Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
47571/15.3YIPRT.L1-8
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
CONTRATO-PROMESSA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/28/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Tendo a ré comparecido na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, Balcão Casa Pronta, com vista à celebração de escritura pública de compra e venda com interessada que lhe foi indicado pela autora, mediadora imobiliária, no âmbito de um “Contrato de Mediação Imobiliária”, o incumprimento de tal contrato por parte da promitente compradora, não afasta a obrigação da ré de pagamento da respectiva comissão, tanto mais que ficou clausulado que “a mediadora receberá o total da remuneração aquando da celebração do contrato promessa de compra e venda/arrendamento/trespasse”.
O contrato de mediação imobiliária só está concluído caso o negócio se realize, independentemente de vir ou não a ser cumprido, adquirindo a mediadora o direito a receber a comissão quando o seu trabalho influi na conclusão do negócio.
A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.


IRELATÓRIO.


M... Lda, veio propor injunção contra J... e M..., pedindo que os réus sejam condenados a pagar-lhe a quantia de € 13.991,21, acrescida de juros à taxa legal até integral pagamento e taxa de justiça paga.
Invoca, em síntese, que celebrou com a ré contrato de mediação imobiliária, mediante o qual existe obrigação de pagamento de 5% do valor do preço de venda do imóvel na data do contrato promessa, o qual teve lugar a 23/7/2013, tendo sido celebrado pelos réus e pessoa angariada pela autora. A escritura não se realizou por causa imputável aos réus.

Em contestação, disseram os réus, que o réu é parte ilegítima, que o contrato de mediação é nulo por não ter sido assinado pelo réu, que a escritura não se realizou por causas que lhes são alheias, designadamente por a promitente compradora ter faltado à escritura, que a autora aceitou diferir o pagamento da sua remuneração para a data da escritura, e que a autora não chegou a emitir factura sobre o valor da remuneração.

A autora respondeu pugnando pela improcedência das excepções.

Foi proferida SENTENÇA, que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência condenou a ré M... a pagar à autora a quantia de € 13.991,25, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos contados à taxa prevista para os créditos comerciais, desde 24.07.2013 e até integral pagamento.
Mais decidiu absolver o réu J... do pedido.

