Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | JOÃO ABRUNHOSA | ||
Descritores: | PRISÃO POR DIAS LIVRES SUBSTITUIÇÃO DE PENA DE PRISÃO REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/21/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Sumário: | I – A prisão por dias livres é um tipo de prisão efectiva; II – A pena de prisão cuja suspensão de execução é revogada, não pode ser substituída por qualquer outra pena de substituição. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
Na Secção Criminal da Instância Local da Amadora, por despacho de 13/11/2014, constante de fls. 182, ao Arg.[i] XXX, com os restantes sinais dos autos (cf. TIR[ii] de fls. 47[iii]), foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão aplicada nestes autos, nos seguintes termos: “…Por sentença já transitada em julgado o arguido foi condenado pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário na pena de 6 meses de prisão suspensa pelo período de 1 ano. Compulsados os autos verifica-se, após o trânsito em julgado daquela decisão o arguido foi condenado pela prática de vários crimes, designadamente no âmbito dos processos: - N.°138/11.9PEAMD pela prática do crime de condução de veículo sem habilitação legal; - N.°338/ 11.1PBSNT pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal. Foi ouvido o arguido, o mesmo não apresentou qualquer justificação para o seu comportamento delituoso nem manifestou qualquer arrependimento ou consciência da gravidade e consequências dos actos praticados. Com a aplicação ao arguido do regime da suspensão da execução da pena de prisão, pune-se o juízo de desvalor ético-social vazado na sentença com a cominação da ameaça da execução futura da pena e a imposição de deveres e regras de conduta ao condenado, visando, deste jeito, operar e promover a reintegração deste na sociedade, de molde a contribuir para que interiorize as finalidades da pena e adopte, de futuro, uma conduta conforme ao direito. Decorre do que ficou acima explanado que o arguido demonstrou inequivocamente com o seu comportamento que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão pelo tribunal da suspensão da pena. Cumpre, então, decidir. Estatui o artigo 56.° do Código Penal que: «1. A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social; ou Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas. 2. A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado.» Não obstante ter-lhe sido suspensa a execução da pena acima referida, o arguido teve uma conduta significativamente culposa, prejudicando a esperança que se depositou na sua recuperação, pois o seu comportamento é revelador de uma clara atitude de quem foi impermeável às finalidades da pena que in casu se faziam sentir no momento da prolação da sentença, pelo que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizaram, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, traduzida nas vertentes da protecção de bens jurídicos e da reintegração do agente. Pelo exposto, ao abrigo e nos termos do artigo 56.° do Código Penal, revogo a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido nestes autos. Consequentemente, determino o cumprimento, pelo arguido, da pena de 6 meses de prisão fixada na sentença proferida nos presentes autos. Após trânsito do presente despacho, emitam-se os competentes mandados a fim de o arguido cumprir a pena de 6 meses de prisão efectiva. …”. * Não se conformando, o Arg. interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 210/2016, concluindo da seguinte forma: “… 1. Foi realizada audiência de cúmulo jurídico do Arguido no dia 07/10/2014 na Comarca de Lisboa Oeste- Sintra- Instância Local – Secção de Pequena Criminalidade – Juiz 2, sob o processo n.° 338/11.1PBSNT. 2. Confirma-se no cúmulo jurídico realizado em 21/10/2014 que o presente processo foi incluído no ponto VI da sentença. 3. E no ponto VII o processo n.° 138/11.9PEAMD. 4. Foram dado como provados os factos constantes dos pontos XI, XII, XIII e XIV. 5. Foi o Arguido condenado em cúmulo jurídico, na pena única de 12 (doze) meses de prisão, substituída por 72 (setenta e dois) períodos de prisão por dias livres, de 42 (quarenta e duas) horas cada, a cumprir das 19 (dezanove) horas de sexta – feira, até às 13 (treze) horas de Domingo, nos termos dos artigos 45°, do código de Processo Penal. 6. Assim, ninguém pode ser julgado e condenado mais de uma vez pela prática do mesmo crime. 7. A CRP consagra no seu n.° 5 do Art. 290 O Principio "ne bis idem ", dele decorre, a proibição de aplicação de mais de urna sanção com base na prática do mesmo crime. Desta enunciação decorre a proibição de aplicar mais de uma sanção com base na prática dos mesmos factos delituosos. 