Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
273/13.9TBCTX.L1-8
Relator: FERREIRA DE ALMEIDA
Descritores: ANULAÇÃO DO CONTRATO
ERRO SOBRE OS MOTIVOS DA VONTADE
PRAZO DE ARGUIÇÃO
CADUCIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Requerida a anulação do contrato celebrado, com fundamento em erro sobre os motivos determinantes da vontade, nos termos do art. 251º do C.Civil, haverá tal anulabilidade de ser arguida (art. 287º, nº1) dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento.

II. Por se tratar esse de um prazo de caducidade, o mesmo começa a correr (art. 329º C.Civil) no momento em que o direito possa legalmente ser exercido

III. Provado que, desde há mais de um ano, teria sido possível conhecer, através do documento comprovativo do registo, da existência da penhora incidente sobre o imóvel em causa, haver-se-á de concluir pela caducidade do direito invocado .

SUMÁRIO: (da responsabilidade do relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:              Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:



1. Banco …. entretanto substituído pelo N,,, propôs, contra P..., A... e Banco ..., acção com processo comum, distribuída à comarca de Lisboa Norte - Instância Central de Loures, pedindo a anulação, por erro, de escritura de dação em pagamento, celebrada entre o A. e a 1ª R.

Contestaram os 2º e 3º RR., invocando, nomeadamente, a caducidade do direito do A. - concluindo pela improcedência da acção.