Não se conformando com a sentença, dela recorreram os réus, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:
O presente recurso tem por objecto a douta sentença do tribunal a quo, proferida no dia 06 de Março de 2017, que julgou "a presente acção procedente por provada e, em consequência, condeno a R. M... a pagar à A. a quantia de € 73.997,25, acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos contados à taxa prevista para os créditos comerciais, desde 24.07.2073 e até integral pagamento. Mais decido absolver o R. J... do pedido" que, no entendimento da ré-apelante enferma de gritantes e manifestos lapsos e erros na aplicação do direito que não podem deixar de ser reparados em conformidade por esse Venerando Tribunal.
Da mera análise e correcta interpretação dos factos dados como provados naquela decisão resultariam logo, alguns corolários essenciais que, salvo melhor opinião, sempre devem estar presentes numa qualquer apreciação jurídica de um denominado "Contrato de Mediação Imobiliária", corolários estes que (no entendimento da ora recorrente) imporiam que a sentença a proferir tivesse sido totalmente contrária aquilo que acabou por decidir.
Um qualquer "Contrato de Mediação Imobiliária" assenta numa mera prestação de serviços de mediação imobiliária, uma chamada "obrigação de resultado" e onde a putativa "remuneração" do prestador dos mesmos estará sempre obrigatoriamente sujeita aquilo que é designado como "conclusão" e "perfeição" do negócio jurídico, ou seja, não apenas numa mera angariação de um potencial interessado, mas sim, muito mais do que isso, nomeadamente, e primordialmente que esse interessado acabe por concretizar o negócio visado. Ou seja, só uma "compra e venda", concluída (efectivamente realizada por escritura publica) e perfeita (pelos montantes acordados e previamente definidos), ou seja, "concretizada" é condição sine qua non para que a mediadora tenha direito à remuneração contratualmente prevista e não apenas com a respectiva promessa desse mesmo contrato prometido.
O tribunal a quo pura e simplesmente furtou-se a esse corolário e a essa boa e correcta aplicação do Direito e, aproveitando sem mais a letra da lei e sobretudo, sem atender ao escopo da mesma, decidiu aplicar indevida e apressadamente uma das "excepções" previstas no n° 2 do art° 18° do Decreto-Lei n° 211/2004 de 20 Agosto, daí que a recorrente tenha que pugnar neste recurso por um gritante e mais que óbvio erro na aplicação do Direito.
O "tema decidendum" do segmento decisório constante na douta sentença, restringe-se à consideração da (in)existência de uma obrigação de remuneração pelos "pretensos" serviços prestados pela autora à ré, com base no contrato de mediação imobiliária oportunamente celebrado sendo que o Mmo Juiz "a quo" considerou-a efectivamente demonstrada e, para tal, fundamentou a douta sentença naquilo que considerou ser a análise da prova documental junta aos autos, nomeadamente o "contrato de mediação imobiliária de fls 32/33" e na consideração do depoimento prestado pela testemunha M... e declarações de parte do legal representante da autora, sendo que "desvalorizou" totalmente as declarações de parte dos réus - cfr. sentença recorrida.
A ré apelante não aceita esse entendimento que se fundamenta numa interpretação errónea de prova documental junto aos autos bem como, em violação de regras de direito probatório material, quando considera os depoimentos da testemunha, quer da legal representante da autora, concretizadores das declarações negociais e do conteúdo do contrato de mediação imobiliária em apreço.
É que, segundo o contrato de mediação imobiliária celebrado – junto aos autos fls 32/33 - é possível constatar na Cláusula Segunda (2ª) que o negócio pretendido por ambas partes foi, tão só e exclusivamente, a compra e venda definitiva do imóvel identificado na Cláusula Primeira (1ª) do mesmo contrato, pelo preço total de € 265.000,00. Ou seja, a autora constituiu-se na obrigação principal de "diligenciar no sentido de conseguir interessado" na "Compra" do imóvel e nunca na mera celebração de um qualquer contrato promessa de compra e venda.
Quer-se com isto insistir que, nunca a ré ora apelante pretendeu celebrar - ou celebrou - um qualquer contrato de mediação imobiliária em que a autora considerasse cumprida a sua obrigação principal de mediação através de uma mera celebração de um contrato promessa de compra e venda tal como, afinal o Mmo Juiz "a quo" fez constar da douta sentença pois nunca poderá ser este um entendimento fundamentadamente extraível, via interpretativa, do contrato de mediação imobiliária celebrado entre a autora e a ré ora apelante.
