Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
23245/15.4T8LSB.L1-6
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: LOCAÇÃO FINANCEIRA
DIREITO DE PROPRIEDADE
DELIBERAÇÕES POR UNANIMIDADE E POR MAIORIA QUALIFICADA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/15/2018
Votação: UNANIMIDADE COM UMA DECLARAÇÃO VOTO
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE/REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I.– A nulidade de sentença por omissão de pronúncia não se constitui sobre questões que não foram colocadas à apreciação do tribunal recorrido, nem sobre questões relativamente às quais foi proferido despacho anterior do qual cabia recurso autónomo.

II.– Na impugnação da decisão sobre a matéria de facto é necessário que nas conclusões do recurso se refiram os concretos pontos de facto impugnados.

III.– O locatário financeiro não pode votar autonomamente, por si mesmo, na assembleia de condóminos, em exercício de direitos que só pelo locador proprietário possam ser exercidos, a saber alterações do título constitutivo da propriedade horizontal e obras de inovação, na medida em que tal votação pode comprometer o direito de propriedade que só ao locador pertence.

IV.– Apesar do artigo 1432º nº 4 do Código Civil estabelecer um regime próprio para as deliberações tomadas em assembleia de condomínio realizada em segunda convocatória, tal regime deve entender-se restrito às deliberações previstas no nº 3 do mesmo preceito.

V.– Deve entender-se que as razões que levaram o legislador a estabelecer um regime especial para as deliberações por unanimidade se impõe também no caso das deliberações por maioria qualificada, que assim, e integrando-se a lacuna, devem apenas considerar-se válidas se votadas pela maioria dos votos representativos do capital e se posteriormente forem confirmadas pelos condóminos ausentes na medida necessária a que se perfaça a maioria qualificada.

SUMÁRIO: (elaborado pelo próprio)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes que compõem este colectivo do Tribunal da Relação de Lisboa.


I.–Relatório:


MR, com os sinais dos autos, veio intentar a presente acção declarativa, sob a forma única comum, contra GY, solteiro, maior, residente em Moscavide, e contra JJ, solteira, residente em Lisboa, peticionando a final a declaração da nulidade ou anulabilidade das deliberações tomadas em assembleia de condóminos do prédio urbano melhor descrito no artigo 1º da petição inicial, realizada em 29.06.2015, vertidas na acta avulsa junta ao processo como doc. 14, folhas 2 e 3, por falta de legitimidade (substancial) dos réus por não ter sido aprovada por maioria qualificada, logo contrária à lei, tudo nos termos dos factos do direito alegado.

Alegou, muito em síntese, que é possuidora e legítima proprietária das fracções autónomas B, C, D, E, F, e G do prédio sito na Rua da Palma, 206 a 2012, em Lisboa. Recebeu carta registada remetida pela 2ª Ré com o assunto “Comunicação a Condóminos Ausentes da Assembleia”, com uma acta avulsa anexa, da qual resulta que em 29.6.2015 se reuniu a assembleia de condóminos do mencionado prédio, que por unanimidade dos presentes deliberou a realização de obras de beneficiação no prédio. A deliberação foi tomada pelos dois réus, o primeiro na qualidade de proprietário da fracção A, correspondente a 17,3% do capital total do edifício, a 2ª na qualidade de proprietária da fracção H e I, 2º andar direito e esquerdo, representando 19,5% do capital total do edifício. Porém, os réus não são proprietários das mencionadas fracções, sendo o primeiro réu locatário financeiro, mas nem sequer único locatário financeiro, e sendo a 2ª ré locatária financeira. Por tal razão, nenhum dos réus tinha legitimidade para deliberar em assembleia de condóminos. Deste modo, a deliberação deve ser declarada nula ou anulada por violação do artigo 1420º, nº 1, por força do artigo 1433º nº 1 e 4. Ambos do Código Civil.

De resto, a deliberação diz respeito a obras nas partes comuns do prédio, que pretendem alterar profundamente a estrutura e fachada do prédio, elevando o pé direito da cobertura, construindo terraços, colocando clarabóias no tecto da escada comum, e fenestrações nas fachadas. Para aprovação das mesmas é necessária maioria qualificada, que represente dois terços do valor total do prédio, nos termos do artigo 1425º nº 1 do Código Civil, sendo que permilagem dos dois réus, a admitir-se a sua legitimidade, em todo o caso não atingia a referida proporção mínima.
 
Os réus apresentaram contestação, na qual defenderam a sua legitimidade enquanto locatários financeiros, e que a deliberação foi tomada em 2ª convocatória, pelo que, nos termos do artigo 1432º nº 4 do Código Civil bastava a representação de um quarto do valor do prédio, o que sucedeu. 
           
Respondeu a autora negando a legitimidade dos locatários financeiros e insistindo na invalidade da deliberação.

Na audiência prévia as partes acordaram estarem produzidos todos os meios de prova, não sendo necessária a realização de julgamento. Foi fixado o valor da acção em €5.000,01.

Finalmente, veio a ser proferido despacho saneador-sentença, de cuja parte dispositiva consta:
Pelo exposto, julgo a presente ação improcedente por não provada e, consequentemente, decido absolver do pedido os RR., GY e JJ.
Improcedem os pedidos de condenação como litigantes de má-fé.
Valor da ação: 5.000,01 euros”.