Efectuado julgamento, foi proferida sentença, na qual se considerou a acção improcedente, absolvendo-se os RR. do pedido.
Inconformado, veio o A. interpor o presente recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões :
A sentença recorrida considera que o prazo de um ano, a que alude o art. 287º do C.Civil, é contado, não da data do efectivo conhecimento do vicio na formação da vontade por parte do A., 4/1/2013, mas da data em que existiu por parte do A. a possibilidade desse conhecimento.
Ora, se fosse para presumir tal conhecimento, não seria necessário ter havido julgamento, onde ficou sobeja- mente provado que o A. só teve conhecimento do vicio, em 4/1/2013, pelo que não podia o Tribunal a quo ignorar o que ficou provado e presumir que, pelo facto do A. ter ficado na posse dos documentos registrais no dia 28/12/2009, teve, necessariamente, conhecimento.
O ponto 34 da matéria de facto provada diz o seguinte "Provado que o Sr. Notário não fez constar na escritura de Dação, nem advertiu os ali outorgantes, que sobre a fracção autónoma aqui em causa, existia um registo pendente de penhora, efectuado na CRP do Cartaxo, sob a Ap. 4542 de 2009/12/16" quando, na realidade, deverá o art. 34º da p.i. ser dado como provado, ficando também ali a constar "o que só chegou ao conhecimento do A., em 4/01/2013".
Também o art. 50º da p.i. que o Tribunal a quo deu como "Provado apenas que sobre a fração incidia a penhora mencionada supra" deverá ser dado como provado, uma vez que resulta inequivocamente da prova testemunhal que: "Em face desta nova realidade - penhora registada, a favor do Banco ..., no dia 16/12/2009, sobre a fracção adquirida pelo A. Banco ..., em dação em cumprimento - que só agora chegou ao conhecimento do A., mais concretamente, no dia 04/01/2013, verificou o mesmo a falsidade das declarações prestadas pela 1ª R., por não corresponderem as mesmas à verdade, quer aquelas que prestou aquando das negociações que antecederam a dação, quer aquelas que foram prestadas, expressamente, na escritura de dação."
O A. confiou no notário que atestou que a aquisição era livre de quaisquer ónus ou encargos e só em 4/1/2013 tomou conhecimento da existência da referida penhora, a favor do Banco ..., anterior ao registo da aquisição a favor do A., foi isso que ficou provado em julgamento, o que não pode ser ignorado, como foi pelo Tribunal a quo, na sentença recorrida.
O Tribunal não fundamentou a resposta dada aos arts. 34º e 50" da p.i., isto é, não fundamentou por que deu como não provado que a penhora do Banco ... só chegou ao conhecimento do N..., em 4/1/2013, o que constitui, uma violação do dever de fundamentação das decisões, previsto, designadamente, nos arts. 154º e 607" do CPC, constitucionalmente consagrado no art.  205º/1 da Constituição da Republica Portuguesa.
A sentença recorrida é ainda mais inexplicável e incongruente, quando afirma na parte referente o seguinte : "A convicção do Tribunal resultou essencialmente da prova documental que consta dos autos, dos principais e dos autos de providência cautelar, bem como do depoimento das testemunhas inquiridas" sendo que, em nota de rodapé, sob o nº4, o Tribunal diz expressamente que a testemunha C... disse que "Em janeiro de 2013 o banco apercebeu-se da penhora; a testemunha M... que “A documentação que foi remetida relativa à celebração da escritura chegou e foi logo arquivada"; a testemunha L... que "Mais tarde soube que o bem estava a ser vendido judicialmente. Averiguou a situação e constataram que havia uma penhora. Isto aconteceu no início de 2013, em janeiro".
Ao tema da prova "data do conhecimento pela autora da existência da penhora a favor do Réu banco", responderam as testemunhas C..., M... e L... que o conhecimento pelo A. só ocorreu no dia 4/1/2013, não tendo o Tribunal a quo fundamentado o motivo pelo qual fez tábua rasa dos depoimentos das referidas testemunhas.
Acresce que a sentença recorrida deu como provado que: "Em 28 de dezembro de 2009, a A. obteve o documento comprovativo de registo de aquisição do direito de propriedade sobre a fracção autónoma, da qual constava o registo da penhora a favor da ré Banco ...", quando, na realidade, o que a A., no dia 28/12/2009, obteve foi o documento comprovativo da apresentação a registo, realizada, oficiosamente, pelo sr. notário, conforme, aliás, consta do ponto 35 da matéria de facto, e não o registo da aquisição, que terá sido efetuado dias ou semanas depois.
A obtenção do comprovativo da apresentação a registo, e correspondente chave de acesso, no dia 28/12/2009, não significa que o A. tenha tido conhecimento da existência da penhora nessa mesma data, porquanto uma coisa é a obtenção do registo e outra bem diferente é o conhecimento dos factos que ali se mostram registados.
Perante a prova testemunhal, produzida em julgamento, impunha-se .ao Tribunal a quo dar como provados os arts. 34º e 50º da p.i., na sua totalidade, isto é que o A. só tomou conhecimento da existência do registo da penhora do Banco ..., anterior à. data da celebração da escritura de dação em cumprimento, em 4/1/2013.
Quer-nos parecer que o Tribunal a quo pretende penalizar o aqui A., pelo facto de não ter verificado as inscrições no registo após a realização da escritura de dação em cumprimento.
Sucede que a causa para o A. vir peticionar a anulação da escritura de dação em cumprimento, reside no facto de o notário, por manifesto lapso, ter atestado expressamente, na referida escritura de dação em cumprimento, que o imóvel era transmitido livre de quaisquer ónus e encargos, e não advertido os outorgantes, como era seu dever, para a existência de um registo de penhora que se encontrava pendente, o que foi decisivo para que o A. tivesse outorgado a escritura de dação, na medida em que era condição essencial a não existência de qualquer ónus ou encargo, sobre o imóvel a transmitir, para que o A. aceitasse a dação do imóvel.
  Não fosse aquela omissão do notário, nunca o A. teria assinado a escritura de dação em cumprimento (vide pontos 42 e 57 da matéria de facto provada),
  No entanto, apesar do Tribunal a quo ter dado como provada a matéria constante nos pontos 32, 33, 34 e 35 da sentença recorrida, não deu qualquer relevância, quer de facto, quer de direito. aos mesmos, o que não deixa de ser estranho, na medida em que o que está aqui em causa é, precisamente, o acto praticado pelo notário, no dia 22/12/2009 e não a apresentação a registo da aquisição, no dia 28/12/2009.
O Tribunal a quo esqueceu-se que todos os dias os tribunais proferem despachos, sentenças, com base em documentos físicos existentes nos processos, onde estão registadas, penhoras e hipotecas, e que não obstante "terem os olhos e as mãos em cima dos mesmos", omitem, involuntariamente, claro está, a existência desses elementos tão essenciais para a decisão das causas, nomeadamente, em sentenças de graduação de créditos, e nem por isso podemos dizer que não estavam atentos, ou que não são profissionais muito diligentes, os lapsos acontecem, e, por isso mesmo, existem mecanismos na lei, para os corrigir.
Também resultou provado, na audiência de julgamento, que quem procedeu ao registo da aquisição a favor do A., foi o notário e não o A. (vide ponto 35 dos factos provados), pelo que, estando a escritura outorgada e, sendo os registos efectuados pelo notário, o A. deu por concluído o processo de aquisição do imóvel.
  O A. extraiu a primeira certidão predial, no dia 24/7/2009, para se certificar que não impendiam quaisquer ónus e encargos sobre a fracção prometida para dação (ponto 14 da matéria de facto provada) e voltou a extrair nova certidão predial, no dia 17/11/2009, que acompanhou a documentação entregue no Cartório Notarial, para a marcação da escritura (ponto 19 da matéria de facto provada), o que denota bem a preocupação em se certificar da não existência de quaisquer ónus ou encargos, para avançar com a escritura de dação em cumprimento (vide docs. 14 e 17 que acompanharam a p.i.).
Ficou ainda provado, na sentença recorrida que "Caso o Banco ... tivesse conhecimento de que sobre a fracção autónoma, objecto da escritura de Dação, impendiam  ónus ou encargos, diversos daqueles que eram as suas hipotecas, não teria aceitado celebrar a escritura de Dação (ponto 41 da matéria de facto provada) e que “A 1 ª R. sabia que era condição essencial para o A. aceitar a proposta de Dação e consequentemente, outorgar a escritura de dação em cumprimento, que sobre a fracção não impendessem quaisquer dívidas, ónus ou encargos, para além das hipotecas registadas a favor deste (ponto 42 da matéria de facto provada).