O negócio visado pelas partes, tal como consta expressamente da Cláusula Segunda (2ª) do contrato de mediação imobiliária, sob a epígrafe "( identificação do imóvel)", foi sempre o da celebração do contrato de compra e venda e não o contrato promessa de compra e venda, esse sim que acabou por ser efectivamente celebrado e com base no qual terá sido, embora mal, condenada a ré no pagamento da retribuição. Na verdade,
10ªRetirar do número 3 da Cláusula Quinta (5ª ) - sob a epígrafe "(Remuneração)" - que o negócio pretendido pela ré como contrato de mediação imobiliária celebrado sempre foi o da celebração do contrato-promessa de compra e venda, e não o contrato de compra e venda definitiva (escritura pública) é uma interpretação que faz tábua rasa do que consta expressamente na Cláusula Segunda (2ª) do mesmo contrato de mediação, i.e. do negócio efectivamente pretendido enquanto objecto da obrigação principal de mediação da autora, sendo que tal interpretação coloca em causa a boa fé na interpretação do tipo contratual, terá necessariamente que tomar em consideração, sistematicamente, todas as suas cláusulas do contrato de mediação imobiliária celebrado.
11ªInterpretação errónea esta do tribunal que, por outro lado, nos levaria a questionar o que sucederia se a autora não tivesse logrado mediar a celebração de um contrato-promessa de compra e venda, mas apenas a compra e venda definitiva do imóvel? A sua remuneração seria ainda devida? Parece que não. O que não se aceita e é um verdadeiro contra-senso.
12ªA apelante considerou e continua a considerar, de boa fé, que o número 3 da Cláusula Quinta (5ª) do contrato de mediação imobiliária celebrado, radica-se exclusivamente na regulação do "momento" do pagamento da remuneração que, sendo acordado o da celebração do contrato promessa, constitui uma verdadeira e efectiva antecipação do momento do cumprimento da obrigação pecuniária da ré, remunerativa dos serviços prestados pela autora; contudo, o facto das partes decidirem "antecipar" o pagamento de remuneração não afasta a necessidade de "conclusão" e "perfeição" do negocio visado na mediação.
13ªA "antecipação" que foi acordada, será somente e exclusivamente do momento do cumprimento, mas não e nunca, prescindindo da verificação da existência da mesma em momento posterior, como seja com a celebração do contrato de compra e venda definitivo (escritura pública) o que, a suceder, além de legalmente distorcido, gera um manifesto "enriquecimento sem causa" da recorrida à custa da ora recorrente.
14ªDefine Carlos Lacerda Barata O Contrato de Mediação como o "Contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover, de modo imparcial, a aproximação de duas ou mais pessoas, com vista à celebração de certo negócio, mediante retribuição". O autor acrescenta ainda: "Da noção proposta, decorrem cinco elementos, caracterizadores do contrato: - obrigação de aproximação de sujeitos; - actividade tendente à celebração de negócio; - ocasionalidade; - retribuição". (...) "O direito à retribuição depende da celebração do contrato prometido embora seja independente do cumprimento do mesmo. Só com a verificação de um "resultado útil" - a realização do negócio - da actuação do mediador, este ganha o direito à retribuição. Está em causa mais do que a mera exigibilidade; é da própria constituição do direito que se trata. Pode-se, assim, afirmar que o direito à retribuição está sujeito a condição suspensiva: a celebração do negócio. Naturalmente, que só o negócio cuja celebração advenha (exclusivamente ou não) da actuação do mediador relevará, para este efeito. A prestação do mediador terá de ser causal, em relação ao negócio celebrado entre o comitente e o terceiro... Em matéria de direito à retribuição, o momento relevante é o da constituição do contrato promovido, pelo que as ocorrências supervenientes que incidam sobre a execução ou o conteúdo do contrato serão, em regra, indiferentes", em "Contrato de Mediação", Estudos do Instituto de Direito do Consumo – Vol.I, 2002, p. 192 e ss, (sublinhado nosso).
15ªO que estará em causa será a constituição de uma obrigação pecuniária sujeita à condição resolutiva, da celebração do contrato de compra e venda definitivo, um evento futuro e sempre incerto (cfr artigo 270° do Código Civil), como se constatou, sendo que, por outro lado, a interpretação constante da douta sentença do tribunal a quo nega qualquer sentido útil, diremos até o conteúdo total, constante no número 1 da Cláusula Quinta (5ª) do contrato de mediação imobiliária em análise, quando se dispõe expressamente que a remuneração pelos serviços de mediação a prestar só será devida se se verificar a conclusão e perfeição do negócio.
