Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
15321/19.0T8SNT.L1-7
Relator: CARLOS OLIVEIRA
Descritores: GRAVAÇÃO DA AUDIÊNCIA
ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL
CULPA EXCLUSIVA DO LESADO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.A deficiência da gravação, que acarrete, no todo ou em parte, a impercetibilidade ou inaudibilidade dos depoimentos objeto de registo, constitui irregularidade que se traduz em nulidade secundária, a arguir mediante reclamação da parte interessada no seu reconhecimento, no prazo de 10 dias a contar do fim do prazo de 2 dias contados do termo da realização do ato judicial objeto da gravação (Art. 155.º n.º 3 e n.º 4 do C.P.C.), sanando-se o vício se não for respeitado esse prazo perentório.

2.Não se encontrando a gravação em condições de permitir a devida apreciação dos depoimentos relevantes para a apreciação da impugnação da matéria de facto, não poderá o Tribunal da Relação apreciar fundadamente esse fundamento do recurso.

3.A obrigação de indemnização fundada em responsabilidade extracontratual pressupõe a verificação de todos os pressupostos estabelecidos no Art. 483.º n.º 1 do C.C.. Não se verificando no caso o pressuposto da ilicitude, improcede o pedido.

4.O tribunal poderá ainda considerar a tutela indemnizatória fundada na responsabilidade objetiva, nos termos do Art. 503.º do C.C. relativa a acidentes causados por veículos. Mas provando-se que o acidente se deu objetiva e subjetivamente por culpa exclusivamente imputável à lesada, aqui Autora, fica excluída a responsabilidade civil do condutor do outro veículo, nos termos do Art. 505.º do C.C..

5. Ficando provado na matéria de facto da sentença que a Autora estava ciente que os factos que alegou na petição inicial para sustentar o seu pedido de indemnização não correspondiam à verdade, não poderá a mesma deixar de ser condenada como litigante de má-fé, nos termos do Art. 542.º n.º 2 al.s a), b) e d) do C.P.C., afigurando-se no caso adequada a condenação em multa igual a 15 U.C.s.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I–RELATÓRIO.


A [ ...Sociedade Unipessoal, Lda. ] veio interpor a presente ação de condenação, em processo declarativo comum contra B [ ...Companhia de Seguros, SA, ] pedindo a condenação a R. a pagar-lhe a quantia de €7.270,01, acrescida de juros de mora contados da data da citação e até integral pagamento.

Para tanto, alega, em síntese, que ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes um veículo pertencente à A e um veículo segurado pela R., o qual se ficou a dever a culpa do veículo segurado por esta última, tendo o veículo da A. sofrido danos materiais e, em virtude da sua imobilização, deixou de o poder utilizar para transportar os utentes dos lares que explora a consultas médicas e para transportar produtos frescos e de supermercado para esses lares. Mais alega que, em virtude da reparação do seu veículo não o ter reposto no estado de integridade anterior, este sofreu uma desvalorização. Pretende assim exercer o direito a indemnização por factos ilícitos culposos, exigindo a reparação dos danos por si sofridos.

Citada, a R. contestou defendendo-se por impugnação e apresentando uma versão diversa do acidente, cuja responsabilidade imputou ao condutor do veículo da A., pugnando assim pela improcedência da ação.

Findos os articulados, veio a ser proferido despacho saneador, sem audiência prévia, fixando-se o objeto do processo e enunciando os temas de prova.

Procedeu-se à realização da audiência final e, finda a produção da prova e discutida a causa, foi a A. ainda notificada para se pronunciar quanto à possibilidade de condenação por litigância de má-fé, tendo em conta matéria de facto que o Tribunal entendeu por demonstrada.

Na sequência, veio a ser proferida sentença que julgou a ação improcedente por não provada, absolvendo a R. do pedido, mas condenou a A. como litigante de má-fé em multa igual a 15 U.C.s.

É dessa sentença que a A. vem agora interpor recurso de apelação, sobrelevando das suas alegações de recurso as seguintes conclusões:
(…) 4.As questões que se trazem à apreciação de V. Exas e a decidir no presente recurso são as seguintes:
1.- Reapreciação da decisão que absolveu a Ré do Pedido (saber se a decisão em matéria de facto e/ou a decisão jurídica da causa devem ser alteradas);
2.- Saber se a litigância da Autora foi de má-fé.
(…) 6.- Nos termos e para os efeitos do Art. 640.º 1 a) do CPC, foram incluídos e/ou omitidos do elenco dos fatos provados, e nessa medida, incorretamente julgados, por erro de julgamento da matéria de facto, os seguintes:
A)-FACTO INCORRETAMENTE JULGADO(CF. 640º Nº 1 A) CPC):
i.- FACTO PROVADO:
 “H)- Em consequência da colisão, o veículo XX-MV-XX ficou imobilizado com a sua traseira esquerda, a 3,63 metros da esquina direita do portão de acesso às instalações e a traseira direita a 1,06 metros da esquina esquerda do referido portão, atento o seu sentido de marcha, sendo tais medições realizadas na diagonal e não na perpendicular do veículo da A”.
ii.-FATO A CORRIGIR E ADITAR (640º nº 1 a. c) do CPC):
H)-Em consequência da colisão, o veículo XX-MV-XX ficou imobilizado com a sua traseira esquerda, a 3,63 metros da esquina esquerda do portão de acesso às instalações e a traseira direita a 1.06 metros da esquina direita do referido portão, atento o seu sentido de marcha, sendo tais medições realizadas na diagonal e não na perpendicular do veículo da A”.
iii.-CONCRETOS MEIOS PROBATÓRIOS (artº 640º nº 1 b) do CPC):
- croqui de fls. 8v-10 junto com a p.i., documento particular não impugnado pela Apelada, pelo que os fatos nele referenciados devem ser admitidos por acordo (artº 374º e 376ª do C.C.).
B)- FATOS INCORRETAMENTE JULGADOS (640º 1 a) do CPC):
i.- FACTOS PROVADOS:
L)-No momento do embate, o condutor do veículo "IN" circulava a uma velocidade de 20 Kms/h e de forma atenta e, de repente, surgiu o veículo "MV" conduzido pela gerente da A., que alargou a sua trajetória para o exterior quando descreveu a curva apertada para a sua direita e invadiu parcialmente a metade da via em que circulava "IN":
M)-O "MV" circulava a uma velocidade concretamente não apurada, mas que não lhe permitiu imobilizar o veículo no espaço livre à sua frente, tendo embatido com a parte frontal do seu veículo (centro-esquerda) na parte frontal esquerda do IN, que se imobilizou de imediato logo após a colisão.”
E
FATOS NÃO PROVADOS:
4.-O acidente deu-se assim, na hemifaixa esquerda do referido acesso, atento o sentido de marcha do veículo XX-IN-XX, no sentido este-oeste, por culpa do seu condutor, o qual circulava no referido acesso fora do lado direito da faixa de rodagem, a uma velocidade superior a 50 km/hora, que não lhe permitiria imobilizar o veículo no espaço livre e visível à sua frente, e desatento ao trânsito em sentido contrário e às regras estradais.”
ii.- FATOS A CORRIGIR/ADITAR AOS FATOS PROVADOS (cf artº 640º nº 1 a. c) do CPC):
L)-No momento do embate, o condutor do veículo "IN" circulava a velocidade concretamente não apurada, no sentido este-oeste, dirigindo-se para a Rua T... ..., após ter invertido a marcha;
M)-O "MV", ao chegar à entrada do prédio descreveu a curva apertada à sua direita circulando a uma velocidade não concretamente apurada, tendo a parte frontal do veículo "MV" (centro-direita, junto do para-choques, grelha capô e faróis de nevoeiro) e a parte frontal (esquerda) do veículo "IN" embatido.