Ficou, assim, demonstrado e provado o erro e essencialidade do erro, requisitos, para que a acção proceda, sendo certo que a lei considera a culpa irreIevante, para anulação da declaração negocial (cfr. arts. 247º e 251º do CC) - nesse sentido, ac. Tribunal de Guimarães, de 19/12/2011, Proc. 74/09.9PBPVL.G1, em www.dgsi.pt.
O que releva e ficou provado é que o A. estava em erro quando celebrou a escritura de dação em cumprimento, e que a contraparte sabia que era condição essencial que o imóvel a adquirir pelo aqui A. estivesse livre de ónus e encargos.
  Apesar de resultar da prova documental (cartas de fls. 70 e 71) e da prova testemunhal, designadamente do depoimento da testemunha L..., gerente do balcão onde as negociações com a 1ª R. tiveram lugar, e que participou ativamente nas negociações, que a 1ª R. contribuiu para criar a convicção na A. que a fração objecto da dação em cumprimento estava livre de ónus e encargos, o Tribunal a quo limitou-se a dar como provado o teor das cartas trocadas entre o A. e a 1ª R. e as declarações prestadas na escritura de dação em cumprimento, pela 1ª R., o que não se compreende, porquanto as declarações ali prestadas são o resultado das negociações havidas previamente e espelham o que a mesma declarou / transmitiu ao longo das negociações com o A.
O Tribunal a quo não fundamentou porque considerou não provada a resposta aos arts. 16º, 17º, 38º, 39º, 40", 51º, 52º, 54º, 55º, 56º, 58° e 67" da p.i., porquanto resultou da prova documental e testemunhal, designadamente do depoimento da testemunha L..., que a 1ª R., contribuiu para criar a convicção na A. de que não teria dividas a terceiros, condomínio, Banco, ou outros.
  Ademais, o Tribunal a quo entra em manifesta contradição, ao responder no art. 16º "provado apenas o que consta do art. 15º” pois é manifesto que a resposta a este artigo só podia ser provado, porquanto a A. sempre informou a 1ª R. que a dação só seria viável se sobre a fração, aqui em causa, não existissem quaisquer dívidas ou encargos, a favor de outros credores (art. 16º da p.i.) pelo que a 1ª R. sabia que era condição essencial para o A. aceitar a proposta de dação e, consequentemente, outorgar a escritura de dação em cumprimento, que o imóvel estivesse livre de ónus e encargos, conforme ficou provado no ponto 42º da matéria de facto provada.
Também entra o Tribunal a quo em manifesta contradição, quando ao responder ao art. 37º da. p.i. dá apenas como provado o que consta do ponto 36 da matéria de facto provada, pois a resposta ao art. 37º só podia ser  provado, sendo manifesto que a A., de boa-fé, confiou que, com a aquisição da fracção, o seu direito de propriedade estava assegurado, em toda a sua plenitude e sem quaisquer restrições, porquanto tal confiança foi criada pelo notário, conforme ficou provado nos pontos 32, 33, 34 e 35 da matéria de facto provada.
Quanto aos arts. 38º, 39º e 40º da p.i. a que o Tribunal respondeu " Provado apenas o que consta do teor da escritura", a resposta aos mesmos apenas podia ter sido provado, porquanto, foi porque a 1ª R. declarou e o notário atestou que não existiam ónus e encargos sobre a fracção objeto de dação em cumprimento, que a A. outorgou a escritura, sendo certo que o que consta da escritura são declarações que por escrito a 1ª R. fez perante o notário, que foram determinantes para a A. outorgar a escritura.
  Pelos mesmos motivos não se compreende que o Tribunal a quo tenha dado como não provado o teor do art. 67º da p.i., o qual deveria ter também como resposta provado.
  Aos arts. 51º, 52º, 53º, 54º, 55º, 56º da p.i., respondeu o Tribunal a quo não provado, quando resultou provado, da prova documental e da prova testemunhal (vide depoimento da testemunha L...) que a 1ª R. fez crer à A. que não tinha mais dívidas, sendo que, conforme ficou provado (art. 42º da p.i.) a mesma sabia que era condição essencial para a A. outorgar a escritura que não existissem tais dívidas, pelo que a resposta aos mesmos deveria ter sido provado.
O Tribunal a quo não só entrou em contradição, como ainda decidiu, contra a abundante prova documental e testemunhal, produzida em julgamento, a exceção da caducidade, presumindo que o A. teve "necessaríamente conhecimento" do registo da penhora, a 28/12/2009, quando, na verdade, o que ficou provado, através do depoimento das testemunhas J... C..., M... e L..., foi que o A. só teve conhecimento da existência da penhora do Banco ..., no dia 4/1/2013.
Dada a obrigação da análise crítica da prova, imposta ao julgador, pelo nº4 do art. 607º do CPC, a sentença recorrida padece de um vício de erro de julgamento, na medida em que a decisão do Tribunal relativamente à matéria de facto vai contra o que é razoável extrair dos citados documentos e o que foi em audiência contraditória e, sempre sob juramento, afirmado pelas testemunhas e,  ainda, contra as próprias regras da experiência comum.
  A sentença recorrida, não pode manter-se, porquanto não se verifica a excepção da caducidade, uma vez que o A. só teve conhecimento da existência do erro, no dia 4/1/2013 e a acção deu entrada no Tribunal no dia 19/2/2013, muito antes de decorrido o prazo de um ano, previsto no art. 287º do C.Civil.
  Assim, estão verificados todos os requisitos para que a acção proceda : provou-se a essencialidade dos elementos sobre o qual incidiu o erro (ponto 41) e o conhecimento do declaratário (1ª R.) da essencialidade para o declarante do elemento sobre o qual incidiu o erro (ponto 42 da matéria de facto provada).
  Os prejuízos para o aqui A., a manter-se a decisão tomada na sentença recorrida, são manifestos, uma vez que renunciou às suas hipotecas, na convicção de que adquiria uma fracção livre de ónus e encargos, e não pode reclamar o seu crédito, no âmbito da execução movida pelo Banco ..., que está já na fase da venda e onde foi penhorada a fracção aqui em causa.
  Antes da realização da escritura de dação em cumprimento, já o A. tinha em marcha execução comum, movida, no dia 11/3/2009, contra a 1ª R., P... e os 2ª e 3º RR., que corre trâmites no 2" Juízo do Tribunal Judicial do Cartaxo, sob o nº 430/09.2TBCTX, para cobrança do seu crédito, que após a penhora do imóvel aqui em causa seria sustada, nos termos do disposto no art. 794º do CPC, por existência da penhora anterior do Banco ..., o que teria como consequência a reclamação do seu crédito, no âmbito da execução movida pelo Banco ..., para aí ser graduado e pago, em primeiro lugar, dado que tinha duas hipotecas voluntárias registadas, a seu favor, desde 16/12/2004.
  Os RR. pretendem agora aproveitar-se de um lapso do notário, para se locupletarem à custa do N..., que tinha duas hipotecas sobre o imóvel em causa, para garantir o pagamento do seu crédito, e renunciou às mesmas, quando aceitou a dação para pagamento, ainda que parcial, da dívida da 1ª R., à qual deu quitação parcial.
O Banco ..., quando efectuou a penhora sobre a fracção autónoma designada pela letra "I" correspondente ao terceiro andar esquerdo, destinado à habitação, que faz parte do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito... sob o nº ,,,, da referida freguesia, inscrito na matriz sob o artigo ..., da 1ª R., sabia da existência das hipotecas a favor do aqui A., pelo que as suas expectativas não ficam em nada diminuídas com a anulação da venda.
Só com a procedência desta acção poderão ambas as partes serem restituídos às posições que tinham antes da realização da escritura de dação em cumprimento; i) o Banco ... ficará com a sua penhora, nos precisos termos, em que foi realizada, em 16/12/2009, ii) o N... adquirirá, com a anulação da escritura de dação em cumprimento, a reposição dos seus créditos e das respetivas garantias/hipotecas, iii) a R. P..., voltará a ser proprietária do imóvel e iiii) os fiadores garantirão os empréstimos, tudo nos precisos termos em que foram celebradas as escrituras, o que permitirá ao A., depois exercer o seu direito, no âmbito da execução movida pelo Banco ..., reclamando os seus créditos, nos termos do disposto no art. 788º do CPC.
Violou a sentença recorrida, o disposto, nomeadamente, nos arts. 247º, 251º e 287º do CC, 154º e  607º do CPC e 205º/1 da Constituição da Republica Portuguesa.
  Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente e a sentença recorrida revogada e, outrossim, substituída por outra que julgue a acção totalmente procedente.

