Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
50/14.0SLLSB-Y.L1-9
Relator: MARIA DO CARMO FERREIRA
Descritores: OPC - ORGÃO DE POLÍCIA CRIMINAL
COMPETÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/09/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I- Os OPCs exercem uma função de ajuda ao Mº.Pº. e Autoridades judiciárias, mas os actos determinados são sempre da Autoridade Coadjuvada, actuando os OPCs na sua dependência funcional (legislação acima citada), o que, naturalmente não significa uma dependência hierárquica .

II- Embora a PJ tenha competência exclusiva para a investigação criminal relativamente aos crimes de catálogo, nos termos da Lei especial LOIC, na verdade, nada proíbe que o Mº.Pº. enquanto detentor originário da investigação, entenda e ordene a realização de diligências de investigação desses crimes de área reservada, a OPCs diferentes, uma vez que a própria Lei Penal não faz qualquer distinção entre os OPCs.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 9ª.Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO.

O arguido E..., interpôs recurso do despacho proferido a 29/1/2016- fls. 102 a 104 destes autos, o qual lhe indeferiu o pedido de declaração de nulidade insanável dos actos praticados pela PSP na investigação.

Na motivação que juntou, de fls.18 a 32 destes autos, conclui:

O presente recurso tem por objecto o despacho do Tribunal a quo de 29-01-2016 (fls 13368 a 13370), que indeferiu a invalidade arguida pelo recorrente no que concerne à prática de actos de investigação criminal no decurso do inquérito pela Polícia de Segurança Pública, cuja competência só pode ser delegada na Policia Judiciária, nos termos do art. 7.° e 8.° da Lei n.º 49/2008 de 27 de Agosto.

 Desde, pelo menos, 19 de Junho de 2014, que o presente processo, logo no alvor da sua fase de inquérito, tem "como objecto factos que se vislumbra poderem ser susceptíveis de integrar a prática de crimes de associação criminosa, p.p. pelo art. 299.º do CP, extorsão, p.p. pelo art. 223.° do CP, e ainda corrupção, p.p. pelos art. 373.° e 374.° do CP" (cf. despacho do MP de fls. 34).

Estando em investigação estes crimes, pretendendo o Ministério Público delegar a competência que lhe é constitucional (art. 219.°-1 da CRP) e legalmente (arts. 53.°-2, b), 263.º-1 e 267.° do CPP) atribuída para a prática de actos de inquérito necessários a realizar tal investigação, só poderia delegar essa competência na Polícia Judiciária.

Pois de acordo com o art. 7.°, n.º 2, da Lei de Organização da Investigação Criminal (Lei n.º 49/2008), "é da competência reservada da Polícia Judiciária, não podendo ser deferida a outros órgãos de polícia criminal, a investigação dos seguintes crimes: g) associação criminosa; ( … ) j) tráfico de influência, corrupção, peculato e participação económica em negócio".

Todavia, tendo embora antes consignado que o inquérito tinha por objecto o crime de associação criminosa, o Ministério Público, por decisão de fls. 56, tomada em 01-07- 2014, desprovida de qualquer fundamentação, decidiu remeter o inquérito à PSP - BPC/DIC, em quem delegou "competência para a realização das diligências de investigação (art. 270.° do CPP)".

Ao fazê-lo o Ministério Público violou frontalmente o art. 7.°, n.º 2, g), da LOIC.

Foi com base nessa delegação de competência que a PSP realizou um sem número de actos de investigação no inquérito que correu termos no presente processo.

Actos de inquérito esses que tendo sido praticados pela PSP sem cobertura de uma delegação de competência legalmente emitida pelo Ministério Público enfermam de nulidade insanável (cf. art. 119.°, b), do CPP), a qual foi arguida pelo ora recorrente em requerimento apresentado em 18-12-2015 (fls. 11517 e ss.).

Ainda que se entenda que tal invalidade não configura nulidade insanável, deverá, pelo menos, ser reconhecida como irregularidade, a qual foi igualmente suscitada a fls. 12177.

A invalidade em apreço não se esgotou no despacho de fls. 56, tendo-se antes e ainda materializado nos inúmeros actos de inquérito praticados pela PSP ao abrigo daquele despacho de delegação de competência.

Tal invalidade incidiu, pois, sobre todos e cada um dos actos de inquérito realizados pela PSP, os quais foram praticados sob segredo de justiça, muitos deles após a constituição do recorrente como arguido (no dia 02-07-2015), só tendo o recorrente tido conhecimento da sua realização e do seu concreto conteúdo após a dedução da acusação, datada de 02-01-2016.

