Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
802/19.4T9AMD-A.L1-9
Relator: ALMEIDA CABRAL
Descritores: PRAZO LEGAL
NOTIFICAÇÃO AO DEFENSOR DO ARGUIDO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I- Se o arguido estava a ser assistido por defensor, cuja nomeação sempre seria obrigatória, por força do disposto no art.° 64.°, n.° 3, a notificação tem de ser feita a ambos, por força do disposto no art.° 113.°, n.° 10, e neste caso, o prazo para a prática de acto processual subsequente conta - se a partir da data da notificação efectuada EM  último LUGAR;
II- Tendo sido o defensor notificado em último lugar, esta, por força do disposto no citado n.° 2 do art.° 113.°, presume-se efectuada no terceiro dia útil posterior ao do envio, data a partir da qual começou a correr o prazo para a prática do acto processual subsequente, isto é, para poder ser requerida a abertura da instrução, como se prevê no n.° 10, parte final, do dispositivo em causa.
III- Por isso é despiciendo se o defensor apenas levantou a correspondência registada que lhe foi enviada nas instalações dos CTT após o decurso do prazo legal, pois o prazo para apresentação do requerimento da instrução deve ser contado, apenas, nos termos do artº 113º nº 2 do CPP e NÃO a partir da data do levantamento da carta dos CTT pelo defensor, uma vez que o aviso deixado pelo funcionário dos CTT na caixa do correio, quando a respectiva carta registada não puder ser entregue, nada mais constitui do que uma informação dada ao destinatário sobre a data da sua devolução à entidade emitente, caso a mesma não seja, entretanto, levantada;
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência (art.° 419.°, n.° 3, al. c), do C.P.P.), os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
1 — No Juízo de Instrução Criminal da Amadora, Processo n.° 802/19.4T9AMD, onde é arguido/recorrente JJ,, na sequência da acusação contra si deduzida pelo Ministério Público, requereu o mesmo a abertura da instrução.
Todavia, o respectivo requerimento veio a ser liminarmente rejeitado pelo Mm.° Juiz "a quo" com fundamento na sua extemporaneidade, decisão que sustentou com a prolação do seguinte despacho:
"(...) Fls. 271 e seguintes:
Na sequência do despacho de acusação proferido pelo Ministério Público (fls. 222­227), veio o arguido JJ, a fls. 270 e seguintes, apresentar requerimento de abertura da instrução, o qual deu entrada, via e-mail, em 22.07.2019.
Ora, ao contrário do afirmado em tal peça processual, o arguido "não foi notificado por via postal simples" e "levantada no passado dia 1 de Julho de 2019", pois o mesmo está detido à ordem dos presentes autos desde 10.04.2019. A ser assim, foi dado cumprimento ao disposto no artigo 114.°, n.° 1 do CPP, tendo o arguido sido notificado pessoalmente do teor do despacho de acusação no dia 19.06.2019 (fls. 252).
Deste modo, constata-se que o terminus do prazo de 20 dias - previsto no artigo 287.°, n.° 1 do CPP para requerer a abertura de instrução ocorreu em 09.07.2019.
Em face do exposto, nos termos do artigo 287.°, n°s. 1, alínea a) e n.° 3 do CPP, rejeito liminarmente o requerimento de abertura da instrução apresentado pelo arguido JJ…, por extemporâneo. (...)".
Porém, com esta decisão não se conformou o arguido, pelo que da mesma interpôs o presente recurso, o qual sustentou na tempestividade da apresentação do respectivo requerimento, pois que o seu defensor "foi notificado via postal no dia 21/06/2019, tendo levantado a referida notificação no dia 01/07/2019", razão por que o prazo para requerer a abertura da instrução terminou no dia 22/07/2019.
Da motivação do recurso extraiu as seguintes conclusões:
"(. ..) 1) O presente recurso vem interposto do douto despacho do Meritíssimo Juiz de Instrução que rejeitou o requerimento de abertura de instrução por extemporâneo;
2) Porquanto o Meritíssimo Juiz de Instrução fundamentou a sua rejeição no artigo 287.°, n.° 1, alínea a), e n.° 3 do CPP;
3) Por entender, em síntese, o Meritíssimo Juiz a quo que o arguido está detido à ordem dos presentes autos desde 10/04/2019, e que em confluência foi dado cumprimento ao disposto no art.° 114.°, n.° 1 do CPP, tendo o arguido sido notificado pessoalmente do teor do despacho de acusação no dia 19/06/2019 (fls. 252), constatando-se que o terminus do prazo de 20 dias - previsto no art.° 287.°, n.° 1 do CPP - para requerer a abertura de instrução ocorreu em 09/07/2019.
