Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
237/19.9T8MFR.L1-6
Relator: ANA DE AZEREDO COELHO
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
EXCLUSIVIDADE SIMPLES E REFORÇADA
DECLARAÇÃO NEGOCIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/06/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I)No contrato de mediação com exclusividade distinguem-se as sub-espécies exclusividade simples e exclusividade reforçada; na primeira o cliente da mediadora obriga-se a não contratar com outra mediadora a mediação do negócio, na segunda o cliente obriga-se ainda a não angariar o negócio por si mesmo.

II)Em rigor, a obrigação de não realizar por si próprio o negócio não corresponde a uma obrigação de não contratar, antes se limita a assegurar a remuneração da mediadora como se a angariação tivesse sido feita por ela.

III)Na interpretação da declaração negocial formal é determinante a apreciação do clausulado global.

IV)O regime de mediação com convenção de exclusividade reforçada não resulta sem mais da locução só a Mediadora contratada tem direito a promover o negócio objecto do contrato de mediação durante o respectivo período de vigência.

V)Está excluída a qualificação da exclusividade reforçada quando a mesma não esteja expressamente consagrada ou quando a mesma for incompatível com cláusulas contratuais.

VI)É incompatível com a exclusividade reforçada a convenção de obrigação de comunicação pelo cliente à mediadora de transacção em regime livre ou a previsão da obrigação de remunerar se negociar com terceiro angariado pela mediadora.

VII)Está vedada a demonstração de uma eventual vontade real das partes em convencionar a exclusividade reforçada, sem suporte no texto escrito do contrato, por a tal se oporem as razões determinantes da exigência legal de forma escrita.


(Sumário elaborado pela Relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM na 6ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:



I)–RELATÓRIO[1]


I… LDA., com os sinais dos autos, instaurou a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra A…, também com os sinais dos autos, pedindo a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia de € 8.000,00, acrescida de juros moratórios calculados à taxa legal e contabilizados desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Alegou para tal, em resumida síntese, ter celebrado com o Réu, na sua qualidade de mediadora imobiliária, contrato de mediação imobiliária em regime de exclusividade, tendo o Réu procedido à venda do imóvel a terceiros, na vigência do contrato e sem a sua intervenção, pelo que lhe é devido o montante pedido, a título de remuneração.

O Réu apresentou contestação, por impugnação e por excepção, alegando que a Autora não cumpriu o contrato, por não ter promovido a venda de forma eficaz tendo mesmo cessado de angariar compradores, sendo certo que a venda que veio a ser realizada nada teve a ver com a sua mediação nem envolveu outra mediadora, devendo-se exclusivamente a actividade do vendedor, ora Réu.

Alegou ainda que comunicou à Autora, telefonicamente, a intenção de fazer cessar o contrato, em data anterior à dita venda, ao que a Autora nada disse, devendo ter-se tal como anuência tácita à revogação.

Notificada para se pronunciar quanto à matéria das excepções, a Autora alegou que não pode proceder a uma publicitação mais efectiva do imóvel em virtude de o Réu ter persistido em não obter o respectivo certificado energético, sendo fantasiosa a argumentação quanto à revogação do contrato.

O Tribunal notificou as partes de projecto de decisão de mérito, para exercício do contraditório.

A Autora pronunciou-se no sentido de existir matéria controvertida com interesse para a decisão, sendo ela a de ter sido estabelecido que o Réu não poderia promover, publicitar ou angariar a venda do imóvel, matéria que alegou na inicial e que considera impugnada na contestação.

O Réu anuiu ao projecto de decisão.

Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.