Em contra-alegações, pronunciou-se o apelado Banco ... pela confirmação do julgado.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2. Em 1ª instância, foi dada como provada a seguinte matéria factual :
No dia 22/2/2005, realizaram-se, no Cartório Notarial da A..., a cargo do notário Paulo F...N...A..., duas escrituras públicas, uma de compra e venda, mútuo com hipoteca e fiança (C. 0286000383) e outra de mútuo com hipoteca e fiança (C. 0286000384), nas quais intervieram, em ambas, como mutuante, o Banco..., como mutuária, P... e, ainda, como fiadores, J... e mulher A....
Através das referidas escrituras, o mutuante emprestou, à mutuária, a quantia global de € 85.000 de capital (€ 75.000 + € 10.000), sendo que o primeiro empréstimo foi concedido ao abrigo do Regime Geral do Crédito à Habitação, para aquisição de habitação própria permanente, e o segundo foi concedido para que a mutuária pudesse fazer face a compromissos financeiros assumidos anteriormente e à aquisição de equipamento para a sua residência.
A mutuária confessou-se devedora daquelas importâncias, constituindo como garantia daqueles empréstimos, dos juros às taxas de 3,40% ao ano, para o primeiro empréstimo e de 3,92% ao ano, para o segundo empréstimo, previstas nas referidas escrituras, acrescidas de uma sobretaxa por mora de 2% ao ano, em ambos os empréstimos, e das despesas judiciais e extrajudiciais, que foram fixadas em € 3.000, para o primeiro empréstimo e em € 400, para o segundo empréstimo, duas hipotecas voluntárias, sobre o seguinte bem imóvel: Fracção autónoma, designada pela letra "I", correspondente ao terceiro andar esquerdo, destinado a habitação, que faz parte do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito ..., descrito na CRP do Cartaxo sob o nº 3307, da referida freguesia, inscrito na matriz sob o artigo 3256.
  Aquelas hipotecas foram, ambas, registadas a favor do Banco ..., na CRP do Cartaxo, a primeira, sob a Ap. 6 de 2004/12/16 e, a segunda, sob a Ap. 7 de 2004/12/16.
Mutuante e mutuária, convencionaram que o reembolso daqueles empréstimos seria efectuado, no prazo de 40 anos, correspondente a 480 meses, em prestações mensais, constantes e sucessivas, de capital e juros, em ambos os empréstimos.
O pagamento das prestações supra mencionadas, e demais encargos, deveriam ser efectuados por débito da conta à ordem da mutuária, a qual esta se obrigou a manter aprovisionada, para aquele efeito.
A mutuária deixou de ter aquela conta aprovisionada, para suportar o débito das prestações, relativas aos dois empréstimos, a partir de 20/2/2008, para o primeiro empréstimo e de 20/1/2008, para o segundo empréstimo.
Verificado o incumprimento dos contratos/empréstimos, foram os mesmos denunciados, através de cartas, remetidas à mutuária, aqui 1ª R. e fiadores, 2° e 3° R.R, no dia 12/2/2009.
Aqueles empréstimos, foram, ambos, objecto de execução comum, movida pelo aqui A., contra a 1ª R., P...  e os 2º e 3° RR., no dia 11/3/2009, que corre trâmites no 2° Juízo do Tribunal Judicial do Cartaxo, sob o nº 430/09.2TBCTX.
  A 1" R. P..., no dia 14/7/2009, apresentou junto do A., a carta constante de fis. 64, propondo a aceitação da dação em cumprimento da fracção autónoma supra identificada.
O A., na posse da referida proposta, apresentada pela 1ª R., solicitou, no dia 16/7/2009, ao departamento técnico de imobiliário, a avaliação da referida fracção.
O  relatório de avaliação, foi emitido, pelo departamento técnico de imobiliário, no dia 22/7/2009.
Os peritos avaliadores, atribuíram à referida fracção, o valor de € 75.000.
No dia 24/7/2009, foi extraída certidão predial da fracção autónoma aqui em causa e não constavam ali quaisquer ónus ou encargos, para além das hipotecas do A.
  O valor da avaliação, 75.000, foi comunicado, pelo A., à 1" R., no dia 29/7/2009, de harmonia com o doc. de fls. 70 e com o seguinte teor:
"( ... ) De acordo com o solicitado e no seguimento da proposta remetida sobre a entrega do imóvel a título de dação em cumprimento, livre de quaisquer ónus ou encargos, para liquidação dos contratos em nome de V. Exa, somos a informar que o valor apurado para aquisição do mesmo pelo Banco ..., foi de € 75.000,00. Este valor não é suficiente para liquidar o total das responsabilidades, existindo o valor remanescente de € 13 809,86. Para resolução do referido montante, o Banco ... considera a possibilidade de aceitar o imóvel para liquidação Parcial das responsabilidades, ficando os intervenientes a cargo do valor do remanescente, com as mesmas condições estabelecidas contratualmente no empréstimo 0286000383 / BHP - AQUISIÇÃO e ajustando o valor da prestação ao montante em questão. Estas prestações serão devidas desde a data de aceitação do Banco para aquisição do imóvel ( ... )".