4) Salvo o devido respeito, o Arguido requereu a abertura de instrução em tempo, pois, dispõe o n.° 10 do artigo 113.° do Código do Processo Penal que "As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado; neste caso, o prazo para a prática de acto processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efectuada em último lugar".
Sendo certo que,
5) O Defensor foi notificado por carta via postal simples no dia 21/06/2019 tendo levantado a referida notificação no dia 01/07/2019;
6) O término do prazo para requerer a abertura de instrução (20 dias) terminava assim no dia 21/07/2019 sendo que como esse dia era um Domingo, de acordo com as regras da contagem dos prazos (art.° 138.°, n.° 2 do CPC), transferia-se para o próximo dia útil seguinte, segunda feira dia 22/07/2019, dia em que efectivamente o Defensor enviou para o Tribunal o requerimento de abertura de instrução;
Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência deve o douto despacho de indeferimento do requerimento para abertura de instrução ser substituído por outro que declare aberta a instrução. (...).
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O recurso foi admitido, com subida imediata, em separado e com efeito não suspensivo.
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Notificado da interposição do recurso, apresentou o Ministério Público a respectiva "resposta", onde, a final, extraiu as seguintes conclusões:
"(...) a) O recorrente pugna pela tempestividade do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo arguido, nomeadamente, alegando que o seu defensor apenas foi notificado do despacho de acusação no dia 01.07.2019, data em que se deslocou aos CTT para proceder ao levantamento da carta, conforme documentação junta;
b) Pretende, assim, ver ilidida a presunção legal existente no disposto no art.° 113. °, n.° 2 do Código de Processo Penal;
c) Ora, os números 2, 7, alínea d) e 10 da aludida norma têm de ser interpretados em conjunto;
d) Aliás, conforme resulta do documento junto pelo recorrente, no dia 21/ 06/2019 foi tentada a entrega da correspondência registada no escritório do ilustre defensor do arguido, contudo a mesma não foi possível, por não ter atendido, tendo-lhe sido deixado aviso, acabando a correspondência por ser levantada apenas no dia 01/07/2019, ainda no prazo que para o efeito lhe foi concedido pelos CTT;
e) Não se pode admitir que o arguido beneficie desta data de entrega como sendo aquela em que a notificação se deve considerar efectuada ao seu defensor.
39 Até porque os defensores oficiosos, bem como os mandatários constituídos no âmbito de processos judiciais "têm obrigatoriamente de receber notificações para a prática de determinados actos, pelo que, devem providenciar no sentido de haver alguém disponível para receber essas notificações ou, pelo menos, para consultar regularmente a caixa de correio para se inteirar dos avisos de registos que os correios ali depositem". Neste sentido, Ac. 113/11.3 TACSD.C1 de 13.11.2013 da Relação de Coimbra, in www. dgsi.pt;
g) "Na verdade, o prazo concedido no aviso dos CTT para o levantamento da carta é um prazo emergente de uma norma administrativa interna, uniformizando o modo de actuar do pessoal dos correios perante uma determinada situação, o qual, para o destinatário, tem apenas o significado de que, não sendo a correspondência levantada no prazo fixado, a mesma será devolvida", Ac. Rel. Lisboa de 09/02/2010, Proc. 122-C/1998.L 1-7, disponível na mesma base de dados.
h) Nestes termos, há que concluir que o requerimento de abertura de instrução enviado por fax no dia 22/07/2019, foi apresentado fora do prazo legal de 20 dias, que findou no dia 15/07/2019, assistindo razão à MM " Juiz a quo.
Deste modo, deve ser mantida a decisão recorrida (...)".
Neste Tribunal a Exm.a Sr.a Procuradora-Geral Adjunta emitiu "parecer" no sentido da improcedência do recurso.
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Mantêm-se verificados e válidos todos os pressupostos processuais conducentes ao conhecimento do recurso, o qual, por isso, deve ser admitido, havendo-lhe, também, sido correctamente fixados o efeito e o regime de subida.
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2 - Cumpre apreciar e decidir:
É o objecto do recurso em causa, à luz das respectivas conclusões, o saber-se se o requerimento para a abertura da instrução foi, ou não, tempestivamente apresentado pelo arguido/recorrente.
Ora, como bem o demonstra o Ministério Público na sua "resposta", o recurso não pode merecer provimento.
