Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3921/14.0T2SNT-B.L1-8
Relator: ISOLETA COSTA
Descritores: TAXA SANCIONATÓRIA
PRETENSÃO MANIFESTAMENTE INFUNDADA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/30/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: O conceito de “pretensão manifestamente injustificada” constante do artigo 723 d) do cpc deve ser interpretado por referência ao conteúdo, designadamente, do artigo 531.º do mesmo código que prevê que “por decisão fundamentada do juiz, pode ser excepcionalmente, aplicada uma taxa sancionatória quando a acção, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida”.
A falta de diligência em tal caso terá de ser grave, grosseira, correspondente a uma conduta indesculpável.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


A seu tempo,  datado de 6.01.2015, nos autos de execução de que esta certidão é parte, foi proferido o seguinte despacho judicial:

Os presentes autos foram apresentados a juízo e distribuídos - ademais, correctamente, considerando o título executivo e valor da quantia exequenda - como execução ordinária (cfr. arts. 550º do C P C).
Impõe a lei nesta forma de processo a prolação de despacho liminar e só concluindo o juiz que não há - de proferir despacho de indeferimento liminar, nos termos, do no 2 º do art., 726º do C P C, devendo o processo prosseguir, é que será por este proferido despacho de citação do executado para, no prazo de 20 dias, pagar ou opor-se à execução (cfr. nº 6 do mesmo artigo).
De tal despacho será o AE notificado nos termos do nº 8 ainda do aludido art. 726º com remessa electrónica pela secretaria do requerimento executivo e dos documentos que o acompanham, para que proceda à referida citação do executado.
Isto dito, apura-se que nos autos - histórico electrónico- , sem qualquer despacho liminar e sem qualquer notificação para os efeitos dos nºs 6 e 8 do art. 726º o Sr AE decidiu dar andamento aos autos, efectuando desde logo a citação do executado.
Tal conduta é flagrantemente violadora da lei, sendo opção do legislador em processos que contendem directamente com o direito constitucionalmente tutelado de propriedade a sujeição a despacho judicial que afira da verificação dos pressupostos processuais de regularidade da instância e de exequibilidade do título oferecido, entre o mais.
Nesta conformidade, a citação realizada, trata – se de” mero acto material, inidóneo para produzir efeitos jurídicos, um simples estado de facto com a aparência de decisão" (no caso, a aparência de um acto judicial) "mas, absolutamente insusceptível de vir a ter a eficácia jurídica deste, tudo se passando corno se não tivesse sido produzido" - cfr. Ac. R L de 26.11.2002, in www.dgsi.pt -, pelo que padece, à falta de outro, do vício da inexistência jurídica no sentido que não tem qualquer cabimento legal e não foi ordenado por decisão judicial, tendo-se devido apenas e tão só, à inobservância pelo Sr. agente de execução das disposições legais aplicáveis ao caso. .......
Pelo exposto, decide-se dar sem qualquer efeito a citacão realizada.”
“ Uma vez que anómalo e flagrantemente violador de lei imperativa, revelando ademais uma “desatenção" incompreensível, à luz dos deveres deontológicos e profissionais por que se deve pautar a conduta dos AE,  decido condenar a AE em custas do presente incidente que fixo em 5 UC's.

A A.E  interpôs recurso que foi admitido quanto à condenação em custas.

Lavrou as conclusões que seguem:
Estes Despachos /Decisões , de 6/1/2015 , são remetidos à A.E.,  pelo Tribunal, onze meses depois do mesmo Tribunal lhe ter enviado em 24/2/2014 o Requerimento Executivo e seus documentos , relativos à execução ordinária para pagamento de quantia certa ,em apreço.
(…)
O requerimento executivo e documentos anexos , foram enviados à AE/Recorrente , em 24/2/2014 , que entendeu que, este envio, se devia ao facto de, a Secretaria, ter cumprido os deveres constantes do disposto nos arts. 725.º e 726. º, número 1, do Código de Processo Civil, isto é, ter sido já proferido despacho liminar.
(…)
Foi, nesta convicção, que, a A.E./Recorrente iniciou e levou a efeito todas as diligências de citação prévia do Executado, que terminaram com a citação deste por edital , tendo, de todas as tentativas de citação , elaborado , sucessivamente , certidão negativa , com junção aos autos, que constam do histórico electrónico .
O Sistema de tramitação electrónica dos Tribunais permite o exercício do controle , diário , da tutela , que o Julgador clara e objectivamente não fez, durante mais de dez meses , porquanto “ As secretarias judiciais asseguram o expediente, autuação e regular tramitação dos processos pendentes nos termos estabelecidos na respectiva lei de organização judiciária, em conformidade com a lei de processo e na dependência funcional do magistrado competente “ e o artigo 162.º , nos n sº 1 e 3 , estabelece prazo de cinco dias, quer para a Secretaria fazer os autos conclusos , quer para junção de qualquer requerimento- artigo 157º n. º 1, do C .P. C.