16ªConvém recordar que no CMI "sub judice" (em formato de contrato de mera adesão, com cruzinhas e espaços em branco a preencher, com as consequências e vicissitudes normalmente desse facto decorrentes) constava ainda (da respectiva Cláusula Quinta (5ª) outras possibilidades (embora não assinaladas) que, conjuntamente com a terceira (assinalada) se continuam a reportar ao verdadeiro negócio visado pelo contrato de mediação, nos termos do número 1 da mesma cláusula, e tal como descrito na Cláusula Segunda (2ª), como sendo o do contrato de compra e venda definitivo, pelo preço de € 265.000,00 sendo que, se se provou que o negócio visado com a mediação não foi efectivamente celebrado por causa não imputável à recorrente (Facto provado n° 5) a recorrida não cumpriu plenamente a "mediação" e o negócio visado no CMI que celebrou, nessa medida, não terá direito à sua remuneração.
17ªRecorda-se a esse venerando tribunal que, o princípio do cumprimento pontual dos contratos, previsto no n°1 do art° 406° do Código Civil, na gíria jurídica designado por “pacta sunt servanda" é um princípio que obviamente tem que ter sempre "duas vias" ou "dois sentidos" ou seja, se a ré deverá de facto pagar uma "remuneração acordada", a verdade é que só teria que a pagar se o "negócio visado" (ou seja, a compra da casa por terceiro angariado pela autora ora apelada) tivesse de facto ocorrido e isso, é pacifico e resultou provado que tal não sucedeu.
18ªUma análise singela e totalmente simplista do disposto no artigo 18° permitirá defender - como o fez a apelada em todo este processo e acabou por assim decidir o tribunal "a quo" - que a excepção prevista à constituição da obrigação de pagamento, apenas e somente com a conclusão do negócio, se determina quando as partes o excepcionem expressamente para a existência (e não momento) da obrigação de pagamento com a celebração do contrato promessa. Porém, tal não foi, não é nem nunca será, o caso, pois no caso concreto, bastaria sermos assertivos no rigor para sermos forçados a concluir que todas as opções constantes do número 3° da Cláusula Quinta (5ª) do contrato de mediação imobiliária celebrado nos autos, demonstram que se trata de uma mera regulação de forma e momento de pagamento da remuneração, mas atenção, sempre e só devida com a conclusão do negócio pretendido nos termos do número 1 da mesma cláusula, como seja o contrato de compra e venda definitiva.
19ªPor isso, a aplicação "tout court" do n° 2 do art° 18° do DL n° 211/2004, sempre implicaria no limite uma verdadeira modificação da Cláusula Segunda (2ª) do referido contrato de mediação, e a consequente alteração do negócio visado de compra e venda definitiva, para o de mero contrato-promessa de compra e venda. Nessa sequência lógica, concomitantemente, o referido contrato de mediação imobiliária careceria da remoção expressa da primeira parte do número 1 da Cláusula Quinta (5ª), quando dispõe que a "... remuneração pelos serviços de mediação a prestar só será devida se se verificar a conclusão e perfeição do negócio, ou seja, se a mediadora conseguir angariar interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato (…) o que, como se viu, também não aconteceu.
20ªEstabelecia a lei que regula(va) a mediação imobiliária, numa norma já de si totalmente de carácter excepcional, a obrigatoriedade da existência de um hiato temporal entre o momento da celebração do contrato-promessa de compra e venda e o momento do pagamento, com fundamento na protecção do contraente mais débil, o comitente (um consumidor, e menos habituado à celebração destes negócios) face à posição do mediador imobiliário (que celebra contratos de mediação imobiliária no exercício da sua actividade empresarial/profissional, regularmente e em diversa escala e, sobretudo, com recurso a cláusulas contratuais gerais e a contratos padronizados).
21ªA excepção constante da lei era, em si, a demonstração do limite máximo legalmente admissível para a antecipação do momento do pagamento da remuneração à mediadora imobiliária, proibindo-se todas as situações que poderiam permitir o pagamento em momento coincidente ou anterior ao da celebração do contrato-promessa ou da "conclusão" e "perfeição" do negócio com o contrato (definitivo) procurado. Mas... lá está, tal direito remuneratório da mediadora - que podia, pois, ser antecipado por acordo expresso das partes - assenta sempre na referida "conclusão" e "perfeição" da compra e venda, sendo esta e apenas esta a "ratio legis" das excepções previstas nas alíneas a) e b) do n° 2 do art° 18° do DL n° 211/2014 de 20 de Agosto.