Inconformada, a Autora interpôs o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
A.– Porque a Sentença é totalmente omissa sobre a questão da ilegitimidade do 1.º R., Sr. GY, ora recorrido, no que concerne à deliberação tomada na assembleia de condóminos, de 29-06-2015, expressa na “ACTA AVULSA”, constante do doc. 14, junto com a P.I., ter sido desacompanha do outro locatário financeiro imobiliário, Sr. YC, como resulta do contrato de locação financeira imobiliário de fls. 109 a 118 dos autos e do doc. 16, junto na P.I., em concreto na Ap. 36 de 2005/04/21.
B.– Verifica-se a ilegitimidade da intervenção isolada do 1.º R., ora recorrido na deliberação tomada em assembleia geral, alvo de escrutínio na ação interposta pela recorrente e, bem assim, a apontada nulidade da Sentença sobre esta temática, porque não foi objeto de pronúncia pelo Tribunal a quo esta questão, apesar de devida e atempadamente suscitada, inclusive na P.I., pelo que deve ser declarada, o que se REQUER A V. EX.ª, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
C.– Porque em face da resposta do Santander Totta, de fls. 119 dos autos, na qual este solicitou ao Tribunal a quo elementos identificativos do contrato de locação financeira imobiliário que celebrou com o 2.º R., ora recorrido, de modo a poder remetê-lo aos autos juntamente com a demais documentação requerida e ordenada, tendo ainda alegado o segredo bancário e a necessária autorização do titular para o efeito.
D.– Porque a recorrente, em sede de contraditório, através do requerimento de 31-01-2017, com a referência n.º 24761659, requereu junto do Tribunal a quo que fosse fornecido ao Santander Totta tais informações, bem como fosse ordenado o levantamento do segredo bancário para essa documentação ser junta aos autos.
E.– Porque o Tribunal a quo simplesmente não se pronunciou sobre o que foi requerido pela recorrente nesse concreto requerimento, em especial nos artigos 8.º e 9.º e, consequentemente, nada ordenou nem aguardou pela entrega devida, pela referida Instituição Bancária, da requerida documentação.
F.– Verifica-se que o Tribunal a quo não andou bem, pois não se pronunciou sobre esta questão, quando deveria tê-lo feito, porque foi devida e atempadamente requerida pela recorrente, daí que a Sentença deverá ser declarada nula pelo facto do Juiz não se ter pronunciado sobre a mesma, o que se REQUER A V. EX.ª, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
G.– Porque o Millennium BCP, a fls. 107 a 108 dos autos, veio juntar uma comunicação que, além do mais, diz “não ter autorizado o 1º Réu GY em virtude do mesmo não ter solicitado a autorização para participar, em representação do Banco G, S. A., na Assembleia de Condóminos do prédio urbano sito na Rua X, freguesia de Socorro, concelho de Lisboa, e nela votar as deliberações propostas.”, bem como, a fls. 109 a 118 dos autos, juntou o contrato de locação financeira imobiliário n.º 450003751, celebrado entre o 1.º R., ora recorrido, e uma terceira pessoa, não interveniente nos autos, Sr. YC.
H.– Porque a recorrente, através do requerimento de 31-01-2017, com a referência n.º 24761659, em sede de contraditório aos documentos juntos, suscitou perante o Tribunal a quo a questão de saber, perante a posição assumida pelo locador financeiro imobiliário e o teor do contrato de locação financeira imobiliário, se a deliberação em assembleia de condóminos poderia ter sido tomada, como foi.
I.– Porque esta problemática não foi abordada pelo Tribunal a quo, pois sobre ela não se pronunciou – nem tão pouco existe qualquer alusão na Sentença sobre o facto de tal questão se reputar de desnecessária para a resolução do litígio – quando deveria tê-lo feito, porque foi devida e atempadamente suscitada pela recorrente, daí que a Sentença deverá ser declarada nula pelo facto do Juiz não se ter pronunciado sobre a mesma, o que se REQUER A V. EX.ª, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
J.– Porque a 2.ª R., ora recorrida, veio juntar aos autos dois talões de registo dos CTT, alegadamente respeitantes à convocatória para a primeira assembleia de condóminos, como resulta do requerimento de 11-01-2017, com a referência n.º 24570731.
K.– Porque a recorrente, em sede de contraditório, através do requerimento de 12-01-2017, com a referência n.º 24586554, juntou aos autos o print do comprovativo “Acompanhar Entregas” dos CTT, retirado do site www.ctt.pt, por alusão aos números constantes dos talões de registo supra identificados e juntos por aquela recorrida aos autos, de modo a saber-se se a primeira convocatória tinha sido dada a conhecer ou não à recorrente, como impõe o artigo 1432.º, n.º 1 do CC, porque só assim é que a mesma poderia estar presente, considerando-se a mesma regular e eficaz.
L.– Porque através dos talões de registo dos CTT e do comprovativo de entrega dos CTT descobriu-se que não foi dada a conhecer à recorrente as duas alegadas missivas referidas pela 2.ª R., ora recorrida, referentes à primeira convocatória para a assembleia de condóminos, em virtude destas terem sido devolvidas (não se sabe para quem…) e, posteriormente, enviadas para “refugos”.
M.– Porque após ponderada e mais perfunctória análise dos ditos “talões de registo dos CTT”, constata-se que, quanto ao primeiro talão (Rua da Palma), não se consegue verificar a data de aposição do carimbo do envio dos CTT e, quanto ao segundo talão (Rua Mateus Fernandes), a data que “parece” aí estar aposta reporta-se ao ano de “2015”,o mês a “8”(agosto)ou“9”(setembro) e o dia a “15” ou “16” (vê-se a “olho nu”), o que tudo é muito, muito estranho, visto que a segunda convocatória foi realizada no dia 29-06-2015, como decorre do doc. 14, junto com a P.I., ou seja, a primeira convocatória jamais poderia ser remetida em data posterior aquela, mas sim anterior.
N.– Porque perante o confronto e análise desta documentação, era mister saber se a recorrente foi, efetivamente, regularmente convocada para a primeira assembleia de condóminos (condição de validade da segunda convocatória).
O.– Verifica-se que o Tribunal a quo não esteve bem, pois não se pronunciou sobre esta questão – nem tão pouco existe qualquer alusão na Sentença sobre o facto de tal questão se reputar de desnecessária para a resolução do litígio –, quando deveria tê-lo feito, porque foi devida e atempadamente suscitada pela recorrente, daí que a Sentença deverá ser declarada nula pelo facto do Juiz não se ter pronunciado sobre a mesma, o que se REQUER A V. EX.ª, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
P.– Porque não é de todo pacífico na Jurisprudência o reconhecimento da qualidade de condómino ao locatário financeiro imobiliário.
Q.– Porque é a própria Lei que diz que o “locatário” exerce, na “locação de fracção autónoma”, “os direitos próprios do locador, com excepção dos que, pela sua natureza, somente possam por aquele ser exercidos” (conforme alínea e) do n.º 2 do artigo 10.º do Regime Jurídico do Contrato de Locação Financeira).
R.– Porque se insere neste preceito legal o direito de voto na assembleia de condóminos, atento a natureza do assunto (ou direito) em discussão, os recorridos, enquanto locatários financeiros imobiliários, não tinham legitimidade para votar na assembleia de condóminos de que nos ocupam os presentes autos.
S.– Porque face à resposta do Millennium BCP, a fls. 107 a 108 dos autos, o locador financeiro imobiliário da fração autónoma designada pela letra “A”, ou seja, o seu proprietário, veio expressamente dizer, por escrito, que não autorizou o 1.º R., ora recorrido, a participar, em sua representação, em qualquer assembleia de condóminos respeitante ao prédio urbano e, consequentemente, nela votar as deliberações propostas.
T.– Porque as deliberações propostas consistem em “inovações” e modificações da “linha arquitetónica” do imóvel (artigos 1422.º, n.º 3 e 1425.º, n.º 1 do CC; vide pontos 3, 9, 10 e 11 dos factos provados).
U.– Porque nem sequer o próprio contrato de locação financeira imobiliário, a fls. 109 a 118 dos autos, permitia que o 1.º R., ora recorrido, pudesse votar as deliberações propostas, que consistiam em inovar o prédio, alterando a sua estrutura e fachada profundamente, visto que a mesma importaria, necessariamente, obras no imóvel, objeto do citado contrato, que se podem reputar de verdadeiras benfeitorias úteis, na aceção legal conferida no artigo 216.º, n.º 3 do CC, logo, atendendo ao disposto no artigo 5.º, ponto 6 do contrato de locação financeira imobiliário em apreço, tal acarretaria que os outorgantes (leia-se, recorridos) tivessem em seu poder um prévio e expresso acordo do locador financeiro imobiliário, o qual não há em lado algum dos autos.
V.– Porque existem direitos do locador financeiro imobiliário, que atento a sua natureza, são exclusivamente seus, designadamente o caso da realização de obras de inovação e modificação da linha arquitetónica do imóvel, objeto do contrato de locação financeira imobiliário em apreço.
W.– Porque é o próprio contrato que refere, quanto a meras benfeitorias úteis que há necessidade de autorização prévia e expressa para que o locatário financeiro imobiliário possa avançar para as obras, não faz sentido que lhe caiba o poder de participar e votar, tomando deliberações que afetem o estipulado contratualmente entre os outorgantes, firmado ao abrigo do Regime Jurídico do Contrato de Locação Financeira.
X.– Porque é do interesse primordial do locador financeiro imobiliário, é um direito a si inerente, dispor ou não da fração autónoma de que é proprietário, ao invés das matérias atinentes a meros poderes de administração, como é o caso, v.g., da prestação de contas ou da fixação do valor das quotas do condomínio.
Y.– Porque atendendo ao conteúdo do contrato de locação financeira imobiliário de fls. 109 a 118 dos autos, conjugando-o com o teor do doc. 16, junto na P.I., em concreto na Ap. 36 de 2005/04/21, constata-se que os locatários financeiros imobiliários da fração autónoma designada pela letra “A”, do prédio urbano sito na Rua da Palma, n.º 206 a 212, freguesia de Socorro, concelho de Lisboa, são duas pessoas totalmente distintas: o Sr. GY, 1.º R., e ora recorrido e o Sr. YC.
Z.– Porque a deliberação tomada na assembleia de condóminos de 29-06-2015, constante da “ACTA AVULSA”, junta como doc. 14, na P.I., só atesta a intervenção, participação e voto do Sr. GY, 1.º R., ora recorrido.
AA.– Porque essa votação, que diz respeito à fração autónoma designada pela letra “A” do citado prédio urbano, foi desacompanhada do outro locatário financeiro imobiliário, o Sr. YC, entende a recorrente que há uma ilegitimidade do 1.º R., ora recorrido, aquando da deliberação por si isoladamente tomada na assembleia de condóminos de 29-06-2015, expressa na “ACTA AVULSA”, constante do doc. 14, junto com a P.I., porque tinham que intervir, em conjunto, os dois outorgantes do referido contrato de locação financeira imobiliário.
BB.–Porque não tendo intervindo essas duas pessoas (“comproprietários”) na votação ocorrida na assembleia de condóminos não são válidos quaisquer atos realizados pelo 1.º R., ora recorrido (“comproprietário”) contra a oposição da maioria legal – cuja manifestação de vontade nos autos é inexistente, sabendo-se, somente, que a proporção é de 50/50 – tal como estipula o artigo 1407.º, n.º 3 do CC.
CC.– Porque a deliberação tomada na assembleia de condóminos de 29-06-2015 diz respeito à realização de obras nas partes comuns do prédio, as quais pretendem alterar, profundamente, a estrutura e a fachada do prédio, elevando o pé direito da cobertura, construindo terraços, colocando clarabóias no teto da escada comum, e fenestrações nas fachadas (vide doc. 14, junto na P.I.)
DD.– Porque o artigo 1421.º, n.º 1 do CC elenca aquilo que é considerado como parte comum de um edifício, enquadrando-se nas alíneas a) e b) as obras pretendidas pelos recorridos, as quais representam autênticas “inovações”, carecendo, assim, da “aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio”, como dispõe o artigo 1425.º, n.º 1 do CC (negrito nosso).
EE.– Porque admitindo-se, por mera hipótese académica, que os recorridos tinham legitimidade para votar a proposta apresentada na assembleia de condóminos, estes jamais representariam dois terços do valor total do prédio, pois como resulta das descrições e inscrições prediais, e consta, aliás, da referida “ACTA AVULSA” (17,3% + 19,05% = 36,80%), os mesmos apenas possuem, em permilagem, o total de 368, do valor total do mencionado prédio, consistente em 1000 (vide doc. 1, junto na P.I.).
FF.– Porque embora a realização daquelas obras tivessem sido aprovadas por maioria dos condóminos presentes na assembleia de condóminos, não o foram pela maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, como exigido pelo artigo 1425.º, n.º 1 do CC, logo a deliberação tomada pela assembleia de condóminos deverá ser declarada nula ou anulada, por violação do citado preceito legal e por força do artigo 1433.º, n.º 1 e 4, do CC.
GG.– Porque seguindo o entendimento sufragado pela recorrente, no sentido de se verificar a apontada ilegitimidade da intervenção isolada do 1.º R., ora recorrido, na deliberação tomada em assembleia geral, tal como já pugnado na P.I., em concreto, no artigo 12.º, constata-se que nem sequer existiu quórum necessário para a deliberação tomada, ao abrigo do artigo 1432.º, n.º 4 do CC (seguindo o raciocínio expresso na Sentença, com o qual discordamos)
HH.– Porque a invalidade ou ineficácia da votação do 1.º R., ora recorrido, desacompanhada do Sr. YC – ponto 6 dos factos provados – conduz a que o único voto que poderia contar seria o do 2.º R., ora recorrido, o qual representa, unicamente, 19,5% (ou 195) do valor total do prédio, como é bom de ver pelo teor dos docs. 1, 18, 19, 20 e 21, juntos com a P.I.
II.– Porque a considerar-se válida a votação do 2.º R., ora recorrido, em sede de segunda convocatória, e mesmo que se sufrague o entendimento vertido na Sentença (interpretação dada ao artigo 1432.º, n.º 4 do CC), jamais estaria presente ¼ do valor total do prédio, porque as frações autónomas designadas pelas letras “H” e “I” só perfazem 19,5% do total do prédio, ficando aquém dos 25% (ou 250) necessários.
JJ.– Porque a alegada aprovação por parte da recorrente, por força do seu alegado silêncio, atento a conjugação do n.º 6, n.º 7 e n.º 8 do artigo 1432.º do CC, é uma argumentação que não colhe.
KK.– Porque jamais se pode considerar que a recorrente anuiu, com um alegado silêncio (que não existiu), a deliberação tomada pelos recorridos, visto que a mesma não esteve presente na deliberação tomada, logo não a aprovou (artigo 1433.º, n.º 1 do CC).
LL.– Porque a recorrente intentou a ação que deu azo ao presente processo, que visa impugnar a deliberação tomada, antes de precludir o prazo de 60 dias consignado no artigo 1433.º, n.º 4 do CC, sendo este modo de reação tão ou mais eficaz do que a comunicação a que alude o n.º 7 do artigo 1432.º do CC.
MM.– Porque o meio de reação judicial – que até possui um prazo mais curto do que o meio de reação extrajudicial – valerá para todos os efeitos legais como não aprovação da citada deliberação.
NN.– Porque seria a prática de um ato inútil e uma interpretação anómala, querer-se que, após a recorrente ter reagido judicialmente à deliberação tomada, ter ainda que comunicar, por escrito, à assembleia de condóminos a sua discordância.
OO.– Violou o Tribunal a quo, por erro de interpretação e ou aplicação, pelo menos, o disposto nos artigos 3.º, n.º 3, 615.º, n.º 1, alínea d) e 644.º, n.º 2, alínea d), todos do CPC; artigo 10.º, n.º 2, alínea e) do Regime Jurídico do Contrato de Locação Financeira; artigos 216.º, n.º 3, 925.º, 1405.º, n.º 1, 1407.º, n.º 1 e n.º 3, 1418.º, 1420.º, n.º 1, 1421.º, n.º 1, alíneas a) e b), 1422.º, n.º 3, 1425.º, n.º 1, 1430.º, n.º 1 e n.º 2, 1432.º, n.º 1, n.º 2, n.º 3, n.º 4, n.º 6, n.º 7 e n.º 8 e 1433.º, n.º 1 e n.º 4, todos do CC.
PP.– Em face das conclusões enunciadas, decorrente das alegações vertidas nesta peça processual, o manancial fático que foi fixado na Sentença deveria ter sido outro, tal como especificado supra, derivado dos dois únicos sítios legalmente possíveis: os factos alegados pela recorrente e pelos recorridos nas suas respetivas peças processuais, respostas e requerimentos e, ainda, dos constantes dos documentos carreados para os autos.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER ACEITE E, EM CONSEQUÊNCIA:
A)– SER DECLARADA A NULIDADE DA SENTENÇA, POR UM DOS QUATRO MOTIVOS SUPRA ALEGADOS;
B)– SER A SENTENÇA RECORRIDA ARREDADA E, EM SUA SUBSTITUIÇÃO, SER PROFERIDO DOUTO ACÓRDÃO QUE JULGE TOTALMENTE PROCEDENTE A AÇÃO DE ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÕES TOMADAS NA ASSEMBLEIA DE CONDOMÍNIOS DE 29-06-2015, REFERENTE AO IMÓVEL MELHOR IDENTIFICADO NO DOC. 1, JUNTO NA P.I., ORA POR FALTA DE LEGITIMIDADE DOS RECORRIDOS, ORA POR NÃO TER SIDO APROVADA POR MAIORIA QUALIFICADA, (…)”.