  A 1ª R. enviou ao A. a carta de fls. 71 com o seguinte teor:
"( ... ) Venho por este meio informar que concordo com a proposta do Banco ... relativamente à entrega do imóvel pelo valor de € 75.000,00 e mais informo que não tenho capacidade financeira para liquidação integral do remanescente, ou seja € 13.809,86. Para resolução do referido montante solicitamos a possibilidade do Banco ... aceitar o imóvel para liquidação Parcial das responsabilidades, ficando o interveniente a cargo do valor do remanescente, com as mesma condições estabelecidas contratualmente no empréstimo 0286000383 BHP - AQUISIÇÃO e ajustando o valor da prestação ao montante em questão.
Mais informo que reconheço e assumo qualquer dívida existente ao condomínio e que o imóvel será entregue devoluto de bens e pessoas no acto da escritura de dação".
No dia 17/11/2009, o A. extraiu nova certidão predial da fracção aqui em causa, que entregou, com a demais documentação, no Cartório Notarial, com vista à marcação da escritura constatando-se que, naquela ocasião, sobre a referida fracção, não impendiam quaisquer ónus ou encargos, a favor de terceiros.
 A escritura pública de dação em cumprimento e renúncia de hipoteca (C.0286000383) foi lavrada, no Cartório Notarial, a cargo do Notário Joaquim A...B...L..., sito em Lisboa, no dia 22/12/2009, de fls. 90 a fls. 92 verso, do livro de notas, para escrituras diversas, n° 184-A
 A escritura de dação foi outorgada, pelo Sr. Notário, Dr. Joaquim A...B...L....
 A primeira outorgante, aqui 1ª R., P..., fez-se representar, na outorga da escritura de dação, pela aqui 2ª R. A..., através de procuração datada de 2/11/2009.
 O segundo outorgante, aqui A, Banco ... fez-se representar, na outorga da escritura de dação, pela Srª A..., com procuração que se encontra arquivada naquele Cartório Notaria!.

