Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6330/18.8JFLSB-A.L1-3
Relator: ALFREDO COSTA
Descritores: LEI DO CIBERCRIME
APREENSÃO DE CORREIO ELETRÓNICO
JUIZ DE INSTRUÇÃO CRIMINAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 08/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: O regime de apreensão de correio eletrónico mostra-se regulado diretamente pelo artigo 17º da Lei do Cibercrime e, subsidiariamente (por remissão do mesmo) pelos pressupostos e requisitos legais relativos à apreensão de correspondência, previstos no artº 179º do Código de Processo Penal.
O disposto no art.º 179º n.º 3 do CPP, aplicável por força do art.º 17º da Lei nº 109/2009, de 15 de setembro (Lei do Cibercrime), impõe que o JIC seja a pessoa a tomar conhecimento “em primeiro lugar” do correio eletrónico apreendido, sob pena de nulidade.
A falta de exame da correspondência pelo juiz constitui uma nulidade prevista no art.º 120º n.º 2 alínea d) do CPP, porque se trata de um acto processual legalmente obrigatório
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
                                                                                        
I. RELATÓRIO
1.1. Inconformado com o despacho que foi proferido nos autos principais, no qual a Mmª Juíza de Instrução Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa -Juízo de Instrução Criminal - Juiz 6, manteve o decidido, recorreu o Ministério Público para a presente Relação, expendendo as seguintes conclusões:
a. Vem o presente recurso interposto do douto despacho judicial de 17 de fevereiro de 2020 no qual considerou a Mma. Juiz de Instrução que a competência para a abertura e conhecimento da correspondência eletrónica recolhida durante a pesquisa efetuada ao telemóvel apreendido nos presentes autos é do Ministério Público.
b. Entende o Ministério Público que o entendimento sufragado pela Mma. Juiz de Instrução viola o disposto nos artigos 17º da Lei n. 109/2009, de 15 de setembro e 179º, n. 3 e 268.º, n. 1, alínea d) do Código de Processo Penal.
c. Da leitura conjugada do disposto nos artigos 17. da Lei n. 109/2009, de 15 de setembro e 179º, n. 3 do Código de Processo Penal resulta que nos casos em que, durante uma perícia informática, são localizados ficheiros de correio eletrónico, estes ficheiros são apresentados ao Mmo. Juiz de Instrução para deles tornar conhecimento e decidir sobre a sua relevância e junção aos autos.
d. Tal ato é da exclusiva competência do juiz de instrução, conforme estatuído no artigo 268° nº 1 alínea d) do Código de Processo Penal.
e. O não cumprimento de tais preceitos legais, nomeadamente a abertura da referida correspondência pelo Ministério Público, configura uma nulidade prevista no artigo 120º nº 2 alínea d) do Código de Processo Penal.
f. Este foi também o entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa nos seus acórdãos de 11 de Janeiro de 2011, 06 de fevereiro de 2018 e 04 de fevereiro de 2020, nos quais considerou que a abertura do correio eletrónico compete exclusivamente a Juiz de Instrução.
g. Assim, ao decidir como decidiu violou a Mma. Juiz de Instrução o disposto no artigo 17º da Lei n. 109/2009, de 15 de setembro e nos artigos 179º, n. 3 e 268º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Penal e, bem assim, o disposto nos artigos 18.º, n. 2, 26.º n. 1 e 34º todos da Constituição da República Portuguesa.
h. Pelo exposto, entende Ministério Público que o despacho judicial de 17 de fevereiro de 2020 deverá ser revogado e substituído por outro que designe data para que a Mma. Juiz de Instrução proceda à abertura e conhecimento da correspondência apreendida nos autos, determinando a junção aos autos de toda a correspondência que se mostre relevante para a investigação.
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1.2. Não foi deduzida resposta ao recurso apresentado.
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1.3. A Mm.ª Juiz proferiu despacho de sustentação.
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1.4. Subidos os autos a esta Relação, o Exmº Sr.º Procurador-geral Adjunto emitiu parecer apondo o seu visto.
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1.5. Teve lugar a conferência.
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II. MOTIVAÇÃO.
É jurisprudência constante e pacífica[1] que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação (art.ºs 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Ac. do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª Série-A, de 28.12.95).
In casu, a questão que importa apreciar e decidir é a seguinte:
Envolvendo a apreensão realizada correio eletrónico, a quem compete proceder à sua abertura? 
Antes de avançarmos para o conhecimento do recurso, vejamos o teor da decisão em causa, transcrevendo-se a mesma:
Conforme se extrai da promoção que antecede pretende o Ministério Público que o Juiz de instrução tome em primeiro lugar conhecimento dos ficheiros que contenham email's, procedendo à abertura dos mesmos e que seja ordenada a sua junção aos autos daqueles que se mostrem relevantes para a investigação em curso nestes autos em cumprimento do que dispõe o art° 179° do CPP.
Resulta do disposto no artº 17º da Lei nº 109/009, de 15/9, sob a epígrafe "Apreensão de correio eletrónico e registo de comunicações de natureza semelhante", que "quando no decurso de uma pesquisa informática ou outro acesso legitimo a um sistema informático, forem encontrados, armazenados nesse sistema informático ou noutro a que seja permitido o acesso legitimo a partir do primeiro, mensagens de correio eletrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão daqueles que se afigurarem ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, aplicando-se correspondentemente o regime de apreensão de correspondência previsto no Código Processo Penal. "
Como refere Rui Cardoso, in, Coleção de formação contínua, Cibercriminalidade e prova digital, julho de 20 18, CEJ, -"O artigo 17.º da LCC determina a correspondente aplicação do regime de apreensão de correspondência do CPP, não a aplicação integral. Esta só deve ser feita naquilo que não contrariar o já previsto na própria LCC; a remissão para o CPP não pode sobrepor-se ao regime especial de prova eletrónica previsto na LCC.
Nomeadamente, não será de aplicar nem o âmbito objetivo nem o subjetivo do artigo 179.º do CPP, e, no que respeita aos procedimentos. no inquérito é ao Ministério Público que compete proceder à análise e seleção das mensagens com grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, que depois apresentará ao juiz em suporte autónomo juntamente com requerimento fundamentado, após o que o juiz apreciará, tomando conhecimento do seu conteúdo, e decidirá autorizar ou não autorizar a apreensão formal. Esta a interpretação mais conforme à letra da lei, que maior coerência confere ao complexo normativo de tutela de direitos em matéria de dados de comunicações eletrónicas, que respeita as diferenças de natureza entre o correio corpóreo e correio eletrónico ou semelhante, e, finalmente, a estrutura acusatória do nosso processo penal."
Concorda-se integralmente com a interpretação suprarreferida.
Assim sendo devolva ao DIAP renovando-se o despacho de fls. 152 dos autos.
Este despacho recaiu sobre a promoção apresentada pelo MP, com o seguinte teor:
Constata-se que, não obstante o promovido pelo Ministério Público a fls. 150, no douto despacho da Mma. Juiz de Instrução de fls. 152 foi autorizado o acesso e pesquisa aos ficheiros constantes do DVD junto aos autos e a seleção e registo de ficheiros provenientes de comunicações eletrónicas ou de quaisquer dados relativos àquelas, Conforme consta dos autos, mais concretamente do douto despacho judicial de 20.12.2018 e do exame pericial de fls. 145 já havia sido autorizada tal pesquisa a qual foi efetuada pelo LPC, tendo sido apreendidos e registados no DVD junto aos autos devidamente selado os ficheiros das comunicações eletrónicas que resultaram do exame pericial.
De acordo com o disposto nos artigos 179º, n. 3 do Código de Processo Penal e artigo 17º da Lei 109/2009, de 15 de Setembro, a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência apreendida será o Mmo. Juiz que autorizou a pesquisa e, caso a considere relevante, fá-la juntar ao processo.
Atento o exposto, renova-se a promoção de 22 de Janeiro de 2020, que aqui se dá por integralmente reproduzida, promovendo-se que seja aberta a correspondência gravada no DVD junto aos autos e apreciada a sua relevância para a investigação mais se promovendo que, caso sejam relevante, seja determinada a sua junção aos presente autos.
Remeta de imediato os autos à Mma. Juiz de Instrução para apreciação e decisão.
A questão suscitada é de manifesta simplicidade.
A Lei do Cibercrime, lei nº 109/2009, de 15 de setembro, a qual transpõe para a ordem jurídica interna a Decisão Quadro nº 2005/222/JAI, do Conselho da Europa, de 24 de fevereiro, preceitua no seu art.º 17º:
Quando, no decurso de uma pesquisa informática ou outro acesso legítimo a um sistema informático, forem encontrados, armazenados nesse sistema informático ou noutro a que seja permitido o acesso legítimo a partir do primeiro, mensagens de correio electrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão daqueles que se afigurem ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, aplicando-se correspondentemente o regime da apreensão de correspondência previsto no Código de Processo Penal.
Considerando a remissão operada para o regime de apreensão de correspondência previsto no Código de Processo Penal, preceitua o seu art.º 179º:
1 - Sob pena de nulidade, o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão, mesmo nas estações de correios e de telecomunicações, de cartas, encomendas, valores, telegramas ou qualquer outra correspondência, quando tiver fundadas razões para crer que:
a) A correspondência foi expedida pelo suspeito ou lhe é dirigida, mesmo que sob nome diverso ou através de pessoa diversa;
b) Está em causa crime punível com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos; e
c) A diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova.
2 - É proibida, sob pena de nulidade, a apreensão e qualquer outra forma de controlo da correspondência entre o arguido e o seu defensor, salvo se o juiz tiver fundadas razões para crer que aquela constitui objecto ou elemento de um crime.
3 - O juiz que tiver autorizado ou ordenado a diligência é a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência apreendida. Se a considerar relevante para a prova, fá-la juntar ao processo; caso contrário, restitui-a a quem de direito, não podendo ela ser utilizada como meio de prova, e fica ligado por dever de segredo relativamente àquilo de que tiver tomado conhecimento e não tiver interesse para a prova.
Por sua vez, o disposto no artigo 268º n.º 1 alínea d) do CPP, determina:
1 - Durante o inquérito compete exclusivamente ao juiz de instrução:
(…)
d) Tomar conhecimento, em primeiro lugar, do conteúdo da correspondência apreendida, nos termos do n.º 3 do artigo 179.º;
(…)
A tudo isto acresce que a falta de exame da correspondência pelo juiz constitui uma nulidade prevista no art.º 120º n.º 2 alínea d) do CPP, porque se trata de um acto processual legalmente obrigatório.[2]
Sobre esta questão importa atentar nas decisões já tomadas por esta Relação[3]:   
Acórdão de 11/01/2011, no processo n.º 5412/08.9TDLSB-A.L1-5 (Relator Desembargador Ricardo Cardoso):
I - A Lei do Cibercrime (Lei nº109/09, de 15Set.), ao remeter no seu art.17, quanto à apreensão de mensagens de correio electrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, para o regime geral previsto no Código de Processo Penal, determina a aplicação deste regime na sua totalidade, sem redução do seu âmbito;
II - As mensagens de correio electrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, que se afigurem de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, podem ser apreendidas, aplicando-se correspondentemente o regime de apreensão de correspondência previsto no CPP;
III - Tais apreensões têm de ser autorizadas ou determinadas por despacho judicial, devendo ser o juiz a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência apreendida, sob pena de nulidade;
Acórdão de 06/02/2018, no processo n.º 1950/17.0T9LSB-A.L1-5 (Relator Desembargador João Carrola):
Lei do Cibercrime, lei nº 109/2009, de 15 de Setembro, a qual transpõe para a ordem jurídica interna a Decisão Quadro nº 2005/222/JAI, do Conselho da Europa, de 24 de Fevereiro, relativa a ataques contra sistemas de informação e adapta o direito interno à Convenção sobre Cibercrime do Conselho da Europa, determina no seu art.º 17º, sob a epígrafe da “apreensão de correio electrónico e registo de comunicações de natureza semelhante”, dispõe que, quando no decurso de uma pesquisa informática ou outro acesso legítimo a um sistema informático, forem encontrados armazenados nesse sistema informático ou noutro que seja permitido o acesso legítimo a partir do primeiro, mensagens de correio electrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão daqueles que se afigurem de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, aplicando-se correspondentemente o regime de apreensão de correspondência previsto no Código de Processo Penal.
Aplicando-se assim o regime de apreensão de correspondência previsto no Código de Processo Penal, este encontra-se disciplinado no art.º 179º, o qual estabelece desde logo no n.º 1 que tais apreensões sejam determinadas por despacho judicial, “sob pena de nulidade” expressa (n.º 1), e que “o juiz que tiver autorizado ou ordenado a diligência é a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência apreendida”, o que se aplica ao correio electrónico já convertido em ficheiro legível, o que constitui acto da competência exclusiva do Juiz de Instrução Criminal, nos termos do art.º 268º n.º 1 alínea d) do CPP, o qual estabelece que “compete exclusivamente ao juiz de instrução, tomar conhecimento, em primeiro lugar, do conteúdo da correspondência apreendida”, o que se estendeu ao conteúdo do correio electrónico, por força da subsequente Lei nº 109/2009, de 15 de Setembro, constituindo a sua violação nulidade expressa absoluta e que se reconduz, a final, ao regime de proibição de prova.
A falta de exame da correspondência pelo juiz constitui uma nulidade prevista no art.º 120º n.º 2 alínea d) do CPP, por se tratar de um acto processual legalmente obrigatório.
Acórdão de 07/03/2018, no processo n.º 184/12.5TELSB-B.L1-3 (Relatora Desembargadora Conceição Gonçalves):
I - Com a aprovação da Lei do Cibercrime (Lei 109/2009 de 25 de Setembro) foi introduzida, pela primeira vez no nosso ordenamento, um regime jurídico de prova digital.
II. O regime de apreensão de correio electrónico e registos de comunicações de natureza semelhante mostra-se regulado directamente pelo artigo 17º da Lei do Cibercrime e, subsidiariamente (por remissão do mesmo) pelos pressupostos e requisitos legais relativos à apreensão de correspondência, previstos no artº 179º do CPP (deixando de se aplicar a extensão legal prevista no artº 189º, nº 1 do CPP).
(…)
IV. A intromissão nas comunicações e na correspondência está sujeita a autorização judicial, o que se justifica pelo princípio da proporcionalidade face à especial danosidade social que implica tal intromissão.
V. Da redacção do artº 17º da Lei do Cibercrime resulta de forma clara que não esteve no espírito do legislador transpor para o correio electrónico e registos de comunicações de natureza semelhante a distinção, por referência ao correio tradicional, de correio aberto ou fechado, o que desde logo se colhe do elemento literal previsto neste preceito legal com a expressão “armazenados” o que pressupõe que a comunicação já foi recebida/lida e, consequentemente, armazenada, além de não existirem razões para considerar diminuídas as exigências garantísticas do correio electrónico quando aberto/lido relativamente ao correio electrónico fechado, atenta a natureza própria destas comunicações.
VI. As mensagens de correio electrónico que se encontrem armazenadas num sistema informático só podem ser apreendidas mediante despacho prévio do Juiz de Instrução Criminal, devendo ser o juiz a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência, conforme remissão para o artº 179º do CPP.
Também, tendo, ainda, como referência o acórdão proferido no processo nº 1286/14.9IDLSB-A.L1-5, datado de 4.02.2020, in www.dgsi.pt, não podemos deixar de sufragar o ali expendido e aplicável in totem à matéria destes autos:
- O regime de apreensão de correio electrónico mostra-se regulado directamente pelo artigo 17º da Lei do Cibercrime e, subsidiariamente (por remissão do mesmo) pelos pressupostos e requisitos legais relativos à apreensão de correspondência, previstos no artº 179º do CPP.
- A intromissão nas comunicações e na correspondência está sujeita a autorização judicial, o que se justifica pelo princípio da proporcionalidade face à especial danosidade social que implica tal intromissão.
- As mensagens de correio electrónico, que se encontrem armazenadas num sistema informático, só podem ser apreendidas mediante despacho prévio do Juiz de Instrução Criminal, devendo ser o juiz a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência, conforme remissão para o artº 179º do CPP.
- Envolvendo a apreensão realizada, correio electrónico, e constituindo a regra que o “juiz que tiver autorizado ou ordenado a diligência é a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência apreendida” precisamente uma das normas mais emblemáticas do regime de apreensão para que se remete, não se vê como através do elemento literal a mesma possa ser afastada, pelo que compete a este proceder à sua abertura.
- Mais do que a sua natureza electrónica, para o nosso legislador, o que sobretudo pesou ao nível das suas preocupações, foi a sua faceta de “correspondência” pelo que se entende que o legislador não quis, através da Lei do Cibercrime, consagrar uma menor protecção à correspondência electrónica do que aquele que consagra em relação à correspondência física e não faria sentido, deixar de considerar os restantes requisitos, fazendo a apreensão de correio electrónico depender apenas de a diligência “se afigurar ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova”, e ignorar os demais previstos no citado artigo 179.º do CPP.
- E não é pela circunstância, de não ter o domínio do inquérito, que o juiz de instrução criminal – que aliás, pode ser assessorado tecnicamente nessa actividade - fica inabilitado de poder decidir quais as mensagens que se “afiguram ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova.
Por estas razões, não podemos deixar de concordar com o MP quando entende que, ao decidir como decidiu, a Srª Juiz de Instrução violou o disposto no artigo 17º da Lei n. 109/2009, de 15 de setembro e nos artigos 179º, n.º 3 e 268.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Penal
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III. DECISÃO
Em face do exposto, os juízes da 3ª secção deste Tribunal da Relação de Lisboa, acordam em conceder provimento ao recurso interposto pelo M.º P.º, e consequentemente, revoga-se o despacho recorrido e, ordena-se a sua substituição por outro que determine o cumprimento do art.º 179º n.º 3 do CPP, aplicável por força do art.º 17º da Lei nº 109/2009, de 15 de Setembro (Lei do Cibercrime), que impõe que o JIC seja a pessoa a tomar conhecimento “em primeiro lugar” do correio eletrónico apreendido.
Independentemente do respetivo trânsito em julgado, informe-se o processo principal da presente decisão.
Sem custas.
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Tribunal da Relação de Lisboa, aos 10 de agosto de 2020
Alfredo Costa
Vasco Freitas
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[1] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, em www.dgsi.pt
[2] Paulo Pinto de Albuquerque, in comentário do Código de Processo Penal, 2ª Edição, anotação 12ª ao art.º 179º, página 495
[3] Acórdão proferido no processo nº 1286/14.9IDLSB-A.L1-5, datado de 4.02.2020, in www.dgsi.pt