Dessa sentença vem interposto o presente recurso pela Autora que, tendo alegado, concluiu como segue as suas alegações:
1- O presente recurso versa sobre a nulidade da sentença pois o tribunal a quo precipitou-se ao proferir saneador-sentença pois descurou a necessária produção de prova relativa aos factos alegados pela A., ora apelante.
2- Com efeito, a A. no art. 13.º da petição inicial alegou expressamente que: “Com efeito, o R. obrigou-se a aceitar a exclusividade de promoção, publicitação e angariação da A.”
3- Tal factualidade foi expressamente impugnada pelo R. e, como tal, é matéria controvertida que carecia de produção de prova em sede de audiência de discussão e julgamento.
4- O tribunal recorrido devia ter conhecido sobre tal facto e não podia dá-lo como provado (porque impugnado) nem como não provado porque controvertido.
5- Impunha-se, pois, a realização de julgamento tal como a ora requerente sustentara já no seu requerimento de 19/04/2021 quando as partes foram chamadas a pronunciar-se sobre a solução de direito preconizada.
6- O conhecimento dos factos pelo tribunal e sua apreciação crítica dando-os como provados ou não provados são questões que o tribunal deve conhecer.
7- A sentença é, pois, nula por violação do disposto no art. 615.º, n.º 1, alínea d) do C.P. Civil.
8- Impõe-se, pois a revogação do saneador-sentença proferida, o qual deve ser substituído por um outro que efectue o saneamento do processo, fixando o objecto do processo e temas da prova.
Assim decidindo farão V. Exas. a mais lídima JUSTIÇA!

O Réu não apresentou contra-alegações.

O recurso foi admitido para subir nos próprios autos e com efeito devolutivo, pronunciando-se o tribunal recorrido no sentido de inexistir a arguida nulidade da sentença.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II)–OBJECTO DO RECURSO
Tendo em atenção as conclusões da Recorrente - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC -, cumpre apreciar as seguintes questões:
1.-Se a decisão de mérito não podia ser proferida na fase processual de saneamento por subsistirem factos controvertidos e pertinentes;
2.-Se, mesmo podendo ser proferida, deve ser revogada.

III)–FUNDAMENTAÇÃO

1.–QUESTÕES PRÉVIAS
1.-A Recorrente arguiu a sentença de nula por não ser possível a sua prolação no momento processual em que o foi em razão de subsistirem factos controvertidos com influência no sentido da decisão. Louva-se no disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil.
2.-No que se refere a omissão de pronúncia quanto à prova ou não prova de factos alegados, não se integra a mesma na previsão de nenhuma das alíneas do artigo 615.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, por isso que o enquadramento processual de tal omissão encontra previsão específica no artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do mesmo Código.
Estabelece esta norma que a deficiência da decisão de facto determina a anulação da decisão quando não constem do processo todos os elementos que permitam a alteração da decisão.
A questão coloca-se assim em sede de reapreciação da decisão de facto, nomeadamente na vertente da disponibilidade de todos os meios de prova necessários à fixação da matéria pertinente, não em sede de nulidade da decisão por omissão de pronúncia quanto a factos pertinentes.  
Ou seja, a não pronúncia quanto a determinados factos tem a consequência que se referiu e a omissão de fundamentação a de determinação da fundamentação, procedendo a tal o tribunal de primeira instância, quando possível – artigo 662.º, n.º 2, alínea d), e n.º 3, do Código de Processo Civil.
No caso dos autos, consta da sentença a indicação de quais os factos considerados assentes e ainda da irrelevância para a decisão dos ainda controvertidos.
A discordância quanto a esta asserção e à decisão que nela se funda é objecto de recurso quanto ao mérito e/ou nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil, não integra a previsão de nenhuma das alíneas do artigo 615.º, n.º 1, mormente da alínea d).

Improcede a arguição de nulidade.

2.–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Configuram-se do seguinte modo os factos assentes, na ausência de impugnação da decisão de facto quanto a tal (sem prejuízo da posterior apreciação da suficiência dos factos assentes):
1.-A A. é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de mediação imobiliária;
2.-O R. encontrou-se inscrito como titular do direito de propriedade na descrição n.º 832 da freguesia da Venda do Pinheiro na Conservatória do Registo Predial de Mafra, referente ao prédio urbano para habitação, sito na Rua ….
3.-As aqui partes subscreveram o documento de fls. 11 verso e seguintes, no qual se encontra aposta a data de 08.01.2016, o qual designaram por contrato n.º 088160088 e no qual se lê, entre o que demais aí consta:
Entre:
I…, S.A ….., adiante designada como Mediadora,
E
A…., ……, adiante designado(s) como Segundo(s) Contratante(s), na qualidade de proprietários (…), é celebrado o presente contrato de Mediação Imobiliária que se rege pelas seguintes cláusulas:
Cláusula 1.ª (…) O Segundo Contratante é proprietário e legítimo possuidor da fracção autónoma…/prédio (…), destinado(a) a Prédio Urbano, composto de Lote com Moradia, …, sito na Rua ….na freguesa da Venda do Pinheiro, concelho de Mafra, …
Cláusula 2.º (…) 1. A Mediadora obriga-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra pelo preço de € 185.000,00, (mil cento e oitenta e cinco euros), desenvolvendo para o efeito, acções de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e características dos respectivos imóveis;
2. Qualquer alteração ao preço fixado no número anterior deverá ser comunicado de imediato e por escrito à mediadora

Cláusula 4.ª (…) 1. O Segundo Contratante contrata a Mediadora em regime de Exclusividade.