A escritura de dação, foi instruída, com os seguintes documentos:
a) Procuração apresentada pela primeira outorgante;
b)-  Declaração para liquidação do IMT, devido pela presente transmissão, apresentada via internet no 2° Serviço de Finanças de Lisboa, código 3247, em 15/12/2009 e o doc. nº 160.609.030.946.403, comprovativo de que a mesma está isenta do respectivo pagamento, nos termos do artigo 8°, nº2, al. a);
c)- Doc. nº 163.609.001.839.452, comprovativo do pagamento do Imposto do Selo da verba 1.1 da TGIS, no montante de 662,84€, efectuado em 16/12/2009, no Serviço de Finanças 3247;
d)- Print da certidão predial online com o código PP-0096-76538-140601-003307, comprovativa dos elementos prediais;
Documentos que se encontram arquivados naquele Cartório Notarial e dos quais foram extraídas, no dia 11/1/2013, as certidões que se juntaram com a p. i. como docs.19 a 22.
Aquando da outorga daquela escritura de dação, no dia 22/12/2009, a primeira outorgante, aqui 1ª R., representada pela 2ª R., ali declarou o seguinte: "Que a representada da primeira outorgante é proprietária da fracção autónoma individualizada pela letra "I", correspondente ao terceiro andar esquerdo, para habitação, do prédio urbano sito ... afecto ao regime da propriedade horizontal pela apresentação onze, de vinte e oito de Setembro de mil novecentos e noventa e um, com a aquisição registada a favor da representada P..., no estado de viúva, pela apresentação cinco, de dezasseis de Dezembro de dois mil e quatro, prédio inscrito na respectiva matriz sob o artigo 3256, com o valor patrimonial correspondente à fracção de 82.854,75€".
  Mais declarou, a 1ª R., na referida escritura de dação: "Que sobre a identificada fracção autónoma incidem duas hipotecas voluntárias a favor do "Banco ...", registadas pelas apresentações seis e sete, de dezasseis de Dezembro de dois mil e quatro, cujos cancelamentos vão ser feitos com base na declaração de renúncia adiante proferida pela segunda outorgante".