Recebido o requerimento executivo e pagas a taxa de justiça e a provisão à A.E , deveria a Secretaria, naquele prazo , ter submetido a despacho liminar o requerimento executivo com os documentos anexos e a partir daí o Tribunal tinha dez dias para prolação do despacho liminar, mas resulta, do histórico electrónico que nenhum, destes prazos foi cumprido!

Só depois de proferido despacho liminar é que o requerimento executivo e documentos anexos deveriam ser enviados à A.E para a citação, como bem refere o Professor , Dr , Rui Pinto ,”in Notas Breves sobre a Reforma do Novo Código de Processo Civil “ , onde dá nota de que que a reforma atribui um poder de controle ao Juiz e mais poderes à Secretaria Judicial.

A A.E. é punida, no segundo despacho, por ter respeitado o princípio da celeridade processual , actuando em conformidade com os factos praticados pela Secretaria, que lhe indicavam dever actuar.

A decisão é injusta -  não tendo o Tribunal levado em conta a actuação da Secretaria e as omissões do próprio Julgador ,
Arbitrária porque esta punição, repete-se, esquece totalmente as razões factuais e legais já invocadas e não cumpre o dever de fundamentação legal , por não indicar as normas em que assenta , sendo certo que deveria apoiar-se , entre outras no nº 2 do artigo 723º do C.P.C e no nº 1 do artigo 27.º do Regulamento das Custas Processuais.

A condenação da A. E, em custas/ multa fixada, no máximo de cinco unidades de conta, nada respeita e é proferida em violação do disposto . no número 4, do artigo 27º do Regulamento das Custas Processuais (R.C.P), que determina “o montante da multa ou penalidade é sempre fixado pelo juiz, tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correcta decisão da causa….”

O nº 4 do artigo 27º do R.C.P tem ínsitos, os princípios, entre outros, da proporcionalidade , da adequação , da justiça relativa e representa a exigência de boa-fé, bom senso e imparcialidade na sua aplicação e ,foi aplicada , exclusivamente , à A. E, pela Meritíssima Juíza, a condenação em custas/ multa no máximo de 5 UC’s.

Sem ter sido ponderada a comparticipação, determinante /fundamental, do Tribunal na prática da falta, verificada actuação que violou grosseiramente o disposto no n º 4 do artigo 27º do R. C. P.

A A.E. limitou - se a fazer a Citação Prévia do Executado, acto de que não resultaram, consequências graves o que é reconhecido pela Meritíssima Juíza, nada justificando que lhe fosse aplicada por esta, como foi, a multa máxima de 5 UC´s, numa escala de 0,5 UC´s a 5 UC´s que, por se tratar de uma escala, teria que caber a faltas de maior gravidade.

O número 4, do artigo 27º do R. C. P, determina que : “ O montante da multa ou penalidade é sempre fixado pelo juíz, tendo em consideração os reflexos da violação da lei , dos quais, para o caso em apreço, apenas interessa apreciar os seguintes:
c) –reflexos na regular tramitação do processo;
d) – reflexos na correcta decisão da causa.”

No caso dos autos , a regular tramitação do processo não foi afectada, porquanto a execução pela A.E, da citação prévia, só veio a ser conhecida pelo tribunal, aquando da prolação de despacho liminar, em 06/01/2015.

A execução da citação prévia foi iniciada, pela A. E, em Abril de 2014 , e feita a junção aos autos de todos os actos praticados ,incluindo a citação edital .

Porque a falta verificada se deveu exclusiva e fundamentalmente ao impulso processual, precipitado, dado pela Secretaria – que deveria ter sido superiormente controlado no âmbito do Tribunal - e não foi – a A. E não se conforma, pelas razões já expostas, quer a atribuição da falta a culpa exclusivamente sua, quer a aplicação de qualquer multa.