Cláusula 5.ª (…) O Segundo Contratante obriga-se a pagar á mediadora a título de remuneração:
a) A quantia de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efectivamente concretizado, não sendo essa quantia inferior a 8.000,00 € (oito mil euros), acrescida de IVA à taxa legal em vigor.
….
Cláusula 7.ª (…) Para garantia da responsabilidade emergente da sua actividade profissional, a Mediadora celebrou um contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil no valor de 150.000 € (cento e cinquenta mil euros), apólice n.º RC23746476, através da seguradora Fidelidade.
Cláusula 8.ª (…) O presente contrato tem uma validade de 9 (nove) meses, contados a partir da data da sua celebração, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não seja denunciado pelas partes contratantes através de carta registada com aviso de recepção ou outro meio equivalente, com antecedência mínima de dez dias em relação ao seu termo.

4.–Por título de compra e venda outorgado a 26.07.2018, o aqui R. declarou vender a D… e  C…, que declararam comprar-lhe, pelo preço de 160.000,00€, o prédio melhor descrito em 2., tendo as partes aí declarado que a compra e venda não foi objecto de intervenção de mediadora imobiliária.
Dos autos resulta ainda com pertinência, o que se adita nos termos do artigo 663.º, n.º 2, com referência ao artigo 607.º, n.º 4, ambos do CPC, por não ser controverso:
5.–A cláusula 4.ª do acordo referido em 3 tem o seguinte teor integral:
Cláusula 4.ª – (Regime de Contratação)
1– O Segundo Contratante contrata a Mediadora em regime de: [x] Exclusividade [] Não exclusividade
2– Nos termos da legislação aplicável, quando o contrato é celebrado em regime de exclusividade só a Mediadora contratada tem direito a promover o negócio objecto do contrato de mediação durante o respectivo período de vigência.
3– Se a propriedade for transacionada em regime livre, o Segundo Contraente obriga-se a comunicar imediatamente à Mediadora esse facto, sob pena de ter de pagar a comissão devida, no caso desta conseguir interessados, nas condições estabelecidas.
4– Se a propriedade for transacionada através da Mediador e posteriormente o comprador desistir da transacção, e houver sinais recebidos até ao montante da comissão acordada, independentemente de o Segundo Contraente os devolver ou não, a Mediadora tem sempre direito a receber a sua comissão, por ser alheia a essa situação e ter realizado o trabalho a que se propôs.
5– O Segundo Contraente fica obrigado a celebrar o negócio nas condições acordadas neste contrato, no caso da Mediadora conseguir o interessado. Se se recusar a fazer a transacção ou negociar directamente com o interessado angariado pela Mediadora, obriga-se a pagar a comissão como se o negócio se tivesse realizado.
6– Caso um terceiro venha a exercer um direito de preferência ou de opção, legal ou convencional, na aquisição ou arrendamento do imóvel objecto do contrato de mediação, a remuneração prevsiat na presente cláusula será sempre aplicável, devendo o Segundo Contraente proceder ao pagamento da mesma à Mediadora nos prazos e segundo as condições estabelecidas no presente contrato.
7– Será igualmente devida a remuneração à Mediadora se o trespasse não se verificar em virtude de ter sido feita uma cessão de quotas da sociedade titular do estabelecimento comercial a terceiros por si angariados; sendo o contrato em regime de exclusividade, havendo cessão de quotas, a remuneração será sempre devida.