22ªNote-se mesmo que o texto do n° 3 da Cláusula Quinta (5ª) do contrato de mediação imobiliária celebrado entre as partes consagra que o pagamento da remuneração é efectuado "aquando da celebração do contrato-promessa de compra e venda", e não "após a sua celebração", como consagra a excepção legal prevista no diploma mencionado, portanto, o entendimento constante na douta sentença em recurso quando pretende retirar idêntico sentido, via interpretativa, de normas legais e contratuais distintas, resulta num erro gravoso de aplicação do Direito.
23ªPor outro lado, a atribuição de relevância ao depoimento da testemunha arrolada pela autora-apelada, bem como do testemunho de parte da legal representante da autora, para a determinação da existência e conteúdo do contrato de mediação imobiliária celebrado entre autora e ré, consubstancia ainda, sem margem para dúvidas, uma gravíssima violação de regras elementares de direito material probatório, uma vez que, nos termos do n° 1 do artigo 364° CC, a exigência formal de documento particular para o contrato de mediação (nos termos do artº 2° do DL 211/2004, de 19/10), não poderá ser completado mediante a produção de prova testemunhal, quer por testemunho de parte do legal representante da autora, tal como consta da fundamentação da douta sentença, em concreto, no sentido de determinar da existência ou não da obrigação de remuneração da autora pelos "serviços" prestados pela ré por manifestamente inadmissível nos termos do disposto n° 1 do art° 393º do CC.
24ªÉ que, sem margem para dúvidas, a fundamentação neste segmento decisório deverá restringir-se à prova documental junta aos autos, mormente, o próprio contrato de mediação imobiliária celebrado entra a apelante e a apelada, junto fls. 32/33.
25ºSe o tribunal recorrido considerou suficientemente credível a prova testemunhal, quer a prestação de declarações de parte do legal representante da autora, poderia ainda ter considerado que, relativamente a alguns aspectos da própria "mediação" e inclusive do recebimento da proclamada "remuneração" tal prova acabou por ser totalmente inexistente e, por isso, completamente contraditório com o princípio da diligência e cumprimento escrupuloso das obrigações da autora, enquanto prestadora dos serviços de mediação pois, por exemplo, nem sequer provou que interpelou a apelante para o pagamento nem sequer emitiu a factura correspondente, incumprindo as suas obrigações fiscais, sendo que o tribunal "a que" demonstrou ser totalmente complacente com esta atitude o que, também se repudia.
26ªÉ de elementar bom-senso duvidar-se da "versão" dum qualquer prestador de serviços, nesta caso da apelada que nunca sequer emitiu e apresentou aos seus clientes para pagamento dos seus serviços a correspondente factura.
27ªCom a sentença proferida, nos moldes em que o foi, a autora-apelada estará a enriquecer à custa da apelante ora recorrente até porque consta da douta sentença que o negócio visado (a compra e venda) não foi efectuado mas, contudo, a mesmíssima sentença, decide condenar a ré no pagamento da retribuição de um suposto negócio que, contudo, nunca teve êxito.
28ªSobre o aspecto do "êxito" final do negócio, ainda no seio da legislação anterior que regulava a mediação imobiliária mas concretamente aplicável a este caso, já se debruçou inclusive o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, no Processo n° 486/10.5T2OBR.0 1 , onde se lê que: "I - Nos termos do artº 18° do DL 211/2004, de 2008, só é devida remuneração quando a actividade de mediação imobiliária tiver êxito. II - Porém, a retribuição é igualmente devida sempre que a actividade do mediador se apresente como causa adequada do fecho do contrato definitivo; quando o fecho do contrato for alcançado como efeito de intervenção do mediador, se a actuação do mediador tiver contribuído para o êxito final; e no caso do contrato definitivo só não ser concluído por causa imputável ao comitente. III É ao mediador que cabe fazer a prova de que a conclusão do negócio definitivo resultou da sua intervenção" - disponível em www.dgsi.pt.
29ªNão se compreende a "fundamentação" vertida na douta sentença de que "o tacto de a escritura não se ter celebrado é irrelevante, visto que as partes acordaram que o momento relevante para o vencimento da obrigação de pagamento da remuneração à mediadora é a data do contrato-promessa" (v. sentença recorrida), o que só pode resultar de uma apressada mas errada interpretação do art° 18° do DL n° 211/2014 de 20 de Agosto o que implica uma má aplicação do Direito à causa.
30ªSem se prescindir, quanto muito, a recorrente poderá ser apenas responsável por parte dessa remuneração correspondente ao valor recebido a título de sinal no contrato promessa... nada mais.. pois tudo o resto sempre consubstanciará, na interpretação dada pelo tribunal a quo, um manifesto enriquecimento sem causa.
Termina, pedindo que seja dado provimento ao recurso e revogada a sentença e, a final, ser a apelante absolvida do pedido.