Deste modo, deve ser reconhecida e declarada a invalidade - se não sob a forma de nulidade insanável, pelo menos e subsidiariamente, sob a modalidade de irregularidade, tempestivamente arguida (art. 123.° do CPP) - dos actos de inquérito praticados pela PSP no presente processo.

Termos em que se requer a V. Exas. se dignem revogar a decisão recorrida e substituí-la por outra que reconheça e declare a invalidade, por nulidade insanável (cf, art 119.°, b), do CPP; ou, pelo menos e subsidiariamente, por irregularidade), dos actos de inquérito praticados pela PSP no presente processo, daí extraindo todas as consequências legalmente impostas.

*

O Mº. Pº responde conforme consta de fls.34 a 49, concluindo:

“CONCLUINDO, dir-se-á, assim, que a situação invocada pelo arguido (actos processuais cometidos pela PSP num inquérito em que se investiga a prática, entre outros, de crime de associação criminosa, com competência delegada para tal pelo Ministério Público) não pode, nunca, acarretar qualquer invalidade (nulidade ou irregularidade - art.º 118º e seguintes do CPP) pois a LOIC não é uma "lei do processo penal".

Dispõe o art.º 118º, nº 1 do CPP que "A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei" (sublinhado nosso).

Se não forem respeitadas as regras de divisão de competências de coadjuvação da LOIC, essa situação não tem qualquer consequência processual, ou seja, as "violações" das regras de divisão de competências de coadjuvação entre os diferentes OPC's não afectam a validade processual dos actos praticados.

O Código de Processo Penal não faz qualquer distinção dos OPC's; para esse diploma todos os OPC`s são idênticos, sendo-lhe totalmente alheia a ideia de competências próprias para coadjuvação.

Importa apenas verificar se a competência para a prática dos actos foi delegada num Órgão de Polícia Criminal.

Se o foi, então os actos por este (seja a PSP ou a PJ ou outro OPC) realizados são processualmente válidos. Ora, isso foi o que aconteceu nos presentes autos, pois, conforme antes salientado e admitido pelo próprio arguido, o MP delegou competência para a realização dos actos de investigação na PSP, nos termos do art.º 270º do CPP, e por ter entendido que, no caso concreto, era o OPC que estava em melhores condições, técnicas e logísticas, para levar a bom porto a investigação.

Assim, a atribuição da competência de coadjuvação aos OPC depende da mediação do MP através de despacho de delegação de competência, despacho esse que constitui a fonte legitimadora da actividade policial no processo penal.

A entidade competente para definir o OPC coadjuvante é o MP que dirige o inquérito, pelo que a partir do momento em que delega competência para a investigação num determinado OPC nunca se poderá pôr em causa essa atribuição de competência nem as estritas finalidade processuais que a mesma abrange.

Assim, também nunca poderia estar em causa a concreta nulidade invocada pelo arguido - art. º 119º, al. b) do CPP (“a falta de promoção do processo pelo Ministério Público"), pois, no presente caso, não foi o OPC que promoveu o processo, o mesmo foi promovido pelo MP.

É totalmente correcto o entendimento vertido no despacho recorrido de que "tal como decorre do art.º 118º, nº 1 do Código de Processo Penal, só são nulos os actos que a lei considere como tais, pelo que derrogações à LOIC não poderão constituir nulidades uma vez que a LOIC é uma lei de regulação administrativa que visa definir a competência de cada órgão de polícia criminal no âmbito da investigação criminal, sendo que em lado algum a lei comina com o vício de nulidade o deferimento ou a prática de actos de investigação por parte de um determinado OPC fora da sua área de competência."

Também, tal como referido no despacho recorrido, no Código de Processo Penal o legislador não cominou como nulidade a situação em causa, pelo que o alegado vício nunca poderia ser qualificado como nulidade.

Só a falta de promoção do MP, nos termos do art.º 48, é que poderia constituir uma nulidade. Mas no caso concreto, o inquérito foi aberto pelo MP, não foi delegada essa competência nas polícias.

E, por isso, sendo tal nulidade de conhecimento oficiosa, nunca ela foi determinada no processo, nem pelos senhores juízes de instrução criminal que intervieram no mesmo, nem pelos senhores juízes desembargadores que apreciaram os já aludidos recursos.

Pelo mesmo argumento, a situação em causa não poderá acarretar qualquer irregularidade.

Assim, deverá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se válida a douta decisão recorrida, como é de JUSTIÇA.”