"Que as referidas hipotecas foram constituídas pela representada da primeira outorgante para garantia de dois empréstimos, cuja dívida correspondente às responsabilidades vencidas e não pagas, de capital e juros, decorrente daqueles empréstimos ascende, nesta data, à quantia de oitenta e oito mil novecentos e sessenta e sete euros e vinte e nove cêntimos, da qual a mesma representada é devedora ao Banco representado pela segunda outorgante".
"Que, por nisso terem acordado, para pagamento de parte da referida dívida, no montante de setenta e cinco mil euros, valor que atribuem ao identificado imóvel, a primeira outorgante, em nome da sua representada, dá ao "Banco ...", livre de quaisquer ónus ou encargos, a fracção autónoma atrás identificada, que se obriga a entregar, de imediato, desocupada de pessoas e bens, constituindo esta escritura título executivo para o efeito, nos termos do artigo 46°, nº1, aI. b) do Código de Processo Civil".
E, ainda "Que, por força do pagamento parcial da dívida decorrente da dação aqui titulada, a representada da primeira outorgante continua devedora do remanescente, no montante de treze mil novecentos e sessenta e sete euros e vinte e nove cêntimos, mantendo-se, quanto a este, em seu inteiro e pleno vigor todas as cláusulas e condições constantes do contrato de mútuo titulado por escritura de vinte e dois de Fevereiro de dois mil e cinco, lavrada pelo Cartório Notarial da A..., a folhas noventa e duas e seguintes do livro de notas número cento e trinta e oito - F".
Por seu turno, declarou, o segundo outorgante, aqui A., na referida escritura de dação:
"Que, para pagamento parcial da indicada dívida (no valor de setenta e cinco mil euros), de que a sociedade sua representada é credora, aceita, para a mesma, a identificada fracção autónoma e, em nome dela, dá quitação quanto à parte cujo pagamento através da presente dação aqui aceita".
"Que, também através desta escritura, renuncia, em nome da sua representada, às referidas hipotecas, registadas pelas apresentações seis e sete, de dezasseis de Dezembro de dois mil e quatro, para todos os efeitos legais, autorizando, consequentemente, os respectivos cancelamentos, uma vez que o imóvel passou a pertencer ao credor hipotecário".
- O Sr. Notário, que outorgou a escritura de dação, fez a conferência da documentação que instruiu a mesma e atestou a veracidade das declarações ali prestadas, pela primeira e segundo outorgantes.
- A certidão predial que se encontra a instruir a escritura, foi extraída, oficiosamente, pelo Sr. Notário, no próprio dia da outorga da escritura, 22/12/2009.
O Sr. Notário não fez constar na escritura de dação, nem advertiu os ali outorgantes, que sobre a fracção autónoma aqui em causa, existia, um registo pendente de penhora, efectuado na CRP do Cartaxo, sob a Ap. 4542 de 2009/12/16.
- No dia 28/12/2009, o Cartório Notarial do Sr. Notário Joaquim A...B...L... procedeu, oficiosamente, junto da competente CRP, através da Ap. nº 5806, ao registo de aquisição, da fracção e ao distrate, das duas hipotecas voluntárias, que garantiam os dois mútuos/empréstimos bancários, que o A. havia concedido, anteriormente, à 1ª R., nos valores de € 75.000 e € 10.000 de capital, respectivamente.
- Com a dação em cumprimento, realizada em 22/12/2009, levada a registo em 28/12/2009, o Banco Espírito Santo, adquiriu o direito de propriedade sobre a referida fracção.
- Ficou a constar na referida escritura de dação que a fracção era transmitida livre de quaisquer ónus ou encargos.
- Caso o Banco ... tivesse conhecimento de que sobre a fracção autónoma, objecto da escritura de dação, impendiam ónus ou encargos, diversos daqueles que eram as suas hipotecas, não teria aceitado celebrar a escritura de dação.
- A 1ª R. sabia que era condição essencial para o A. aceitar a proposta de dação e consequentemente, outorgar a escritura de dação em cumprimento que sobre a fracção não impendessem quaisquer dívidas, ónus ou encargos, para além das hipotecas registadas a favor deste.
- Após a aquisição da referida fracção autónoma, por força da dação havida, a mesma foi colocada em "carteira", no departamento de gestão de património e ali tem permanecido para ser alienada ou arrendada pelo A.
No dia 4/1/2013, chegou ao conhecimento do A., através da sua agência sita no Cartaxo, que a fracção aqui em causa, estava a ser objecto de venda, no âmbito de execução movida, pelo Banco ...
- O A., no mesmo dia 4/1/2013, extraiu certidão predial da fracção autónoma na qual constava registada uma penhora, a favor do Banco ..., para garantia do pagamento de uma dívida no valor de € 10.703,01, juros e demais encargos, que corre termos, na 2ª Secção, do 1° Juízo Cível de Lisboa, sob o nº 549-A/2001.
-O processo executivo acima mencionado deixou de ser identificado com o n° 549-A/2001, devido a redistribuição, e passou a ter o n° 30108/01.9TJLSB.
Foi extraída e remetida carta precatória, ao Tribunal Judicial do Cartaxo, para venda da fracção aqui em causa, a qual havia sido distribuída ao 2° Juízo, daquele Tribunal e a que coubera o n° 1913/10.7TBCTX.
A fracção encontrava-se, à venda, por negociação particular.
-  Sobre a fracção incidia a penhora mencionada supra.
- A 1ª R. sabia que, para o A. aceitar a dação, era condição essencial a não existência de ónus ou encargos, sobre a fracção aqui em causa.
-  Soubesse o A. da existência da dívida/penhora, a favor do Banco ..., sobre a fracção aqui em causa, e nunca o A. teria aceite a dação e, consequentemente, renunciado/distratado as hipotecas que garantiam o seu crédito e que impendiam sobre a fracção.
-  A 1ª R., à data da escritura de dação, tinha dívidas a terceiros, nomeadamente, ao Banco ....
-  O A., no dia 30/1/2013, moveu procedimento cautelar, contra os aqui RR., que corre trâmites no 1° Juízo do Tribunal Judicial do Cartaxo, sob o nº 155113.4TBCTX, tendo ali o A. requerido a sustação da execução, movida pelo Banco ..., S.A., contra a ali executada e aqui 1ª R., P... e outros, execução esta que corre termos, na 2ª Secção do 1° Juízo Cível de Lisboa, sob o nº 30108/01.9TJLSB, da qual foi, já, extraída e remetida carta precatória, ao Tribunal Judicial do Cartaxo, ali distribuída ao 2° Juízo e a que coube o n° 1913/10.7TBCTX, para venda da fracção autónoma aqui em causa, e ainda, a devolução daquela carta precatória, ao Tribunal deprecante, no estado em que se encontrar, até que seja definitivamente julgada a presente acção de anulação da escritura de dação em cumprimento.
- Na data de celebração da escritura de dação, 22/12/2009, o A. não verificou que sobre a fracção autónoma em apreço se encontrava registada a penhora a favor do R. Banco ....
- Em 28/12/2009 o A. obteve o documento comprovativo do registo de aquisição do direito de propriedade sobre a fracção autónoma, do qual constava o registo da penhora a favor do R. Banco ....
A presente acção foi instaurada em 19/2/2013.