Deve ainda
ADITAR-SE UM NOVO FACTO AOS FATOS PROVADOS:
R)-O acidente deu-se, quando o veículo XX-IN-XX, após ter realizado a manobra de marcha atrás para inverter a marcha, havia iniciado a sua circulação no sentido este-oeste, na direção da saída do prédio identificado na A) dos Fatos provados.”
iii.- CONCRETOS MEIOS PROBATÓRIOS (artº 640º nº 1 b) do CPC):
- o croqui de fls. 8v-10 junto com a p.i., do qual resulta a posição dos veículos após o embate e as fotos juntos pela Ré com a contestação como documento nº 2, a fls. 21 v, referida na sentença, ou seja, das fotografias dos veículos, documentos particular não impugnados pela Apelada, pelo que os fatos nele referenciados devem ser admitidos por acordo (artº 374º e 376ª do C.C.) e nas quais se evidenciam os danos, localizados respetivamente sobre o centro direita do veículo "MV" e centro esquerdo do veículo "IN". Haverá ainda que considerar os concretos meios probatórios constantes no processo que impõem decisão diversa, conforme referido no corpo das alegações e que se dão aqui por integralmente reproduzidos: as declarações da testemunha Rui ....., conforme depoimento gravado no dia 29/09/2020, no sistema integrado de gravação digital, disponível no tribunal a quo, com início a 10:42:47 e término em 11:06:31 - Ficheiro áudio n.º 20200929104247 e as declarações da testemunha Rui ....., conforme depoimento gravado no dia 29/09/2020 no sistema integrado de gravação disponível, no Tribunal a quo, com inicio a 14:26:42 e termino em 14:42:54 - Ficheiro áudio n.º 20200929142642, conforme passagens identificadas e transcritas nas Alegações e que aqui se dão por reproduzidas.
7.-Não obstante se ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas, pretende-se com a produção da prova, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente num grau de probabilidade o mais elevado possível, em todo o caso assente numa certeza relativa, porque subjetiva, do facto – cfr. Acórdão desta Relação de 14.09.2006, dgsi.pt, citando Antunes Varela. O que importa, é que se minimize, o mais possível, a margem de erro.
8.-Ponderadas as declarações das testemunhas acima referidas, inexiste qualquer elemento credível, para além de qualquer dúvida razoável, sobre a velocidade a que ambos os veículos seguiam ou sobre o preciso local do embate. As considerações expedidas na sentença quanto ao excesso de velocidade do veículo "MV" se dever ao fato da condutora ir ao ginásio, é uma mera convicção subjetiva do julgador e não assenta em qualquer fato racional ou regra da experiência porquanto, nessa matéria muito se poderá especular sobre a velocidade do condutor do veículo "IN", motorista de profissão a efetuar recolhas e entregas de mercadoria, sendo do conhecimento e senso comum, os atrasos recorrentes e as consequências em matéria de infrações estradais.
9.-O Tribunal a quo teve, porém, dois pesos e duas medidas. Assumindo sem qualquer razão de ciência, que o condutor do veículo "IN", motorista de profissão, revelou “ser uma pessoa nada sabida”, considerou que o mesmo circulou a 20 km apesar dele ter referido que se deslocava a 2km/h e que era o veículo "MV" quem ia em excesso de velocidade, uma vez que o referido condutor afirmou que o "MV" poderia ter atropelado uma qualquer pessoa que ali estivesse;
10.-Diferentemente, a realização da manobra de marcha atras, referida pela testemunha é um fato, que embora não alegado pela Autora nem referida pela Ré, resulta da prova produzida e é nuclear à compreensão do sinistro. Esta manobra, apesar de totalmente desvalorizada, é aliás, referida pelo Sr. Juiz a quo que na fundamentação de facto pelo que, o depoimento da testemunha e a posição dos veículos no croqui de fls. 8v-10, evidenciam, que o local do embate não se deu na hemifaixa direita do veiculo "IN".
11.-Resulta sim, das declarações da testemunha e da posição do veículo no croqui de fls. 8v-10 que, aquando do embate, o veículo IN encontrava-se ligeiramente atravessado na faixa de rodagem e invadia, pelo menos em parte, a sua hemifaixa esquerda, atento o sentido de marcha do veículo, decorrente da manobra de inversão de marcha com marcha atrás que acabara de realizar.
12.-Posto isto, a integração da decisão de facto deve ser reapreciada dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum, rejeitando-se todos os pré-juízos e as considerações tecidas pelo Tribunal a quo, a propósito das declarações de parte, de natureza totalmente subjetiva, emocional. Veja-se a título de exemplo, as conclusões expedidas pelo Tribunal a quo a propósito do alegado “cotovelo”, expressão utilizada pela gerente da Autora ao referir-se à curvatura delineada para a direita (e dada como provada na al A) dos fatos provados) ou a presunção que o excesso de velocidade se deveu ao fato da depoente ir para o ginásio!
13.-A propósito da litigância de má fé, indicam-se ainda os seguintes fatos erradamente julgados:
C)- FATO INCORRETAMENTE JULGADO (CF. 640º Nº 1 A) CPC), al. O) e Q) dos Fatos provados e que devem ser eliminados, considerando-se não provados:
i.- FATOS PROVADOS A ELIMINAR:
O)- A A tem perfeita noção de que, ao contrário do que alegou na petição inicial, o acidente não ocorreu em virtude de o condutor do IN circular a uma velocidade superior a 50 km/hora que não lhe permitiria imobilizar o veículo no espaço livre e visível à sua frente nem o "MV" foi colhido pelo "IN";
P)-A A tem perfeita noção de que, ao contrário do que alegou na petição inicial, o acidente ocorreu porque a condutora do "MV" entrou de forma inusitada, sem adotar as cautelas necessárias para aí entrar em segurança (pois sabia que, à sua direita, existia um muro que a impedia de se aperceber daquilo que se passasse do outro lado desse muro (no interior do centro empresarial, máxime outros veículos ou mesmo peões que aí se encontrassem/circulassem) e circulando a uma velocidade que lhe permitia, como não permitiu, imobilizar o veículo no espaço livre à sua frente, mormente sem embater no veiculo "IN", e sendo que foi o "MV" quem colidiu com o "IN" e não o "IN" que colidiu com o "MV".”
ii.- CONCRETOS MEIOS PROBATÓRIOS (artº 640º nº 1 b) do CPC): os concretos meios probatórios constantes no processo que impõem decisão diversa, conforme referido no corpo das alegações e que se dão aqui por integralmente reproduzidos, são: as declarações de parte de Lénia ......, de 29/09/2020, gravadas no sistema integrado de gravação digital disponível no Tribunal a quo, com início a 10:01:56 e término em 10:42:07 - Ficheiro áudio n.º 20200929095525, cujas excertos fora, transcritos e constam nas alegações e se dão como reproduzidos; o mapa junto como documento 1 com a petição inicial, que evidencia o “cotovelo” mencionado pela Declarante e correspondente à curva à direita referida no ponto provado A); o croqui do acidente junto como documento 2 da petição inicial que evidencia a posição dos veículos, documentos particulares não impugnado pela Apelada, pelo que os fatos nele referenciados estão ser admitidos por acordo (artº 374º e 376ª do C.C.).
14.-Os fatos provados e não provados não foram/não são inequívocos. Por outro lado, resulta também do antes exposto, que aquando da instauração da ação, a Autora não tinha sequer, conhecimento que o condutor do veículo "IN" havia invertido a sua marcha mediante a realização da marcha atras imediatamente antes do acidente, manobra que explica as circunstancias em que o acidente ocorreu. Este conhecimento resultou da prova produzida em audiência de julgamento e, em concreto do depoimento do condutor do "IN".
15.-A verdade judicial foi assim construído pelo Tribunal a quo sobre uma factualidade litigiosa pelo que, não pode o Tribunal a quo afirmar, sem qualquer dúvida, convictamente, que a Autora tinha perfeita noção do que alegou na petição inicial era falso. Perante depoimentos contraditórios, o Tribunal convenceu-se de uma versão no que respeita à dinâmica em que o acidente ocorreu. Porém já não se concede que a prova assim produzida possa levar, dessa mesma forma ao convencimento do afirmado nos pontos O) e P), uma vez que os mesmos respeitam a fatos que integram a litigância de má-fé, tema introduzido oficiosamente pelo Meritíssimo Juiz a quo.
16.-Por virtude da índole deste instituto e das consequências da condenação como litigante de má-fé, a prova destes factos tem de efetivar-se de um modo mais consistente, substancial e claro.
17.-Ónus que entendemos não ter sido cumprido na sentença ora em crise. O Tribunal a quo, partiu da sua convicção subjetiva que a legal representante da Autora e que a testemunha por si arrolada mentiram e extrai daqui outro facto desconhecido - que a Autora tem noção que os fatos alegados na p.i. são falsos. Todavia esta falsidade não assenta em qualquer argumento válido, capaz de se impor, conforme resulta da motivação apresentada e deve ser corrigida.
18.-Anote-se que a dinâmica do acidente é sempre uma situação com contornos algo complexos e intrincados, em que os intervenientes que nele participam, tem uma experiência vivenciada emocionalmente, muitas vezes, perturbadora ou mesmo traumática. Ora esta simples dúvida sobre o que realmente aconteceu, é o bastante para não se poder concluir pela má-fé, pois que pelas suas consequências pessoais e materiais, a formação da convicção sobre a atuação a tal título exige uma prova que alcance um grau de suficiência superior ao exigido para a generalidade dos factos alicerçantes de outras atuações e pretensões.
19.-Acresce que, as declarações de parte da legal representante, impõem uma única certeza - que a postura processual da Autora é de elevada insatisfação, inconformismo, e por isso idêntico nível de litigiosidade, dentro de um quadro de normalidade numa situação de litígio judicial. A este propósito retira-se da contestação da Recorrida, que a Autora não aceitou a proposta de pagamento de 50% da reparação do veículo por considerar que não teve culpa na produção do mesmo. De igual modo, antes da produção de prova, a Autora não aceitou a proposta de indemnização da Ré, uma vez mais por considerar que o veículo sua propriedade não havia contribuído para o acidente.
20.-Entende-se pois, que a prova dos demais fatos é insuficiente para que o Tribunal dê como provado os factos O) e P), os quais devem ser eliminados.
21.-Quanto à 2ª questão em análise entende a Recorrente que existe erro na apreciação do direito.
22.-Entendeu a sentença ora em crise, no enquadramento fáctico-jurídico da ação que existe culpa exclusiva da lesada, a ora Recorrente, sustentando o nexo de causalidade entre a conduta ilícita da lesada, ao circular com velocidade excessiva e embatendo no veículo "IN".
23.-Discorda-se em absoluto deste entendimento. Os factos erradamente julgados e acima referidos são relevantes na explicação da dinâmica do acidente, e a serem alterados permitem a este Tribunal Superior, como é convicção da Autora, a conclusão que o condutor do veículo segurado na Ré tinha todas as condições para evitar o acidente, e que foi a realização da manobra incauta de marcha atrás - mais do que há sua velocidade excessiva, nomeadamente para as condições da via, o fator determinante para a ocorrência do acidente.
24.-Estes fatos ainda, que não sejam alegados pela Autora na petição inicial e não tenham sido referidas pela Ré, são essenciais à boa decisão da causa e estão contidos dentro do pedido global formulado pela Autora, não podendo ser desconsideradas pelo Tribunal ad quem pois na verdade, o conhecimento oficioso pode funcionar tanto pro partem como contra partem, ainda que intra petitum – neste sentido, MTS, em comentário ao Ac. da RP 16/5/2016 (3053/14.0TBVNG.P1), in Blog do IPPC.
25.-Por outro lado, resulta do regime legal da circulação rodoviária e do conceito de culpa lato sensu a que se reporta o artigo 487º, nº 2, do Código Civil, que os condutores, antes de iniciarem qualquer manobra, devem certificar-se de que a mesma não compromete a segurança do trânsito e proceder em termos de a não comprometer, servindo-se, se necessário, de auxílio de outrem se não puderem, só por si, abarcar toda a zona envolvente.
26.-Ao realizar a manobra de marcha atrás, junto à entrada de acesso ao parque e perante a existência de um muro que o impedia de visionar e avisar da aproximação de veículos sem previamente chamar a atenção dos condutores de outros veículos para essa circunstância, o condutor do veículo "IN" agiu com culpa.
27.-Acresce que, o condutor do veículo "IN" presume-se culpado pelo acidente, culpa esta que, eliminado o erro na apreciação dos fatos, deverá além do mais, ser dada como provada, conforme antes exposto.
28.-Anote-se por último que, o Tribunal deu como não provado que “no momento do embate, o condutor do veículo "IN" circulava na faixa da direita da mencionada via, atentas as características do local e, quando chegou à zona onde se inicia a curva para o seu lado esquerdo, abrandou a marcha de modo a curvar sem segurança e sem perder o controlo da direção”. Mais, o Tribunal deu ainda como não provado que “como reduzia a velocidade reduzida e estava iminente um choque frontal, o condutor do veículo "IN" travou e imobilizou imediatamente a sua viatura dentro da sua faixa de rodagem”. Estes factos, foram alegados pela Ré de modo a afastar a presunção de culpa que sobre o veículo "IN" recai e não se provaram.
29.-Assim, “àquele que alega a culpa do lesado incumbe a prova da sua verificação; mas o tribunal conhecerá dela, ainda que não seja alegada” (artigo 572º do Código Civil).
30.-Ainda que se mantenha a matéria de fato provada na decisão ora em crise, o que por hipótese se admite, entende a Recorrente que o Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito, quanto à responsabilidade na eclosão do acidente ajuizado, porquanto há fundamento para concluir que a aludida responsabilidade poderá ainda assim, ser diversa.
31.-Embora no domínio da responsabilidade por facto ilícito, ressalvados os casos de culpa presumida, incumba ao lesado a prova da culpa do autor da lesão (artigo 487º, nº 1, do Código Civil), quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída - artigo 570º, nº 1, do Código Civil.