*

Transcreve-se agora o despacho recorrido:

Fls. 13220: O arguido E... veio arguir a invalidade dos actos processuais praticados pela PSP, no decurso do inquérito, dizendo, em resumo, a PSP não tem competência para a investigação de crimes de associação criminosa, uma vez que estes competem à Polícia Judiciária.

O Mª Pº pronunciou-se no sentido de ser indeferido o requerido, conforme consta da promoção de fls. 13444.

Cumpre decidir:

O art. 118° do CPP consagra o princípio da legalidade em matéria de nulidades: só são nulos os actos praticados em desarmonia com a lei do processo penal que expressamente o diga.

Isto é: só são nulos os actos que a lei considere como tais.

É o que resulta do nº 1 do art. 118° do CPP quando diz que: a violação ou inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei.

Segundo o nº2 da mesma norma, nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular.

O arguido em causa invocou a invalidade, sem qualificar qual o tipo de invalidade, dos actos de inquérito no que se refere ao crime de associação criminosa pelo facto deste tipo de ilícito ser, segundo o que dispõe o art. 7° nº 2 da Lei OIC, da competência exclusiva da PJ.

Dispõe o artigo 7° nº 2 da Lei 49/2008 de 27 de Agosto que é da competência reservada da Polícia Judiciária, não podendo ser deferida a outros órgãos de polícia criminal, a investigação, entre outros, do crime de associação criminosa.

A Lei em causa é uma lei de regulação administrativa que Visa definir a competência de cada órgão de polícia criminal no âmbito da investigação criminal sendo que, em nenhum momento, estabelece como vício de nulidade o deferimento ou a prática de actos de investigação por parte de um determinado OPC fora da sua área de competência.

Para além disso, no CPP o legislador não cominou como nulidade a situação em causa pelo que o vício, atento o princípio da legalidade das nulidades processuais, não poderá ser qualificado como nulidade mas, quando muito, como uma irregularidade.

Ora, sendo uma irregularidade a mesma está sujeita ao regime previsto no art. 123° do CPP, ou seja, qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele a que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado.   

No caso em apreço o arguido em causa foi notificado, aquando da sua detenção em 4 de Julho de 2015, dos factos e qualificação jurídica e só agora, 18-12-2015, é que vieram suscitar a nulidade em causa.

 

Deste modo, o vício em causa, a existir, há muito que estaria sanado razão pela qual improcede o invocado pelo arguido. 

Para além disso, sempre se dirá, como refere o Digno Magistrado do MºPº, que a direcção do inquérito compete ao Mº Pº nos termos do artº 263° do CPP o qual poderá, ao abrigo do disposto no art° 270° do CPP, delegar nos OPC.

Assim sendo, infere-se o requerido.

Lisboa 29-1-2016”

***

Nesta Instância, o Ex.mº Procurador Geral Adjunto, emitiu o seu parecer aderindo à resposta do Mº.Pº. na 1º.Instância, no sentido do não provimento do recurso.

Colhidos os vistos, em conferência, cumpre decidir.

II. MOTIVAÇÃO.

No recurso em análise, o arguido/recorrente discorda do decidido no despacho judicial que lhe indeferiu a invocada nulidade insanável. Pretendia o recorrente ver declarada a nulidade dos actos da investigação praticados pela PSP no âmbito do inquérito reportado nestes autos em que se investigam crimes de extorsão (p. no artº.223 C.P.), associação criminosa (p. artº. 299 C.P.), roubo (p. artº.210-1 e 2 –b) do C.P.), corrupção (p. artº. 373 e 374 do C.P.), alicerçando-se no facto de que a investigação de tais crimes é da “competência reservada da Polícia Judiciária, não podendo ser deferida a outros órgãos de polícia criminal”.

Conhecendo.

Desde logo poderíamos questionar a legitimidade do recorrente para a interposição do recurso. Na verdade, a decisão sob recurso não é uma decisão que o possa prejudicar: não são impugnadas as diligências efectuadas pela PSP, nem invocado outro fundamento que,  em confronto com o que seria a sua realização por outro OPC, como seja a PJ; pelo menos a questão não se mostra colocada nesta perspectiva pelo recorrente, suscitando-se, por isso muito duvidosa a sua integração no disposto nas alíneas b) do nº. 1 ou nº. 2 “a contrario” do artigo 401 do C.P.P.[1]

Ainda assim, vamos supor a sua admissibilidade pelo enquadramento na alínea b) do nº. 1 do artigo 401do C.P.P. e, nesta perspectiva dela vamos conhecer.