A parte contrária respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

IIFUNDAMENTAÇÃO.

A)Fundamentação de facto.

Mostram-se assentes os seguintes factos:
Com data de 29.01.2013, foi celebrado entre A. e a R. M... o denominado contrato de mediação imobiliária nº 1899, junto a fls. 32 e 33.
O referido contrato tinha por objectivo a venda da fracção autónoma dos RR identificada pelas letras "AQ", a que corresponde o 9º andar B, destinada à habitação, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua Conselheiro Lopo Vaz, Lote D, 1800-142 Lisboa, freguesia de Santa Maria dos Olivais, concelho de Lisboa.

Nos termos da cláusula 5ª do referido contrato:
“1-A remuneração pelos serviços de mediação a prestar só será devida se se verificar a conclusão e perfeição do negócio, ou seja, se a Mediadora conseguir angariar interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, sem prejuízo das excepções previstas no artº 18º do DL nº 211/2004.
2-O(s) Segundo(s) Contraente(s) obriga(m)-se a pagar à Mediadora, a título de remuneração pelos serviços prestados:
 A quantia de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio for efectivamente concretizado, acrescida de IVA (…)
3-O pagamento da remuneração será efectuado numa das seguintes condições:
A Mediadora receberá o total da remuneração aquando da celebração do contrato-promessa de compra e venda/arrendamento/trespasse.” (fls. 74-75).

Com data de 23.7.2013, foi celebrado o contrato promessa de compra e venda entre os RR cônjuges e a promitente compradora, angariada com a intervenção da autora, sendo o valor acordado para a venda de 227.500 euros.
A escritura pública de compra e venda não se veio a celebrar até à presente data, por falta da promitente compradora à escritura.
Os RR não fixaram à promitente-compradora prazo limite para cumprimento da obrigação de celebração da escritura, sob pena de se converter a mora em incumprimento definitivo.

B)Fundamentação de direito.
A questão colocada e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do novo Código de Processo Civil, consiste em saber se a ré incorre em responsabilidade contratual para com a autora a quem é devida a remuneração decorrente da mediação que culminou na celebração do contrato promessa entre a ré e seu marido e a promitente compradora.
Entende a apelante, contra o entendimento da sentença, que a autora não cumpriu a sua obrigação de mediação, pois não atingiu o objectivo expressamente contratado que era o da celebração do contrato compra e venda e não o contrato promessa de compra e venda. Assim, não tem a obrigação de lhe pagar a pretendida comissão.
É o que iremos decidir.
O contrato de mediação imobiliária foi celebrado entre as partes em 15 de Julho de 2010, sendo aplicável o regime jurídico constante no DL nº 211/2004 de 20 de Agosto, na redacção dada pelo DL nº 69/2011, de 15 de Junho.