32.-Porém, segundo o raciocínio do Tribunal a quo, o acidente deveu-se à culpa exclusiva do veículo da Autora, considerando que este invadiu parcialmente a metade da via em que circulava o "IN". E, dando como provado que o condutor do veículo "IN" circulava a uma velocidade de 20kms/h e de forma atenta, a verdade é que, o Tribunal deu como não provado que “no momento do embate, o condutor do veículo "IN" circulava na faixa da direita da mencionada via, atentas as características do local e, quando chegou à zona onde se inicia a curva para o seu lado esquerdo, abrandou a marcha de modo a curvar sem segurança e sem perder o controlo da direção”. Mais, o Tribunal deu ainda como não provado que “como conduzia a velocidade reduzida e estava iminente um choque frontal, o condutor do veículo "IN" travou e imobilizou imediatamente a sua viatura dentro da sua faixa de rodagem”. Estes fatos, foram alegados pela Ré de modo a afastar a presunção de culpa que sobre o veículo "IN" recai e não se provaram.
33.-Refira-se a matéria de fato provada no caso em análise e que importa à dinâmica do acidente: O acesso ao prédio faz-se por uma via publica em ligeira curva delineada para a direita, com cerca de 5,70 metros de largura e piso muito irregular (Facto provado A) e C)); O prédio é delimitado por um muro, o qual junto ao portão de acesso ao prédio tem cerca de 1,5 metro, limitando a visibilidade dos veículos – os que dele saem (Facto provado B)); E a visibilidade dos veículos que nele entram, pelo que a condutora do veículo "MV" só se apercebeu da presença de outro veículo depois de completar a curva para a sua direita (Facto Provado N)); O veículo XX-IN-XX, interveniente no acidente, é um veículo ligeiro de mercadorias e era propriedade da ....Transportes Expresso Ld.ª, sendo conduzido por Rui ......, no interesse e por conta da empresa proprietária que disso o havia incumbido (facto provado E)); A responsabilidade civil emergente de acidentes de viação estava transferida para a Ré mediante contrato de seguro (facto provado G)); No momento do embate, o condutor do veículo "IN" circulava a uma velocidade de 20km/h e de forma atenta e, de repente surgiu o veículo "MV", conduzido pela gerente da A., que alargou a sua trajetória para o exterior quando descreveu a curva apertada para a sua direita e invadiu parcialmente a metade da via em que circulava "IN" (facto provado L)); O veículo "MV" circulava a uma velocidade não concretamente apurada, mas que não lhe permitiu imobilizar o veículo no espaço livre à sua frente, tendo embatido com a parte frontal do seu veículo (centro esquerda) na parte frontal esquerda do "IN" que se imobilizou de imediato logo após a colisão (facto provado M)); Em consequência do embate, o veículo da Autora sofreu danos, mais concretamente na parte dianteira central e direita, nomeadamente no para-choques, chapa de matrícula, grelha, capot e farol de nevoeiro dianteiros, tendo os airbags disparado (facto provado I); O custo da reparação do para-choques dianteiros, chapa de matrícula, grelha e capot e dos airbags é de €4.032,50 (facto provado J).
34.-Igualmente relevantes são os fatos que o Tribunal a quo deu como não provados, ou seja, que: no momento do embate, o condutor do veículo "IN" circulasse na faixa da direita da mencionada via, atentas as características do local e, quando chegou à zona onde se inicia a curva para o seu lado esquerdo, tenha abrandado a marcha de modo a curvar sem segurança e sem perder o controlo da direção – ponto 13; e que como conduzia a velocidade reduzida e estava iminente um choque frontal, o condutor do veículo "IN" tenha travado e imobilizado imediatamente a sua viatura dentro da sua faixa de rodagem – ponto 14.
35.-Perante a facticidade demonstrada haverá que proceder ao necessário enquadramento jurídico, designadamente da responsabilidade dos intervenientes - estamos no domínio da responsabilidade civil extracontratual, no campo dos acidentes de viação onde vigora o princípio geral do art.º 483º do Código Civil, com a especialidade de que de acordo com o art.º 487º do citado diploma é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa.
36.-Não fora a provada ausência de culpa do condutor do "IN", decidida na sentença ora em crise e, prima facie, reconhecer-se-ia a responsabilidade pelo risco e operaria a presunção legal de culpa prevista no art.º 503º, n.º 3 do Código Civil, dada a provada relação de comissão entre o condutor do veículo "IN" e a proprietária do dito veículo.
37.-Porém, mesmo que a obrigação de indemnizar que a Autora imputa à Ré não encontra fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana conforme entendimento (ainda que mal) da sentença ora em crise que está afastada a culpa do condutor do "IN", cabe aferir se a obrigação de indemnizar se fundamenta em facto danoso gerador de responsabilidade objetiva. Estatui o art.º 499º do Código Civil que “são extensivas aos casos de responsabilidade pelo risco, na parte aplicável e na falta de preceitos legais em contrário, as disposições que regulam a responsabilidade por factos ilícitos”.
38.-A questão da concorrência entre a culpa do lesado (Art.s 505º e 570º do CC) - ou, mais amplamente, a imputação do acidente ao lesado - e a responsabilidade por riscos próprios do veículo (Art. 503º, nº 1, do CC) constitui uma das mais complexas e controversas da jurisprudência civilista nacional dos últimos anos, circunstância para a qual contribui o facto de a mesma questão se apresentar de modos distintos em razão do tipo de situação litigiosa subjacente, ainda que com um núcleo essencialmente comum.
39.-Está atualmente firmada no Supremo Tribunal de Justiça uma interpretação não mecânica do art.º 505º do Código Civil no sentido de que não implica “uma impossibilidade, absoluta e automática, concorrência entre a culpa do lesado (ou, mais amplamente, a imputação do acidente ao lesado) e os riscos do veículo causador do acidente, de modo a que qualquer grau de contribuição causal ou percentagem de culpa do lesado inviabilize sempre, de forma automática, a eventual imputação de responsabilidade pelo risco, independentemente da dimensão e intensidade dos concretos riscos de circulação da viatura. Em tese geral, perfilha-se o entendimento de que o regime normativo decorrente do estatuído nas disposições conjugadas dos Art.s 505º e 570º do CC deve ser interpretado, em termos atualistas, como não implicando uma impossibilidade, absoluta e automática, de concorrência entre a culpa do lesado (ou, mais amplamente, a imputação do acidente ao lesado) e os riscos do veículo causador do acidente, de modo a que qualquer grau de contribuição causal ou percentagem de culpa do lesado inviabilize sempre, de forma automática, a eventual imputação de responsabilidade pelo risco, independentemente da dimensão e intensidade dos concretos riscos de circulação da viatura.
40.-Haverá assim, que em função da factualidade subjacente a cada caso concreto, se pondere a medida da contribuição do lesado, culposa ou não culposa” - neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Janeiro de 2018 (Processo n.º 5705/12.0TBMTS.P1.S1) e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 2017 (Processo n.º 511/14.0T8GRD.D1.S1), in, www.dgsi.pt.
41.-Revertendo ao caso sub iudice, impõe-se analisar se a facticidade demonstrada encerra um comportamento da Autora, que quebrou o nexo de causalidade entre os riscos próprios do veículo e os danos, excluindo a responsabilidade objetiva do detentor do veículo, na medida em que o dano deixe de ser um efeito adequado do risco desse veículo. Em causa está indagar se, os fatos provados demonstram que o acidente tenha ocorrido devido à atuação da Autora, sem que se possa atribuir ao condutor do veículo (à culpa do condutor) ou aos riscos próprios do veículo, qualquer contribuição na respetiva produção, o que levaria à circunstância excludente da responsabilidade objetiva do proprietário do veículo (Art.s 503º n.º 1 e 505º, ambos do Código Civil), defendida na sentença ora em crise.
42.-No caso sub iudice, a resposta terá que ser negativa: há que atender às circunstâncias de particular perigosidade que resultam das características da via onde se deu o acidente - trata-se de uma estrada que liga um prédio urbano à estrada principal, que emboca em curva delineada para a direita (o mencionado “cotovelo”), de piso irregular (facto provado C)), com escassos 5,70 m de largura (facto provado A)); Por outro lado, essa estrada é delimitada por um muro, o qual junto ao portão de acesso e saído do prédio tem cerca de 1,5 metro, limitando a visibilidade dos veículos, designadamente os que dele saem e entram (facto provado B) e N).
43.-Por outro lado, haverá ainda que atender à robustez/dimensão do veículo "IN", um ligeiro de mercadorias, ou como se refere na sentença um furgão, destinado a uso misto, adequado ao transporte de passageiros e cargas com um tamanho e largura superior ao de um veículo ligeiro (facto provado E)), que impede a passagem simultânea/cruzada com outro veículo, num portão com a largura de 5,70m. De resto, do facto provado H) e demais circunstancialismo, resulta que o sinistro se deu aquando da entrada do veículo "MV" na referida via, no momento em que o "IN" se preparava para sair.
44.-Por ultimo, provou-se que o "IN" se imobilizou de imediato, mas apenas após a colisão (facto provado M)) e não antes dela (factos não provados 13 e 14).
45.-A dinâmica do acidente apresenta sim, ainda, uma conexão significativa com os riscos próprios deste veículo, o qual recorde-se consiste num veículo ligeiro de mercadorias e como tal, circulando na referida artéria nas concretas condições acima referidas, apto à criação de risco, como efetivamente sucedeu. Refira-se por último, em defesa do acima exposto que, ainda que o veículo da Autora circulasse sem excesso de velocidade, como Meritíssimo Juiz a quo, considerou e assim, a Autora tivesse agido sem culpa, muito provavelmente o embate ocorreria, dada a forma como o veículo "IN" circulava, na hemifaixa esquerda, semi-atravessado, numa via estreita, de piso irregular onde a existência do muro sempre impediria a visibilidade.
46.-Em conclusão, é de considerar que, de acordo com o critério da causalidade adequada o risco decorrente da circulação do veículo "IN" constituiu causa adequada, suficiente, ainda que, em função da prova produzida, se entenda não ter sido a única da eclosão do sinistro e dos respetivos danos. Assim, temos como seguro que os danos verificados no acidente não são exclusivamente imputáveis à própria vítima e antes se constituem, paralela ou adicionalmente, como um efeito do risco próprio da circulação do veículo "IN" o que implica que o tribunal devesse ter decidido pela responsabilidade objetiva. Veja-se a este propósito o Ac. do STJ, 5-01-2013, Revista n.º 21/1998.P1.S1 - 6.ª Secção, Salreta Pereira (Relator), João Camilo e Fonseca Ramos em que se afirma: “(…)III - Há situações em que a circulação automóvel cria um especial risco de acidente, mesmo com estrita obediência às regras estradais, podendo nesses casos admitir-se a possibilidade da concorrência da culpa com o risco. IV - Tal situação de especial risco verifica-se, por exemplo, em entroncamentos com estradas de intenso movimento, situados na proximidade de uma curva fechada, em manobras de entrada ou saída de parques ou propriedades de veículos de grandes dimensões, na circulação destes veículos em estradas com largura inferior a 6 m, verificando-se que o especial risco assim criado pode contribuir tanto ou mais para o acidente que a falta de atenção ou o relativo excesso de velocidade com que transitasse o condutor de um veículo também interveniente no acidente. (…) .
47.-E, e a Autora pede em juízo a condenação do agente invocando a culpa deste, ela quer presuntivamente que o mesmo efeito seja judicialmente decretado à sombra da responsabilidade pelo risco, no caso de a culpa se não provar.
48.-Tendo em conta que o comportamento da lesada não quebrou o nexo de causalidade entre os riscos próprios do veículo e os danos, deve ser a Ré condenada a pagar à Autora o valor dos danos provados, no valor de €4.032,50 – facto provado J).
49.-Ao assim não fazer o Tribunal fez errada interpretação dos artigos 482º, 503º, 505º e 570º do C.C. devendo a sentença ser revogada.
50.-Caso a ausência de responsabilidade venha a ser confirmada, o que se admite por mera hipótese, a condenação da Autora como litigante de má-fé não deverá resultar ainda assim, ser uma consequência automática pois que a má-fé da atuação não se confunde com a manifesta improcedência da pretensão deduzida.
51.-Ainda que se mantenham os fatos provados O) e P) e ainda que deles decorra objetivamente um qualquer juízo de censurabilidade, repete-se que a Autora não teve qualquer intenção de conseguir um objetivo ilegítimo, tendo tido desde sempre mantido a mesma postura reivindicativa e litigante, mas leal. A verdade no caso, trazida ao processo pela Autora na p.i., é o resultado da representação intelectual do acidente pela condutora do veículo corrigida pelos seus sentimentos e estados emocionais. Não se pode confundir assim, realidade objetiva com a verdade sobre ela decidida pelo Tribunal a quo quando a questão respeita a decidir sobre a litigância de má fé. Conforme se refere no Ac. RP, Processo 280/18.5T8OAZ.P1 de 07/12/2018, in www.dgsi.pt: “I - A litigância de má-fé não se basta com a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta. II - Exige-se, ainda, que a parte tenha atuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento.”
52.-Os tribunais devem ser prudentes na condenação a este título, porque tal implica não apenas uma censura e afetação económico-financeira a nível processual, como um desmerecimento a nível pessoal marcante e inquinador da honestidade e probidade presumivelmente insertas na esfera jurídica pessoal do normal cidadão - cfr. Neste sentido Ac. do STJ de 15.10.2002, dgsi.pt, p.02A2185.
53.-Ainda que se entenda que tal atuação é censurável, a decisão da multa a aplicada – 15 UCs é excessiva.
54.-O critério que deverá guiar o Tribunal na fixação do quantum da multa, dentro da moldura que lhe foi previamente fixada encontra-se no Art. 27º, nº 4 do RCP (DL n.º 34/2008, de 26 de fevereiro). Seguindo o ensinamento do Prof. Alberto dos Reis quando, ainda na vigência do CPC39, aludia à necessidade de atender ao grau de má-fé e à situação económica do litigante, deverá o Tribunal tomar em consideração os efeitos da conduta de má-fé no desenrolar do processo e na correta decisão da causa, bem como a situação económica do agente e a repercussão que a multa terá no seu património.
55.-A sentença recorrida violou assim, também nesta matéria o disposto nos Art.s 542º do CC e no Art. 27º, nº 4 do RCP (DL n.º 34/2008, de 26 de fevereiro).
Pede assim a procedência do recurso e a revogação da sentença recorrida.