Contra-alegaram os recorridos pugnando pela manutenção do decidido, em síntese alinhando que não se verifica qualquer nulidade, sendo que não se pode confundir questões com argumentos, e menos ainda quando alguns dos argumentos nem sequer foram invocados anteriormente, e pronunciando-se pelo bem fundado da sentença em matéria de direito.
No despacho de admissão do recurso o tribunal recorrido pronunciou-se sobre a nulidade de sentença, entendendo não ocorrer a mesma.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir:

II.–Direito.

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação, as questões a decidir são:
1ª– nulidade de sentença;
2ª– impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
3ª– ilegitimidade dos locatários financeiros;
4ª– anulabilidade da deliberação tomada.

III.–Matéria de facto.

A decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido foi a seguinte:

Factos Provados.

Com interesse para a decisão da causa está provado que:
1.– A A. é proprietária das fracções designadas pelas letras B, C, D, E, F e G, todas do prédio urbano sito na Rua X, da freguesia do Socorro, Lisboa, constituído em propriedade horizontal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o nº 1..., da freguesia de Socorro e inscrito na matriz predial urbana sob o artº 1..., da freguesia de S... M... M...;
2.– Em 9.07.2015, a A. recepcionou uma carta registada com aviso de recepção com data de 7.07.2015, remetida pela 2º ré, com o seguinte assunto: “comunicação a condóminos ausentes da assembleia” e, a ela anexada, uma “ata avulsa”, tudo conforme doc.s 14 e 15, cujo teor se dá aqui integralmente reproduzido;
3.– Teor da ata avulsa que se dá por integralmente reproduzida;
4.– A fracção “A” é propriedade do Banco G, que a adquiriu por compra, em 27.10.2006;
5.– Existe uma locação financeira, celebrada pelo prazo de 15 anos com o início em 19.01.2006, entre o proprietário Banco G, S.A. e o 1º réu.
6.– Dessa fracção “A” é também locatário financeiro YC;
7.– Das fracções “H” e “I” são proprietárias o Banco T, que as adquiriu por compra, em 15.07.2013;
8.– Existe uma locação financeira celebrada pelo prazo de 12 anos, com início em 18.07.2013, entre o Banco Te a 2ª ré;
9.– A deliberação tomada na assembleia de condóminos em causa, diz respeito à realização de obras nas partes comuns do prédio;
10.– Obras essas que pretendem alterar a estrutura e a fachada do prédio, elevando o pé direito da cobertura, construindo terraços, colocando clarabóias no tecto da escada comum, e fenestrações nas fachadas;
11.– Para aprovação da realização das obras em causa, é necessária uma “maioria qualificada”, porquanto as obras em apreço representam autênticas “inovações”;
12.– Os RR. compareceram na assembleia de condóminos, na qualidade de condóminos, representados pelos respectivos advogados com procuração para o efeito;
13.– Os réus são condóminos arrendatários da fracção “A”, quanto ao 1º réu e da fracções “H” e “I” quanto à 2ª ré;
14.– As obras pretendidas pelos réus e postas à votação da assembleia de condóminos, afectam as partes comuns do prédio;
15.– Os RR. compareceram na assembleia de condóminos, na qualidade de condóminos, representados pelos respectivos advogados com procuração para o efeito;
16.– A mencionada assembleia de condóminos foi realizada após 2ª convocatória, pelo que as decisões tomadas foram por unanimidade;
17.– A condómina, ora A., podia comunicar por escrito, no prazo de 90 dias a contar da recepção da carta de comunicação da ata, à assembleia a sua discordância, o que não fez;
18.– Os condóminos presentes na 2ª convocatória da AC, os aqui RR, representam 36,8% do valor total do prédio.
           