3.–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1.–Com relevo para a questão da qualificação do contrato, resultou assente nos autos que no âmbito da sua actividade profissional, que era a de mediadora imobiliária licenciada,a Autora celebrou com o Réu acordo nos termos descritos em 3 e 5, nos termos do qual se obrigou, relativamente a imóvel do Réu a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra pelo preço de € 185.000,00, (mil cento e oitenta e cinco euros), desenvolvendo para o efeito, acções de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e características dos respectivos imóveis, que o Réu contratou a Autora em regime de Exclusividade e que se obrigou a pagar a remuneração de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efectivamente concretizado, não sendo essa quantia inferior a 8.000,00 € (oito mil euros), acrescida de IVA à taxa legal em vigor.

Não é controverso nos autos e resulta daquele indicado clausulado, conjugado com os artigos 2.º e 16.º da Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro, que o acordo celebrado deve ser qualificado como contrato de mediação imobiliária, intervindo nele a Autora como mediadora e o Réu como cliente dela e vendedor do imóvel a que o contrato se refere.

Mediação é o contrato pelo qual uma parte (o mediador) se vincula para com a outra (o comitente ou solicitante) a, de modo independente e mediante retribuição, preparar e estabelecer uma relação de negociação entre este último e terceiros (os solicitados) com vista à eventual conclusão definitiva de negócio jurídico[2].

Na formulação de outro Autor:
Pelo contrato, o mediado obriga-se a aproximar o comitente de terceiros, estabelecendo os contactos necessários, informando e esclarecendo potenciais interessados no negócio pretendido. Cabe esclarecer que por negócio deve entender-se, precisamente, negócio jurídico, pelo que (dado que o mediador aproxima o comitente e um terceiro) a mediação visa proporcionar a celebração de um contrato, ficando afastada a qualificação como contrato de mediação de todo o contrato pelo qual uma das partes se obriga à produção de outro tipo de resultado. Concluído o negócio pretendido – no qual, sublinhe-se, o mediador não intervém – ou tornando-se este definitivamente impossível, cessa o contrato de mediação[3]

Não existe motivo para divergir do consenso quanto à qualificação, sendo que a validade do contrato na sua celebração não está em causa, sendo ocioso despender outras considerações a tal respeito.

2.–A mediação pode ser acordada com ou sem exclusividade. Dentro do tipo contrato de mediação com exclusividade pode ainda distinguir-se a convenção de exclusividade simples e a de exclusividade reforçada.
Distinguem-se essas sub-espécies por na primeira estar vedada a intervenção na publicidade e angariação do negócio mediado de outras mediadoras, para além da contratada, e na segunda estar vedada a realização do negócio mediado sem intervenção da mediadora contratada na publicidade e angariação.
Ou seja, mediante a convenção de exclusividade simples o cliente da mediadora obriga-se a não contratar com outra mediadora a mediação do negócio enquanto pela convenção de exclusividade reforçada o cliente da mediadora se obriga a tal e ainda a não angariar o negócio por si mesmo[4].
Em rigor, a obrigação de não realizar por si próprio o negócio, típica da exclusividade reforçada, não corresponde a uma obrigação de não contratar, antes significa que, contratando, será sempre devida à Mediadora a remuneração como se a angariação tivesse sido feita por ela.
A cláusula de exclusividade reforçada tem de ter-se como implicando a obrigação de remunerar em caso em que a angariação não é feita pela mediadora, não como uma proibição de o proprietário dispor do bem, limitando o direito de propriedade numa das suas dimensões fundamentais.
Naquela última hipótese, teria de concluir-se que a exclusividade efectivamente convencionada implica a obrigação de o cliente pagar à Mediadora a remuneração quando faça o negócio por si mesmo sem intervenção de qualquer mediadora[5] [6].
O que está em causa no caso concreto é saber, por um lado, se a exclusividade efectivamente contratada entre a Autora e o Réu deve entender-se como exclusividade simples ou reforçada e, por outro, se a matéria de facto que a Recorrente indica como sendo pertinente e controvertida altera a interpretação do contrato quanto a este aspecto.