Não foram apresentadas contra-alegações.

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IIQUESTÕES A DECIDIR

Nos termos dos Art.s 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106). Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. Art. 5º n.º 3 do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Vide: Abrantes Geraldes, Ob. Loc. Cit., pág. 107).

Assim, são questões a decidir:
a)-A impugnação da matéria de facto;
b)-A verificação dos pressupostos da responsabilidade civil e, em particular, a possibilidade de haver concorrência de responsabilidade por culpa com responsabilidade pelo risco; e
c)-A litigância de má-fé da A., incluindo a adequação do valor de multa em que a mesma foi condenada.

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.

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IIIFUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
A)-Existe um prédio urbano, sito na Rua T... ..., na localidade da A..., União de freguesias de S..., concelho de S..., onde se localiza um centro empresarial vulgarmente conhecido por instalações da antiga fabrica de cerâmica V... L..., cuja embocadura para a via publica, a referida Rua T... ..., se faz por um acesso com cerca de 50 metros de comprimento por 5,70 metros de largura, em ligeira curva delineada para a direita.
B)-O prédio é delimitado por um muro, o qual junto ao portão de acesso ao prédio tem cerca de 1,5 metro, limitando a visibilidade dos veículos que dele saem.
C)-A referida via de acesso é asfaltada, mas o piso é muito irregular.
D)-No dia 16 de novembro de 2016, pelas 13h00, ocorreu um acidente de viação na referida via de acesso à Rua T... ....
E)-No acidente intervieram o veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca Skoda, matrícula XX-MV-XX propriedade da A. e conduzido pela legal representante da A., Lénia ...., e o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, XX-IN-XX, propriedade da ....Transportes Expresso, Ld.ª, conduzido por Rui ....., no interesse e por conta da empresa proprietária que disso o havia incumbido.
F)-O veículo XX-MV-XX circulava na Rua T... ..., no sentido sul-norte, com destino ao prédio identificado em A).
G)-O proprietário do veículo XX-IN-XX tinha à data dos factos a responsabilidade civil emergente de acidente de viação transferida para a R., mediante contrato de seguro a que corresponde a Apólice nº 0163709.
H)-Em consequência da colisão, o veículo XX-MV-XX ficou imobilizado com a sua traseira esquerda, a 3,63 metros da esquina direita do portão de acesso às instalações e a traseira direita a 1.06 metros da esquina esquerda do referido portão, atento o seu sentido de marcha, sendo tais medições realizadas na diagonal e não na perpendicular do veículo da A.
I)-Em consequência do embate, o veículo da A. sofreu danos, mais concretamente na parte dianteira central e direita, nomeadamente no para-choques, chapa de matrícula, grelha, capot e farol de nevoeiro dianteiros, tendo os airbags disparado.
J)-O custo da reparação do para-choques dianteiros, chapa de matrícula, grelha e capot e dos airbags é de €4.032,50.
K)-O muro referido em B) impede igualmente a visibilidade dos condutores que pretendem entrar no local.
L)-No momento do embate, o condutor do veículo "IN" circulava a uma velocidade de 20 Kms/h e de forma atenta e, de repente, surgiu o veículo "MV" conduzido pela gerente da A., que alargou a sua trajetória para o exterior quando descreveu a curva apertada para a sua direita e invadiu parcialmente a metade da via em que circulava "IN".
M)-O "MV" circulava a uma velocidade concretamente não apurada, mas que não lhe permitiu imobilizar o veículo no espaço livre à sua frente, tendo embatido com a parte frontal do seu veículo (centro-esquerda) na parte frontal esquerda do "IN", que se imobilizou de imediato logo após a colisão.
N)-A condutora do "MV" só se apercebeu da presença do outro veículo depois de completar a curva para a sua direita.
O)-A A. tem perfeita noção de que, ao contrário do que alegou na petição inicial, o acidente não ocorreu em virtude de o condutor do "IN" circular a uma velocidade superior a 50 km/hora que não lhe permitiria imobilizar o veículo no espaço livre e visível à sua frente nem o "MV" foi colhido pelo "IN".
P)-A A. tem perfeita noção de que, ao contrário do que alegou na petição inicial, o acidente ocorreu porque a condutora do "MV" entrou de forma inusitada, sem adotar as cautelas necessárias para aí entrar em segurança (pois sabia que, à sua direita, existia um muro que a impedia de se aperceber daquilo que se passasse do outro lado desse muro (no interior do centro empresarial, máxime outros veículos ou mesmo peões que aí se encontrassem/circulassem) e circulando a uma velocidade que lhe permitia, como não permitiu, imobilizar o veículo no espaço livre à sua frente, mormente sem embater no veiculo "IN", e sendo que foi o "MV" quem colidiu com o "IN" e não o "IN" que colidiu com o "MV".
Q)-A A. tem perfeita noção de que, ao contrário do que alegou na petição inicial, em virtude do acidente, ficou impedida de transportar os utentes dos lares que explora quando era necessário e deixou de assegurar os abastecimentos de produtos frescos e de supermercado diários aos seus lares, prejudicando a qualidade do seu serviço e inúmeras queixas de utentes e fornecedores, afetando o bom nome e a imagem que até então a A. sempre gozara.
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O Tribunal julgou ainda por não provados os seguintes factos:
1.-Ao chegar à entrada do prédio referido em A), a condutora do "MV" sinalizou a sua marcha e virou à direita, entrando na hemifaixa direita da respetiva via de acesso.
2.-O "MV" foi colhido pela parte frontal esquerda do veículo XX-IN-XX, que embateu violentamente na sua frente.
3.-Sem prejuízo do referido em H), o veículo XX-MV-XX ficou imobilizado com a sua traseira esquerda, a 1,06 metros da esquina direita do portão de acesso às instalações e a traseira direita a 3,63 metros da esquina esquerda do referido portão, atento o seu sentido de marcha.
4.-O acidente deu-se assim, na hemifaixa esquerda do referido acesso, atento o sentido de marcha do veículo XX-IN-XX, no sentido este-oeste, por culpa do seu condutor, o qual circulava no referido acesso fora do lado direito da faixa de rodagem, a uma velocidade superior a 50 km/hora, que não lhe permitiria imobilizar o veículo no espaço livre e visível à sua frente, e desatento ao trânsito em sentido contrário e às regras estradais.
5.-Sem prejuízo do referido em I), em consequência do embate, a frente do veículo da A. ficou totalmente destruída e, por via do disparo dos Airbags, todo o interior do veículo ficou danificado.
6.-Em consequência do acidente, o veículo da A. ficou imobilizado, tendo sido rebocado do local do acidente até uma oficina sita em Alcabideche.
7.-Sem prejuízo do referido em I) e J) a reparação dos danos sofridos pelo "MV", incluiu, entre outros, materiais como airbags, faróis, vidros, pintura e mão de obra e ascendeu a €4.020,01, quantia que a A. teve que suportar.
8.-A A. destinava o veículo à sua atividade de prestação de serviços alojamento e afins à população sénior, utilizando-o para as suas deslocações entre os lares que explora, sitos em Carcavelos e Sintra, deslocações aos fornecedores e para transportar os utentes sempre que necessitavam, designadamente a unidades hospitalares, clinicas e afins.
9.-Em virtude do acidente, o veículo da A. esteve imobilizado cerca de 11 meses a aguardar a reparação pela R., período durante o qual a A. foi forçada a utilizar um veículo particular, propriedade dos pais da sua sócia gerente.
10.-Em virtude do acidente, a A. ficou impedida de transportar os utentes quando era necessário e deixou de assegurar os abastecimentos de produtos frescos e de supermercado diários aos seus lares, prejudicando a qualidade do seu serviço e inúmeras queixas de utentes e fornecedores, afetando o bom nome e a imagem que até então a A. sempre gozara.
11.-A A. perdeu tempo e despendeu recursos em contactos com a proprietária do veículo segurado na R., com esta e com a sua seguradora, bem como com deslocações à PSP de P... P... e à oficina reparadora, em A..., os quais deveria ter afetado à sua atividade.
12.-A reparação efetuada não colocou o veículo no estado de integridade anterior, devendo a A. ser ressarcida da sua desvalorização, num valor que se estima em €750,00.
13.-No momento do embate, o condutor do veículo "IN" circulava na faixa da direita da mencionada via, atento às características do local e, quando chegou à zona onde se inicia a curva para o seu lado esquerdo, abrandou a marcha de modo a curvar com segurança e sem perder o controlo da direção.
14.-Sem prejuízo do referido em L) e M), como conduzia a velocidade reduzida e estava iminente um choque frontal, o condutor do "IN" travou e imobilizou imediatamente a sua viatura dentro da sua faixa de rodagem.
15.-Em data anterior à entrada da presente ação em juízo, a R. apresentou à A. uma proposta de regularização do sinistro, que a A não aceitou.

