 2014, a administração da ré B - S.G.P.S. deu uma ordem expressa para não ser rececionado o Canal RTL da autora nos hotéis do B”.
Tal ordem é posterior à propositura da presente ação e à citação das RR.
Não se vislumbra, pois, que o depoimento de José …… justifique a alteração do ponto 29 da matéria de facto provada nos termos pretendidos pela recorrente.
Assim, julgo improcedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
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Nos termos do art. 187º nº 1 do CDADC, “os organismos de radiodifusão gozam do direito de autorizar ou proibir:
a) a retransmissão das suas emissões por ondas radioelétricas;

e) a comunicação ao público das suas emissões, quando essa comunicação é feita em lugar público e com entradas pagas.”
Por força do art. 176º nºs 9 e 10 do CDADC, “organismo de radiodifusão é a entidade que efetua emissões de radiodifusão sonora ou visual, entendendo-se por emissão de radiodifusão a difusão dos sons ou de imagens, ou a representação destes, separada ou cumulativamente, por fios ou sem fios, nomeadamente por ondas hertzianas, fibras óticas, cabo ou satélite, destinada à receção pelo público” e “retransmissão é a emissão simultânea por um organismo de radiodifusão de uma emissão de outro organismo de radiodifusão”.
A L 50/2004, de 24 de agosto, alterou a redação do art. 176º do CDADC, mas a noção de retransmissão manteve-se.
É, pois, indefensável a posição da recorrente no sentido de que, “por força do disposto nos artigos 3º e 8º do Decreto-Lei n.º 333/97 de 27 de novembro, o direito, concedido aos organismos de radiodifusão, de autorizar e proibir a retransmissão das suas emissões, consagrado no 187.º n.º 1 alínea a) do CDADC, abrange organismo de radiodifusão distinto daquele do qual elas emanam, mas também a distribuição ao público, processada de forma simultânea e integral por cabo, de uma emissão primária de programas de televisão ou rádio destinados à receção pelo público.”
Do acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 16 de fevereiro de 2017, acórdão citado pelo tribunal recorrido, consta o seguinte:
“Há que recordar que, no acórdão de 7 de dezembro de 2006, SGAE (C‑306/05, EU:C:2006:764, nºs 47 e 54), o Tribunal de Justiça declarou que a distribuição de um sinal através de aparelhos de televisão por um hotel aos clientes instalados nos quartos deste estabelecimento, qualquer que seja a técnica de transmissão do sinal utilizado, constitui um ato de comunicação ao público na aceção do artigo 3º, nº 1, da Diretiva 2001/29”.
A distribuição dos canais televisivos pelos diversos quartos dos estabelecimentos hoteleiros constitui comunicação ao público e não retransmissão, independentemente de a distribuição ser feita por cabo coaxial.
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Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo a sentença recorrida.
Custas da apelação pela recorrente.
Lisboa, 21 de novembro de 2019
Maria do Céu Silva
Ferreira de Almeida
António Valente