Factos Não Provados.
Com interesse para a decisão da causa resultou não provado nenhum facto”.
           
IV.–Apreciação.
             
-questão:
A recorrente invoca a nulidade de sentença por omissão. Alega que a sentença não se pronunciou, e devia tê-lo feito, sobre:
- a ilegitimidade da intervenção do 1º Réu desacompanhado do co-locatário;
- sobre o requerimento de prova que produziu a propósito da informação prestada pelo Banco T que solicitou mais elementos para identificar o contrato de locação financeira e invocou segredo, e no qual a requerente ora recorrente requereu também que fosse ordenado o levantamento do segredo bancário;
- sobre se, sem autorização do locador financeiro Banco M, podia o respectivo locatário ter votado a deliberação;
- sobre se a recorrente foi devidamente convocada para a assembleia.

Nos termos do artigo 615º nº 1 al. d) do CPC, a sentença é nula quando o tribunal não se pronuncie sobre questão de que devia conhecer.

Ora, de imediato, se a questão não é de conhecimento oficioso, o tribunal só tem de se pronunciar, só deve pronunciar-se, se a questão lhe for suscitada.

Não é esse o caso do primeiro fundamento, porquanto, percorrida a petição inicial e a resposta, e sendo que na primeira a própria A. dá conta de que o 1º Réu é apenas co-locatário financeiro, nada em tais articulados se encontra suscitando a questão da ilegitimidade privativa (digamos assim) do 1º Réu por estar desacompanhado do seu co-locatário.

Identicamente para o quarto fundamento: também na petição e na resposta nada se refere sobre a irregularidade da convocação da A., e portanto também o tribunal não tinha que se pronunciar, não obstante até ter deferido o requerimento probatório da Autora em que pediu a notificação dos Réus para juntar documentos comprovativos da sua notificação e dos mesmos terem sido juntos.
Quanto ao segundo fundamento, sendo verdade que o tribunal não se pronunciou sobre quanto a A. requereu, a verdade é que assim já havia procedido na ocasião em que, posteriormente ao requerimento, marcou julgamento, isto é, após a resposta do Banco T e o requerimento da A. a pedir que se informasse ao mesmo elementos mais concretos de identificação do contrato, com prévia solicitação à 2ª Ré para que autorizasse o levantamento do segredo, o tribunal proferiu despacho em que marcou julgamento não se pronunciando sobre estas diligências de prova. Ora, nesse momento, ficou a A. habilitada a suscitar perante o tribunal recorrido a nulidade – artigo 195º, nº 1 do CPC (a formalidade omitida é a pronúncia sobre o requerimento) – e em face da posição que este tomasse, a interpor recurso autónomo relativo a meios de prova – artigo 644º nº 2 al. d) do CPC. Não o tendo feito, tal requerimento ficou prejudicado pelo que o tribunal, tanto mais quanto iria acolher a tese da legitimidade dos locatários financeiros e portanto seria irrelevante saber qual era a posição do Banco proprietário, não tinha de se pronunciar.

Relativamente ao terceiro fundamento, bem ou mal, é questão que se verá depois, a sentença concluiu pela legitimidade dos locatários financeiros em detrimento duma afirmação de legitimidade dos proprietários locadores, donde a questão da falta de autorização não tinha relevância, pelo que sobre ela não teria o tribunal de se pronunciar, sob pena de prática de actos inúteis no processo, contra o disposto no artigo 130º do CPC.
Em suma, improcede esta questão.

2ª-questão:
Conforme resulta do corpo da alegação de recurso, que passamos a transcrever, a recorrente pretende as seguintes alterações à decisão sobre a matéria de facto:
j)- Deverá aditar-se à redação constante do ponto 10 dos factos dados como provados, os factos seguintes:
10.Obras essas que pretendem alterar a estrutura e a fachada do prédio, elevando o pé direito da cobertura, construindo terraços, colocando claraboias no teto da escada comum, e fenestrações nas fachadas, tudo conforme melhor descrito na alínea a), pontos I., II. e III. e IV, do doc. 14, junto na P.I.;
m)- Deverá alterar-se a redação constante do ponto 13 dos factos dados como provados e, em sua substituição, deverá dividir-se em dois conjuntos de factos, fixando-se o seguinte:
13.Por força da Ap. 36 de 2005/04/21, constante do doc. 16, junto na P.I., bem como do contrato de locação financeira imobiliário de fls. 109 a 118 dos autos, o 1.º réu, em conjunto com a pessoa identificada no ponto 6 retro, são condóminos da fração “A”;
13-A. Por força da Ap. 4 de 2013/07/21, constante do doc. 18, junto na P.I., o 2.º réu é condómino das frações “H” e “I”;
o)- Deverá suprimir-se a redação constante do ponto 15 dos factos dados como provados, porque esta é igual à constante do ponto 12 retro;
p)- Deverá suprimir-se parte da redação constante do ponto 16 dos factos dados como provados, passando a constar o seguinte:
16. A mencionada assembleia de condóminos foi realizada em 2ª convocatória;
q)- Deverá aditar-se à redação constante do ponto 17 dos factos dados como provados, os factos seguintes:
17. A condómina, ora A., podia comunicar por escrito, no prazo de 90 dias a contar da receção da carta de comunicação da ata, à assembleia a sua discordância, o que não fez, tendo optado por impugnar judicialmente a deliberação dentro do prazo de 60 dias sobre a data da mesma;
r)- Deverá alterar-se a redação constante do ponto 18 dos factos dados como provados e, em sua substituição, deverá fixar-se o seguinte:
18.Os condóminos presentes na 2ª convocatória da AC, os aqui RR, por ausência da pessoa identificada no ponto 6 retro, representavam apenas 19,5% do valor total do prédio.
s)- Deverão aditar-se, ainda, os factos seguintes:
19. Resulta de fls. 107 e 108 dos autos que o Banco G, S.A. (ou Millennium BCP), locador financeiro imobiliário, não autorizou o 1.º R. a participar, em sua representação, na Assembleia de Condóminos do prédio urbano sito na Rua X, freguesia de Socorro, concelho de Lisboa, e nela votar as deliberações propostas.
20.A A. não rececionou a primeira convocatória para a Assembleia de Condóminos do prédio urbano sito na Rua X, freguesia de Socorro, concelho de Lisboa, como resulta dos dois talões de registo dos CTT juntos aos autos pela 2.ª Ré e dos dois comprovativos de entrega dos CTT juntos aos autos pela A..

Porém, porque são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto – artigos 635º e 639º do CPC – quando se pretende a impugnação da decisão sobre a matéria de facto tem tal vontade de ser levada às conclusões da alegação.

Ora, em concreto, o que consta das conclusões é:
PP. Em face das conclusões enunciadas, decorrente das alegações vertidas nesta peça processual, o manancial fático que foi fixado na Sentença deveria ter sido outro, tal como especificado supra, derivado dos dois únicos sítios legalmente possíveis: os factos alegados pela recorrente e pelos recorridos nas suas respetivas peças processuais, respostas e requerimentos e, ainda, dos constantes dos documentos carreados para os autos.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER ACEITE E, EM CONSEQUÊNCIA:
A)SER DECLARADA A NULIDADE DA SENTENÇA, POR UM DOS QUATRO MOTIVOS SUPRA ALEGADOS;
B)SER A SENTENÇA RECORRIDA ARREDADA E, EM SUA SUBSTITUIÇÃO, SER PROFERIDO DOUTO ACÓRDÃO QUE JULGUE TOTALMENTE PROCEDENTE A AÇÃO DE ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÕES TOMADAS NA ASSEMBLEIA DE CONDOMÍNIOS DE 29-06-2015, REFERENTE AO IMÓVEL MELHOR IDENTIFICADO NO DOC. 1, JUNTO NA P.I., ORA POR FALTA DE LEGITIMIDADE DOS RECORRIDOS, ORA POR NÃO TER SIDO APROVADA POR MAIORIA QUALIFICADA, (…)”.
 
Como se vê do pedido recursivo final, não pede a A. a alteração da matéria de facto enquanto condição de anulação das deliberações, pois que esta procede da falta de legitimidade e não aprovação por maioria qualificada. Repare-se que esta maioria procede tanto do carácter inovatório das obras como da intervenção solitária do 1º Réu sem o seu co-locatário, factos que já vêm fixados na sentença.
É certo que alínea PP se refere expressamente a que outro manancial fáctico deveria ser o fixado na sentença, e que isso encontra fundamento na alegação, isto é, no corpo da alegação.