Tudo visto, cumpre apreciar.

IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Estabelecidas que estão as questões de que cumpre tomar conhecimento, iremos então apreciar as mesmas pela sua ordem de precedência lógica, começando pela impugnação da matéria de facto.

1.- Da impugnação da matéria de facto.
Estabelece o Art. 662º n.º 1 do C.P.C. que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, impuserem decisão diversa.
Nos termos do Art. 640º n.º 1 do C.P.C., quando seja impugnada a matéria de facto deve o recorrente especificar, sob pena de rejeição, os concretos factos que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Nos termos do n.º 2 do mesmo preceito concretiza-se que, quanto aos meios probatórios invocados incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o recurso. Para o efeito poderá transcrever os excertos relevantes. Sendo que ao Recorrido caberá o ónus de designar os meios de prova que infirmem essas conclusões do recorrente, indicar as passagens da gravação em que se funda a sua defesa, podendo também transcrever os excertos que considere importantes, isto sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal.
A lei impõe assim ao apelante específicos ónus de impugnação da decisão de facto, sendo um dos principais o de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, o qual implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, tendo como ponto de partida a totalidade da prova produzida em primeira instância.
No caso, a Recorrente pretende pôr em causa o julgamento da matéria de facto provada constantes das alíneas H), L) e M) e o facto não provado constante do ponto 4, sugerindo novas redações, pretendendo ainda que sejam eliminados dos factos provados a matéria das alíneas O) e Q). Para obter esse desiderato, indicou a prova documental que teve por relevante e reproduziu excertos de depoimentos testemunhais que, do seu pondo de vista, conduziriam a um julgamento diverso. Nessa medida, cumpriu, no essencial, os ónus de impugnação constantes da lei processual aplicável. Em conformidade com essa conclusão, cumpre então apreciar o bem fundado da impugnação apresentada.

1.1- Da matéria de facto provada em H).
A Recorrente põe em causa, em primeiro lugar, o julgamento da matéria de facto que ficou a constar da alínea H) dos factos provados na sentença recorrida.
Ficou aí dado por provado que: «H)- Em consequência da colisão, o veículo XX-MV-XX ficou imobilizado com a sua traseira esquerda a 3,63 metros da esquina direita do portão de acesso às instalações e a traseira direita a 1,06 metros da esquina esquerda do referido portão, atento o seu sentido de marcha, sendo tais medições realizadas na diagonal e não na perpendicular do veículo da A.». (sublinhados nossos).

Quanto a estes factos a Recorrente pretende apenas que seja feita uma correção de redação alterando as menções às “esquinas” por referência às quais é indicada cada medida aí descrita, isto tendo em atenção o croquis de fls. 8v-10, junto com a petição inicial, que é documento não impugnado pela R., devendo os factos dele constantes ter sido dados por provados, por admissão por acordo, atento ao disposto ao Art. 374.º e 376.º do C.C..

Apreciando, é inquestionável que os factos aí descritos tiveram por referência as medidas que constam do croquis desenhado na participação do acidente elaborado pela GNR, onde se identifica o veículo n.º 1 como tendo a matrícula XX-IN-XX e sendo da propriedade da “Urbexpress” (veículo segurado pela R.) e o veículo n.º 2 como tendo a matrícula XX-MV-XX, o qual é da propriedade da A..
O que se pode constar ainda do mesmo documento é que nesse desenho existe um vetor “A”, que na legenda lateral corresponde à medida de 3,63 metros, o qual liga a roda traseira do lado esquerdo do veículo n.º 2 (o veículo da A.) à esquina do lado esquerdo da via de acesso ao local onde se deu o acidente, tendo em atenção o sentido de marcha desse mesmo veículo. Por outro lado, existe um vetor “C”, que na legenda lateral corresponde à medida de 1,06 metros, o qual liga a roda traseira do lado direito do veículo n.º 2 à esquina do lado direito da mesma via, também tendo em atenção o mesmo sentido de marcha. Aparentemente todas as medidas foram tiradas por referência aos eixos dos veículos, tendo em atenção os seus rodados, anteriores ou posteriores, e as esquinas ou parte da estrada mais próximas das rodas dos veículos considerados.

Assim, justifica-se a correção da redação da alínea H), passando a mesma a ter a seguinte redação:
«H)- Em consequência da colisão, o veículo XX-MV-XX ficou imobilizado com a roda traseira do lado esquerdo a 3,63 metros da esquina esquerda do portão de acesso às instalações e a roda traseira do lado direito a 1,06 metros da esquina direita do referido portão, tendo em atenção o sentido de marcha do veículo XX-MV-XX, sendo tais medições realizadas na diagonal e não na perpendicular do veículo da A.».

1.2.- Da matéria provada em L) e M) e não provada no ponto 4.
O segundo conjunto de factos que a Recorrente pretende por em causa são os dados por provados em L) e M) e o facto que ficou dado por não provado no ponto 4, que no essencial se reportam à dinâmica do acidente e aspetos da culpa dos condutores desses veículos.

Na alínea L) dos factos provados na sentença recorrida ficou a constar que: “L) No momento do embate, o condutor do veículo "IN" circulava a uma velocidade de 20 Kms/h e de forma atenta e, de repente, surgiu o veículo "MV" conduzido pela gerente da A., que alargou a sua trajetória para o exterior quando descreveu a curva apertada para a sua direita e invadiu parcialmente a metade da via em que circulava "IN"». A que se segue a alínea M) onde foi dado por provado que: «M) O "MV" circulava a uma velocidade concretamente não apurada, mas que não lhe permitiu imobilizar o veículo no espaço livre à sua frente, tendo embatido com a parte frontal do seu veículo (centro-esquerda) na parte frontal esquerda do "IN", que se imobilizou de imediato logo após a colisão».  Já no ponto 4 dos factos não provados ficou a constar que: «4. O acidente deu-se assim, na hemifaixa esquerda do referido acesso, atento o sentido de marcha do veículo XX-IN-XX, no sentido este-oeste, por culpa do seu condutor, o qual circulava no referido acesso fora do lado direito da faixa de rodagem, a uma velocidade superior a 50 km/hora, que não lhe permitiria imobilizar o veículo no espaço livre e visível à sua frente, e desatento ao trânsito em sentido contrário e às regras estradais».

A Recorrente pretende que fique provado na alínea L) que o veículo segurado pela R. circulava a “velocidade concretamente não apurada”, no sentido este-oeste, dirigindo-se para a Rua T... ..., após ter invertido a marcha. E, na alínea M), que o veículo da A. descreveu a curva apertada à sua direita, circulando a uma velocidade não concretamente apurada, tendo o embate ocorrido entre a parte frontal do seu veículo (centro-direita, junto do para-choques, grelha capô e faróis de nevoeiro) e a parte frontal (esquerda) do veículo segurado pela R.. Devendo ainda aditar-se uma alínea R), onde deveria ficar provado que «o acidente deu-se, quando o veículo XX-IN-XX, após ter realizado a manobra de marcha atrás para inverter a marcha, havia iniciado a sua circulação no sentido este-oeste, na direção da saída do prédio identificado na A) dos factos provados».