8. Houve por isso, manifesto lapso no despacho recorrido, requerendo‑se a sua improcedência, declarando-se o cumprimento do cúmulo jurídico a que foi sujeito, e a revogação da decisão do cumprimento pelo Arguido, da pena de seis meses efectiva. 9. O Arguido é Cantoneiro, trabalhando para a Câmara Municipal de Sintra, há cerca de três meses, com contrato anual. 10. Vive com a mãe a qual se encontra em tratamento oncológico, sendo o filho o seu único apoio e sustento. 11. O Arguido é titular de carta de condução, emitida em 07/03/2012, que o habilita para as categorias A I,B 1 e B desde 08/02/2012 e válida até 03/02/2029. 12. Deve o presente Recurso ser recebido e decidido nos termos requeridos, dado que o Arguido cometeu o crime de que vinha acusado e por que foi condenado, mas actualmente é titular da Carta de Condução. 13. O Arguido mostra-se arrependido, e tem plena consciência dos seus actos. 14. Revelando uma conduta de interiorização e culpabilização, que o levou a realizar o exame de código e condução. 15. Porquanto á data de hoje é Titular da Carta de Condução. 16. O Arguido, sendo pessoa socialmente inserida, a prisão por dias livres, realiza de forma adequada as finalidades da punição. Que são, "prime fatie", o não cometimento de mais crimes e a reinserção dos Arguidos na sociedade, de forma a conformarem-se com os padrões de conduta ditados por esta. 17. Verificam-se assim estarem preenchidos os pressupostos de que depende a aplicação da alteração da pena; e que o Arguido beneficia, atentos os princípios dos fins das penas e da humanidade das penas, que levam, ao entendimento que deve ser prática, de que as penas de prisão só em última ratio devem ser aplicadas. 18. A pena de prisão efectiva não satisfaz as necessidades de natureza geral e especial. A pena de prisão não promove a ressocialização deste Arguido. 19. A pena de multa, prisão domiciliária ou pena suspensa do Arguido trá-lo-á á realidade preparando-o para a reinserção na sociedade, validamente. 20. Deveria ter sido neste sentido que a Douta decisão recorrida melhor julgaria os factos e aplicaria o direito, pelo que, ao julgar a matéria de facto do modo como o fez e acima já se referiu. 21. Deve ser a decisão revogada e substituída por outra que regenere o Arguido, para nina vida pessoal e social válida. 22. Deveria ter sido neste sentido que a Douta decisão recorrida melhor julgaria os factos e aplicaria o direito, pelo que, ao aplicar do modo como o fez e acima já se referiu, o direito aos factos que deu como assentes, errou tendo assim violado, além do que já se disse, e em maior incidência, os artigos 217.°, 218.°, 71.°; 72 e 73, bem como o artigo 50.° todos do Código Penal e ainda o artigo 29.°, n.°4 da Constituição da República. 23. Pelo que deve ser revogada e substituída por outra que decrete o cumprimento da prisão por dias livres, ou caso assim não se entenda, o que se aflora por mero dever de patrocínio, deve a pena ser substituída por outra que deverá ser especialmente atenuada, sendo que em qualquer dos casos, qualquer pena eventualmente a aplicar, nos termos do Art.° 50° do Código Penal. TERMOS EM QUE, EXCELENTISSÍMOS SENHORES JUÍZES DESEMBARGADORES, COM MAIOR SAPIÊNCIA, SENTIDO AGUDO DE JUSTIÇA E RIQUISSIMA EXPERIÊNCIA DECIDIRÃO POR FORMA A FAZER-SE: JUSTIÇA.…”. * O Exm.º Magistrado do MP[iv] respondeu ao recurso, a fls. 222/227, concluindo da seguinte forma: “…1.ª O recurso interposto apresenta-se imediatamente insubsistente, sendo patente que é manifestamente destituído de fundamento, pelo que deve ser rejeitado (arts. 420.°, n.° 1, alínea a) e 417.°, n.° 6, alínea b), ambos do CPP). 2.ª A pena decretada nos presentes autos não foi cumulada no âmbito do processo 138/ 11.9PEAMD (fls. 198). 3.ª O recorrente não indica o sentido em que, no seu entendimento, o despacho recorrido interpretou as normas supostamente violadas ou com que as aplicou e o sentido em que essas normas deveriam ter sido interpretadas ou com que deviam ter sido aplicadas (art. 412.°, n.° 2, alínea b), do CPP). 4.ª Os arts. 217.° e 218.°, do Código Penal, consistem em normas incriminadoras sem qualquer aplicação ao caso vertente, não tendo sido violadas pelo Tribunal a quo. 5.ª A aplicação das regras contidas 50.° e 71.° a 73.°, do Código Penal, esgotou-se com a prolação da sentença e a sua convocação, pelo recorrente, é extemporânea, não devendo ser conhecida (arts. 380.° a contrario sensu, 399.°, 400.°, n.° 1, alínea g), 411.°, n.° 1, 414.°, n.° 2 e 420.°, n.° 1, alínea b), todos do CPP). 6.ª O Tribunal a quo não violou o art. 29.°, n.° 4, da CRP, norma respeitante à aplicação das leis penais no tempo. 7.