Simplesmente, e reafirmando-se que são as conclusões que delimitam o objecto do recurso, há que nelas referir pelo menos os concretos pontos de facto que se pretendem alterar, qual o sentido da alteração e quais os meios de prova relevantes, ainda que forma absolutamente sumária.

Ora, isto não foi feito, e tanto mais assim se revela quando, lidas as contra-alegações, se percebe que os recorridos não identificaram a alteração da matéria de facto como uma questão do recurso, da qual se devessem defender. Não só as conclusões da alegação têm a virtude de sintetizar ao tribunal de recurso quais são as questões sobre as quais se deve pronunciar, como, a partir da regra de que elas são o que marca o objecto do recurso, são o patamar mínimo de alegação em função do princípio do contraditório.

Conforme se tem entendido, o tribunal não pode, sob pena de favorecimento de uma das partes, convidar ao aperfeiçoamento no que toca ao pedido de impugnação da decisão sobre a matéria de facto. Os termos em que tal pedido vem formulado nas conclusões da alegação não cumprem o mínimo ónus constante do artigo 640º do CPC, pelo que a reapreciação da decisão sobre a matéria de facto tem de ser rejeitada, sem prejuízo do poder deste tribunal de aditamento ou alteração oficiosa quanto a factos que resultem plenamente provados dos articulados e que não tenham sido considerados ou quanto a redacções conclusivas sobre as quais as partes não estejam de acordo.

Ainda que assim não se entendesse, sempre se dirá o seguinte:
Quanto ao aditamento ao ponto 10, o mesmo é irrelevante em função do que também vem descrito no ponto 11, a partir do qual está definida a natureza das obras e em função delas se pode proceder para a convocação das pertinentes normas jurídicas.

Quanto ao ponto 13, a resposta pretendida obtém-se por conjugação do ponto em causa com o ponto 6.

Quanto à supressão do ponto 15 por ser igual ao ponto 12, sem dúvida aqui tem a recorrente razão, pelo que, ao abrigo dos mencionados poderes oficiosos deste tribunal, se suprime tal ponto 15. 
           
Quanto à supressão de parte da redacção constante do ponto 16 dos factos dados como provados, onde se diz que “pelo que as decisões foram tomadas por unanimidade”, e devendo passar a constar apenas “16. A mencionada assembleia de condóminos foi realizada em 2ª convocatória”, embora aparentemente se esteja perante uma conclusão – “pelo que” – e ainda para mais possa haver confusão relativamente ao tipo de aprovação necessária, o sentido, que resulta do aliás alegado pela Autora e da acta da referida assembleia é o de que tal unanimidade se refere ao facto de que os dois condóminos presentes votaram no mesmo sentido, da aprovação das obras. Assim sendo, não há razão oficiosa para alterar o decidido.

Relativamente à alteração do ponto 17 dos factos dados como provados para “17. A condómina, ora A., podia comunicar por escrito, no prazo de 90 dias a contar da receção da carta de comunicação da ata, à assembleia a sua discordância, o que não fez, tendo optado por impugnar judicialmente a deliberação dentro do prazo de 60 dias sobre a data da mesma”, o aditamento que sublinhamos é conclusivo e não está provado: é facto que podia e é facto que impugnou, fica para a apreciação jurídica saber qual a relevância desta impugnação sobre aquele poder.

Quanto à alteração da redacção constante do ponto 18 dos factos dados como provados para “18. Os condóminos presentes na 2ª convocatória da AC, os aqui RR, por ausência da pessoa identificada no ponto 6 retro, representavam apenas 19,5% do valor total do prédio”, a mesma é uma resposta jurídica à questão fáctica do ponto 6, ou seja, a de que na assembleia o outro locatário não estava presente, pelo que não é admissível em sede de facto.

Quanto ao aditamento do facto 20 sobre a não recepção pela A. da primeira convocatória, isso já resulta dos pontos 2 e 3.

Restaria portanto a pretensão de aditamento dum ponto 19 sobre o BCP não ter autorizado o 1º Réu a participar em sua representação na assembleia, e a nela votar as deliberações propostas, simplesmente a questão é esta: ou os locatários financeiros têm legitimidade ou não têm. Se não têm, se quem tem é o proprietário locador financeiro, é irrelevante saber se não autorizou, porque os RR. não invocaram na contestação que tivessem sido autorizados, ou seja, não tem de ser a A. a fazer a prova dos Réus dos facto que integrariam uma defesa que eles não usaram para si.

Em suma, e ao abrigo dos poderes de alteração oficiosa deste tribunal – artigo 662º do CPC – suprime-se o ponto 15 da matéria de facto provada.
 
3ª-questão:
A recorrente sustenta que, ao contrário do decidido, os locatários financeiros não têm legitimidade para intervir e deliberar em assembleia de condóminos. Em seu apoio cita os acórdãos da Relação do Porto de 26.10.2006 e de 6.5.2008 e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.6.2008. Os recorridos sustentam a jurisprudência ponderada pela decisão recorrida, essencialmente o acórdão da Relação do Porto, de 02/23/2012 e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6-11-2008 que sufragam.
Os Exmºs Senhores Desembargadores adjuntos perfilham a posição da recorrente, encontrando-se o ora relator vencido quanto a ela. Nos termos do artigo 663º nº 4 do CPC, e com prévia indicação da Exmª Senhora Presidente desta 6ª Secção, cumpre ao ora relator proceder à elaboração do acórdão segundo a posição maioritária, lavrando a final a sua declaração de vencimento.
Os corpos jurídicos a convocar para a resolução da questão são o regime da propriedade horizontal e o regime da locação financeira. As versões vigentes à data dos factos não alteraram as disposições citadas na jurisprudência que antecede.
Da banda do primeiro, sabemos que as fracções de que um edifício se compõe, em condições de constituírem unidades independentes, podem pertencer a proprietários diversos em regime de propriedade horizontal (artigo 1414º do Código Civil), que “A propriedade horizontal pode ser constituída por negócio jurídico, usucapião, decisão administrativa ou decisão judicial, proferida em acção de divisão de coisa comum ou em processo de inventário” (artigo 1417º do CC), que o respectivo título constitutivo deve conter (artigo 1418º do CC) a especificação das “(…) partes do edifício correspondentes às várias fracções, por forma que estas fiquem devidamente individualizadas, e será fixado o valor relativo de cada fracção, expresso em percentagem ou permilagem, do valor total do prédio”. Pode ainda conter as menções descritas no nº 2 do mesmo preceito, a saber entre outras, “o fim a que se destina cada fracção ou parte comum e o regulamento do condomínio”. Sabemos também que (artigo 1419º) “1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 1422.º-A e do disposto em lei especial, o título constitutivo da propriedade horizontal pode ser modificado por escritura pública ou por documento particular autenticado, havendo acordo de todos os condóminos”.

Por outro lado, o artigo 1420º do CC estipula que cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício, sendo o conjunto dos dois direitos incindível, sendo que (artigo 1424º do CC) “1. Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções”, regra que se aplica também ao custeio das obras inovatórias – artigo 1426º nº 1 do CC – e que igualmente vinculam os condóminos que não tenham aprovado as obras salvo recusa fundamentada.

Ora, relativamente às partes comuns, o artigo 1430º do CC prevê que “1. A administração das partes comuns do edifício compete à assembleia dos condóminos e a um administrador. 2. Cada condómino tem na assembleia tantos votos quantas as unidades inteiras que couberem na percentagem ou permilagem a que o artigo 1418.º se refere”.

Donde, conjugado o artigo 1420º com o artigo 1430º, ambos do CC, o proprietário de uma fracção é condómino e pode por isso participar na assembleia de condóminos, deliberando segundo os seus votos, o que aí houver a deliberar ou impugnando as deliberações tomadas contra a sua vontade.

Ora, como proprietário, o condómino “goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição da coisa que lhe pertence dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas.” (artigo 1305º do CC).

Destes preceitos decorre que o condómino, como a própria palavra de origem latina o indica, é o dono, proprietário da coisa própria e comproprietário da coisa comum.

Como comproprietário pode inclusive, alterar, com o acordo de todos os outros condóminos, o título constitutivo da propriedade horizontal, introduzir alterações, inovações à coisa comum.

Como proprietário pode alienar o bem, onerá-lo, introduzir-lhe inovações, enfim praticar todos os actos constitutivos do direito de propriedade.

Podem estes extensos poderes ser assumidos integralmente pela pessoa do locatário financeiro?
Da banda do regime jurídico da locação financeira, aprovado pelo DL 149/95 de 24.6 com as alterações dos DL 265/97 de 2.10, DL 285/2001 de 3.11 e DL 30/2008 de 25.2, sabemos que:
A “Locação financeira é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados” – artigo 1º.