Antes, façamos, para melhor compreensão da questão suscitada, um breve introito do “histórico” demonstrado nos autos:

A fls. 52, datada de 26 de Maio de 2014, existe uma informação de serviço, assinada pelo coordenador da BPC - DIC[2], da PSP do Comando Metropolitano de Lisboa, dando conhecimento da actuação ilícita de vários indivíduos ligados a um grupo e, solicitando ao Sr. Procurador da República junto do DCIAP, a autuação de inquérito e delegação de competências na PSP para a investigação dos factos descritos. Estão juntos documentos relativos a diligências cautelares já efectuadas, corroborando as suspeitas indicadas pela PSP no documento dirigido ao Sr.Procurador.

A fls. 66 e 67 dos autos encontra-se um despacho datado de 16/6/2014, subscrito pelo Sr.Procurador, que nele analisa a informação prestada pela PSP, entendendo que a situação abrange o domínio de um grande número de estabelecimentos nocturnos na área da Grande Lisboa e Porto e com recurso a actos de extrema violência, cuja natureza da investigação a fazer impõe que seja deferida ao DCIAP a competência para a direcção do inquérito e exercício da acção penal.

 A fls. 70 e 71 encontramos um outro despacho do Sr.Procurador no qual consta que existe uma queixa formulada pelo ofendido V... cujo teor reforça o conteúdo das informações policiais (e também despoletou a investigação preliminar) e ali promovem-se as autorizações ao Sr.Juíz de Instrução, para a realização de diversas diligências de investigação em sede de inquérito. Diligências essas deferidas no despacho judicial de fls.79 a 82.

A fls. 84 existe um despacho do Sr. Procurador, no qual refere: “ Analisados os resultados de pesquisas efectuadas, determino a remessa do Inqº. à PSP-BPC/DIC, em quem delego competência para a realização das diligências de investigação (art.º 270º do CPP)” Resulta ainda desse despacho, a fixação do prazo de 90 dias para as diligências e o agendamento com a PSP de uma reunião, no dia 7/7/2014 pelas 11h a realizar no DCIAP, com vista a delinear a estratégia da investigação.

**

Recuemos um pouco, para dizer que um dos princípios relacionados com a promoção processual, é o denominado princípio da oficialidade, que significa tão só que a iniciativa e a prossecução processuais pertencem ao Estado. Assim, encontramos na Lei, os artigos 262-2, 48  e 53 do C.P.P.no que toca à posição e atribuições do Mº.Pº.[3] para o procedimento criminal. Ou seja, quem detém a competência efectiva para o exercício da acção penal é sem dúvida o Mº.Pº, enquanto representante legal do Estado.

É disso expressão, o disposto no artigo 263 do C.P.P.

 Artigo 263.º

Direcção do inquérito

1 - A direcção do inquérito cabe ao Ministério Público, assistido pelos órgãos de polícia criminal.

2 - Para efeito do disposto no número anterior, os órgãos de polícia criminal actuam sob a directa orientação do Ministério Público e na sua dependência funcional.

Sobre a coadjuvação do exercício das funções criminais, dispõem ainda o artigo 9º, nº. 2 e 55 do C.P.P. , sendo que o artigo 56, sob a epígrafe “ Orientação e dependência funcional dos órgãos de polícia criminal”, dispõe que: “Nos limites do disposto no n.º 1 do artigo anterior, os órgãos de polícia criminal actuam, no processo, sob a direcção das autoridades judiciárias e na sua dependência funcional.” [4]

Exercem esta actividade coadjuvante, diversas corporações policiais, (que por sinal a Lei adjectiva não distingue entre as OPCs) sendo que, no que toca à “diferença” de actuação entre a PSP e a PJ, há muito que se encontra ultrapassada a específica vocação no âmbito da segurança, à PSP e no âmbito da investigação, à PJ; basta atentar na criação de diversos departamentos (Brigadas) especializados para a investigação criminal, junto da PSP e GNR.

Não se desconhece que a Polícia Judiciária foi especialmente criada para auxiliar a administração da justiça, atribuindo-se-lhe hoje um sector da investigação restrito no catálogo com assento no disposto no artigo 7º da Lei da Organização da Investigação Criminal- Lei 49/2008 de 27.8.

Não esqueçamos porém, que os OPCs exercem uma função de ajuda ao Mº.Pº. e Autoridades judiciárias, mas os actos determinados são sempre da Autoridade Coadjuvada,  actuando os OPCs na sua dependência funcional (legislação acima citada), o que, naturalmente não significa uma dependência hierárquica[5].