3.–Dos factos assentes resulta que a Recorrente IMOCRAR, mediadora imobiliária, e o Recorrido A…, dono de um imóvel que o pretendia vender, acordaram em que a mediadora se obrigava a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra do imóvel, pelo preço de € 185.000,00, desenvolvendo para o efeito, acções de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e características do respectivo imóvel.
Mais acordaram que a mediadora era contratada em regime de exclusividade (n.º 1) e que nos termos da legislação aplicável, quando o contrato é celebrado em regime de exclusividade só a Mediadora contratada tem direito a promover o negócio objecto do contrato de mediação durante o respectivo período de vigência (n.º 2).
As partes acordaram ainda em que, se a propriedade for transacionada em regime livre, o Segundo Contraente obriga-se a comunicar imediatamente à Mediadora esse facto, sob pena de ter de pagar a comissão devida, no caso desta conseguir interessados, nas condições estabelecidas (n.º 3).
E, também, que se o Réu se recusar a fazer a transacção ou negociar directamente com o interessado angariado pela Mediadora, obriga-se a pagar a comissão como se o negócio se tivesse realizado (n.º 5).

Vejamos o que tal implica quanto ao concreto regime de exclusividade acordado.

4.–Nos termos dos artigos 236.º a 238.º do Código Civil, a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele, sendo que, no negócio formal, como é o caso, não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.

A apreciação de contexto em que o acordo é celebrado é determinante para a apreciação da matéria.
À data, como actualmente, regia a lei 15/2013, de 8 de Fevereiro, na redacção do Decreto-Lei 102/2017, de 23 de Agosto[7].
A cláusula consta com a menção de que o contrato é celebrado em regime de exclusividade e que este regime implica que só a Mediadora contratada tem direito a promover o negócio objecto do contrato de mediação durante o respectivo período de vigência.
Neste contexto, importa saber como pode delimitar-se esse conteúdo no programa contratual, mais concretamente se a locução só a mediadora exclui apenas outras mediadoras ou também o próprio cliente.

Refere Higina Orvalho Castelo[8]:
Em meu entender, e sem prejuízo de as partes poderem manifestar claramente o seu acordo noutro sentido, a melhor interpretação de uma cláusula de teor idêntico ao do art. 19, n.º 4, do revogado DL 211/2004 (só a empresa de mediação tem o direito de promover o negócio objecto do contrato de mediação) restringe a operacionalidade de tal cláusula ao afastamento da concorrência, não podendo ver-se como tal a iniciativa do próprio cliente. Por um lado, o campo de regulação do RJAMI é o da actividade empresarial de mediação imobiliária, devendo a cláusula em causa ser lida a essa luz. Por outro lado, a interpretação mais lata contende com as normas dimanadas dao princípio da autonomia privada, na sua modalidade de liberdade contratual, que tanto peso têm no âmbito do direito privado, pelo que carec de uma indicação clara das partes nesse sentido.

Aderimos a tal posição, por nos parecer que as motivações enunciadas são de peso determinante no contexto da regulação da autonomia privada e de um contrato típico com particulares cuidados de regulação pelo legislador em sede de regulação da actividade económica e dos direitos dos consumidores/clientes, sem qualquer vestígio de intervenção da limitação da autonomia privada destes à margem do concreto clausulado.

Em suma, o regime de exclusividade reforçada apenas pode ser considerado como convencionado se do contrato resultar que a remuneração é devida também no caso de o cliente da Mediadora celebrar o contrato por si mesmo, ainda que sem intervenção de qualquer outra mediadora[9].

No caso, entendemos que o clausulado sempre excluiria a interpretação que a Autora pretende ser a correcta.
Primeiramente, cláusula concreta e a sua letra, reprodução do anterior texto legal relativo a exclusividade simples, não pode ser interpretado como estabelecendo um regime de exclusividade reforçada[10].
Em segundo lugar, inexiste qualquer menção nas cláusulas contratuais que permita interpretação diversa, a saber a de que as partes pretenderam com a exclusividade coisa diversa daquela que declararam na cláusula 4.ª/2.
Por fim, do contexto que as demais cláusulas contratuais constituem resulta mesmo coisa diversa. Assim é que as partes acordaram em que (cláusula 4.ª/3) se a propriedade for transacionada em regime livre, o Segundo Contraente obriga-se a comunicar imediatamente à Mediadora esse facto, sob pena de ter de pagar a comissão devida, no caso desta conseguir interessados, nas condições estabelecidas.