O artigo 2º do DL 211/2004 (Objecto da actividade de mediação imobiliária) tem a seguinte redacção:
1A actividade de mediação imobiliária é aquela em que, por contrato, uma empresa se obriga a diligenciar no sentido de conseguir interessado na realização de negócio que vise a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posição em contratos cujo objecto seja um bem imóvel.
2A actividade de mediação imobiliária consubstancia-se no desenvolvimento de:
a)-Acções de prospecção e recolha de informações que visem encontrar o bem imóvel pretendido pelo cliente;
b) Acções de promoção dos bens imóveis sobre os quais o cliente pretenda realizar negócio jurídico, designadamente através da sua divulgação, publicitação ou da realização de leilões.
3(…).
E o artigo 18º (Remuneração) consagra no seu nº 1 que “ a remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação”.
2Exceptuam-se do disposto no número anterior:
a)-… 
b)-Os casos em que tenha sido celebrado contrato-promessa relativo ao negócio visado pelo contrato de mediação, nos quais as partes podem prever o pagamento da remuneração após a sua celebração.
A questão nuclear dos presentes autos consiste em saber se foi por causa da mediação da autora que os réus conseguiram celebrar o contrato promessa com a promitente compradora. Perante os factos provados a resposta não pode deixar de ser positiva.

Compulsando o contrato de mediação imobiliária celebrado entre as partes verifica-se que, efectivamente, resulta das condições estabelecidas, relativamente à remuneração, (Cláusula 5ª) que:
1A remuneração pelos serviços de mediação a prestar só será devida se se verificar a conclusão e perfeição do negócio, ou seja, se a Mediadora conseguir angariar interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, sem prejuízo das excepções previstas no artº 18º do DL nº 211/2004.
2Os segundos contratantes obrigam-se a pagar à Mediadora, a título de remuneração pelos serviços prestados, a quantia de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio for efectivamente concretizado, acrescido de IVA à taxa legal de 23%.

E ainda no nº 3 da "cláusula 5ª" do referido contrato, foi aposta uma cruz, na opção aí prevista, de que:
 “ A Mediadora receberá o total da remuneração aquando da celebração do contrato promessa de compra e venda/arrendamento/trespasse”.

Ora, a nosso ver, a autora cumpriu a sua obrigação resultante do contrato que celebrou com a ré, já que foi ela que conseguiu uma interessada para o pretendido negócio.
Se não fosse a actividade de mediação da autora, a ré nunca teriam conhecido a interessada e o contrato promessa de compra e venda nunca se tinha concretizado.
O contrato promessa de compra e venda foi, pois, na sequência e por efeito das diligências levadas a cabo pela autora.
Tem sido entendimento da nossa jurisprudência que o mediador tem direito à comissão quando, embora não sendo a sua actividade a única causa determinante da realização do negócio pretendido pelo comitente, ela contribuiu para a sua realização, bastando que se tenha limitado a dar a conhecer o nome de uma pessoa disposta a fazer determinado negócio[1].
Consideramos, assim, que, no caso dos autos, resulta da matéria de facto apurada que a autora teve uma influência decisiva na conclusão do contrato promessa de compra e venda, existindo, pois, uma relação de causalidade entre este e a actividade de mediação.

O acórdão da Relação de Lisboa de 11.11.2004[2], que se nos afigura bastante sugestivo, decidiu do seguinte modo:
No contrato de mediação a actividade essencial do mediador consiste na angariação de interessado para a transacção tida em vista, contrapondo-se-lhe a obrigação por parte do cliente de pagamento da retribuição estipulada.
O pagamento só é devido quando o negócio se realize e, por isso, o contrato bilateral de mediação obriga ao pagamento ao mediador, uma vez verificada a condição legal ou imprópria da conclusão do negócio visado.
No entanto o cliente não se pode valer da denúncia, efectivada depois de angariado o interessado, para se eximir ao pagamento da retribuição com o argumento de que, a partir e por causa da denúncia, ficou livre para contactar o interessado na realização da transacção por deixar de subsistir nexo causal entre a actividade do mediador exercida antes da denúncia e a realização do contrato.
Igualmente traduz abuso do direito (artigo 334º do Código Civil) a pretensão do cliente de não pagar retribuição pela mediação com o argumento de que não houve qualquer acompanhamento no processo negocial por parte do mediador quando foi o cliente que, sem conhecimento do mediador, solicitou a colaboração de outra pessoa com a qual reiniciou os contactos com o interessado que foi angariado pelo mediador
O mediador não está obrigado a influenciar o processo negocial designadamente no que respeita à estipulação dos elementos essenciais do contrato apresentando propostas visando o consenso das partes salvo se, para tal efeito, lhe for solicitado colaboração pelos intervenientes.
O mediador terá direito à retribuição estipulada verificando-se que a realização do contrato resultou do facto da angariação do comprador com o qual o negócio foi celebrado ainda que os termos do contrato tenham resultado de negociações directas entre os interessados que o mediador pôs em contacto”.
Analisemos agora a questão da responsabilidade contratual por parte da ré.