É também o que resulta enunciado no artigo 2º. nº. 1 a 7, da LOIC.

Agora, no que toca à competência da PSP em matéria de investigação criminal, o artigo 6º da citada Lei Orgânica, dispõe que são da competência desta Polícia a investigação dos crimes que não seja reservada a outros órgãos de polícia criminal e ainda “daqueles crimes cuja investigação lhes seja cometida pela autoridade judiciária competente para a direcção do processo, nos termos do artigo 8º.”

Podemos assim questionar, quando estão em investigação crimes da competência reservada da PJ e outros que o não são, isto é, que saem do catálogo?. Parece-nos que o disposto no artigo 5º da LOIC dá resposta a esta questão e, também ali se reforçando a competência e direcção da autoridade judiciária. Aliás, nem poderia ser de outra forma, uma vez que esta LOIC tem cariz administrativo, regulador das funções dos respectivos OPCs e, nunca poderia derrogar disposições legais do C.P.P. e da própria Constituição da República. Essa é também a razão da inexistência na própria lei regulamentadora –LOIC- de sanção para as situações em que um OPC intervenha em investigação de crime que não é da sua área reservada, mas com solução prevista no artigo 4º.

Aliás esta questão da competência invocada só faria sentido se colocada pelos próprios OPCs (artº. 9º da citada Lei Orgânica). Não é o caso.

Assim, e, em conclusão, resulta que, embora a PJ tenha competência reservada para a investigação criminal relativamente aos crimes de catálogo, nos termos da Lei especial  LOIC, alguns dos quais em investigação nestes autos, na verdade, nada proíbe que o Mº.Pº. enquanto detentor originário da investigação, ordene a realização de diligências dessa investigação a OPCs diferentes. Até porque, no caso, estamos em presença de crimes cuja investigação é reservada à PJ (corrupção, e associação criminosa), e outra que lhe não é reservada como é o caso do crime de extorsão e roubo. E, neste caso, em concreto, porque a recepção da denúncia foi efectuada perante a PSP, sendo por esta iniciada a investigação, com conhecimentos que vão já ao traçar do “modus operandi”, como relatam no documento de fls. 52, decidiu o Sr. Procurador do modo que consta do seu despacho de fls. 84 o deferimento das diligências da investigação à PSP, nomeadamente ao seu departamento de Brigada de Prevenção Criminal da Divisão de Investigação Criminal, também estas com especiais conhecimentos como a sua designação indica.

Assim, do exposto se conclui que o Mº.Pº. não praticou qualquer ilegalidade, nem extravasou as sua funções ou competências.

Para além do mais, ainda que se desse razão ao entendimento do arguido/recorrente, nunca se verificaria a invocada nulidade, pois não tem a mesma assento normativo que assim a designasse (cfr artº. 118-1 do C.P.P.) e também, a considerar-se irregularidade, há muito que deveria ter sido arguida, pois dela conheceu o arguido, em 2/7/2015 e em 4/7/2015, mas só a arguiu em 18/12/2015 (artº. 123 do C.P.P.). Mas estas seriam hipóteses sem qualquer apoio legal, como deixámos expresso acima, pelo que, carece em absoluto de fundamento legal, a pretensão do arguido, manifestada no seu recurso.

III. DECISÃO.

Em face do exposto, decide-se, negar provimento ao recurso do arguido.

Fixa-se em 4 Ucs. a taxa de justiça devida.

Notifique-se.

 (Texto elaborado e integralmente revisto pela relatora – artº 94º, nº 2 do C.P.Penal)

 Lisboa, 09/06/2016

                                                 

Relatora

Maria do Carmo Ferreira

Adjunta

Cristina Branco

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[1] Ac.R.Lx de 8/11/2011 em dgsi.pt.
[2] Brigadas de Prevenção Criminal (BPC); Divisão de Investigação Criminal (DIC).
[3] Sendo que o Mº.Pº. tem ainda outras competências resultantes do próprio Estatuto (cfr. artº 3º da Lei n.º 9/2011, de 12/04) e pela Constituição da República Portuguesa (artº. 219).
[4] Naturalmente que, sempre no estrito cumprimento da legalidade e, assim, nos termos do disposto no artigo 1º, c) do C.P.P.: «Órgãos de polícia criminal» todas as entidades e agentes policiais a quem caiba levar a cabo quaisquer actos ordenados por uma autoridade judiciária ou determinados por este Código.”
[5] Curso de Direito Penal, pág.282-I- Germano Marques da Silva.