Ou seja, as partes acordaram em que a venda livre – pelo cliente sem mediadora como resulta do confronto com as cláusulas 4.ª/2 e 4.ª/4 -  apenas determinava o pagamento da remuneração à mediadora se não lhe fosse comunicada e, entretanto, a mediadora tivesse conseguido interessados nas condições estabelecidas.
Mais. As partes consideraram que a hipótese de venda pelo cliente determinava a obrigação de remunerar a mediadora num determinado condicionalismo, o previsto na cláusula 4.ª/5, a saber, em concreto, o de negociar directamente com o interessado angariado pela Mediadora. Ora, se tivessem pretendido convencionar um regime de exclusividade reforçada, era inteiramente desnecessária aquela previsão contratual uma vez que qualquer negociação directa implicaria a obrigação de remunerar.

5.–A Recorrente entende que haverá que apurar a matéria de facto que consta do artigo 13.º da petição, com o seguinte teor:
Com efeito, o Réu obrigou-se a aceitar a exclusividade de promoção, publicitação ou angariação da Autora.

Com o devido respeito, não vemos em que possa tal considerar-se diferente do que vem considerado assente como cláusula 4.ª/1.

Pese embora, mesmo considerando que de tal resulta pretender a Recorrente que seja apurada matéria de facto da qual decorra que apenas a mediadora podia angariar clientes em exclusão de todas as pessoas, aí incluindo não só mediadoras como o próprio cliente, sempre nos defrontaríamos com o não cumprimento do ónus de alegação.

Na verdade, os factos pertinentes não foram oportunamente alegados, sendo oportuna a alegação feita em sede de petição inicial – artigo 5.º, n.º 1, e 552.º, n.º 1, alínea d), ambos do Código de Processo Civil.

Diga-se ainda, por exaustão de razões, que mesmo que tivessem sido alegados factos quanto a tal, improcederia a pretensão recursiva.

Na verdade, o contrato de mediação imobiliária está sujeito à forma escrita – artigo 16.º, n.º 1, da Lei 15/2013, não tendo nessa parte sido alterado pelo Decreto-Lei 102/2017, de 23 de agosto.

Do n.º 2, alínea g), daquela norma, consta que do contrato constam, obrigatoriamente, os seguintes elementos: (…) g) A referência ao regime de exclusividade, quando acordado, com especificação dos efeitos que do mesmo decorrem, quer para a empresa quer para o cliente.

Em suma, para além de o contrato estar sujeito a forma escrita, a mesma engloba, expressamente, a estipulação da cláusula de exclusividade, por imperativo legal[11].

Forma escrita que pretendia, como geralmente pretende, assegurar uma situação de maior segurança da prova da vontade das partes.

A formalidade do acordo implica que não pode a declaração valer com um sentido que não tenha o mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso – artigo 238.º, n.º 1, do Código Civil.

Ora, prescindindo para efeitos argumentativos do cumprimento do ónus de alegação, a pretensão da Recorrente é, afinal, a de que se prove qual a intenção das partes quanto ao conteúdo da exclusividade estabelecida, para além do que resulta do texto escrito do acordo firmado, dado como assente.

Noutra formulação, a Recorrente entende que importa provar que a menção a exclusividade de angariação, promoção e publicidade, foi querida como estabelecendo que a realização do negócio pelo cliente não obstava à obrigação de remunerar.

Em suma, recentrando a questão colocada, é ela a da necessidade de prova adicional quanto à intenção das partes ao estabelecer a exclusividade.

Ora, a demonstração dessa eventual vontade real das partes, a fixar fora do texto do contrato, não poderia valer no caso por a tal validade se oporem as razões determinantes da forma do negócio (artigo 238.º, n.º 2, do Código Civil), no caso, as razões que levaram o legislador a exigir a forma escrita para uma tal cláusula[12].

Fixando-a no texto do contrato, apenas pode significar o que acima se estabeleceu: a venda pelo cliente não comunicada à mediadora ou a pessoa por ela angariada torna-o responsável pela remuneração nas circunstâncias descritas no contrato.

Ora, a Recorrente não alegou factos que permitam integrar tal previsão contratual.

IV)–DECISÃO

Pelo exposto, ACORDAM em julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente -  artigo 527.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.