A locação financeira tem como objecto quaisquer bens susceptíveis de serem dados em locação, e portanto também imóveis – artigo 2º, nº 1.

Nos termos do artigo 7º “Findo o contrato por qualquer motivo e não exercendo o locatário a faculdade de compra, o locador pode dispor do bem, nomeadamente vendendo-o ou dando-o em locação ou locação financeira ao anterior locatário ou a terceiro”.

O artigo 9º estabelece que são obrigações do locador, “a) Adquirir ou mandar construir o bem a locar; b) Conceder o gozo do bem para os fins a que se destina; c) Vender o bem ao locatário, caso este queira, findo o contrato” Nos termos do nº 2 do mesmo preceito, “2 - Para além dos direitos e deveres gerais previstos no regime da locação que não se mostrem incompatíveis com o presente diploma, assistem ao locador financeiro, em especial e para além do estabelecido no número anterior, os seguintes direitos: a) Defender a integridade do bem, nos termos gerais de direito; (…)”.

Por parte do locatário, a lei estipula as suas obrigações nos termos do artigo 10º que aqui apenas referiremos na parte relevante: - “b)- Pagar, em caso de locação de fracção autónoma, as despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum;” c) Facultar ao locador o exame do bem locado; d) Não aplicar o bem a fim diverso daquele a que ele se destina (…) salvo autorização do locador; e) Assegurar a conservação do bem e não fazer dele uma utilização imprudente; f) Realizar as reparações, urgentes ou necessárias, bem como quaisquer obras ordenadas pela autoridade pública;
(…) i) Avisar imediatamente o locador, sempre que tenha conhecimento de vícios no bem ou saiba que o ameaça algum perigo ou que terceiros se arrogam direitos em relação a ele, desde que o facto seja ignorado pelo locador; j) Efectuar o seguro do bem locado, contra o risco da sua perda ou deterioração e dos danos por ela provocados; k) Restituir o bem locado, findo o contrato, em bom estado, salvo as deteriorações inerentes a uma utilização normal, quando não opte pela sua aquisição”
.

O mesmo preceito estabelece, no seu nº 2 o seguinte: “Para além dos direitos e deveres gerais previstos no regime da locação que não se mostrem incompatíveis com o presente diploma, assistem ao locatário financeiro, em especial, os seguintes direitos: (…)
b) Defender a integridade do bem e o seu gozo, nos termos do seu direito;  c) Usar das acções possessórias, mesmo contra o locador; d) Onerar, total ou parcialmente, o seu direito, mediante autorização expressa do locador; e) Exercer, na locação de fracção autónoma, os direitos próprios do locador, com excepção dos que, pela sua natureza, somente por aquele possam ser exercidos; (…)
”.

Resulta ainda do artigo 12º que “O locador não responde pelos vícios do bem locado ou pela sua inadequação face aos fins do contrato, salvo o disposto no artigo 1034.º do Código Civil” e resulta do artigo 13º que “13 O locatário pode exercer contra o vendedor ou o empreiteiro, quando disso seja caso, todos os direitos relativos ao bem locado ou resultantes do contrato de compra e venda ou de empreitada”.

Finalmente, o artigo 15º estipula que “Salvo estipulação em contrário, o risco de perda ou deterioração do bem corre por conta do locatário”.

Percorrido este regime, vemos que no contrato de locação financeira coexistem dois tipos contratuais: a compra e venda de um bem e a sua locação, existindo normalmente uma relação triangular, envolvendo o fornecedor, o locador financeiro e o locatário.

A propriedade da coisa locada transfere-se apenas no termo do contrato, optando o locatário pela sua aquisição e pagando o respectivo valor residual. Trata-se no entanto de uma mera opção do locatário, no termo do contrato, que pode não ser exercida (artigo 9º do referido decreto lei).

O locatário financeiro não é pois o titular do direito de propriedade, que permanece na esfera do locador.

Aliás, se o locador adquiriu para o locatário, se o bem reverte para ele se o locatário não o quiser adquirir no final, se o locatário tem de conservar o bem, se o locador tem o direito de examinar o bem e o direito de defender a sua integridade, tudo indica que juridicamente o locador é o proprietário, nos termos dos artigos 1302º e 1305º ambos do CC.

Tem porém sido discutido na nossa jurisprudência e doutrina se efectivamente o locatário financeiro pode ser considerado condómino para efeitos de qualquer tipo de deliberação social ou de impugnação de deliberações sociais.

Tem sido defendido por alguma da nossa jurisprudência que condómino não pode ser o locatário financeiro, mas apenas o locador, proprietário do bem e que se mantém como tal até ao exercício dessa opção. (neste sentido vidé o Ac. do S.T.J. de 24/06/2008 proferido no âmbito do proc. nº 08A1755, disponível para consulta in www.dgsi.pt, relatado pelo Sr. Conselheiro Moreira Camilo, contendo um voto de vencido e Ac. do TRP de 26/10/06 proc. nº 0635535, igualmente disponível para consulta in www.dgsi.pt).

Em sentido contrário temos o Ac. da Relação do Porto de 23/02/2012, proferido no Proc. nº 5564/10.8, disponível para consulta in www.dgsi.pt, igualmente com um voto de vencido.

No mesmo sentido deste acórdão, veja-se Sandra Passinhas, “A Assembleia de Condóminos e a Administração na Propriedade Horizontal”, Almedina, a pág. 230, defendendo que “nos termos do artº 10º, nº1, al. e) do DL nº 149/95, de 24 de Junho [..], o locatário exerce, na locação da fracção, os direitos próprios do locador, com excepção dos que, pela sua natureza, somente possam por aquele ser exercidos. No direitos próprios do locador, entendemos que cabe o direito de voto na assembleia de condóminos” - sublinhado nosso. (Ac. do TRP de 26/10/06 proc. nº 0635535, disponível para consulta in www.dgsi.pt, embora este acórdão se pronuncie pela negativa, interpretando a afirmação da supra referida autora, como a negação do direito de locatário votar, o que nos parece ser o contrário do por ela defendido).

Nasce esta discordância da aplicação do mencionado regime da propriedade horizontal, que define como condómino o proprietário, confrontado com o disposto no regime especial da locação financeira, mormente no artigo 10º do D.L. 149/95, e sobretudo da alínea e) do nº 2, que estipula os direitos do locatário, reservando porém os direitos que só pelo locador pudessem ser exercidos.

Vem este diploma e preceito na sequência do que se dispunha no âmbito do D.L. 10/91 (artº 9) que possibilitava aos locatários financeiros participar e votar em assembleias gerais, podendo inclusivamente ser eleitos para cargos, referindo-se expressamente este preceito à propriedade horizontal.

Tal disposição não foi vertida nos seus precisos e claros termos para a actual lei, conforme decorre da versão do artº 10 nº2 e) do D.L. 149/95, referindo-se na actual disposição ao direito do locatário de exercício dos direitos próprios do locador, excepto aqueles que somente possam ser por ele (locador) exercidos.

Entendemos no entanto, que o exercício dos direitos próprios do locador inclui o direito de voto, excepto naqueles casos em que estão em causa direitos que só pelo proprietário do bem possam ser exercidos, como a alteração do título constitutivo, ou a introdução de inovações ou alterações das partes comuns, matéria que entendemos excluída dos direitos do locatário financeiro, por se repercutirem no direito de propriedade do locador.

Entendemos ainda que ao locatário financeiro está-lhe vedado deliberar quanto a obras de inovação no prédio com que o locador pudesse estar em desacordo, bem como dar o seu acordo para a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, por se tratarem de direitos que só pelo locador podem ser exercidos.

De resto, repare-se que algumas obras de inovação podem mesmo exigir posteriormente a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal.
Procede pois esta questão.