Os artigos 798º, 562º e 563º do Código Civil estabelecem os pressupostos da responsabilidade civil contratual ou obrigacional:
- o incumprimento do contrato;
- por acto imputável ao devedor (culpa);
- do qual resultam danos;
- havendo o nexo de causalidade entre o incumprimento e os danos.

Houve incumprimento contratual por parte da ré?
Outro dos pressupostos da obrigação de indemnizar é a culpa do devedor no incumprimento (artº 798º).
No âmbito contratual, como impõe o artigo 799º nº 1 do Código Civil, incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.
Há uma presunção legal “juris tantum” de culpa do devedor no incumprimento obrigacional. Consequentemente, incumbe ao devedor alegar e provar que o incumprimento ou o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua.
Ao credor basta provar a celebração do contrato, o objecto do mesmo e o incumprimento da obrigação.
Provou-se que entre a autora e a ré foi celebrado um contrato de mediação imobiliária, mediante o qual a autora se obrigou a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra de um determinado imóvel pertencente aos réus. Mais se provou que, em contrapartida, a ré se obrigava a pagar à autora, a título de remuneração, a quantia de 5%, acrescida do IVA.
O facto de a escritura não se ter celebrado é irrelevante, pois as partes acordaram que o momento relevante para o vencimento da obrigação de pagamento da remuneração à autora era a data do contrato-promessa – Cfr Cláusula 5ª nº 3, a fls 157 vº.
Por conseguinte, a obrigação contratual a que a apelante se havia vinculado com a autora tinha prazo certo.
A escritura notarial ficou agendada para o 12.08.2013 e não se veio a celebrar por falta da promitente compradora à escritura – facto provado sob o nº 5.
Terminando, para concluir, diremos que a autora, ora apelada, provou os factos alegados na petição inicial, como lhe competia nos termos do artigo 342º nº 1 do Código Civil.
Assim, foi com acerto que a douta sentença condenou a ré.

CONCLUINDO.
Tendo a ré comparecido na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, Balcão Casa Pronta, com vista à celebração de escritura pública de compra e venda com interessada que lhe foi indicado pela autora, mediadora imobiliária, no âmbito de um “Contrato de Mediação Imobiliária”, o incumprimento de tal contrato por parte da promitente compradora, não afasta a obrigação da ré de pagamento da respectiva comissão, tanto mais que ficou clausulado que “a mediadora receberá o total da remuneração aquando da celebração do contrato promessa de compra e venda/arrendamento/trespasse” – cláusula 5ª nº 3.
O contrato de mediação imobiliária só está concluído caso o negócio se realize, independentemente de vir ou não a ser cumprido, adquirindo a mediadora o direito a receber a comissão quando o seu trabalho influi na conclusão do negócio.
A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra.

IIIDECISÃO.
Atento o exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.



Lisboa, 28/9/2017



Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais 
Isoleta de Almeida Costa



[1]Cfr., entre outros, os Acórdãos do STJ, de 18/3/97, CJ, I/97.158, de 31/3/98 e de 31/5/01, CJ,  II/01.108.
[2]CJ V/2004, pág. 83.

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