Para tanto, pretende que seja relevado o croquis  de fls 8 verso a fls 10, do qual resulta a posição dos veículos após o embate; as fotos juntas pela R. com a contestação a fls. 21 verso, donde se evidenciam os danos localizados respetivamente sobre o centro direita do veículo da A. e centro esquerdo do veículo segurado pela R.; ao que acresceriam as declarações das testemunhas Rui .... e Rui J........

A sentença recorrida fundamentou a sua convicção quanto a esses factos, em conjunto com outros, nos seguintes termos: «Relativamente aos factos L, M, N e 1, 2, 3, 4, 13 e 14, o Tribunal louvou-se no croquis de fls. 8v-10, confirmado em audiência pelo agente autuante e ora testemunha Ricardo ...., o qual desmente, em absoluto a versão constante da PI e a que se referem os factos não provados 1, 2, 3 e 4. Mais se louvou no depoimento da testemunha Rui ....a, o condutor do "IN", que referiu que no momento do acidente (que ocorreu no interior do parque de um condomínio privado de empresas) vinha a sair do parque e o "MV" a entrar no mesmo, sendo que a condutora do "MV" entrou no parque conduzindo com uma velocidade que, se ali estivesse uma pessoa, teria sido atropelada pelo "MV", tendo o veículo surgido de repente e embatido contra a frente/lateral esquerda do "IN". Mais disse que acabara de fazer uma manobra para sair de frente e que o embate ocorreu no momento em que, após ter realizado a manobra, estava a começar a andar para sair do parque. E, como se percebe das fotos de fls. 21v, os danos sofridos por ambos os veículos são compatíveis com o "IN" (um furgão) a andar em velocidade muito baixa e a ser embatido no vértice frente/lado esquerdo e o "MV" a embater de frente no "IN" e a circular a uma velocidade certamente superior àquela em que seguia o "IN" e não são compatíveis com o "IN" a circular a 50 Km/h e a abalroar o "MV", pois aí os danos no "MV" seriam muitíssimo maiores e o "IN" teria danos também em plena parte frontal e não no referido vértice.
«Ademais, se a legal representante da A conduzisse numa velocidade baixa e condizente com o prévio afrouxar do veículo para virar “de forma fechada” mais ou menos a 90º, tendo em conta o local em que o embate ocorreu, teria tido mais do que tempo para imobilizar o seu veículo sem embater no "IN". E, atentas as regras da experiência comum, uma tal circunstância só pode dever-se a uma de duas causas ou a ambas: condução desatenta e/ou a uma velocidade excessiva para aquele local. E, atento o que referiu a testemunha, a causa terá sido, pelo menos, a velocidade excessiva, sendo que o acidente ocorreu às 13.00 horas (hora de almoço) e a legal representante da A (como a mesma referiu) ia ao ginásio, o que indicia uma ida ao ginásio na hora de almoço, o que ainda mais corrobora as declarações de Rui .... quanto à velocidade (e, eventualmente, à falta de atenção, pela ânsia de chegar ao ginásio o mais rapidamente possível) a que o "MV" seguia. E não podemos olvidar que o portão de acesso tem uma largura de cerca de 5,70 metros, o que chega e sobra para que o veículo "MV" passe (desde que não tenha de se cruzar com um veículo com as dimensões do "IN") e que a visibilidade da condutora do "MV" estava limitada pela existência do muro à sua direita, o que exigiria uma muito maior cautela quando ao modo como entrou no parque, sendo por via da falta de cuidado no modo como exercia a condução (com uma velocidade que não lhe permitiu evitar o acidente, se não mesmo com falta de atenção)».

A Recorrente não concorda com esta valoração da prova, apelando fundamentalmente a melhor apreciação dos testemunhos de Rui ......, condutor do veículo segurado pela R., e Ricardo ...., militar da GNR que elaborou o croquis junto aos autos.
Diga-se, desde já, que nós tentámos ouvir os depoimentos testemunhais em causa, incluindo o de Lénia ...., condutora do veículo da A., mas tal revelou-se um esforço inglório, porque a gravação tem muito má qualidade, pois o som relativo aos depoimentos está muito baixo e é praticamente impercetível. Ouvem-se relativamente bem as intervenções dos mandatários das partes, que a espaços parecem estar a tirar conclusões do que acabaram de ouvir dos depoentes concretamente em causa, mas nestas condições é impossível fazer uma apreciação fundada sobre o que disseram e sobre a credibilidade dos seus depoimentos.
Posto isto, importa relevar que, nos termos do Art. 155.º n.º 4 do C.P.C.: «A falta ou deficiência da gravação deve ser invocada, no prazo de dez dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada.»

Acresce que, conforme se refere no Acórdão da Relação do Porto de 17 de dezembro de 2014 (Relatora: Judite Pires – Proc. n.º 927/12, disponível em www.dgsi.pt): «A deficiência da gravação, que acarrete, no todo ou em parte, a impercetibilidade ou inaudibilidade dos depoimentos objeto de registo constitui irregularidade que se traduz em nulidade secundária, a arguir mediante reclamação da parte interessada no seu reconhecimento. A nulidade decorrente da deficiência da gravação, nos termos expostos, implica a anulação dos atos viciados e dos atos subsequentes, que deles dependem absolutamente. Prevê, todavia, hoje o n.º 3 do artigo 155.º do Código de Processo Civil que “a gravação deve ser disponibilizada às partes, no prazo de dois dias, a contar do respetivo ato”, enquanto o n.º 4 do mesmo normativo determina que “a falta ou deficiência da gravação deve ser invocada, no prazo de 10 dias, a contar do momento em que a gravação é disponibilizada”. Ao contrário do que antes sucedia, recai atualmente sobre as partes o ónus de controlarem a existência e qualidade da gravação, fixando a lei prazo para ser arguida a sua falta ou deficiência. Ou seja: o novo Código de Processo Civil fixou expressamente prazo para as partes arguirem o vício decorrente da falta ou deficiente gravação da prova, que, ao contrário do que antes sucedia, é sempre obrigatória em sede de julgamento, sendo esse prazo de 10 dias a contar da disponibilização do registo da gravação – que temporalmente poderá não corresponder ao levantamento pela parte do respetivo suporte -, devendo essa disponibilização ocorrer no prazo de dois dias contados de cada um dos atos sujeitos à gravação. O vício em causa deve, assim, ser arguido em primeira instância, e no prazo perentório agora legalmente estabelecido, sob pena de ocorrer, por decurso desse prazo, a sua sanação. Daí afirmar-se que “a omissão ou deficiência das gravações é, após a entrada em vigor do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, um problema que deve ficar definitivamente resolvido ao nível da primeira instância, quer pela intervenção oficiosa do juiz que preside ao ato quer mediante arguição dos interessados”[6], deixando de ser admissível que a parte interessada na arguição o possa fazer no prazo de interposição do recurso – 30 ou 40 dias -,
nas respetivas alegações.

À solução adotada na nova lei processual civil há que reconhecer o mérito de permitir que em primeira instância sejam desde logo desencadeados todos os mecanismos necessários ao suprimento de eventuais vícios que afetem a gravação, quer pela intervenção oficiosa do juiz que presidiu ao respetivo ato, quer através da arguição pelas partes no prazo que para o efeito a lei lhes faculta, evitando-se, deste modo, a subida de recursos inquinados desse vício, que tantas vezes conduzia a anulação pela segunda instância dos atos viciados e remessa dos autos à primeira instância para repetição dos atos afetados, implicando um retardar da marcha do processo, que a nova resposta processual para a questão evita, constituindo, além do mais, expressão do princípio da autorresponsabilização das partes, marcadamente acolhido no novo diploma» (No mesmo sentido: acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 24/4/20145 - Relator: António Sobrinho, Proc. n.º  1099/11; de 11/9/2014  Relator: Heitor Gonçalves, Proc. n.º 4464/12; do Tribunal da Relação do Porto de 30/4/2015 – Relator: José Amaral, Proc. n.º 452/13; e do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28/10/2014 – Relatora: Cristina Coelho Proc. n.º 250/09 – todos disponíveis no mesmo sítio).

Decorrido o prazo sem que seja arguido o vício em causa, fica o mesmo sanado, não podendo oficiosamente ser conhecido pela Relação, nem podendo tal nulidade ser arguida nas alegações de recurso (cfr. Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, pág. 167).

Não tendo este Tribunal acesso às gravações em condições de poder apreciar devidamente os depoimentos em que se estriba a impugnação da matéria de facto, fica o mesmo impossibilitado de efetuar a reapreciação da prova pretendida pela apelante.

Em todo o caso, mesmo tendo apenas em consideração as transcrições dos depoimentos relevantes em causa, tal como feita pela apelante nas suas alegações de recurso, não se nos afigura possível, só com base nelas – e mesmo admitindo que as mesmas possam corresponder ao teor exato do que foi dito –, alterar a redação dos factos dados por provados.

É certo que o condutor do veículo segurado pela R. (segundo as transcrições do seu depoimento constantes das alegações de recurso) não disse que circulava a 20 Km/h, mas disse que tinha acabado de iniciar a marcha, sendo assim plausível o que ficou a constar provado na alínea L) e, bem assim, o que ficou a constar da fundamentação constante da sentença recorrida.

Quanto ao pormenor de que tinha acabado de inverter a marcha, ele foi referido pela testemunha Rui ... (uma vez mais, segundo as transcrições reproduzidas nas alegações – o que também é referido na fundamentação da sentença recorrida), mas na verdade trata-se de circunstância irrelevante para a dinâmica do acidente, uma vez que a manobra em causa estava concluída, tendo-se dado o acidente quando o veículo já tinha arrancado para seguir marcha em frente. O que torna igualmente irrelevante o facto pretendido aditar sob a alínea R) com a redação proposta pela Apelante.

Por outro lado, a prova documental pretendida relevar, só por si também é insubsistente e não permite levar a conclusão necessária de que houve erro de julgamento ou verdadeira incorreção relativamente aos factos impugnados.

1.3- Dos factos provados nas alíneas O) e P).
O que acabámos de expor no ponto anterior tem implicações inevitáveis quanto à alegada incorreção do julgamento das alíneas O) e P) dos factos provados na sentença recorrida.

O que está em causa é matéria de facto que releva apenas para a apreciação da questão da litigância de má-fé, que o tribunal a quo, logo que concluída a produção de prova, entendeu por bem confrontar as partes para sobre ela se pronunciarem, por considerar que eram factos apurados na sequência da instrução da causa em audiência final, respeitando assim o disposto no Art. 5.º n.º 2 al. b) do C.P.C..