-questão:
Relativamente à anulabilidade da deliberação tomada, posto que, em coerência com a resolução da questão anterior, só o locador tem legitimidade, a mesma anulabilidade dela procede, tanto mais que os RR. não invocaram a existência de qualquer autorização prévia por parte dos respectivos locadores.
Vem ainda invocado que o 1º Réu, por ser co-locatário da respectiva fracção, não tinha legitimidade para votar desacompanhado e por isso que o capital representado na votação é inferior ao considerado e inferior ao que seria necessário para a votação em razão da natureza das obras. 
Ora, renovando o que já se disse a propósito da questão da nulidade, nenhumas consequências foram extraídas pela Autora na petição inicial, nem também na resposta, do facto por ela alegado de que o 1º Réu era apenas co-locatário financeiro, e deste modo qualquer questão relacionada com tais consequências não foi posta à consideração do tribunal recorrido, razão pela qual este nada decidiu, e se este nada decidiu, então a submissão de tal questão a este tribunal reveste a natureza de uma questão nova, da qual o tribunal de recurso não pode conhecer, pois apenas aprecia recursos das decisões efectivamente tomadas pelo tribunal recorrido, como resulta do artigo 627º do CPC.
Resta saber, em função da natureza das obras, qual o tipo de maioria necessária à sua aprovação e saber qual a consequência da Autora não ter comunicado a sua não aprovação e ao invés ter optado pela interposição da presente acção.
Quanto ao primeiro aspecto, não está em causa que as obras em causa não sejam inovações, sujeitas portanto ao regime do artigo 1425º nº 1 do Código Civil, segundo o qual se exige “aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio”, sendo que também não está em causa – isso logo resulta da contestação – que a percentagem das fracções de que os Réus são locatários financeiros não atinge tal proporção.
Porém, esgrimiram os Réus, a deliberação foi tomada em 2ª convocatória da assembleia de condóminos, e por isso, por aplicação do artigo 1432º nº 4 do Código Civil, a referida assembleia podia “deliberar por maioria de votos dos condóminos presentes, desde que estes representem, pelo menos, um quarto do valor total do prédio”, o que sucedeu. Neste sentido se pronunciou também a sentença recorrida.
Pelo contrário, como já resulta da resposta à contestação, a Autora pugna pela necessidade duma maioria qualificada. Estriba-se no acórdão da Relação do Porto de 06-03-2007, processo n.º 0720180, disponível em www.dgsi.pt, do qual cita, além do mais:
no conceito de inovação tanto cabem as alterações introduzidas na substância como na forma das coisas, como as modificações relativas ao seu destino ou afectação que beneficiem ou prejudiquem algum condómino, pelo que, nos termos do art. 1425.º não são admitidas, a menos que as deliberações das assembleias de condóminos que as tenham aprovado contem cumulativamente com uma dupla maioria: a da maioria dos condóminos (maioria numérica) e a maioria qualificada de dois terços do valor do prédio (dois terços do capital investido no edifício).” (negrito nosso).
28.º
O facto de terem decorrido em segunda convocatória as deliberações tomadas a respeito da implantação, nada de especial traz ou retira à questão em crise, por se entender que ao caso não é aplicável a disciplina do art. 1432.º-4. Este preceito vem na sequência do n.º 3, onde se haviam ressalvadas as hipóteses para as quais fosse exigido disciplina especial, como era a presente. É certo que o n.º 5 previu, para as deliberações tomadas em segunda convocatória, um regime especial para os casos em que seja exigida unanimidade para a deliberação (mas em que não estivessem presentes todos os condóminos), e não previu explícitamente qualquer preceito para aqueles casos em que, saindo do regime geral de maiorias simples, se exigisse maiorias qualificadas de dois terços do capital e cumulativamente a maioria de condóminos.
No entanto, é importantíssimo reparar que o n.º 5 continuou a exigir a unanimidade na deliberação, não a dispensando, para aqueles casos que já a exigiam para as deliberações tomadas em primeira convocatória. O que o número 5 veio fazer foi facilitar a deliberação em segunda convocatória, fazendo com que essa unanimidade pudesse ser construída tendo como base imediata a presença e a aprovação unânime de dois terços do capital investido, na condição da restante parte do capital se vir a manifestar posteriormente, também por unanimidade, por qualquer das formas previstas nos números seguintes desse mesmo art. 1432.º. Se a lei foi tão ciosa em continuar a manter a exigência da unanimidade em segunda convocatória para as deliberações que a exigiam na primeira, apenas aceitando a forma de ela se manifestar, entendemos que o mesmo tipo de preocupação está subjacente ao tipo de deliberações que exijam um regime especial também exigente, encontrando-se, consequentemente nesta situação, todos aqueles casos que se coloquem à margem da simples administração ordinária. Existe portanto uma lacuna legal para as deliberações que exijam maiorias qualificadas e que venham a ser tomadas em segunda convocatória da assembleia geral. Essa lacuna tem de ser suprida pela analogia com a situação que melhor se lhe adapte, ou seja, com a continuação da exigência de maioria de dois terços, podendo neste caso bastar que votem favoravelmente a deliberação, logo na assembleia, a maioria dos condóminos e do capital investido, mas ficando a deliberação sujeita à condição de haver manifestação posterior da restante parte necessária para fazer as maiorias qualificadas exigidas, podendo essas posteriores formas de manifestação ocorrer nos mesmos moldes previstos nos n.ºs 6 a 9 do art. 1432.º. Como as deliberações tomadas não preenchem esses requisitos, entendemos que são elas anuláveis.”(vide supra citado e douto Acórdão;negrito e sublinhado nosso)” (fim de citação).

Da banda dos Réus o que vemos, e é o que resulta do apoio que tomam no acórdão desta Relação de 14.7.2014, é a defesa do, digamos assim, funcionamento autónomo do nº 4 do artigo 1432º do Código Civil.

Explicando melhor:
O artigo 1432º do Código Civil, que se insere na Secção IV sobre a Administração das partes comuns do edifício, na sequência dos preceitos que identificam os órgãos administrativos, os votos que cabem a cada condómino, e as datas de reunião, vem estabelecer, sob a epígrafe “Convocação e funcionamento da assembleia”, as seguintes regras: 
“1- A assembleia é convocada por meio de carta registada, enviada com 10 dias de antecedência, ou mediante aviso convocatório feito com a mesma antecedência, desde que haja recibo de recepção assinado pelos condóminos.
2- A convocatória deve indicar o dia, hora, local e ordem de trabalhos da reunião e informar sobre os assuntos cujas deliberações só podem ser aprovadas por unanimidade dos votos.
3- As deliberações são tomadas, salvo disposição especial, por maioria dos votos representativos do capital investido.
4- Se não comparecer o número de condóminos suficiente para se obter vencimento e na convocatória não tiver sido desde logo fixada outra data, considera-se convocada nova reunião para uma semana depois, na mesma hora e local, podendo neste caso a assembleia deliberar por maioria de votos dos condóminos presentes, desde que estes representem, pelo menos, um quarto do valor total do prédio.
5-As deliberações que careçam de ser aprovadas por unanimidade dos votos podem ser aprovadas por unanimidade dos condóminos presentes desde que estes representem, pelo menos, dois terços do capital investido, sob condição de aprovação da deliberação pelos condóminos ausentes, nos termos dos números seguintes.
6-As deliberações têm de ser comunicadas a todos os condóminos ausentes, por carta registada com aviso de recepção, no prazo de 30 dias.
7-Os condóminos têm 90 dias após a recepção da carta referida no número anterior para comunicar, por escrito, à assembleia de condóminos o seu assentimento ou a sua discordância.
8-O silêncio dos condóminos deve ser considerado como aprovação da deliberação comunicada nos termos do n.º 6.
9-Os condóminos não residentes devem comunicar, por escrito, ao administrador o seu domicílio ou o do seu representante”.

Ora, o modo de convocação e de funcionamento da assembleia aplica-se a todo o tipo de deliberações que a referida assembleia haja de tomar, ou seja, quer a questões de mera administração, em que ordinariamente se exige apenas maioria simples, quer aos casos em que os assuntos em discussão exijam maiorias qualificadas, duplas, ou mesmo unanimidade dos condóminos.

Como resulta dos nºs 2 e 4, estamos em presença duma norma prática, que resolve problemas práticos, um remédio para a possível complexidade de reunir inúmeros condóminos que pode ser um entrave real ao correcto e agilizado funcionamento de uma administração.

Poderia portanto ler-se cada alínea do preceito como estabelecendo uma regra a propósito de cada possível problema de funcionamento. Neste sentido, o legislador haveria então estabelecido que, funcionando a assembleia em segunda convocatória – no fundo, tendo sido dada uma primeira oportunidade a todos os condóminos para exercerem o seu direito de participação e votação – poderia, excepto no caso de estarmos perante exigência legal de unanimidade, deliberar a assembleia por maioria, desde que esta reflectisse um quarto do valor total do prédio. No caso da unanimidade, posto que alcançado determinado percentual de maioria, a perfectibilidade da decisão dar-se por efeito da sua notificação aos condóminos ausentes que, nada dizendo, se presumiria darem o seu assentimento, assim se completando, ainda que num momento posterior, a unanimidade sempre exigida pela lei.

É pois verdade que, literalmente, o preceito em questão não estabelece nenhum dispositivo para o caso das deliberações a tomar deverem sê-lo por maioria qualificada. Mas, haverá aqui uma intenção específica do legislador, de agilização da administração, com reserva de um regime especial preventivo da violação do interesse que justifica o estabelecimento de regras de unanimidade, ou o legislador simplesmente não previu o caso, e se o tivesse previsto teria agido de outro modo? Ou seja, pode o intérprete entender que há uma lacuna que deve ser integrada pelo modo que previsivelmente o legislador, em atenção aos interesses em causa, à importância ou relevância deles, teria regulado (artigo 10º do Código Civil)?