Data constante da assinatura electrónica 
(Ana de Azeredo Coelho)
(Eduardo Petersen Silva)
(Manuel Rodrigues)



[1]Beneficia do da primeira instância.
[2]Fernando Baptista de Oliveira, O Contrato de Mediação Imobiliária na Prática Judicial: uma abordagem jurisprudencial, CEJ Outubro de 2016, e:book, p. 10. 
[3]Maria de Fátima Ribeiro, in O contrato de mediação, Scientia Ivridica, n.º 331 (2013), p. 78-79.
[4]Cf. Higina Orvalho Castelo: As diferenças entre o contrato de mediação imobiliária simples e o contrato de mediação imobiliária com cláusula de exclusividade são de tal forma relevantes que podemos falar em duas subespécies ou subtipos do contrato de mediação consultado em https://www.verbojuridico.net/ficheiros/doutrina/comercial/higinacastelo_mediacaoimobiliaria.pdf .
[5]Enquanto em contratos de mediação simples o cliente tem uma obrigação de remuneração em um único caso — no caso de conclusão de um contrato definitivo eficaz entre o cliente e o destinatário, por causa do exercício da actividade de mediação, ou no caso de conclusão de um contrato-promessa eficaz entre o cliente e o destinatário, por causa do exercício da actividade de mediação  —, nos contratos de mediação qualificados pela cláusula de exclusividade o cliente tem uma obrigação de remuneração da empresa em três hipóteses: em primeiro lugar, na hipótese de ter sido concluído um negócio eficaz entre o cliente e o destinatário, por causa do exercício da actividade da empresa de mediação ; em segundo lugar, na hipótese de o negócio visado só não ter sido concluído por causa imputável ao cliente e, em terceiro lugar, na hipótese de não cumprimento da obrigação de exclusividade – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Abril de 2021, proferido no processo 2952/19.8T8LSB.L1.S1 (Nuno Pinto Oliveira).
[6]
[7]Diploma que, aliás, apenas alterou os artigos 16.º e 32.º e mesmo aí sem qualquer relevância para os autos.
[8]Cf. O contrato de mediação, Teses, Almedina, 2014, p. 428-429.
[9]Assim, António Menezes Cordeiro (com António Barreto Menezes Cordeiro) in Direito Comercial, Almedina, 2019, 4.ª edição revista, atualizada e aumentada, p. 726: A mediação pode ser acompanhada, a título de cláusula típica, pela exclusividade. Nessa altura, o comitente compromete-se a, com referência ao projetado negócio, não contratar mais nenhum mediador. A cláusula de exclusividade poderá ainda ser reforçada quando, além de não recorrer a outros intermediários, o comitente se obrigue, também, a não descobrir, ele próprio, um terceiro interessado. Nada disso se presume: deverá ser clausulado e, havendo dúvidas, provado por quem tenha interesse na situação considerada.
[10]Em situação que entendemos idêntica veja-se o acórdão desta relação de 24 de Setembro de 2020, proferido no processo 5061/19.6T8LRS.L1-2 (Maria José Mouro) onde se lê: no caso que nos ocupa consta do acordo escrito celebrado que a R. contrata a Mediadora em regime de exclusividade (Cláusula 4ª, n.º1), prevendo o n.º 2 da cláusula 4.ª que «O regime de exclusividade previsto no presente contrato implica que só a Mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objecto do contrato de mediação imobiliária, durante o respectivo período de vigência». Cf. ainda, desta Relação, os acórdãos de 22 de novembro de 2012, proferido no processo 5208/10.8T2SNT.L1-6 (Anabela Calafate), de 9 de Outubro de 2018, proferido no processo 20340/16.6T8LSB.L1-7 (Maria da Conceição Saavedra) e de 21 de Maio de 2020, proferido no processo 6744/18.3T8LSB.L1-6 (Adeodato Brotas).
A alusão, naquela cláusula, a “promover” o negócio objecto do contrato de mediação imobiliária inculca estarmos perante um caso de exclusividade simples – a dita “promoção” reconduzida à actividade característica de uma mediadora (ver o art. 2 da lei 15/2013) não exclui a possibilidade de o proprietário do imóvel diligenciar pela sua venda. Genericamente, a mediação poderá ser definida como o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover a aproximação de duas ou mais pessoas com vista à conclusão de um determinado negócio, mediante remuneração.
[11]Sobre a matéria e suas consequências, cf. Higina Orvalho Castelo, in O contrato …, p. 419-430.
[12](…) deve resultar claramente do contrato que o comitente se abstém de procurar ele próprio o melhor negócio (cf. Maria de Fátima Ribeiro, p. 248-250).