Desde logo, estando o arguido detido à data da notificação que contra si foi deduzida, foi a mesma notificação efectuada nos termos previstos no art.° 114.°, n.° 1 do C.P.Penal —diploma onde se integram as disposições legais a seguir citadas sem menção de origem.
Assim, conforme resulta dos autos, ocorreu a referida notificação no dia 19/06/2019, razão por que, caso não estivesse o mesmo arguido a ser assistido por advogado, o prazo de vinte dias previsto no art.° 287.°, n.° 1, para requerer a abertura da instrução, terminaria no dia 09/7/2019, como o referiu o Mm.° Juiz "a quo" no despacho recorrido.
Porém, o arguido estava a ser assistido por defensor, cuja nomeação sempre seria obrigatória, por força do disposto no art.° 64.°, n.° 3, razão por que a notificação da acusação também haveria de ser feita a ambos, por força do disposto no art.° 113.°, n.° 10, segundo o qual "as notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem, igualmente, ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado; neste caso, o prazo para a prática de acto processual subsequente conta‑se a partir da data da notificação efectuada EM último LUGAR" .
Deste modo, estando duas notificações aqui em causa, importa saber qual delas foi efectuada em último lugar, relevando-se esta, depois, para efeitos de contagem de prazo para apresentação do requerimento de abertura da instrução.
Assim, assente que está ter sido o arguido/recorrente pessoalmente notificado da acusação no dia 19/06/2019, vejamos quando haverá de ser tido por notificado o respectivo defensor.
Dispõe o art.° 113.°, n.° 1, que "as notificações efectuam-se mediante: a) — Contacto pessoal com o notificando e no lugar em que este for encontrado; b) — Via postal registada, por meio de carta ou aviso registados; c) — Via postal simples, por meio de carta ou aviso, nos casos expressamente previstos (...)"
O n.° 2, por sua vez, dispõe que "quando efectuadas por via postal registada, as notificações presumem-se feitas no terceiro dia posterior ao do seu envio, quando seja útil, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja, devendo a cominação aplicável constar do ato de notificação".
O n.° 11 preceitua que "as notificações ao advogado ou ao defensor nomeado, quando outra forma não resultar da lei, são feitas por via electrónica, nos termos a definir em portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, ou, quando tal não for possível, nos termos das alíneas a), b) e c) do n.° 1, ou por telecópia".
Ora, como resulta dos autos, a notificação do defensor do arguido foi efectuada por via postal registada, tendo sido enviada no dia 21/06/2019.
Sendo assim, por força do disposto no citado n.° 2 do art.° 113.°, presume-se a mesma notificação efectuada no dia 24/06/2019 (terceiro dia útil posterior ao do envio), data a partir da qual começou a correr o prazo para a prática do acto processual subsequente, isto é, para poder ser requerida a abertura da instrução, como se prevê no n.° 10, parte final, do dispositivo em causa.
Assim, terminando o prazo de vinte dias previsto no art.° 287.°, n.° 1, no dia 15/07/2019, haverá o requerimento para a abertura da instrução de ser tido como extemporâneo, pois que foi apresentado, apenas, no dia 22/07/2019.
A argumentação invocada pelo arguido de que o seu defensor apenas levantou a correspondência registada que lhe foi enviada nas instalações dos CTT no dia 01/07/2019, devendo o prazo para apresentação do requerimento da instrução ser contado, apenas, a partir desta data, é de todo descabia.
Efectivamente, para além de a mesma contrariar, inequivocamente, a letra e o espírito da lei, constituiria a sua aceitação um grave e inconcebível atropelo à disciplina processual, a qual cairia no caos, ao deixar-se na vontade do advogado a possibilidade de, segundo os seus interesses, ser fixada a data a partir da qual um qualquer prazo judicial haveria de começar-se a contar, sempre que a sua notificação fosse feita nos termos do n.° 1, alínea b), do art.° 113.°, levantando a respectiva correspondência nos CTT se e quando lhe apetecesse, dentro do prazo por estes fixado no respectivo aviso.
Como bem diz o Ministério Público no acórdão que transcreve, o aviso deixado pelo funcionário dos CTT na caixa do correio, quando a respectiva carta registada não puder ser entregue, nada mais constitui do que uma informação dada ao destinatário sobre a data da sua devolução à entidade emitente, caso a mesma não seja, entretanto, levantada.

Nestes termos, embora com fundamento diferente do invocado pelo tribunal "a quo", confirma-se a decisão recorrida relativamente à intempestividade do requerimento para a abertura da instrução, razão por que se acorda em negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.
Notifique
Lisboa, 12.09.2019