Evidentemente, o caso sobre que se debruçou o referido acórdão da Relação do Porto impressiona bastante: tratava-se da instalação de antenas, com perigo inclusive de radioactividade para os condóminos. Compreende-se assim que fosse intolerável deixar funcionar a regra da parte final do nº 4 do preceito, e obter uma aprovação por condóminos representando apenas um quarto do valor do prédio.

Simplesmente, ou se entende que há uma lacuna ou se entende ao contrário, e no primeiro caso a integração comungará da natureza geral e abstracta das normas, sendo pois indevido considerar que, por exemplo, num caso como o presente que não apresenta particular perigosidade, não se deva operar tal integração. E no fundo, se pensarmos, o caso é dum prédio afinal detido maioritariamente pela Autora, havendo mais dois condóminos apenas, claramente minoritários, e que decidem fazer obras de inovação, contra a posição maioritária da Autora, ou seja, no fundo, o que está em causa é o direito de propriedade, no qual se contém evidentemente o poder de determinar a manutenção ou alteração dum tipo morfológico sobre o qual, no limite, o proprietário pode fazer um juízo relativo ao seu valor de mercado.  
   
A norma em questão não constava da versão original do Código Civil, segundo a qual: “(…) 2. As deliberações são tomadas, salvo disposição especial, por maioria dos votos representativos do capital investido. 3. Se não comparecer o número de condóminos suficiente para se obter vencimento, é convocada nova reunião dentro dos dez dias imediatos, podendo neste caso a assembleia deliberar por maioria de votos dos proprietários presentes, desde que estes representem, pelo menos, um terço do capital”.

A versão actual foi introduzida pelo DL 267/94 de 25.10, em cujo preâmbulo se encontra como justificação das alterações introduzidas o desenvolvimento da construção urbana em altura e por isso das temáticas relacionadas com a propriedade horizontal e com a gestão de condomínio, sem que contudo se encontre referência específica à alteração que introduz a disciplina da unanimidade. Podemos pois entender que é apenas porque, da segunda parte da década de 60 do século transacto até aos anos 90, o padrão típico de habitação se alterou consideravelmente, edifícios em propriedade horizontal bem maiores, com bem maior número de condóminos foram sendo construídos, dificultando, por esse maior número, uma situação de consenso ou de gestão facilitada, do mesmo modo que a possibilidade de afectação, pela vontade de poucos, dos interesses de muito mais, e sobretudo no caso de decisões que a lei entende que só todos poderiam tomar, se tornou uma realidade corrente.

Não nos parece absolutamente claro que a leitura do nº 4 do preceito se reporte ao nº 3, ou seja, que perante a regra geral da deliberação por maioria simples, as regras de funcionamento e validade deliberativa em segunda convocatória se reportem apenas a essa regra geral, pois, como vimos, todo o preceito regula todos os tipos de deliberações que podem ser tomadas. Mas também não nos parece lógico que, sendo o fim último da lei a protecção da maioria contra actuações minoritárias, e tendo baixado o limite mínimo de votos de um terço do valor do prédio para um quarto do valor do prédio, o legislador afinal tenha introduzido, apenas por uma questão de agilização da administração, uma menorização ou desprezo dos casos em que exige maioria qualificada. Se tais casos revestem importância suficiente para o legislador exigir maioria qualificada, como explicar então que relativamente a eles, a circunstância de se frustrar a primeira convocatória seja suficiente para uma minoria que representa apenas um quarto do valor do prédio vincular os restantes três quartos?

Tendemos assim, salvo melhor opinião, a pensar que existe efectivamente uma lacuna, que se verifica analogia pois que no caso das deliberações por maioria qualificada procedem, ainda que com menor intensidade, as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei – isto é, a salvaguarda dos interesses maioritários – e que a solução passa por considerar a ficção duma norma que o próprio intérprete criaria se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema. 

Alinhando pois pelo acima citado acórdão da Relação do Porto, entendemos também que “Essa lacuna tem de ser suprida pela analogia com a situação que melhor se lhe adapte, ou seja, com a continuação da exigência de maioria de dois terços, podendo neste caso bastar que votem favoravelmente a deliberação, logo na assembleia, a maioria dos condóminos e do capital investido, mas ficando a deliberação sujeita à condição de haver manifestação posterior da restante parte necessária para fazer as maiorias qualificadas exigidas, podendo essas posteriores formas de manifestação ocorrer nos mesmos moldes previstos nos n.ºs 6 a 9 do art. 1432.º”.

No fundo, em paralelo adaptado ao que sucede quanto às votações por unanimidade, onde se exige a maioria qualificada que legalmente se encontra abaixo desta unanimidade, e a posterior confirmação, aqui exige-se a maioria abaixo desta maioria de dois terços, ou seja a maioria simples dos votos representativos do capital investido (nº 3 do artigo 1432º) e depois a confirmação dos restantes condóminos que seja necessária para perfazer a maioria de dois terços.

Ora, com esta disciplina, já se vê que no caso dos autos, nem sequer se alcançou na assembleia a maioria simples dos votos representativos do capital investido, pelo que a deliberação tomada resulta assim inválida, e anulável nos termos do artigo 1433º nº 1 do Código Civil.

Todavia, pode ainda perguntar-se se o silêncio da Autora, após receber a carta de comunicação da acta, valeu como aprovação da deliberação comunicada.

Com efeito, como se escreveu supra, o artigo 1432º nº 7 estabelece que os “condóminos têm 90 dias após a recepção da carta referida no número anterior para comunicar, por escrito, à assembleia de condóminos o seu assentimento ou a sua discordância”, sendo que “8 - O silêncio dos condóminos deve ser considerado como aprovação da deliberação comunicada nos termos do n.º 6”. Está provado que a Autora não se pronunciou.

Este conjunto dispositivo tem porém de ser compaginado com o preceito constante do artigo 1433º nº 1 e nº 4 do Código Civil, segundo o qual o direito de impugnar a deliberação caduca no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação, ou seja, que com grande probabilidade o prazo para impugnar é inferior ao prazo para assentir por silêncio, donde, se tiver dado entrada acção de impugnação, naturalmente que a manifestação processual da vontade de impugnar significa que não se completa o prazo findo o qual se poderia considerar que o silêncio valera como aprovação.
Visto que a Autora recepcionou a carta de comunicação da acta em 9.7.2015, a petição inicial está datada de 27.8.2015, os Réus foram citados antes da apresentação da contestação precisamente a 7.10.2015, é claro que lhes chegou ao conhecimento antes do prazo de 90 dias ter terminado, a vontade da Autora em impugnar a deliberação, não se podendo pois considerar que a falta de resposta nos termos do nº 7 do artigo 1432º constituiu, conforme nº 8 do mesmo preceito, o assentimento da Autora.

Em suma, tanto por ilegitimidade do locatário financeiro como por falta da maioria legalmente necessária, é anulável a deliberação que aprovou a realização de obras, nos termos constantes da acta da assembleia de condomínio realizada no dia 29.6.2015.

Procede, consequentemente, o recurso, devendo revogar-se a sentença recorrida e julgar-se procedente a acção.

Tendo decaído no recurso, são os recorridos responsáveis pelas custas – artigo 527º nº 1 e 2 do CPC.
           
V.Decisão.
Nos termos supra expostos, acordam conceder provimento ao recurso e em consequência revogam a sentença recorrida, a qual substituem pelo presente acórdão que julga a acção procedente, anulando a deliberação que aprovou a realização de obras, nos termos melhor constantes da acta da assembleia de condomínio que teve lugar no dia 29.6.2015.
Custas pelos recorridos.
Registe e notifique.



Lisboa, 08 de Fevereiro de 2018



Eduardo Petersen Silva
(vencido quanto à 3ª questão do recurso, conforme declaração anexa)

Cristina Neves
Manuel Rodrigues


Declaração de voto do relator quanto à terceira questão:

Muito linearmente, entendo que o papel essencial do locador financeiro é o de um financiador e não o de um proprietário, que o contrato de locação financeira pode prever justamente a contrapartida, em termos de rendas, para a eventualidade do locatário não optar pela propriedade do bem, não sendo por isso particularmente relevante a protecção duma propriedade meramente residual e desinteressada do concreto bem adquirido – tanto quanto é o locatário a indicar qual o bem a comprar e quanto ele mesmo tem de lutar pela eliminação dos defeitos que eventualmente tenha – cuja preservação apenas serve portanto como garantia do crédito. A deslocação do encargo de escolha, manutenção e preservação para o locatário revela o exercício duma verdadeira propriedade económica, que deve assim ser coadjuvada por mais amplos meios. A protecção do resíduo garantístico da propriedade jurídica deve assim limitar-se à não possibilidade de votação de deliberações que exijam unanimidade. Secundo o voto de vencido do Exmº Conselheiro Urbano Dias no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.6.2008. 

             Eduardo Petersen Silva (relator)
(Processado por meios informáticos e revisto pelo relator)