São as conclusões que delimitam o âmbito da matéria a conhecer por este tribunal.
A única questão colocada pela recorrente é a de saber se a condenação em custas do despacho apelado é devida e observa os requisitos legais de proporcionalidade.

Fundamentação de facto:
Dá-se aqui por reproduzida a factualidade supra.

Fundamentação de direito:
O artigo 723º alinea d) do CPC  preceitua que “Sem prejuízo de outras intervenções que a lei especificamente lhe atribui, compete ao juiz:
(…)
c)- Julgar, sem possibilidade de recurso, as reclamações de atos e impugnações de decisões do agente de execução, no prazo de 10 dias;
d)- Decidir outras questões suscitadas pelo agente de execução, pelas partes ou por terceiros intervenientes, no prazo de cinco dias.

2 Nos casos das alíneas c) e d) do número anterior, pode o juiz aplicar multa ao requerente, de valor a fixar entre 0,5 UC e 5 UC, quando a pretensão for manifestamente injustificada.

A decisão de uma das questões enumeradas neste preceito legal pressupõe sempre o exercício do contraditório que se estende naturalmente à aplicação de uma sanção.

Donde que,  sempre haveria  uma questão prévia à prolação do  despacho recorrido, que seria anterior à apreciação da respectiva validade formal ou meritória, e que resulta da completa ausência de contraditório que precedeu a sua prolação.

Quer dizer,  que tendo sido a apelante  sancionada em cinco UC’s de taxa de justiça especial, sem ter sido previamente ouvida sobre tal intenção,  violou-se o  artigo 3.º, n.º 2, do CPC, que estatui: “Só nos casos excepcionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida”).

Ao invés, no caso sub judicio, passou-se, de imediato, à sanção sem ouvir ninguém a esse propósito.

Porém, uma tal invalidade processual não é do conhecimento oficioso do Tribunal, antes devendo, para poder ser apreciada, ser arguida pelo interessado na observância do formalismo omitido, não o tendo sido (vide o teor conjugado dos artigos 195.º, n.º 1 e 196.º do Código de Processo Civil).

Prosseguindo, aceitamos, a objecção da apelante – de que não se verificam inequivocamente os pressupostos que a lei erigiu em bases para se lhe poder aplicar aquela taxa de justiça sancionatória excepcional.

Na verdade a norma não estabelece critério algum de interpretação sobre o conceito de “pretensão manifestamente injustificada” pelo que entendemos que a densificação desta matéria  respeitante a multa não poderá deixar de fazer-se por referência ao conteúdo designadamente do próprio artigo 531.º do CPC que prevê que “por decisão fundamentada do juiz, pode ser excepcionalmente aplicada uma taxa sancionatória quando a acção, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida”.

A falta de diligência em tal caso terá de ser grave, grosseira, correspondente a uma conduta indesculpável.

Esse não é manifestamente o caso dos autos,  em que,  como se viu foi a própria Secção de processos a remeter o expediente para a AE que confiou na regularidade da tramitação processual.

Nem se pode dizer que se deve à sua intervenção no processo qualquer demora, já que esta resulta antes, da não conclusão tempestiva ao juiz e da ausência de correspondente decisão judicial.

É indispensável uma concepção do processo que, sem exceder os limites do razoável, nem permitir que se faça dele o que bem se entenda,  interprete cautelosamente, as possibilidades que a lei faculta de sancionar os intervenientes processuais.

No fundo a aplicação desta norma faz apelo a uma situação de  excepcionalidade, em que a parte não tendo agido com a prudência ou diligência devida pratica um acto que é manifestamente improcedente.

Ora, o que vislumbramos na conduta da A.E. é antes e apenas um erro juridico de procedimento processual subsequente a outro erro juridico processual da Secção e que não reveste as demais características indispensáveis ao seu sancionamento.

Pelo que acolhe-se a apelação.

Segue deliberação.

Concede-se provimento ao recurso e revoga-se o despacho recorrido no segmento em que condenou a apelante em custas
Sem custas.



Lisboa, 30 de Novembro de 2017



Isoleta Almeida Costa
Carla Mendes
Octávia Viegas
Decisão Texto Integral: