Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | JORGE GONÇALVES | ||
Descritores: | VIOLÊNCIA DOMÉSTICA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/11/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
Sumário: | - A imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova, confere ao julgador em 1.ª instância meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal de recurso não dispõe, sendo essencialmente a esse julgador que compete apreciar a credibilidade das declarações e depoimentos, com fundamento no seu conhecimento das reacções humanas, atendendo a uma vasta multiplicidade de factores: as razões de ciência, a espontaneidade, a linguagem (verbal e não verbal), as hesitações, o tom de voz, as contradições, etc. - As razões pelas quais se confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem, pelo menos em parte, desse juízo de valoração realizado pelo juiz de 1.ª instância com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum. - Quer isto dizer que a atribuição de credibilidade, ou não, a uma fonte de prova pessoal, enquanto tiver por base uma valoração do julgador que seja fundada na imediação e na oralidade (e nessa medida), só poderá ser sindicada pelo tribunal de recurso demonstrando-se que é inadmissível face às regras da experiência comum, o que não significa que o tribunal superior não deva analisar os depoimentos prestados e ajuizar sobre a sua verosimilhança e plausibilidade, e bem assim escrutinar a aplicação de máximas da experiência comum que informam a opção do julgador. - Não se duvida que a relação de namoro é um elemento objectivo do tipo de crime de violência doméstica e uma acusação deve descrever os factos que suportem a existência de uma relação de namoro entre arguido e denunciante, tanto mais que inexiste uma única forma (ou um conjunto de formas pré-estabelecidas exclusivas) para se iniciar ou vivenciar uma relação de namoro. - Mas no caso, logramos perceber que a falta de outros elementos na acusação/pronúncia tem por base a circunstância de, da parte de arguido e denunciante, nunca ter havido dúvidas de que, efectivamente, tiveram um relacionamento que consideraram ser “de namoro”, que envolveu um vínculo afectivo/sentimental que foi para além da mera amizade e das relações fortuitas, caracterizando-se pela existência de uma relação amorosa com intimidade sexual que, apesar das suas vicissitudes, descontinuidades, frustrações e “altos e baixos”, perdurou ao longo do tempo e o arguido alegou, mesmo, que a relação “não foi só de namoro”, ou seja, foi mais do que isso (!), “dado que passaram a existir convivências e estadias alternativas na casa de cada um, as quais não tinham períodos certos”, o que, aliás, resultou das declarações de arguido e denunciante que, melhor que ninguém, sabem da relação que mantiveram um com o outro. - Atenta a circunstância - de se ter por evidente que para os próprios não era dubitativo que a relação entre o recorrente e a denunciante, que os próprios qualificaram de namoro, ultrapassou a mera amizade ou as chamadas relações furtuitas e que ambos tiveram um relacionamento amoroso "sério" -, entende-se não ser cabida a dúvida sobre tal estado, ou seja sobre a relação de namoro, que para os próprios se afigurava, antes do recurso, como inquestionável (e incontroversa) obviamente, referida ao passado, relativamente aos factos imputados ao arguido. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório 1. No processo comum com intervenção do tribunal singular n.º 340/17.0PBOER, o arguido J. , melhor identificado nos autos, foi pronunciado pela prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal (acusação a fls. 191 e ss./despacho de pronúncia a fls. 270 e ss.). O Ministério Público requereu, ao abrigo do disposto no artigo 82.º-A, do Código de Processo Penal, aplicável ex vi artigo 21.º, n.º 2, da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, que fosse arbitrada uma quantia a IC , a título de reparação pelos prejuízos sofridos. Realizado o julgamento, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: «Pelo exposto: a) Condeno o arguido, J. , pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1 al. b), do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro meses) de prisão, que decido suspender na sua execução, por igual regime de prova previsto nos artigos 53.º e 54.º do Código Penal, ex-vi artigo 34° - B da Lei n° 112/2009, de 16 de Setembro, e consequente submissão ao cumprimento de plano individual de readaptação social. b) Nos termos do disposto nos artigos 82.º-A do Código de Processo Penal e 21.º, n.º 2 da Lei n° 112/2009, arbitro a IC a indemnização de € 600,00 (seiscentos euros), condenando o arguido no pagamento desta quantia. (…)» 2. O arguido recorreu da sentença, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): 1) O Tribunal a quo deu erradamente como provado, no facto provado n.º 1, que o arguido e IC mantiveram uma relação de namoro desde data não concretamente apurada mas anterior a Junho de 2014 e até 21 de Março de 2016; 2) Em sede de motivação de facto alude-se a que esse relacionamento, não obstante a sua conturbação, era marcado por troca de afectos e intimidades, nomeadamente de cariz sexual e assentava num compromisso monogâmico em termos convencionalmente aceites, sendo que, estas considerações foram colocadas em causa quando se alude a que a partir de 2014 a relação deixou de estar numa fase de construção afectiva; 3) Ora, se a partir de 2014 a relação deixou de estar numa fase de construção afectiva, dificilmente se concebe que a mesma contenha troca de afectos e intimidades; 4) Sendo que, o referenciado na motivação se afasta daquilo que a jurisprudência nacional considera necessário para a verificação do tipo criminal do artigo 152.º, do Código Penal, dado que só concebe a incriminação pelo crime de violência doméstica existindo um namoro estável, firme, duradouro, sólido, com base numa relação de confiança e proximidade afectiva na busca de um projecto de voda em comum; 5) Ora, das declarações da própria Queixosa, IC , resulta que inexistiu qualquer relação sustentada em elementos sólidos e indesmentíveis, nomeadamente quando afirma, entre outras: - Não vivemos como marido e mulher (0:00:02.2 - pág. 2) - A relação teve muitos fins. Houve muitas, muitas peripécias c terminou muitas vezes. A primeira vez foi no início de 2014. (...) Depois foi cm Agosto de 2014. Pronto. E foi sempre assim. (0:01:06.0 - pág. 4) - Tudo o que eu fiz eu fiz nesse sentido. Eu não construir efectivamente e fui clara (...) as coisas não funcionam (0:40:21.0 - pág. 34) - Não existia situação de partilha. O que acontecia, quando nós estivemos muito tempo sem, sem nos relacionarmos, muito tempo, eu não sei especificar (0:40:21.0 -pág. 34) - Agora que eu ficava com ele de vez em quando, mas já não me recordo se... imperceptível ...ficava um fim de semana, isso acontecia. À 6.ª feira, agente podia ir jantar fora, conversar e as coisas começavam. Porque eu não, não tinha apetência para, para estar já com o J. depois destas situações... imperceptível... (0:41:26.2 - pág. 35) - Os encontros, para mim, efectivamente, não funcionavam. Portanto, não, quando não funciona no meu coração, não, não funciona em termos de disponibilidade (reportado ao ano de 2015) - (0:41:26.2 - pág. 36) - Então a partir de Julho de 2014 era como se não existisse já namoro (Advogado) - (0:42:24.0 - pág. 36) - Praticamente. (IC) - (0:42:24.0 - pág. 36) - É como se não existisse já namoro. (Advogado) - (0:42:24.0 - pág. 36) - Sim. Sim. Agora que eu dormia lá de vez em quando, de 6.ª para sábado, de sábado para domingo, sim. Eu tinha lá coisas essenciais, se calhar uma pasta dos dentes, uma cueca, um... sim. (IC ) - (0:42:24.0 - pág. 36) - Não planeávamos férias em conjunto. Nós nunca fomos de férias em conjunto. (0:43:16.9 - pág. 37) - Passámos um fim-de-semana, eventualmente, um ou outro fim-de-semana. Agora ferias cm conjunto não. (0:43:16.9 - pág. 37) - Mas e cm relação a partilha de encargos também não existia?. (Advogado) - (0:43:16.9 - pág. 37) - Também não existia (...) Cada um vivia na sua casa. (IC ) -v(0:43:16.9-pág. 37e38) - Certo. Também nunca tiveram nenhuma conta conjunta, nem nada disso? (Advogado) - (0:43:16.9 - pág. 38) - Não. (IC ) - (0:43:16.9 - pág. 38) 6) Sendo que à questão colocada sobre se A partir de julho de 2014 havia alguma partilha, por exemplo, sei lá, de despesas ou de coisas que tivessem que decidir em conjunto? Decidiam coisas em conjunto? Planeavam férias em conjunto? A Recorrida respondeu "Não", tendo ainda referido que "Não planeávamos férias em conjunto. Nós nunca fomos de férias em conjunto" (0:43:16.9 - pág. 37) 7) Reforçando esta posição, a testemunha AM , que foi quem apresentou ambos, nunca se apercebeu de que namorassem; 8) Nesse sentido tenha-se em conta as seguintes partes do seu depoimento: "... não, eles nunca tiveram propriamente, enfim, se me permitem posso-vos contar mais ou menos como é que as coisas surgiram, enfim, cu conheci-os, eu estava em Sintra, depois vim para Oeiras, depois na altura conheci a IC , c a IC , houve um dia que já conhecia ali o J. , propôs que houvesse um jantar com outras pessoas c eu levei o J. , c eles conheceram-se nessa data, pronto. Eles tiveram um relacionamento, cu agora vou ter de contar outra coisa, que eu não o conheci, pronto eu só o conheci, eu só soube do relacionamento que eles tiveram ou supostamente tiveram, acho que não tiveram, praticamente na fase terminal, portanto e eu no meio dava-me com um e com o outro, mas eu não sabia da, da ..." (0:09:14.4 - pág. 10) e ainda " (...) "Portanto quer dizer, eu relacionava-me com eles, com ambos absolutamente normal, não sabia sequer do relacionamento deles" (0:10:22.3 - pág. 10); 9) A circunstância de ambos terem omitido que namoravam ao amigo comum, que os apresentou, é um sinal forte de inexistência da relação com o cariz de namoro; 10) Por seu turno, a testemunha MI , amiga do Recorrente, inquirida e com interesse para o que esse particular concerne, referiu: "Naquela altura, não, não, não havia absolutamente nada, enquanto eu estive com ele, naqueles momentos não, não havia, não havia nada" (0:02:52.2 - pág. 3); 11) Acresce referir que a testemunha NC , que foi namorada do Recorrente, relatou um facto específico que teve a ver com a circunstância do Recorrente ter sofrido um acidente com o seu motociclo, ainda antes de Março de 2016, não tendo contado com a ajuda e apoio da Recorrida; 18) Nessa parte tenha-se em conta as seguintes partes do seu depoimento: "Pronto porque havia... pronto, não havia... havia desentendimentos, não havia apoio... o apoio normal que uma pessoa que supostamente tem uma relação connosco é suposto dar." (0:03:33.7 - pág. 5) e, mais à frente "Pois não tenho conhecimento. Aquilo que... que o J. me transmitia sobre essa relação na altura era que pronto ele gostaria que existissem projectos para o futuro, mas que de facto não existiam, não havia uma... uma intenção conjunta de projectos para o futuro. Era isso que o J. transmitia e era essa a percepção que eu tinha daquilo que o João... Peco desculpa, daquilo que o J. me transmitia." (0:05:54.6 - pág. 6); 19) Da conjugação destes depoimentos o que se infere é que o relacionamento entre o Recorrente e a queixosa nunca foi firme, duradouro, sólido, apaixonado, com sentido de entre ajuda e confiança mútua e com projectos de vida para o futuro; 20) A mesma testemunha, convidada a apresentar um exemplo específico acerca da falta de apoio por parte da requerida ao Requerente, respondeu: "Consigo, pronto quando o pai do J. morreu a pessoa, portanto o J. teve que pedir por favor à pessoa para... para ela ir ao funeral, quando o J. teve um acidente também em 2014, a pessoa também praticamente que não lhe deu nenhum apoio, pronto basicamente... assim cm grandes linhas é isso que me falou" (0:03:33.7 - pág.5); 21) Como tal, o facto provado n.º 1 deve alterar-se no seguinte sentido: "O arguido e IC , mantiveram uma relação instável, sem projecto de vida cm comum, sem partilha c envolvimento afectivo sério, desde data não concretamente apurada, mas anterior a Junho de 2014 e até 21 de Março de 2016"; 22) Por seu turno, o facto provado 2) tem que sofrer uma alteração na parte em que considerou como amorosa a relação entre o Recorrente e a queixosa; 23) Na realidade, do depoimento da própria queixosa IC , resultou expressamente que a partir de Junho de 2014 era como seja não existisse namoro (0:42:24.0 - pág.36), e que "não planeavam férias em conjunto, nunca foram de férias em conjunto" (0:43:16.9 - pág.37) e que apenas "passaram um fim-de-semana eventualmente, um outro fim-de-semana" (0:43:16.9 -pág.37) e que "não existia situação de partilha" e "estavam muito tempo sem se relacionar" (0:40:21.0 - pág.34), invocando "eu já não tinha apetência para estar com o J. ", pois "os encontros efectivamente não funcionavam" (0:41:26.2 - pág.35), referindo ainda que "quando não funciona no meu coração, não, não funciona em termos de disponibilidade" (0:41:26.2 - pág.35); 24) Igualmente do depoimento de outras testemunhas resulta que a relação era praticamente inexistente em relação à componente amorosa, e nesse sentido tenha-se em conta uma parte do depoimento da testemunha PG , que refere "Aquilo que... que o J. me transmitia sobre essa relação na altura era que pronto ele gostaria que existissem projectos para o futuro, mas que de facto não existiam, não havia uma... uma intenção conjunta de projectos para o futuro." (0:05:54.6 - pág. 6); 25) Como tal, do facto provado 2) deve ser retirada a menção "amorosa", face aos motivos invocados; 26) Para levar à condenação do Recorrente, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo teve que se socorrer de jurisprudência brasileira, a qual considera que "independentemente da ocorrência de coabitação, o namoro é uma espécie de relação íntima de afecto. Mesmo cessado o vínculo, se a ameaça é cometida nesse contexto, configura-se violência doméstica"; 27) Contudo, como no ordenamento jurídico português não existe uma definição legal de namoro, para efeitos do tipo criminal do artigo 152°, do Código Penal, tem sido a jurisprudência e a doutrina a definir-lhe os contornos; 28) Neste sentido, a jurisprudência nacional é muito firme ao considerar que para que exista namoro integrador do tipo criminal do artigo 152°, do Código Penal, é necessário, nomeadamente, a existência de projecto de vida em comum, a estabilidade, a confiança, a publicidade, um ambiente idêntico ao de família, carinho e apoio mútuos, e nenhum destes aspectos existia na relação mantida entre a ofendida e o ora Recorrente; 29) Das declarações da queixosa e das testemunhas atrás referenciadas, resulta que existe falta de confiança, falta de projecto de vida, férias não partilhadas, relacionamento desconhecido dos amigos, falta de apoio mútuo na doença; 30) Aliás, na própria motivação se alude, na sequência do depoimento da queixosa, que a relação foi marcada por intermitências e que a partir de 2014 deixou de estar numa fase de construção afectiva, sendo que estas circunstâncias, só por si, são suficientes para se excluir da matéria provada a alusão a "namoro" e a "relação amorosa"; 31) Além disso, inexistem, quer na acusação quer na fundamentação de facto, alusões que caracterizam o namoro com elementos sólidos e indesmentíveis, a nível fáctico que o comprove; 32) Como tal a decisão padece de vícios enquadráveis na alínea b), do n.º 2, do artigo 410° do CPP, o que se invoca; 33) Para efeitos do preenchimento do tipo objectivo do crime de violência doméstica previsto no artigo 152° do Código Penal, no que concerne ao relacionamento de namoro, não é possível conceber o conceito com base na aceção social corrente que lhe é atribuído, mas sim com elementos fácticos sólidos e indesmentíveis, referentes ao cumprimento de respectivos deveres para comprovar a existência de relação afectiva, estável, análoga à de cônjuges, o que, no caso concreto, a decisão omitiu, e é defendido pela jurisprudência nacional; 34) Pelo que o Tribunal não se encontrava na posse de elementos suficientes que pudessem concluir a relação como namoro na acepção de relação monogâmica estável defendida pela doutrina; 35) Como tal, a decisão deve ser revogada e substituída por outra que absolva o Recorrente da prática do crime de violência doméstica, bem como da indemnização de € 600,00 em que foi condenado; 36) Sendo que, pelo facto da queixosa não se ter constituído como assistente, nem ter deduzido acusação particular, também não é possível a condenação do Recorrente pelo crime de ameaças e injúrias; 37) Mostra-se violado o artigo 152°, n° 1, alínea b), do Código Penal, o qual foi indevidamente interpretado no caso concreto, face a tudo já alegado: JUSTIÇA!!!! 3. O Ministério Público junto da 1.ª instância apresentou resposta, a sustentar que o recurso não merece provimento, concluindo (transcrição das conclusões): 1. Da leitura das alegações de recurso do arguido, constata-se que o este pretende é ver a convicção formada pelo tribunal a quo substituída pela convicção que ele próprio entende que deveria ter sido a retirada da análise da prova produzida em audiência de julgamento, esquecendo-se, no entanto, que fora dos casos de renovação da prova em 2.ª instância, nos termos previstos no artigo 430.°, do Código de Processo Penal, o recurso relativo à matéria de facto visa apenas apreciar e, porventura, suprir eventuais vícios da sua apreciação em primeira instância. 2. Ora, o tribunal a quo explicou de forma clara e exaustiva qual o processo que conduziu à sua tomada de decisão, fazendo-o sem deficiências, contradições e obscuridades, sendo perceptível por que motivo o tribunal a quo condenou o arguido pela prática de um crime de violência doméstica. 3. E fê-lo norteando-se pelo princípio da livre convicção do julgador, inserto no artigo 127.°, do Código de Processo Penal, explicando de forma cristalina que a sua convicção se alicerçou, para o que ora importa, na análise crítica das declarações prestadas pelo recorrente e do depoimento prestado por IC , aqui ofendida. 4. Com efeito, ambos reconheceram a existência de uma relação de namoro que teve o seu início em 2012 e o seu termo a 21/03/2016, pese embora, a partir de 2014 se tenha transformado num relacionamento "tóxico", eivado de conflitos (muitos devido à personalidade do recorrente). 5. Refira-se, aliás, que toda a conduta do arguido, após o termo do relacionamento, com o envio de mensagens à ofendida e na imposição da sua presença nos locais onde aquela se encontrava, é demonstrativa de que entre si e IC existiu um relacionamento amoroso em tudo consentâneo com uma relação de namoro. O comportamento do arguido evidencia, pois, o seu descontentamento e a falta de aceitação do termo de um relacionamento que, naturalmente, só podia corresponder a uma relação de namoro. 6. É manifesto que o arguido e a ofendida mantiveram uma relação sentimental, afectiva, íntima e tendencialmente estável (perdurou cerca de 4 anos), que ultrapassou a mera amizade ou as chamadas relações furtuitas e que ambos encaravam o que tinham como um relacionamento amoroso "sério". 7. E da leitura das motivações da matéria de facto e de direito, que por serem cristalinas nos abstemos de repetir, resulta cabalmente demonstrado por que razão o tribunal a quo condenou o arguido pela prática de um crime de violência doméstica, numa decisão que não oferece qualquer reparo. 4. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que se reporta o artigo 416.º do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de C.P.P.), emitiu parecer (cfr. fls. 456 e seguintes) em que sustentou que o recurso não deve obter provimento. 5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º2, do C.P.P. e colhidos os vistos, os autos foram à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do mesmo diploma. II – Fundamentação 1. Dispõe o artigo 412.º, n.º 1, do C.P.P., que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2.ª ed. 2000, p. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 2007, p. 103; entre muitos, os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, p. 196). Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem de forma condensada as razões de divergência do recorrente com a decisão impugnada, as questões a apreciar e decidir no recurso são: - Erro de julgamento da matéria de facto quanto à verificação da relação de namoro como elemento do tipo de crime por que foi condenado o arguido; - Vício decisório previsto no artigo 410.º, n.º2, alínea c), do C.P.P. 2. Da sentença recorrida 2.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos: 1. O arguido e IC mantiveram uma relação de namoro desde data não concretamente apurada, mas anterior a Junho de 2014, até 21/03/2016. 2. O arguido não aceitou o fim da relação amorosa e, a partir de meados de Setembro de 2016, passou a enviar a IC várias mensagens SMS's, através dos números que utilizava: 937300805, 967396303 e 935065989. 3. A partir da mesma altura, o arguido passou a dirigir-se aos locais que IC frequentava, designadamente o local de trabalho desta, e continuou a frequentar o Passeio Marítimo de Oeiras, em Paço de Arcos, espaço frequentado por ambos. 4. O arguido procedeu desta forma, por conhecer os hábitos de IC e por saber que, assim, aquela o via. 5. No dia 3/03/2017, pelas 16h00, como IC não pretendia manter qualquer contacto, o arguido dirigiu-se junto ao local de trabalho daquela, no Centro de Saúde …, e aguardou pela sua chegada, na Av. …. 6. Quando IC se dirigia para o veículo automóvel, o arguido colocou-se junto à porta do condutor e não permitiu a entrada daquela, a qual contornou o veículo e entrou pela porta dianteira direita. 7. Ato contínuo, o arguido introduziu-se no referido veículo pela porta do lado do condutor e sentou-se, dizendo insistentemente a IC : fala comigo. 8. Como IC saiu do veículo, o arguido saiu também e continuou a insistir junto daquela, que lhe disse por várias vezes: “eu não quero falar contigo”, ao que o arguido lhe respondeu “mas quem és tu para não quereres faiar comigo?”. 9. O arguido só cessou com a descrita conduta porque IC pediu auxílio a dois transeuntes, que chamaram ao local os agentes de autoridade. 10. No dia 9/04/2017, pela manhã, o arguido encontrou IC a passear junto ao … e aguardou por aquela. 11. Como aquela voltou imediatamente para trás assim que o viu, o arguido, às 10h51 e através do número 967396303, enviou a IC a seguinte SMS: “não te sentes ridícula a fugir dos teus fantasmas?”. 12. Após, o arguido continuou a enviar a IC vários SMS’s, nomeadamente: - “IC inha, tenho saudades de ti. Volta para mim” - em 6/07/2017, às 23:09:33; em 27/06/2017, às 23:35:17; em 22/06/2017, às 23:01:58; em 17/06/2017, às 00:02:51 - “Então de que nível és tu? Daquele nível que rouba, agride e calunia?” em 20/07/2017, às 8:54:20 e às 6:19:30 - “Trata-te, sociopata reles. Trata-te a sério em vez de andares a fingir. Cobarde de merda” - em 21/07/2017, às 7:29:58 - “E achas tu que tens nível? O nível do cão é onde estás” - em 21/07/2017, às 7:31:39 - “Estás caladinha? Foge, foge cobarde” - em 21/07/2017, às 8:37:09 - “Deixa de ser cobarde e enfrenta, encara e da atenção” - em 21/07/2017, às 09:22:40, às 7:38:49 - “Não te faças surda, responde!” - em 21/07/2017, às 09:48:15 - “Roubar é vergonhoso, IC não sejas cobarde, não fujas, não te escondas. Devolve-me o que me roubaste!?” - em 21/07/2017, às 22:15:49 - “IC inha, devolve o que me roubaste” - dia 27/07/2017, às 9:08:33, em 26/07/2017, às 23:02:32, 13:06:30, 10:11:55, 9:39:15, 8:23:16; 2m 25/07/2017, às 23:27:03, 23:08:43, 14:09:40, 13:06:11; em 24/07/2017, às 22:47:46. - “IC inha, deixa de ser irracional e fala comigo” - dia 27/07/2017, às 9:41:50, às 9:08:27; em 26/07/2017, às 10:11:36, às 9:39:01; 13. No dia 11/08/2017, entre as 21h46 e as 21h55, o arguido enviou 18 SMS's a IC , nomeadamente estes com o seguinte teor: - “Tu estás tão patareca que nem lês do que falas e nem sabes o que dizes. Diz-me lá que razões são essas de que falas mas que não mostras?” - às 21:46:33 - “Que razoes são essas que não existem?” - às 21:47:03 - “O teu mau caracter, arrogância e cobardia mostra-los bem nestes SMS’s (...) eu não sou igual a ti, não sou mentiroso” - às 21:52:36 - “Um dia vais engolir a tua arrogância e pagar o teu mal a multiplicar” (...) -às21:54:26 - “Eu não te quero mal nenhum mas tu tens um medo de mim que te borras toda mal me ves. Vá-se lá entender isto?!” - às 21:55:01 14. No dia 8/09/2017, pelas 16h00, na Av…, o arguido aguardou pela chegada de IC , apenas tendo saído do local devido à presença de agentes de autoridade. 15. Nesse mesmo dia, entre as 18h51 e as 20h26, o arguido enviou 9 (nove) SMS's a IC , nomeadamente: - “Doente!” - às 18:51:39 - “(...) E és tão doente que pensas sair impune. Vão fazer-te a folha, miserável, cobarde. Pede ajuda a esse faustino - às 19:51:52 - “Borras-te tanto que já fizeste asneira!” — às 20:11:17 - “Doente!” - às 20:19:20 - “E agora cala-te que me incomoda falar com gente da tua laia” - às 20:26:04 16. Nestas ocasiões e em todas as outras que IC teve de suportar, agiu o arguido com intuito de molestar psicologicamente a sua ex- companheira, atemorizá-la, diminuir a sua honra e consideração, o que conseguiu, bem sabendo que as expressões por si proferidas são adequadas a causar medo, receio e inquietação de que pudesse atentar contra a sua vida ou integridade física, como efetivamente causaram, de lhe limitar a sua liberdade de movimentação e de lhe causar sentimentos de vergonha e humilhação. 17. Mais, quis o arguido mover uma perseguição constante, repetida e continuada a IC , quer impondo a sua presença nos locais que aquela frequentava, quer através de mensagens escritas, de modo a fazê-la crer que estava constantemente a ser vigiada, assim lhe causando medo e prejudicando a sua liberdade de atuação e de movimentos, o que conseguiu. 18. Ao enviar as referidas mensagens escritas, agiu ainda o arguido com o propósito concretizado de perturbar a vida privada de IC e a sua paz e sossego, como logrou fazer. 19. Agiu sempre o arguido de forma livre e deliberada e consciente de ser a sua conduta proibida e punida por lei. 20. O arguido é pessoa respeitada no seu meio social, sendo considerado, nas relações pessoais que mantém com os seus amigos como pessoa calma e cordata. 21. Mantém, nas relações de amizade, elevado espírito de solidariedade, prestando apoio aos seus amigos nos momentos menos bons. 22. O arguido tem um rendimento mensal de pouco mais de € 1600,00 por mês. 23. Vive em casa própria, com uma filha de 31 anos, já independente. 24. O arguido está adstrito ao pagamento de uma prestação mensal de € 220,00 por mês, para amortização de capital e de juros relativos a contrato de financiamento da sua viatura. 25. O arguido é licenciado e mestrado em Engenharia mecânica e tem doutoramento em informática. 26. O arguido não tem qualquer condenação averbada no seu registo criminal. 2.2. Quanto a factos não provados ficou consignado na sentença recorrida (transcrição): Factos não provados, com relevância para a causa: - que o namoro se tivesse iniciado apenas no ano de 2014. - que no dia 9/04/2017, pela manhã, sabendo que IC costuma passear junto ao …, o arguido ali aguardasse pela chegada da mesma. 2.3. O tribunal recorrido fundamentou a sua convicção nos seguintes termos (transcrição): Em processo penal, vigora o princípio da livre interpretação da prova, consagrado no artigo 127° do nosso Código de Processo Penal, que prevê que “ Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. Livre apreciação da prova não se confunde, claro está, com o impressionista- emocional arbítrio ou a decisão irracional “puramente assente num incondicional subjectivismo alheio à fundamentação e a comunicação” - cfr. Prof. Castanheira Neves, citado pelo Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 1, 43. O processo de formação do juiz deve, antes sim, assentar na recolha de dados objetivos, numa apreciação da prova motivada e controlável, condicionada ao princípio da busca da verdade material. Em concreto, a convicção do Tribunal quanto aos factos que se deram por assentes, alicerçou-se na análise crítica das declarações do arguido, em confronto com os depoimentos de IC , AM , MS , MP , MI , NC , PG e RS , com impressão de mensagem de fls. 52, com os Autos de transcrição de fls. 62 a 69, com o relatório de extração de e-mairs e mensagens Sms's, de fls. 94 a 100, com aditamento de fls. 116 e esclarecimento prestado por o chefe da PSP que o elaborou, a fls. 301. O arguido tem declarações que transparecem um conflito interior manifesto e mal resolvido. Assim, o próprio arguido reconhece o relacionamento de namoro mas, à semelhança do que veio a acontecer com a denunciante, fixa o seu início ainda em 2012. O arguido explica que o namoro decorreu de forma mais ou menos equilibrada até Março de 2014, na data do falecimento do seu pai, altura em que ela se recusou em acompanhá-lo ao funeral do pai. Nesse namoro, ainda que se queixe que ela não o apresentava à família, o arguido e IC chegavam a pernoitar 5 ou 6 noites por mês. O arguido afirma, sempre numa postura corporal e com uma expressão de voz pouco convincente, que a denunciante tinha crises de humor, que chegava ao nível da violência verbal, tendo culminado com um episódio de violência física em que aquela o atingiu no globo ocular com uma mala. Esse episódio, ocorrido no dia de aniversário da denunciante -21/03/2016 - marcou o fim do namoro. Mas reconhece que este relacionamento, não obstante a sua conturbação, era marcado por troca de afetos e intimidades, nomeadamente de cariz sexual, e assentava num compromisso monogâmico, em termos convencionalmente aceites. O arguido, num discurso pouco enfático, explica que apresentou queixa por esse episódio em que alega que IC o atingiu com uma mala, reconhecendo que ela, igualmente, apresentou queixa, comentando que o fez após se ter arranhado na cara, simulando, assim, as lesões. No que é revelador da personalidade do arguido e da forma como pretende ver prolongar, de forma rebarbativa, os assuntos pendentes relativos ao namoro, o arguido anuncia que, durante os anos de 2014 a 2016, ia emprestando dinheiro, à razão de cerca de €50,00 por mês. Em determinada altura, sem capacidade para fazer o apanhado da dívida e de exigir a exata prestação de contas, o arguido e a denunciante fixaram o valor da dívida em € 500,00. Para mais, o arguido emprestou a IC um telemóvel de marca Nokia e esta não lho devolveu. O arguido, ainda que vacilando inicialmente, acaba por reconhecer que foi o autor das mensagens de SMS que foram transcritas nos autos. E procura justificar, de forma artificial, que o objetivo de enviar as mensagens era, além do mais, obter a devolução do telemóvel e do dinheiro Ora, o arguido atraiçoa a sua argumentação que é exposta de forma pouco convincente quando, em audiência, a denunciante procura, através do tribunal, devolver-lhe o telemóvel. O arguido, que momentos antes inflacionara o valor do telemóvel - manifestamente obsoleto mesmo em 2014-2016 - e que afiançara interesse em obter a devolução do aparelho acaba por, colocado nessa situação, rejeitar a entrega do mesmo, num gesto que roçou o desrespeito pelo tribunal, que está registado em áudio e que expõe a sua personalidade. A observação das mensagens, em audiência, inseridas no seu contexto e no historial de mensagens entre arguido e denunciante, demonstram inequivocamente que o arguido procurou o pretexto de uma pretensa dívida para se aproximar da denunciante e subjugá-la à sua vontade, mas não mostrava, de forma séria, em obter esse ressarcimento. Aliás, repare-se que a origem da dívida é questionável, traduzindo-se num alegado acerto, por insistência do arguido, de uma relação de “deve e haver” que se pode estabelecer num relacionamento em que as pessoas não andam agarradas sistematicamente a uma máquina de calcular para dividir despesas. Esta imposição do pagamento da dívida apenas exibe, uma vez mais, o íntimo do arguido e a sua impreparação para se manter neste relacionamento. O excurso pelas mensagens enviadas pelo arguido e com as quais foi confrontado em audiência permitem compreender, até perante as suas fracas explicações, que o arguido procurou exercer um domínio sobre a denunciante, pressioná-la a encontrar-se consigo e, insatisfeito com essa sua incapacidade, redunda no vilipêndio do insulto e da ameaça e na perseguição sem sentido. Repare-se que o arguido oscila as suas explicações para este comportamento na sua tentativa de obter o reembolso do dinheiro, no seu desequilíbrio emotivo e psicológico (que o levou a procurar ajuda profissional) e na tentativa de exigir explicações para a circunstância de se considerar caluniado, junto das relações comuns, pela denunciante. O arguido apresenta fraca explicação, igualmente, para o episódio ocorrido no dia 3/03/2017, em frente ao local de trabalho de IC . Assim, reconhece que procurava dialogar com aquela, mas nega que tenha atuado com a gravidade que lhe é imputada, mantendo uma visão do episódio distanciada de IC e das testemunhas dos factos, o casal de transeuntes que reconhece que por ali passava. O arguido nega que o episódio descrito em 9. da douta acusação se prenda com uma perseguição à denunciante, explicando que a encontrou fortuitamente quando se deslocava para o café QB, como lhe era costume. No entanto, confrontado com a mensagem que lhe enviou, com referência a fantasmas, o arguido responde, de forma pouco coerente, que sentiu que a mensagem era exagerada, mas que tinha as suas motivações, já que se sentia caluniado pela denunciante, querendo confrontá-la com isso. O arguido não consegue explicar que expetativas é que guardava para, nessa ocasião, conseguir falar com a denunciante que já se havia recusado falar com ele no dia 3 de Março. Ora, o depoimento de IC é mais esclarecido e cristalino. A depoente tem um discurso espontâneo, livre de incongruências, sem prejuízo de falhas de memória quanto a aspetos de pormenor, que se encaram como lacunas mnésicas normais, fruto de um processamento normal de memórias, ainda que associadas a um contexto marcante e traumático. A sua postura corporal e o tom verbal sugerem a segurança de alguém que fala a verdade. Para mais, a coerência do seu discurso é ancorada em outros meios de prova que corroboram o seu discurso - depoimentos equidistantes e insuspeitos de MP e de RS , auto de transcrição das mensagens, aditamento de fls. 116 e esclarecimento prestado por o agente que o elaborou, a fls. 301. Em determinado momento, o depoimento da testemunha toma-se particularmente emocionado, numa exteriorização dificilmente simulável. Assim, também a testemunha reconhece que iniciou um relacionamento de namoro com o arguido em Junho de 2012. Esse namoro terminou, pela primeira vez, no início de 2014. Depois, terminou em Agosto de 2014. A partir de 2014, a relação deixou de estar numa fase de construção afetiva, admite. Assim, a depoente refere-se a outros episódios, de uma forma perentória, que não estão definidos na acusação/pronúncia e, assim, no objeto do processo, mas que acabam por permitir compreender a razão das reservas da testemunha, no futuro daquele relacionamento, que encarou inicialmente de forma comprometida e esperançada. Conta a testemunha que, em data que não consegue precisar, no interior casa dela, o arguido empurrou-a e ela caiu. Quando ela o confrontou, ele disse que ele não a tinha empurrado e que ela é que tinha caído. E refere-se, ainda, a um episódio ocorrido três semanas depois de se ter submetido a uma intervenção cirúrgica de implante de um disco da cervical, quando o arguido a foi buscar à fundação Champalimaud, na convalescença dessa intervenção. Aí, quando ela lhe disse que ela não ia ficar com ele nessa noite, ele começou a ficar “desvairado”, num ambiente de terror, que a obrigou a atirar o carro para o passeio. A testemunha fixa, igualmente em março de 2016, a data final do relacionamento, marcado até aí por intermitências. A depoente revela que, em determinada altura, após ter posto termo ao relacionamento, o arguido passou a aparecer em locais por ela frequentados. Repare-se que, ainda que a depoente refira que o arguido não gostava de caminhadas, as testemunhas por este arroladas permitiram demonstrar que ele, mesmo antes de iniciar o relacionamento com IC , frequentava o passeio Marítimo de Algés, ali fazendo passeios a pé. De todo o modo, até pelo que resulta das declarações do arguido, inexistem dúvidas de que a depoente tinha esse hábito assíduo de fazer caminhadas por aquele passeio marítimo. Assim, em determinada altura, vê-o e sem que ele se parecesse aperceber da sua presença, retirou-se. Noutra ocasião, em frente ao seu trabalho, a testemunha quando ia a regressar ao veículo, depara-se com o arguido que sai inopinadamente detrás do carro. A depoente foi ao Centro chamar o Segurança e ele fugiu. Ainda que esse episódio não esteja concretamente definido na douta acusação/pronúncia, a testemunha confere pormenores credíveis ao episódio, que se integra dentro do concretamente alegado no ponto 3. Noutra ocasião, contudo, o arguido manteve-se junto ao carro, perto do Centro de Saúde. Quando a testemunha se aproxima do veículo impedia-a de nele entrar, segurando a porta com as mãos. A depoente foi particularmente muito descritiva neste episódio, num depoimento emocionado, explicando que “tudo o que queria era que isto acabasse”. Assim, reproduz os factos que ora se deram por assentes em 5. a 9.. A depoente revela que se recordou, ao ver um casal aproximar-se, do que tinha lido no Manual da PSP, pelo que pediu ao casal que chamasse a polícia. Ao contrário do afirmado pelo arguido, a depoente considera que este permaneceu no local por não se ter apercebido que a senhora tinha chamado a PSP. A depoente, sempre num discurso muito orientado e credível, após ter procurado devolver o telemóvel assevera que não tem dívida nenhuma para com o arguido, não reconhecendo o valor que aquele lhe exige. Repare-se que as respostas que foi dando às mensagens enviadas pelo arguido fazem pressupor que ela não assumira, efetivamente, essa dívida. A testemunha refere-se, ainda ao episódio em que foi abordada pelo arguido no passeio marítimo de Paço de Arcos, no caminho para a ponte na Marginal. Assim, explica que esse avistamento se deu por duas vezes, não se recordando das concretas datas, mas a segunda das quais foi acompanhada do envio de uma mensagem SMS, com referência à expressão “fugir dos fantasmas”, o que permite concluir inelutavelmente, que se refere ao episódio de 9 de Abril, que se deu por assente em 10. Ainda que se suscitem dúvidas sobre se o arguido se dirigiu àquele local exclusivamente com o fito de encontrar IC , existem certezas de que aproveitou o ensejo para forçar conversa, sendo a sua frustração expressa naquela mensagem sms, transcrita nos autos. Pelo que assim se justifica os factos assentes em 10 e 11. A denunciante queixa-se, ainda, da circunstância do arguido passar a estar presente em eventos como “aplicação das constelações familiares ao direito sistémico” e outros de natureza científica ou cultural, o que considerou ser, manifestamente, uma forma dele impor a sua presença perante si, conhecedor dos seus interesses e passos. Tal atitude exigiu que a depoente passasse a frequentar estes workshops sempre acompanhada de alguém, passando a ter medo do arguido. Confirma, ainda, o episódio assente em 14. E declara, com foros de certeza, que o arguido a estava manifestamente a observar e tinha o telemóvel em posição de filmar. O depoimento da testemunha em confronto com o aditamento de fls. 116 e com esclarecimento prestado por o agente que o elaborou, a fls. 301. permite ancorar a certeza de que os factos ocorreram tal como se deu por assente. A testemunha, confrontada com as mensagens, cuja receção confirma, explica que algumas delas foram bloqueadas, sendo transmitidas à autoridade policial para a transcrição. De todo o modo, deixa claro que se sentiu perturbada com o teor dessas mensagens, tendo sido algumas, ainda, apagadas. E, muito particularmente, sentiu-se amedrontada pela ameaça “vou-te fazer a folha”, que reputa como a mensagem mais marcante. AM é amigo do arguido e da denunciante pelo que estará, admite-se, numa relação de equidistância. Este depoente, no entanto, jamais assistiu a qualquer episódio de desentendimento entre ambos, apenas tomando conhecimento do que se passava através dos desabafos de IC . Esta mostrou-lhe uns estragos na viatura e informou-o que estava a receber sms, narrando-lhe, ao longo do tempo, uma série de episódios e as queixas que tinha do arguido. O depoente corrobora que IC entregou o telemóvel para ele entregar ao arguido, tendo este respondido que não lhe aceitava o aparelho, pois que tinha que ser entregue por ela, o que é sintomático do que se concluiu - a entrega do telemóvel era um pretexto para o arguido impor a sua presença. Na sua opinião e daquilo que conhece de IC , a testemunha afirma que esta manifestava apreensão genuína em relação a estas situações, mostrando estar muito perturbada pelos SMS's. Pelo que esta testemunha é essencial, em conjunto com o depoimento da própria, para se compreenderem os efeitos que a conduta do arguido necessariamente causou à ofendida. MS , amiga do arguido há 20 anos, tem mantido algum contacto com este, explicando que conheceu a arguida num aniversário. Aí, o arguido apresentou a denunciante como sua namorada, evidência de que o casal mantinha uma relação de namoro exposta socialmente. Essa foi, no entanto, a única vez que esteve com IC . A depoente assevera que o arguido frequentava, consigo, o passeio marítimo de Algés, tendo memória que ele frequentava aquela zona e ali fazia passeios a pé mesmo antes do namoro com a denunciante. Esta testemunha tem um depoimento muito abonatório sobre o caráter do arguido, pessoa que considera calma e ponderada. Declarou, ainda, ter conhecimento do arguido, há cerca de dois anos, ter andado a ser acompanhado por psiquiatra e sujeito a medicamentação. Este falou-lhe do fim da relação, mostrando angústia, pois que queria que “as coisas acabassem bem”. A depoente afirma que o arguido recebeu mensagens ofensivas provenientes da denunciante, mas não consegue fundamentar esta declaração - jamais as viu e não consegue reproduzir o seu teor ou sentido. MP , à semelhança do seu namorado, RS , apenas conheceu IC no episódio descrito e assente em 5. Estas duas testemunhas, que presenciaram acidentalmente o episódio, de uma forma objetiva e isenta, confirmam-no da maneira como este foi dado por assente. Os seus depoimentos são, assim, essenciais para a compreensão desse episódio e para a caraterização do molesto a que o arguido sujeitou a denunciante. Ambas as testemunhas aperceberam-se que o arguido estava com uma postura muito hostil, indiferente às solicitações de IC , que lhe pedia para ir embora. Os depoentes esclarecem unanimemente que o arguido ainda conseguiu reter a denunciante 10 a 15 minutos, após o que chegou a PSP chamada pela testemunha Madalena, a pedido de IC . Ainda que não consigam reproduzir, o que é normal, todos os pormenores com a precisão que o faz IC , a afetada pela conduta do arguido, estes depoimentos são muito equilibrados, espontâneos e credíveis, permitindo confirmar, com certezas, que os factos ocorreram tal como assente em 5. a 9.. MI , amiga do arguido desde Maio de 2015, conheceu-o em Maio, declara que apenas viu IC por duas vezes - uma no Palácio do Egito e outra vez no Teatro, ao longe. A depoente conta que, a partir de determinada altura, passou a conviver todos os fins-de-semana com o arguido, numa altura em que já não havia qualquer relacionamento amoroso entre a queixosa e o arguido. Este queixava-se das reações da denunciante. Também esta testemunha refere que IC enviava mensagens de ameaça ao arguido, dizendo que tinha gravações dele, mas o certo é que também ela confirma que jamais as viu, tudo se resumindo àquilo que o arguido lhe dizia. Esta testemunha tem, igualmente, um depoimento fortemente abonatório sobre a personalidade do arguido. NC , amiga do arguido, confidencia que foi sua namorada até 2011. Este depoimento é, assim, fortemente abonatório da personalidade e temperamento do arguido, pessoa muito atenciosa e que a acompanhou sempre na situação de doença cancerígena que lhe foi diagnosticada em 2010. A testemunha não conheceu IC , apenas sabendo da relação que esta tinha com o arguido, com base nos desabafos que este lhe ia fazendo. E este queixava-se de que a relação era muito inconstante e que não era acompanhado pela denunciante, nomeadamente depois do acidente de motociclo que o vitimou. Também esta testemunha confirma que o arguido, há cerca de dois anos, teve uma depressão grave, sendo que este seu amigo lhe chegou a transmitir que ficara deprimido, em parte, devido ao fim da relação. A depoente, de forma credível, explica que, durante o seu relacionamento amoroso com o arguido, faziam passeios a pé e caminhadas e, nomeadamente, aos fins-de-semana, pelo passeio marítimo de Oeiras. PG , amiga do arguido desde 2004, afirma que o arguido tem desabafado alguns aspetos da sua vida pessoal e, em concreto, sobre o relacionamento dele com a denunciante. Até 2006, a testemunha tinha mais contacto com o arguido mas, em 2016, mantinha a média de um almoço mensal. Ainda assim, nesses contactos, o arguido transmitia que a sua namorada era uma pessoa pela qual ele nutria afeto, mas ele não era feliz. A pessoa não correspondia, entende, às expectativas dele. Ela não dava o apoio normal que era suposto dar e era esse o teor das suas queixas. O arguido também lhe referiu que precisou de apoio psiquiátrico, notando que o fim da relação mexeu com ele. Não obstante o arguido lhe fazer comentários sobre as mensagens trocadas entre ambos, o certo é que esta testemunha jamais viu as mensagens. Assim, o conhecimento que tem da relação é absolutamente indireto e resulta da versão do arguido. Esta testemunha permite reforçar a certeza de que o arguido, afinal, também gostava de fazer caminhadas, sobretudo à beira mar, muito antes do relacionamento que tivera com IC . A conduta do arguido revela uma vontade inequívoca de impor a sua vontade à sua ex-namorada, forçando contactos, perseguindo-a, acossando-a com mensagens telefónicas, procurando subjugá-la, amedrontá-la e humilhá-la, causando dano psicológico que inevitavelmente sabia que iria causar. A vontade do arguido, projetada no exterior, permite a inelutável conclusão de que atuou, conforme demonstrado, com a especial intenção ora assente de 16 a 19. Os depoimentos abonatórios permitem assentar a convicção de que o arguido é respeitado no seu meio social. As condições económicas e sociais do arguido resultam das suas declarações, não infirmadas por qualquer meio de prova. Os antecedentes criminais estão comprovados com base no Certificado de Registo Criminal junto aos autos, a fls. 288 e ss. Os factos não provados resultam do que se disse e da falta de meios de prova que os corroborem. *** 3. Apreciando 3.1. Alega o recorrente que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento da matéria de facto quanto à verificação da relação de namoro como elemento do tipo de crime por que foi condenado, e bem assim do vício decisório previsto no artigo 410.º, n.º2, alínea c), do C.P.P. Para sustentar o seu entendimento, questionando os pontos de facto provados 1 e 2, socorre-se o recorrente da prova pessoal produzida, a saber: do depoimento da ofendida, IC , e dos depoimentos das testemunhas António Maria, Maria Oliveira Inácio, Natália Cruz e Paula Gomes. 3.1.1. Dispõe o artigo 428.º, n.º 1, do C.P.P., que os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito. A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, do C.P.P., no que se convencionou chamar de “revista alargada”; ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.º3, 4 e 6, do mesmo diploma. No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do n.º 2 do referido artigo 410.º, cuja indagação, como resulta do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 16. ª ed., p. 873; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª ed., p. 339; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 2007, pp. 77 e ss.; Maria João Antunes, RPCC, Janeiro-Março de 1994, p. 121). No segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do C.P. Penal. Quer isto dizer que enquanto os vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, são vícios da decisão, evidenciados pelo próprio texto, por si ou em conjugação com as regras da experiência comum, na impugnação ampla temos a alegação de erros de julgamento por invocação de provas produzidas e erroneamente apreciadas pelo tribunal recorrido, que imponham diversa apreciação. Neste caso, o recorrente pretende que o tribunal de recurso se debruce não apenas sobre o texto da decisão recorrida, mas sobre a prova produzida em 1.ª instância, alegadamente mal apreciada. Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. O recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados. Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (sobre estas questões, os acórdãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, de 3 de Julho de 2008, Processo 08P1312, de 29 de Outubro de 2008, Processo 07P1016 e de 20 de Novembro de 2008, Processo 08P3269, in www.dgsi.pt., como todos os que venham a ser indicados sem outra indicação). Precisamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir determinados erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, impõe-se a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, estabelecendo o artigo 412.º, n.º3, do C.P. Penal: «3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas.» A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados. A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida. Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, do C.P.P. e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. artigo 430.º do C.P.P.). Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação (não basta a simples remissão para a totalidade de um ou vários depoimentos), pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.º 4 e 6 do artigo 412.º do C.P.P.), salientando-se que o S.T.J, no seu acórdão N.º 3/2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, N.º 77, de 18 de abril de 2012, fixou jurisprudência no seguinte sentido: «Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações». Assim, o ónus processual de indicação das provas que impõem decisão diversa da recorrida, previsto na alínea b), do n.º 3, do artigo 412.º, do C.P.P., apresenta uma configuração alternativa, conforme a acta da audiência de julgamento contenha ou não a referência do início e do termo de cada declaração gravada, nos seguintes termos: - se a acta contiver essa referência, a indicação das concretas passagens em que se funda a impugnação faz-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º (n.º 4 do artigo 412.º do C.P.P.); – se a acta não contiver essa referência, basta a identificação e transcrição nas motivações de recurso das ditas “passagens/excertos” dos meios de prova oral gravados (acórdão da Relação de Évora, de 28/05/2013, processo 94/08.0GGODM.E1). Na reapreciação da prova importa articular os poderes de conhecimento do tribunal de recurso com os princípios relativos à produção e à valoração da prova no tribunal de 1.ª instância, especialmente com o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127.º do C.P.P., princípio que vale também para o tribunal de recurso. Essa articulação há-de necessariamente ter em conta que as condições de que beneficia a 1.ª instância – em particular, a oralidade e a imediação – para avaliar os depoimentos prestados, no contexto de toda a prova produzida, se não verificam (pelo menos em toda a extensão) quando o tribunal de recurso vai julgar. Traduzindo-se a livre apreciação das provas numa valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, a falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, a não vivência do julgamento, sede do contraditório, com privação da possibilidade de intervir na produção da prova pessoal, serão, por assim dizer, limites epistemológicos a que a Relação deverá atender na sua apreciação, ainda que não barreiras intransponíveis a que faça a ponderação, em concreto e autónoma, das provas identificadas pelo recorrente, que pode conduzir à conclusão de que tais elementos de prova impõem um juízo diverso do da decisão recorrida. Resultando do recurso que se pretende sindicar a apreciação da prova, através da impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto, procedeu-se à audição da prova gravada indicada, confrontando-a com a motivação da decisão de facto exposta na sentença recorrida. Procedeu-se dessa forma tendo sempre em vista que, como realçou o S.T.J., em acórdão de 12 de Junho de 2008 (Processo:07P4375), a sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que debruçando-se sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações, que sintetizam o que se disse supra: - a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam; - a que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com a prova pessoal ao que consta das gravações; - a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso; - a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida [al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º – também neste sentido o ac. da Relação de Lisboa, de 10.10.2007, proc. 8428/2007-3]. Como se diz no acórdão da Relação de Évora, de 1 de Abril de 2008 (processo n.º 360/08-1.ª): «Impor decisão diversa da recorrida não significa admitir uma decisão diversa da recorrida. Tem um alcance muito mais exigente, muito mais impositivo, no sentido de que não basta contrapor à convicção do julgador uma outra convicção diferente, ainda que também possível, para provocar uma modificação na decisão de facto. É necessário que o recorrente desenvolva um quadro argumentativo que demonstre, através da análise das provas por si especificadas, que a convicção formada pelo julgador, relativamente aos pontos de facto impugnados, é impossível ou desprovida de razoabilidade. É inequivocamente este o sentido da referida expressão, que consubstancia um ónus imposto ao recorrente.» Ouvida a gravação da prova, importa cotejá-la com a motivação da decisão de facto e verificar se as provas indicadas pelo recorrente (e agora reapreciadas) impõem decisão diversa da proferida pela 1.ª instância. 3.1.2. Adiantamos, desde já, independentemente da referida audição, que a sentença recorrida não enferma do vício decisório que lhe é imputado, de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão. O invocado vício, previsto no artigo 410.º, n.º2, al. b), do C.P.P., como os restantes previstos no mesmo n.º2, tem a ver com a perfeição formal da decisão da matéria de facto e a sua verificação há-de, necessariamente, como resulta com clareza do preceito, ser evidenciada pelo próprio texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, sem possibilidade de apelo a outros elementos que lhe sejam estranhos, mesmo que constem do processo, sendo os vícios do artigo 410.º intrínsecos à decisão como peça autónoma. Quanto à contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Ocorrerá, por exemplo, quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação da convicção conduz a uma decisão sobre a matéria de facto provada e não provada contrária àquela que foi tomada – e assim é porque, como já se disse, todos os vícios elencados no artigo 410.º, n.º 2, do C.P.P., reportam-se à decisão de facto e consubstanciam anomalias decisórias, ao nível da elaboração da sentença, circunscritas à matéria de facto (cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, ob. cit., pp. 71 a 73). Não se deve confundir este vício decisório com a errada subsunção dos factos (devida e totalmente apurados) ao direito, o que consubstancia um caso de erro de julgamento, nem, por outro lado, qualquer vício do artigo 410.º, n.º2, pode ser reconduzido à discordância sobre a factualidade que o tribunal, apreciando a prova com base nas “regras da experiência” e a sua “livre convicção”, nos termos do artigo 127.º do C.P.P., entendeu dar como provada. Ora, visionando toda a matéria factual, não se verifica qualquer inconciliabilidade na fundamentação ou entre esta e a decisão. Realmente, o que o recorrente configura como vício decisório mais não é do que a contraposição entre a sua valoração da prova produzida e a convicção formada pelo tribunal a quo. Não é isolando fragmentos da motivação, na parte em que se refere a um concreto depoimento, como faz o recorrente, que se logra identificar qualquer inconciliabilidade da fundamentação com a decisão de facto, sabido que a convicção do tribunal, no quadro da livre apreciação da prova e tendo em mira a fixação da factualidade provada, se forma a partir de uma valoração que é global e não atomizada da prova produzida. Acresce que, no plano da fundamentação, a sentença recorrida também cumpre as exigências do exame crítico, em função das quais dá a conhecer as razões da convicção do tribunal recorrido. A fundamentação – especialmente, o exame crítico - visa que o julgador dê a conhecer, de forma clara e no quadro do que é razoável exigir, as razões da sua convicção, de forma que possam ser compreendidas, e não que logre convencer todos da sua razão, pois à convicção do tribunal sempre se contrapõem as convicções divergentes de outros sujeitos processuais. Em suma, da leitura da decisão de facto e da sua motivação, não se vislumbra qualquer inconciliabilidade entre os factos entre si e/ou os factos e a sua respectiva motivação, razão por que se mostra infundada a invocação do referido vício decisório. 3.1.3. Já se disse que o recorrente questiona os pontos de facto provados 1 e 2, socorrendo-se da prova pessoal que indica. E é assim porque o recorrente sustenta que não se provou que manteve uma relação de namoro com a queixosa, alegando, mesmo, não se ter provado que a relação existente entre os dois foi uma “relação amorosa”. Não podemos deixar de assinalar que, aparentemente, o arguido/recorrente apenas descobriu tais factos após o julgamento. Em sede de instrução, o arguido começou por dizer que a sua relação com a denunciante/ofendida iniciou-se em princípios de Julho de 2012 (e não em Junho de 2014, como constava da acusação), logo acrescentando que a relação “não foi só de namoro”, ou seja, foi mais do que isso (!), “dado que passaram a existir convivências e estadias alternativas na casa de cada um, as quais não tinham períodos certos”. Centrando-nos no que importa – que é a prova produzida em audiência de julgamento -, constata-se, da audição da gravação das suas declarações, que o arguido nunca pôs em causa a natureza do relacionamento que manteve com a queixosa. Assim, o arguido reconheceu o relacionamento de namoro com a denunciante/ofendida, mas fixando o seu início em Julho de 2012. Conheceram-se, “começamos a sair os dois e o relacionamento mais intimo começou mais por insistência, no início, da IC ”, que estaria descompensada pelo fim de um relacionamento anterior. “Acabaram por manter “um relacionamento intimo” que decorreu entre 2012 e até 2014 “mais ou menos normalmente”, de forma “mais ou menos equilibrada”, ficando “ora na casa de um, ora na casa do outro”, “convivíamos com as minha família, o meu pai, a minha filha”. Em Março de 2014, por altura do falecimento do pai do arguido, “as coisas alteraram-se um bocado, porque houve uma alteração de comportamento da IC . Para já tive de lhe pedir por favor para me acompanhar ao funeral do meu pai e ela não me queria acompanhar.” Depois, entre finais de Abril e princípios de Maio, o arguido teve um acidente e partiu a clavícula, tendo de ser operado, não obtendo da denunciante/ofendida o apoio que dela esperava. “A partir daí, a relação ficou intermitente”, a “coisa foi andando”, terminando o relacionamento em 21 de Março de 2016, dia de aniversário da denunciante, quando houve “uma situação complicada” em que esta agrediu o arguido com uma mala, no interior do veículo automóvel deste. Segundo o arguido, a denunciante/ofendida ter-se-ia queixado a diversas pessoas que fora ele a agredi-la, o que o deixou perturbado com a situação. Independentemente das contingências que o relacionamento teve ao longo do tempo, o certo é que o arguido admitiu a existência de um relacionamento de namoro, mais longo até do que constava da acusação, em que o arguido e a denunciante pernoitavam pelo menos 5 ou 6 noites por mês, ora na casa de um, ora na casa de outro, resultando que, tal como referido na motivação, não obstante a sua conturbação ao longo do tempo, era marcado por troca de afectos e intimidades, nomeadamente de cariz sexual, e assentava num compromisso monogâmico, em termos convencionalmente aceites. A conturbação do relacionamento, na perspectiva do arguido/recorrente, resultou das “variações de humor” da denunciante, queixando-se aquele de que esta, ao contrário do que ele tinha feito, introduzindo a queixosa no convívio da sua família, não correspondia da mesma forma em relação à família dela. Não podemos deixar de concordar com o juízo do tribunal recorrido quanto à circunstância das condutas do arguido serem reveladoras da intenção de “ver prolongar, de forma rebarbativa, os assuntos pendentes relativos ao namoro”, com a insistência no pagamento de quantias alegadamente emprestada à denunciante, durante os anos de 2014 a 2016, e bem assim na devolução de um telemóvel de marca Nokia emprestado à filha daquela e que não lhe foi devolvido, manifestamente obsoleto mesmo em 2014-2016. Aqui chegados, há que recordar que na tarefa de apreciação da prova, é manifesta a diferença entre a 1.ª instância e o tribunal de recurso, beneficiando aquela da imediação e da oralidade e estando este limitado à prova documental e pericial e ao registo de declarações e depoimentos. A imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova, podendo também ser definida como «a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá que ter como base da sua decisão» (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra, 1984, Volume I, p. 232), confere ao julgador em 1.ª instância meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal de recurso não dispõe. É essencialmente a esse julgador que compete apreciar a credibilidade das declarações e depoimentos, com fundamento no seu conhecimento das reacções humanas, atendendo a uma vasta multiplicidade de factores: as razões de ciência, a espontaneidade, a linguagem (verbal e não verbal), as hesitações, o tom de voz, as contradições, etc. As razões pelas quais se confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem, pelo menos em parte, desse juízo de valoração realizado pelo juiz de 1.ª instância com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum. Quer isto dizer que a atribuição de credibilidade, ou não, a uma fonte de prova pessoal, enquanto tiver por base uma valoração do julgador que seja fundada na imediação e na oralidade (e nessa medida), só poderá ser sindicada pelo tribunal de recurso demonstrando-se que é inadmissível face às regras da experiência comum (cfr. Acórdão da Relação do Porto, de 21 de Abril de 2004, Processo: 0314013, www.dgsi.pt). Tal não significa que o tribunal superior não deva analisar os depoimentos prestados e ajuizar sobre a sua verosimilhança e plausibilidade, e bem assim escrutinar a aplicação de máximas da experiência comum que informam a opção do julgador. Como já dissemos, o arguido nunca colocou em causa a existência de uma relação que qualificou como sendo de namoro entre si e a denunciante, que envolvia intimidade sexual e a integração daquela no convívio da família do arguido; o decorrer desse relacionamento, com relativa normalidade, até Março de 2014; a existência de dificuldades na relação a partir de Março de 2914, que culminaram com o seu termo em 21 de Março de 2016. Afigura-se-nos, até, que a conduta do arguido, manifestada nas mensagens que enviou à denunciante – de que foi, inequivocamente, o autor - e na imposição da sua presença em locais onde aquela se encontrava, é reveladora de que entre aqueles existiu um relacionamento amoroso, evidenciando-se o descontentamento do arguido pelo termo desse relacionamento. Que disse a denunciante sobre a relação que manteve com o arguido, num depoimento que o tribunal qualificou de mais esclarecido e cristalino? Num discurso que o tribunal ajuizou ser “espontâneo, livre de incongruências” e em que a “postura corporal e o tom verbal sugerem a segurança de alguém que fala a verdade”, a denunciante reconheceu que iniciou um relacionamento de namoro com o arguido em Junho de 2012. A relação teve “muitos fins” e recomeços, com “muitas peripécias”, “recomeçámos várias vezes”, voltavam a “fazer as pazes”, tendo terminado, pela primeira vez, “no início de 2014”, após o que foi retomado, voltando a terminar em Agosto de 2014, recomeçado depois e encontrando o fim definitivo em 2016. Ao longo do relacionamento nunca foram de férias juntos. A denunciante reconheceu que, partir de 2014, a relação deixou de estar numa fase de construção afectiva. Dormia na casa do arguido de vez em quando, de sexta-feira para sábado, de sábado para domingo, lá mantendo alguns pertences essenciais, passando um ou outro fim-de-semana juntos. Segundo a denunciante, foi por que arguido “não aceitou o fim da relação porque está sempre a tentar, a tentar, a tentar”, que lhe começou a enviar mensagens e aparecer-lhe em diversos sítios. Remetendo para a síntese do depoimento da denunciante constante da motivação, cuja fidedignidade à gravação corroboramos, temos a afirmação da existência de um relacionamento amoroso entre arguido e queixosa, mantido desde 2012, que sofreu intermitências a partir de 2014 e findou definitivamente em 2016. Prosseguindo com a prova gravada: A testemunha AM disse conhecer o arguido e a denunciante há vários anos, nunca tendo assistido a qualquer episódio de desentendimento entre ambos, apenas tomando conhecimento do que se passava através dos desabafos daquela. Sobre a relação que arguido e denunciante mantiveram, disse que estes se conheceram-se num jantar em que a testemunha levou o arguido, ou seja, infere-se que foi a testemunha quem os apresentou. No entanto, só soube que eles mantiveram “um relacionamento” já praticamente “na fase terminal” do mesmo. A denunciante mostrou-lhe uns estragos na viatura e informou-o de que estava a receber sms, narrando-lhe, ao longo do tempo, uma série de episódios e as queixas que tinha do arguido. A testemunha MS , amiga do arguido há 20 anos, disse ter conhecido a denunciante num aniversário para que convidou o arguido, a qual este compareceu levando consigo a denunciante, que foi apresentada à testemunha pelo arguido como sendo a sua namorada, no que constituiu a única vez que esteve com IC . Esta testemunha referiu que o arguido frequentava, na sua companhia, o passeio marítimo de Algés, tendo memória que ele frequentava aquela zona e ali fazia passeios a pé mesmo antes da relação com a denunciante. Sempre conheceu o arguido a viver sozinho, tendo conhecimento de que este, há cerca de dois anos, andou a ser acompanhado por psiquiatra e sujeito a medicamentação. O arguido falou-lhe do fim da “relação”, mostrando angústia, pois que queria que “as coisas acabassem bem”. Em função do que o arguido lhe contou, “foi uma relação muito intermitente”, o “namoro todo, todo o tempo de namoro” (…) “sempre muitas coisinhas”, MP , à semelhança do seu namorado, a testemunha RS , apenas conheceram a denunciante no episódio descrito e assente em 5. A testemunha MI conheceu o arguido em Maio de 2015, numa escola de dança que ambos frequentaram, tornando-se amigos. Quanto à denunciante, apenas a viu por duas vezes - uma no Palácio do Egipto e outra vez, ao longe no Teatro. A depoente conta que, a partir de determinada altura, passou a conviver todos os fins-de-semana com o arguido, numa altura em que não havia relacionamento amoroso entre a denunciante e o arguido. O arguido falou-lhe da existência de um relacionamento “extremamente instável”, que ele ficava “muito surpreendido com a instabilidade dela, de repetente ela tinha uns vaipes, umas coisas que ele nem entendia”. Segundo a testemunha, ele “gostou dela”, mas ela “nunca assumiu” Esta testemunha referiu que denunciante enviava mensagens de ameaça ao arguido, dizendo que tinha gravações dele, mas que jamais as viu, tudo se resumindo àquilo que o arguido lhe dizia. A testemunha NC , amiga do arguido, disse ter sido sua namorada até 2011 e que este a acompanhou sempre na situação de doença cancerígena que lhe foi diagnosticada em 2010. Separaram-se amigavelmente, concluindo que tinham ritmos e gostos diferentes, “que não coincidiam muito bem um com o outro”. A testemunha não conheceu a denunciante, apenas sabendo da relação que esta tinha com o arguido com base nos desabafos que este lhe ia fazendo, queixando-se de que a relação era muito inconstante e que a denunciante era uma pessoa ausente não lhe deu o acompanhamento esperado depois do acidente de motociclo que o vitimou. Segundo a testemunha, o arguido disse-lhe, referindo-se à denunciante, que “a pessoa com que mantinha uma relação lhe tinha dito que só o ajudava se ele se mudasse para a casa dela. E ele não se sentia confortável mudando-se para a casa dela e foi ficando ali”. A seguir ao acidente, eles (arguido e denunciante/ofendida) “voltavam a sair, voltavam a estar juntos, mas passado aí, depois passados uns dois anos ele achou que tinha de pôr um fim na relação porque não se sentia bem, não estava feliz”. A testemunha confirmou que o arguido teve uma depressão grave e que este lhe chegou a transmitir que ficara deprimido, em parte, devido ao fim da relação e por a denunciante ter dito a amigos que tinham em comum que ele a tinha agredido – “isso para ele deixou-o ficar de rastos”. PG , amiga do arguido desde 2004, disse que o arguido desabafou com ela alguns aspectos da sua vida pessoal e, em concreto, sobre o relacionamento dele com a denunciante. Até 2006, a testemunha tinha mais contacto com o arguido mas, em 2016, mantinha a média de um almoço mensal. Nesses contactos, o arguido transmitia que a denunciante era uma pessoa pela qual ele nutria afecto, mas ele não era feliz na relação, “que a pessoa não correspondia às expectativas” dele, não lhe dando o apoio normal que era suposto dar. Transmitiu-lhe o arguido que quando o pai dele faleceu, “a pessoa, portanto, o J. teve que pedir por favor à pessoa para …para ela ir ao funeral”, queixando-se também de falta de apoio quando teve um acidente em 2014. “Ele gostaria que existissem projectos para o futuro”, mas não era correspondido. A nosso ver, o juízo relativo de credibilidade que o tribunal recorrido fez em relação aos diversos depoimentos, pelo que resulta da sua audição, não merece reparo. Vejamos, pois. O artigo 152.º, n.º1, al. b), refere-se a “pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação”. Sobre a relação de namoro aqui em causa, importa referir a dissertação apresentada à Universidade Católica Portuguesa para obtenção do grau de Mestre em Direito Criminal, elaborada por Dora Faria Calejo Machado Pires, sob orientação da Professora Doutora Maria Elisabete Ferreira, com o título “O sentido e o alcance da inserção das relações de namoro e equiparadas no crime de violência doméstica – Reflexões críticas acerca do alargamento do tipo”. Nesse estudo, é referido: “A presente dissertação de Mestrado em Direito Criminal tem como objetivo a análise do crime de Violência Doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, do Código Penal. Em particular, pretende-se com este trabalho uma reflexão crítica acerca do sentido e alcance da inserção das relações de namoro na alínea b), do nº 1, daquele artigo, operada pela Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro. (…) Previamente à entrada em vigor da Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro, altura em que o legislador optou por acrescentar expressamente à al. b) as relações de namoro, pairava sobre a jurisprudência e a doutrina a questão de saber se as relações de namoro poderiam estar já integradas nas “relações análogas aos cônjuges, ainda que sem coabitação”. Considerava a jurisprudência que a letra do art. 152º não afastava a possibilidade de integração das relações de namoro no tipo objetivo, mas na ausência de coabitação exige-se algum detalhe fáctico que possa comprovar a existência de uma relação afetiva, estável, análoga à dos cônjuges. (…) Não obstante o crime ter deixado de impor a coabitação e, portanto, a comunhão de cama, mesa e de habitação, que caracteriza a conjugalidade, a jurisprudência tendia a considerar que não podia deixar de se exigir, no tipo objetivo, um caráter mais ou menos estável de relacionamento amoroso, aproximado ao da relação conjugal de cama e habitação (Ac. TRC de 24-04-2012, proc. n.º 632/10.9PBAVR.C1). Tomando, assim, uma posição bastante cautelosa na inclusão das relações de namoro, exigindo a existência de uma relação especial que envolvesse o sentimento, ainda que com menor intensidade, de deveres de respeito, fidelidade, cooperação e assistência, característicos das relações conjugais, uma vez que não faz sentido (face ao princípio da subsidiariedade e última ratio), que seja o direito penal a proteger especificamente uma relação de namoro, quando o direito civil não o faz a não ser numa fase adiantada desse relacionamento e apenas em vista da proteção da promessa de casamento (arts. 1591.º a 1595.ºCC) - Ac. TRP de 15-01-2014, proc. n.º 364/12.3GDSTS.P1 - . Posto que a tutela penal reforçada se justificará aqui pela relação próxima ou análoga à dos cônjuges, onde existem sentimentos de afetividade, de convivência, de confiança, conhecimento mútuo, e ocorram atos de intimidade e de partilha de vida comum, numa relação de vida e cooperação mútua. Muito embora seja percetível esta comparação do Tribunal, importa não esquecer que mesmo a promessa de casamento não exige uma prévia ou contemporânea relação de namoro, podendo mesmo existir aquela sem esta (pense-se nos casos, outrora mais comuns, de promessa de casamento em consequência de gravidez involuntária, ou mesmo nos casos em que se tinha em vista a junção de dois patrimónios numa mesma família) - Ac. TRP de 15-01-2014, proc. n.º 364/12.3GDSTS.P1 -. (…) Em abstrato, o namoro é uma fase do relacionamento amoroso para conhecer o outro, e não um fim em si, de comunhão de vida, que é própria do casamento ou da união de facto. É uma fase transitória que, com frequência acaba no rompimento amoroso, por as expectativas de um ou ambos os namorados não serem aquelas que esperavam (Ac. TRC de 24-04-2012, proc. n.º 632/10.9PBAVR.C1). O leque de definições possíveis para a relação de namoro será tão vasto e abrangente, quanto a época e cultura social em que o mesmo se insere. (…) Em termos gerais, o namoro será, hoje, um relacionamento entre duas pessoas que se atraem física e psicologicamente e que, mesmo duradouro, é desprovido de vínculo de natureza familiar, embora possa se encaminhar para tanto. Ao contrário do que acontecia tradicionalmente, nos dias de hoje a sociedade considera ser perfeitamente aceitável que os casais desde cedo partilhem a cama de forma regular, que viajem juntos, que desenvolvam atividades diárias em conjunto, de forma pública, o que permite um conhecimento muito mais profundo do casal (…). Tratar-se-á, portanto, de um compromisso entre duas pessoas que se relacionam por tempo indeterminado, partilhando e comungando afetos e interesses pessoais comuns. Regra geral, já não existe aquele pedido tradicional, sem prejuízo de se nos afigurar que a prova ou demonstração dessa ligação entre as duas partes se mostra relevante. Para uma melhor compreensão desta questão, desdobraremos as relações de namoro em dois níveis, dependendo do diferente grau de intensidade das mesmas: o namoro simples e o namoro qualificado. O primeiro será aquele namoro revestido por um compromisso entre duas pessoas que estão ligadas por um vínculo afetivo que vai para além da mera amizade e das relações fortuitas; o segundo compreenderá já as características da relação “análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação”, e portanto que se trata de uma relação de namoro em que está subjacente um compromisso pessoal sólido, baseado na confiança, honestidade e solidariedade mútua, cujo envolvimento de vidas ou projeto de vida em comum já existe ou já é conjeturado. Assim, ainda que se entendesse que este namoro “qualificado” não se integrava nas “relações análogas às dos cônjuges, ainda que sem coabitação”, não restarão agora dúvidas de que estas estão abrangidas por força, pelo menos, da inclusão das relações de namoro. Questão mais complexa será a relativa às relações de namoro “simples” (…) Em princípio, uma relação terá o seu início com a atração física e/ou intelectual, numa tentativa de conhecimento mútuo e de encontro de interesses. A intimidade pode ser caracterizada pela proximidade, pelo compromisso e exposição pessoal, traduzida como uma partilha entre o casal, de relações íntimas. Parece-nos, ainda, que a relação de namoro não será descaracterizada pela inexistência de atos sexuais entre o casal (v.g. por opção pessoal, por motivos religiosos, por doença), uma vez que a intimidade não depende deles. A doutrina tem entendido que este dever se manifesta numa dupla dimensão: no dever de fidelidade física, que se entende como a proibição de atos sexuais com terceiro; e de fidelidade moral, no sentido de ligação amorosa com terceiro. Todavia, e embora não seja rigorosamente essa a dimensão que se transporta para as relações de namoro, também não deixará de ter relevância, sobretudo dentro do conjunto de indícios de que ora curamos. Mais adequado às relações de namoro parece ser a defendida por alguma doutrina estrangeira que entende o dever de fidelidade num sentido mais vago e menos sexual, como um dever de devoção, dedicação, lealdade e boa-fé. (…) Relativamente à publicidade ou notoriedade do namoro, em princípio esta relação, ainda que não seja conhecida pelo círculo familiar, há-de ser pelo menos conhecida por parte do círculo de amizade do casal. Não obstante, também aqui não nos parece que, se por hipótese, a relação não seja tornada pública (v.g. em virtude de um relacionamento já findo em que o ex-namorado continua a adotar comportamentos retaliatórios), que não deva esta atual relação não ser enquadrável no crime de violência doméstica, posto que também aqui configuraria uma desproteção da vítima. Aliás, situação por ventura paradigmática deste tipo de relações pouco conhecidas serão as relações de namoro entre duas pessoas do mesmo sexo. Relativamente à circunstância de o agressor admitir a existência de relação de namoro à data do crime, já será um indício forte da existência dessa relação. Porém, o contrário não deverá ser totalmente verdadeiro, no sentido em que a circunstância de o agressor não admitir a existência daquela relação como se de namoro se tratasse, não obsta a que da análise dos circunstancialismos próprios do caso seja possível comprovar que existia a relação de namoro exigida no art. 152º. Assim, o facto de os “namorados” não considerarem que há um “namoro” no sentido tradicional do pedido, parece-nos que não deve obstar a que seja considerada como “namoro” para efeitos de violência doméstica, conquanto se encontrem preenchidos alguns dos restantes critérios (com maior ou menor força). Do exposto resulta que só através da análise global da factualidade, tendo por base alguns critérios como os supra referidos, é que se poderá, primeiro, chegar à conclusão de que a relação sentimental e a grande proximidade se traduzem numa relação de namoro... Assim, caberá ao juiz o papel mais relevante face aos contornos do caso concreto em litígio, através daqueles elementos probatórios dos circunstancialismos específicos reveladores de cada relação, concluir ou não pela existência da relação de namoro para estes efeitos. (…) Relativamente ao namoro, havia já alguma doutrina e jurisprudência que, face à anterior redação, abrangia a relação de namoro no tipo objetivo da violência doméstica, se e na medida em que esta relação preenchesse os pressupostos da relação conjugal (embora em menor grau), no sentido de exigir uma relação estável, duradoura e com um projeto de vida em comum. Cremos, contudo, que esta visão deixará de fazer sentido com a recente alteração. Com efeito, a referida inserção estará relacionada com a atual consciência da sociedade que reclama uma maior intervenção nas questões relacionadas com a violência de género e com a violência doméstica em particular. Pelo que, julgamos que a nossa perspetiva do sentido e do alcance da inserção das relações de namoro no crime de violência doméstica vai no mesmo sentido do acabado de referir: pretendeu o legislador incluir as relações de namoro, mesmo aquelas que designámos por “simples”, com o fito de prevenir e sancionar as condutas violentas exercidas pelo parceiro íntimo por causa dessa relação. Tratar-se-ão, pois, de relações sentimentais, afetivas, íntimas e tendencialmente estáveis ou duradouras, que ultrapassam a mera amizade ou relações fortuitas; mas já não será de exigir o projeto futuro de vida em comum, posto que as relações de namoro não preenchem nem têm, em princípio, a pretensão de preencher todas as características associadas à conjugalidade, como seja este futuro de vida em comum (que pode vir a ocorrer, mas que ainda não é conjeturado no início ou meio da relação). Assim, existindo uma relação de namoro com estas características, será ainda fundamental para o preenchimento do ilícito que seja exercido pelo agente um comportamento violento sobre a vítima, assente em relações de dominação e de força, que deixe a vítima numa situação de fragilidade e dependência, de tal forma que a sua capacidade de resistência fica diminuída.”. Este é também o nosso entendimento. Não se duvida que a relação de namoro é um elemento objectivo do tipo de crime em questão e que a acusação, no caso em apreço, é económica na descrição de factos a suportar a existência de uma relação de namoro entre arguido e denunciante, tanto mais que inexiste uma única forma (ou um conjunto de formas pré-estabelecidas exclusivas) para se iniciar ou vivenciar uma relação de namoro. Nos factos provados diz-se que o relacionamento entre arguido e denunciante foi um relacionamento amoroso e que a relação de namoro foi mantida desde data não concretamente apurada, mas anterior a Junho de 2014, até 21/03/2016, ou seja, não se tratou de uma relação esporádica, ocasional, descomprometida. Situação que só findou em 21/03/2016, após o que o arguido passou a aparecer em locais frequentados pela denunciante e, através do envio de sms's, a pretender subjugá-la à sua vontade, impondo a sua presença, invocando, como pretextos, uma alegada dívida por satisfazer e a exigência da devolução de um telemóvel emprestado. Ora, logramos perceber que a falta de outros elementos na acusação/pronúncia tem por base a circunstância de, da parte de arguido e denunciante, nunca ter havido dúvidas de que, efectivamente, tiveram um relacionamento que consideraram ser “de namoro”, que envolveu um vínculo afectivo/sentimental que foi para além da mera amizade e das relações fortuitas, caracterizando-se pela existência de uma relação amorosa com intimidade sexual que, apesar das suas vicissitudes, descontinuidades, frustrações e “altos e baixos”, perdurou ao longo do tempo. Aliás, como já observámos, em sede de requerimento de abertura de instrução, o arguido alegou, mesmo, que a relação “não foi só de namoro”, ou seja, foi mais do que isso (!), “dado que passaram a existir convivências e estadias alternativas na casa de cada um, as quais não tinham períodos certos”. E foi isso mesmo que resultou das declarações de arguido e denunciante que, melhor que ninguém, sabem da relação que mantiveram um com o outro. O que resulta dessas declarações é que, independentemente das contingências por que passou a sua relação, ambos admitiram a existência de um relacionamento afectivo/amoroso, mais longo até do que constava da acusação/pronúncia, em que pernoitavam, algumas vezes, ora na casa de um, ora na casa de outro, evidenciando-se que, não obstante a sua conturbação ao longo do tempo, tal relacionamento envolvia a troca de afectos e intimidades, nomeadamente de cariz sexual, assentando num compromisso monogâmico, em que inclusivamente a denunciante/ofendida foi inserida no seio do convívio familiar do arguido. Ainda que as expectativas que cada um tinha relativamente ao parceiro não fossem inteiramente correspondidas e que, a partir de certo momentos, não se sentissem felizes na relação que haviam estabelecido, o que se infere das declarações de ambos é a existência de uma relação sentimental, afectiva, intima e tendencialmente estável, ainda que, a partir de certo momento, passasse a sofrer de algum distanciamento e desgaste, que conduziu a momentos de interrupção e ao seu fim definitivo, depois de alguns “fins e recomeços” intermédios. A circunstância de não viverem juntos sob o mesmo tecto ou de, por exemplo, não passarem férias em conjunto, não prejudica este entendimento nem descaracteriza o relacionamento mantido entre ambos como “namoro”. Atenta esta circunstância - de termos por evidente que para os próprios não era dubitativo que a relação entre o recorrente e a denunciante, que os próprios qualificaram de namoro, ultrapassou a mera amizade ou as chamadas relações furtuitas e que ambos tiveram um relacionamento amoroso "sério" -, entendemos não ser cabida a dúvida sobre tal estado – a relação de namoro -, que para os próprios se afigurava, antes do recurso, como inquestionável (e incontroversa) – obviamente, referida ao passado, relativamente aos factos imputados ao arguido. Daí aceitarmos a formulação adoptada nos factos provados, sendo que, por via da prova pessoal – declarações e depoimentos -, que o tribunal ouviu através do respectivo registo informático, não se conclui que o juízo formulado pelo tribunal da 1.ª instância quanto aos mesmos seja desprovido de razoabilidade e que houvesse que decidir, com base nas provas indicadas pelo recorrente, de forma diversa, pelo que a impugnação ampla não colhe provimento. Não podemos deixar de fazer uma observação: no pressuposto de que não estivessem reunidos os elementos típicos do crime imputado ao arguido – e estão -, a consequência não seria a absolvição, ao contrário do que alega o recorrente, pois sempre restariam factos integrantes do tipo de crime p. e p. pelo artigo 154.º-A, do Código Penal, que não tem natureza particular, pelo que não exige a constituição de assistente e a dedução de acusação particular. Havendo queixa – como houve -, nada impediria o tribunal de, comunicada a alteração da qualificação jurídica dos factos, condenar o arguido pela prática de tal crime, cujos elementos típicos, objectivos e subjectivos, estavam perfectibilizados. A questão não se coloca, no caso em apreço, por ser de manter a factualidade provada, com a qualificação jurídico-penal que lhe foi dada. Conclui-se que o recurso não colhe provimento. 3.2. Uma vez que o arguido decaiu totalmente no recurso que interpôs, é responsável pelo pagamento da taxa de justiça e dos encargos a que a sua actividade deu lugar (artigos 513.º e 514.º do C.P.P., na redacção da Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, que aprovou o Regulamento das Custas Processuais – R.C.P.). Tendo em conta a complexidade do processo, julga-se adequado fixar essa taxa em 4 UC (dentro dos limites da Tabela III a que se refere o artigo 8.º, n.º9, do R.C.P.). *** III – Dispositivo Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em negar provimento ao recurso interposto por J. . Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC. Lisboa, 11.06/2019 (o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator, seu primeiro signatário – artigo 94.º, n.º2, do C.P.P.) Jorge Gonçalves Carlos Espírito Santo |