Em causa estaria, de acordo com as alegações de recurso, a valoração do depoimento de Lénia ...., cuja gravação é praticamente impercetível, pois apesar de pormos o som no máximo, não se consegue perceber o que a mesma diz. Por outro lado, a apelante pretende ainda relevar o que consta do croquis do acidente para infirmar o que ficou dado por provado nessas duas alíneas. Sucede que, nem o teor da participação policial do acidente é suficiente para por em causa a apreciação que o tribunal fez da prova, nem as declarações de Lénia .... seriam suficientes para se concluir de modo diferente, mesmo admitindo que as transcrições feitas nas alegações de recurso possam corresponder ao exato teor do seu depoimento.

Em face do exposto, só nos resta julgar improcedente a impugnação da matéria de facto também nesta parte.

Sem prejuízo, a alínea H) dos factos provados na sentença recorrida é corrigida nos termos que ficaram a constar do ponto 1.1 do presente acórdão.
2.- Dos pressupostos da responsabilidade civil.
A A. veio intentar a presente ação que tinha por fim realizar a garantia, que decorre da existência de contrato de seguro do ramo automóvel, de cumprimento da obrigação de indemnizar que incumbe ao titular do veículo segurado que, nos termos da lei civil, é responsável por acidente de viação e, por isso, está obrigado a reparar os danos a que deu causa. Pretendia assim a A. obter a condenação da R. no pagamento duma indemnização no valor de €7.270,01, acrescida de juros de mora a contar da citação.

No caso, a A. identificou o veículo que causou o acidente dos autos como sendo aquele que tinha a matrícula XX-IN-XX, sendo que a responsabilidade civil pelos danos causados por tal viatura, em acidentes de circulação terrestre, estava transferida para a R. através da apólice n.º 0163709.

Ora, nos termos dos Art.s 4.º, 6.º, 10.º a 12.º e 15.º do Dec.Lei n.º 291/2007 de 21 de agosto, a Companhia Seguros R. estará obrigada a indemnizar o lesado até ao montante do capital obrigatoriamente seguro, na medida em que o seu segurado ou o legítimo detentor ou condutor do veículo estivesse obrigado a indemnizar nos termos da lei civil.

Inequivocamente que, em face dos termos em como a ação foi proposta pela A., em causa estava apenas a responsabilidade civil por factos ilícitos culposos, tal como a mesma é regulada nos Art.s 483.º e ss do C.C..

Resulta da lei civil que, nos termos do Art. 483º do C.C.: «Aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito doutrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».

São assim pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, conforme realçava o Prof. Antunes Varela (in “Das Obrigações em Geral” - Vol. I, 10.ª ed., pág. 526): 1) o facto voluntário do lesante; 2) a ilicitude; 3) a imputação do facto ao lesante; 4) o dano; e 5) o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Por facto voluntário do lesante deverá entender-se todo o comportamento voluntário ou forma de conduta humana. Assim, não há dúvida que o domínio de um veículo automóvel por parte de quem o conduz traduz-se num facto voluntário, pelo que verificou-se o primeiro dos referidos pressupostos da responsabilidade civil.

Quanto ao segundo pressuposto, a ilicitude, de acordo com o disposto no Art. 483º n.º 1 do C.C., ela poderá resultar, ou da violação dos direitos doutrem, ou de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios. Na primeira forma de ilicitude descrita a doutrina compreende basicamente a tutela dos direitos absolutos (vide: Antunes Varela, in Ob. Cit., pág. 533).

Resulta da matéria provada que a A. sofreu danos no seu património, o que constitui uma lesão do direito de propriedade, cuja tutela “erga omnes” resulta dos 1302 e ss. do C.C..

Mas, para uma conduta ser ilícita, a lesão desse direito de tutela “erga omnes” deve resultar de factos voluntários contrários ao direito. Ora, a sentença recorrida entendeu que não se provou que o condutor do veículo segurado pela R. tenha praticado qualquer facto ilícito, portanto, contrário ao direito. E, na verdade, só poderemos concordar com essa conclusão, porque o veículo com a matrícula XX-IN-XX, circulava na sua faixa de rodagem, a uma velocidade de 20 Kms/h, quando foi embatido pelo veículo da A., que surgiu de repente, vindo duma curva, em que estrada fazia um cotovelo e era ladeada por um muro que não permitia a visibilidade, tendo descrito essa curva apertada para a sua direita invadindo parcialmente a metade da via por onde circulava o veículo segurado pela R., sendo aí que se deu o embate.

É claríssimo da matéria de facto provada que este acidente se deveu a culpa exclusiva da condutora do veículo da A., que seguia em excesso de velocidade e invadiu a hemifaixa de rodagem destinada à circulação dos veículos que seguiam em sentido de marcha contrário, numa via que tinha 5,70 metros de largura e permitia perfeitamente a circulação dos veículos em sentidos opostos, sem terem de embater uns contra os outros.

O lugar em causa neste acidente impunha uma velocidade especialmente moderada à condutora do veículo da A. (Art. 25.º n.º 1 al. h) do Cód. da Estrada), que assim violou o disposto no Art. 24.º n.º 1 do Cód. da Estrada e, bem assim, o Art. 13.º n.º 1 e n.º 3 do mesmo código. Por oposição a esta conclusão, não se vislumbra que o condutor do veículo segurado pela R. tenha agido de forma ilícita. Logo, não se verificando este pressuposto da responsabilidade civil, excluída fica a possibilidade do mesmo poder responder pelos danos causados no quadro do Art. 483.º do C.C..

Sem prejuízo do exposto, não se esgota aqui a possibilidade de a A. ver satisfeito o direito a ser indemnizada pelos prejuízos decorrentes do acidente em causa, uma vez que o nosso sistema jurídico consagra ainda a responsabilidade civil objetiva pelo risco (Art. 483º n.º 2 do C.C.).

É comummente aceite pela doutrina e jurisprudência que, ainda que o lesado tenha intentado a ação com fundamento na responsabilidade por factos ilícitos culposos, pode o tribunal considerar sempre conceder tutela indemnizatória com fundamento na responsabilidade objetiva, uma vez que a culpa não exclui a alegação implícita do risco (neste sentido: Vaz Serra in R.L.J. 103º-511 e BMJ 104º-232; Antunes Varela, Ob. Cit., pág. 485, nota 590; Herlander Martins R.T. 90º-53; e entre outros o Ac. S.T.J. de 23/11/89 A.J. 1º/89, pág. 12).

Em causa estará então essencialmente a previsão do Art. 503º do C.C. relativo a acidentes causados por veículos.

Estabelece este preceito que aquele que tiver a direção efetiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação.

No entanto, a responsabilidade civil pelo risco pode ser excluída quando o acidente for imputável ao próprio lesado ou a terceiro (Art. 505º do C.C.). É esse o caso dos autos, pois, como vimos, o acidente ficou a dever-se única e exclusivamente à responsabilidade da condutora do veículo da A., que seguia em excesso de velocidade, num local onde se impunha seguir a velocidade especialmente moderada e com um grau mais levado de cuidado na manobra de curvar à direita, em situação em que a via tinha pouca visibilidade, acabando ainda por ter invadido a faixa de rodagem destinada à circulação dos veículos que seguiam em sentido de marcha oposto ao seu, o que conduziu à ocorrência do acidente.

É inequívoco que o acidente dos autos só pode ser imputado à condutora do veículo da A., que por acaso era a sócia gerente da sociedade proprietária do veículo e prestou declarações de parte em audiência de julgamento (cfr. fls 30 verso).

No entanto, a Apelante chama ainda à colação doutrina e jurisprudência que admitem a possibilidade de concorrência da responsabilidade por culpa com a responsabilidade pelo risco, sustentando não se poder fazer uma leitura meramente mecânica do Art. 505.º do C.C..

Sucede que, para além de ser muito discutível a doutrina e jurisprudência que sustenta esse posicionamento, a verdade é que sendo a A. subjetiva e objetivamente responsável pela ocorrência deste acidente, dificilmente se justificaria advogar essa possibilidade no caso concreto.

Em todo o caso, apela a Recorrente ao que é defendido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Outubro de 2007 (Processo n.º 07B1710 disponível no sítio: www.dgsi.pt), onde se sustenta que o «Art. 505º do Código Civil deve ser interpretado no sentido de que nele se acolhe a regra do concurso da culpa do lesado com o risco próprio do veículo (…)», devendo, em função da factualidade subjacente a cada caso concreto, ser ponderado a medida da contribuição do lesado, culposa ou não culposa (idem: Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Janeiro de 2018 - Processo n.º 5705/12.0TBMTS.P1.S1; e de 14 de Dezembro de 2017 - Processo n.º 511/14.0T8GRD.D1.S1 disponíveis no mesmo sítio).

Seguindo-se esse entendimento, o estatuído nas disposições conjugadas dos Art.s 505.º e 570.º do C.C. deveria ser interpretado, em termos atualistas, como não implicando uma impossibilidade, absoluta e automática, de concorrência entre a culpa do lesado e os riscos do veículo causador do acidente, de modo a que qualquer grau de contribuição causal ou percentagem de culpa do lesado inviabilize sempre, de forma automática, a eventual imputação de responsabilidade pelo risco, independentemente da dimensão e intensidade dos concretos riscos de circulação da viatura.

Sucede que, as razões que vão justificando pontualmente essas soluções jurídicas, não se aplicam ao caso concreto, porque a responsabilidade culposa pela ocorrência deste acidente não pode ser afastada por razões de relacionadas com a massificação do tráfego rodoviário ou pela ideia de socialização do risco com vista à proteção dos usuários da estrada que se encontram mais desprotegidos.

No caso concreto dos autos, não faz qualquer sentido afastar as regras da responsabilidade subjetiva para garantir à A. o direito a uma indemnização por acidente pelo qual foi objetiva e subjetivamente a única responsável.

É certo que para a ocorrência deste acidente contribuíram muito em especial as condições físicas do local onde ocorreu. Mas, eram também essas condições físicas que obrigavam ao especial cuidado por parte da condutora do veículo da A. e que esta não observou. No final, este acidente foi consequência do especial risco que foi assumido pela A. ao circular neste local, nas condições em que o fez. Pelo que, os danos são assim a consumação da sua responsabilidade exclusiva pelo acidente e, neste pressuposto, não há motivo para que a R. garanta o pagamento duma indemnização para reparação de danos que foram causados fundamentalmente pela própria lesada, por mais que se pondere a massificação do tráfego rodoviário e a socialização do risco da circulação automóvel como forma de proteção dos mais desprotegidos.