3. Nos termos dos arts. 635º, nº4, e 639º, nº1, do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente. 

A questão a decidir centra-se, pois, na apreciação da declarada caducidade do direito invocado pelo A., ora apelante.

Antes de mais, se dirá, no tocante à impugnação, por aquele deduzida, relativamente à matéria factual dada por assente, que os factos que se pretende terem resultado provados, ou - como os constantes dos arts. 34º e 50º da p.i. - se mostram já, na parte que releva para a decisão, contemplados noutros pontos dessa factualidade, ou - como os arts. 16º, 37º a 40º, 51º a 56º e 67º da p.i. - se não referem a matéria respeitante ao conhecimento da excepção ora em análise.

Assim sendo, desde logo se impõe o indeferimento de tal impugnação - mantendo-se, como tal, inalterada a matéria factual, na qual se fundou a decisão recorrida.

Requerida a anulação do contrato celebrado, com fundamento em erro sobre os motivos determinantes da vontade, nos termos do art. 251º do C.Civil, haveria tal anulabilidade de ser arguida (art. 287º, nº1) dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento.

Sendo que, por se tratar esse de um prazo de caducidade, o mesmo começa a correr (art. 329º C.Civil) no momento em que o direito possa legalmente ser exercido.

No caso, pese embora demonstrado que, só em 4/1/2013, tomou o apelante conhecimento de que o mesmo estava a ser objecto de venda, na execução movida contra a R. P..., provou-se que, desde 28/12/2009, àquele teria sido possível conhecer, através do documento comprovativo do registo, da existência da penhora incidente sobre o imóvel em causa.

Como decidido, forçoso se torna, pois, concluir pela caducidade do direito por aquele invocado - improcedendo as alegações respectivas.

4.Pelo acima exposto, se acorda em negar provimento ao recurso, confirmando-se, em consequência, a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.




Lisboa,22.3.2018



Ferreira de Almeida - relator
Catarina Manso - 1ª adjunta
Alexandrina Branquinho - 2ª adjunta