ª A prisão por dias livres consiste numa pena de substituição e não num simples modo de executar a pena de prisão, não podendo ser aplicada em momento posterior ao da condenação (arts. 45.° e 56.°, n.° 2, do Código Penal). 8.ª O despacho recorrido não enferma de qualquer vício, devendo ser mantido. …”. * Neste tribunal a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu o parecer de fls. 232, em suma, pronunciando-se pela improcedência do recurso e subscrevendo a posição assumida pelo MP na 1ª instância. * Da leitura dessas conclusões, e tendo em conta as questões de conhecimento oficioso, afigura-se-nos que as questões fundamentais a decidir no presente recurso são as seguintes: I – Violação do princípio ne bis in idem; * Cumpre decidir. I – Entende o Recorrente que o despacho aqui em crise viola o princípio ne bis in idem, porque esta pena já foi englobada no cúmulo jurídico efectuado no processo 338/11.1PBSNT, perdendo a sua autonomia. Basta ler a parte decisória da decisão em causa, datada de 21/10/2014, cuja cópia se encontra a fls. 191/199, para concluir que nela se efectuou o cúmulo jurídico das penas em que o Arg. foi condenado nos procs. 338/11.1PBSNT e 138/11.9PEAMD, não cumulando, portanto a pena aplicada nestes autos. Assim, forçoso é concluir, sem necessidade de outros argumentos, pela improcedência do recurso, nesta parte. * II – Entende o Recorrente que não se verificam os requisitos para a revogação da suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado nestes autos e que, mesmo que assim se não entenda, deve a pena ser cumprida por dias livres. Nos termos do disposto no art.º 56º/1-b) do CP[viii], a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Voltando à lição de Figueiredo Dias (ob. e loc. cit.), quanto à suspensão da execução da pena de prisão, “… Pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente: que a simples censura do facto e a ameaça da pena - acompanhadas ou não da imposição de deveres e (ou) regras de conduta (art.º 49.º-1) - «bastarão para afastar o delinquente da criminalidade» (art.º 48.º-1). Para a formulação de um tal juízo - ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto -, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto. A lei torna deste modo claro que, na formulação do aludido prognóstico, o tribunal reporta-se ao momento da decisão, não ao momento da prática do facto. Por isso, crimes posteriores àquele que constitui objecto do processo, eventualmente cometidos pelo agente, podem e devem ser tomados em consideração e influenciar negativamente a prognose. Como positivamente a podem influenciar circunstâncias posteriores ao facto, ainda mesmo quando elas tenham sido já tomadas em consideração - na medida possível: supra § 355 ss. - em sede de medida da pena: com isto não deve dizer-se violada a proibição de dupla valoração. Não pode deixar de ser valorada para este efeito, v. g., a circunstância de o condenado por um crime relacionado com o consumo de álcool ou de estupefacientes se ter submetido com êxito posteriormente ao crime, mas anteriormente à condenação, a uma cura de desintoxicação (cf. de resto os arts. 41.º e ss. do DL n.º 15/9.1. de JAN22). …. Por isso, um prognóstico favorável fundante da suspensão não está excluído - embora se devam colocar-lhe exigências acrescidas - mesmo relativamente a agentes por convicção ou por decisão de consciência (nos casos, naturalmente. em que também estes últimos sejam puníveis). Mas já o está decerto naqueles outros casos em que o comportamento posterior ao crime, mas anterior à condenação, conduziria obrigatoriamente, se ocorresse durante o período de suspensão, à revogação desta (art. 51.º-1 e infra § 546). Por outro lado, a existência de condenação ou condenações anteriores não é impeditiva a priori da concessão da suspensão: mas compreende-se que o prognóstico favorável se torne, nestes casos, bem mais difícil e questionável - mesmo que os crimes em causa sejam de diferente natureza - e se exija para a concessão uma particular fundamentação (fundamentação, aliás, sempre necessária: infra § 523). § 520 Apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização -, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime» (art. 48.º-2 in fine). Já determinámos (supra § 502) que estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita - mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise. …”[x]. ***** Notifique. D.N.. ***** Elaborado em computador e integralmente revisto pelo relator (art.º 94º/2 do CPP). ***** Lisboa, 21/05/2015 João Abrunhosa de Carvalho Maria do Carmo Ferreira
_______________________________________________________ As finalidades da punição, nos termos do disposto no art.º 40º do CP são a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. |