A circunstância do veículo segurado pela R. ter dimensões superiores ao da A., já que um seria (alegadamente) um “furgão” e o outro um veículo ligeiro de passageiros, não parece que tenha tido qualquer influência no risco deste acidente. Ao que tudo indica, se o veículo segurado pela R. também fosse um “pequeno” veículo ligeiro de passageiros, o acidente ocorreria na mesma, pois foi o veículo da A. que saiu da sua faixa de rodagem e foi aí embater com o veículo que seguia em sentido oposto.

No caso é indiscutível que a causa fundamental deste acidente foi mais a presumível falta de atenção e de destreza da condutora do veículo da A. e, certamente, a inobservância por esta das regras de cuidado na circulação automóvel impostas pelo Código da Estrada. Por isso, seria muito forçado e completamente injustificado recorrer a solução diversa da alcançada pela sentença recorrida, permitindo ponderar uma responsabilidade pelo risco, sem a exclusão da responsabilidade que decorre da previsão do Art. 505.º do C.C..

Julgamos assim que a sentença recorrida só pode ser confirmada nos seus precisos termos, não podendo a R. ser obrigada ao pagamento da indemnização peticionada. Pelo que, sem necessidade de maiores considerações, improcedem as conclusões que sustentam o contrário do exposto.

3. Da litigância de má-fé.
A Recorrente pretende ainda pôr em causa a sua condenação como litigante de má-fé em 15 U.C.s.
Neste particular a sentença recorrida sustentou-se na seguinte argumentação: «no caso em epígrafe atenta a factualidade provada, é evidente que a A. litiga de má fé, pois que veio alegar factos cuja falta de verdade não podia ignorar (cfr. factos provados O) a Q)), sendo que a sua legal representante faltou à verdade quando depôs em Tribunal.»

E acrescenta com sustentação jurisprudencial (v.g. Acórdão do STJ de 26/09/2013, in www.dgsi.pt) que: «No caso concreto ficámos bem longe de uma conduta que possa integrar-se no conceito de lide cautelosa que referia Alberto dos Reis ou mesmo da lide simplesmente imprudente. A situação ultrapassou as margens deste leito e invadiu claramente os campos da lide temerária, chegando aos terrenos da lide dolosa, em que a R., devidamente patrocinada por advogado e ciente de que que não tinha razão, litigou de forma conscientemente infundada, por total desajustamento do recurso de revista aos factos provados e por total incompreensão ou abuso de “argumentos jurídicos”, com o fim de protelar a ação da justiça, numa evidente manifestação de abuso do direito processual. Através da litigância de má fé a lei pune a instrumentalização do direito processual em diversas vertentes, quando se apresente como uma forma de conseguir um objetivo considerado ilegítimo pelo direito substantivo, como um meio de impedir a descoberta da verdade, como forma de emperrar a máquina judiciária, com a colocação de obstáculos ou com a promoção de expedientes meramente dilatórios, ou com o objetivo de impedir o trânsito em julgado da decisão e, deste modo, prejudicar a parte contrária na tutela ou na realização do direito substantivo que através da decisão lhe seja reconhecido. Através da penalização da má fé instrumental, pretende-se sancionar os comportamentos que, motivados por dolo ou por culpa grave, digam respeito não ao fundo ou mérito da causa, mas à relação jurídica processual. Entre as situações mais frequentes e que mereceram da parte do legislador uma especial previsão contam-se as manobras meramente dilatórias que têm em vista arrastar a formação do caso julgado, recorrendo injustificadamente para os tribunais superiores, designadamente através da invenção de “argumentos” ou invocação de “inconstitucionalidades” sem qualquer fundamento. Tudo isto se verificou no caso concreto, justificando a aplicação, mesmo ex officio, da sanção pecuniária correspondente à litigância de má fé. (…)
«Entende-se, pois, que o A, ao intentar uma ação cuja manifesta falta de fundamento não podia ignorar ao alegar uma versão do acidente e prejuízos que sabia não corresponderem à verdade, com o objetivo de obter uma indemnização, litiga de má fé, devendo ser condenada em multa.
Deste modo, atenta a censurabilidade da conduta da A e os valores em causa na presente ação, julga-se adequada a quantificação da multa em 15 UCs». (sublinhado nosso).

A Recorrente sustenta que não se pode confundir a litigância de má-fé com a improcedência da ação, nem se pode confundir a verdade processual com a verdade histórica, sendo que a condenação como litigante de má-fé pressupõe dolo ou negligência grave, o que impõe especial prudência dos tribunais na sua apreciação.

Por outro lado, mesmo que os factos provados O) e P) possam objetivamente traduzir um juízo de censurabilidade, defende que a A. não teve qualquer intenção de conseguir um objetivo ilegítimo, tendo mantido uma postura reivindicativa e litigante, mas leal.

Finalmente, defende que a multa aplicada é excessiva, devendo ter-se em consideração os efeitos da conduta de má-fé no desenrolar do processo e na correta decisão da causa, bem como a situação económica do agente e a repercussão que a multa terá no seu património.

Apreciando, julgamos que dificilmente se pode escapar à constatação de que os factos provados constantes das alíneas O) e P) revelam que a A. agiu com dolo ao alterar a realidade dos factos para obter uma decisão judicial favorável.

A questão não é de mera ausência de prova dos factos que alegou, nem de mera improcedência da ação por incumprimento do ónus de prova, baseado na contingência da prova produzida em audiência.

O problema é que está provado que a A. alegou, conscientemente, factos relevantes para o conhecimento do mérito da causa, sabendo que não eram verdadeiros. É isso que decorre das alíneas O) e P) da matéria de facto provada na sentença recorrida.

A A. alegou na petição inicial que o acidente se ficou a dever ao condutor do veículo segurado pela R., porque o mesmo seguia a mais de 50 Km/h, o que não lhe permitiu parar no espaço livre e visível à sua frente, tendo sido esse veículo que veio embater no seu (artigos 13.º, 14.º e 15.º da p.i.). Ora, o que ficou provado em O) é que a A. tinha perfeita noção de que o acidente não ocorreu em virtude de o condutor do IN circular a uma velocidade superior a 50 km/hora, o que não lhe permitiria imobilizar o veículo no espaço livre e visível à sua frente e que não foi o seu veículo que foi embatido pelo veículo segurado pela R..

Por outro lado, na alínea P) ficou provado que a A. tinha a perfeita noção de que, ao contrário do que alegou na petição inicial, o acidente ocorreu porque a condutora do "MV" entrou de forma inusitada, sem adotar as cautelas necessárias para aí entrar em segurança (pois sabia que, à sua direita, existia um muro que a impedia de se aperceber daquilo que se passasse do outro lado desse muro (no interior do centro empresarial, máxime outros veículos ou mesmo peões que aí se encontrassem/circulassem) e circulando a uma velocidade que lhe permitia, como não permitiu, imobilizar o veículo no espaço livre à sua frente, mormente sem embater no veiculo "IN", e sendo que foi o "MV" quem colidiu com o "IN" e não o "IN" que colidiu com o "MV".

Não há dúvida que houve, no caso, litigância de má-fé, pois o Art. 542.º n.º 2 do C.P.C., estabelece que: «Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
«a)- Tiver deduzido pretensão (…) cuja falta de fundamento não devia ignorar; 
b)- Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; (…)
d)- Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão».

Em função da matéria de facto provada a conclusão só pode ser uma: a A. instaurou uma ação judicial contra a R. para fazer valer um direito que sabia não lhe assistir, alterando para o efeito os factos, apresentando uma versão da realidade que sabia não ser verdadeira, com o propósito de obter a condenação desta no pagamento duma indemnização, que peticionou, no valor de €7.270,01, mais juros.

Em função do exposto, a condenação da A. como litigante de má-fé é indiscutível e encontra-se devidamente fundamentada pela sentença recorrida.

Resta, portanto, apreciar o valor da condenação em multa.

A Apelante considera a sanção de 15 U.C.s exagerada em função do desenrolar do processo e da influência da falta verificada na decisão da causa, queixando-se que não foi ponderada a sua situação económica, nem a repercussão que a multa terá no seu património, sendo certo que também não invoca a sua situação económica, nem a repercussão que essa condenação tem no seu património.

Efetivamente, nos termos do Art. 27.º n.º 3 do R.C.P., a multa varia entre um mínimo de 2 U.C.s e um máximo de 100 U.C.s, sendo que o n.º 4 do mesmo preceito estabelece, como critérios de fixação da penalidade pelo juiz: «os reflexos da violação da lei na regular tramitação e na correta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste».

Ora, quanto a estes últimos fatores, como vimos, desconhecem-se elementos de facto relevantes, porque não foram alegados. De facto, só sabemos que a A. é uma sociedade comercial que está ligada à atividade de exploração económica de lares, porque isso é referido na petição inicial. Mas, daqui não resulta a conclusão necessária de que está em situação de dificuldade económica para suportar uma multa de 15 U.C.s.

Quanto ao mais, só poderemos concluir que a falta verificada ocorre desde o momento em que foi instaurada a presente ação, que obrigou à contestação por parte da R. e à ocupação do tribunal com a apreciação de todas as questões suscitadas, que passaram pela produção de prova, com inquirição de testemunhas, e prolação de sentença, da qual a A. interpôs recurso, igualmente infundado no seu essencial. Ou seja, toda a atividade judicial, que importou na intervenção da parte contrária e na convocação de testemunhas a prestar depoimento em audiência, encontra-se desde o início condicionada pelo comportamento da A..

Acresce que, a multa aplicada corresponde a cerca de 21% do pedido de condenação, infundado, que formulou contra a R.. Pelo que, em função do dano que era pretendido infligir, não se afigura desproporcionada a sanção, que tem como limite mínimo 2 U.C.s e como limite máximo 100 U.C.s.

Assim, sem necessidade doutras considerações, julgamos dever manter a sentença recorrida também nesta parte, improcedendo as conclusões que sustentam posição diversa.

VDECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente por não provada e, sem prejuízo da retificação determinada no ponto 1.1 do presente acórdão relativamente à redação da alínea H) dos factos provados, no mais mantém-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
- Custas pela Apelante (Art. 527º n.º 1 do C.P.C.).
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Lisboa, 25 de maio de 2021


Carlos Oliveira
Diogo Ravara
Ana Rodrigues da Silva