Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
372/11.1TBALM.L1-8
Relator: AMÉLIA AMEIXOEIRA
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
JUROS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - O promitente vendedor de má-fé responde pelos juros que um promitente-comprador diligente podia extrair do capital entregue.
- Considerando dever aquele ser equiparado, quanto à detenção do dinheiro entregue, ao possuidor de má-fé, os juros são devidos desde a data da entrega.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:


RELATÓRIO:


J... intentou a presente ação declarativa contra A..., pedindo que:

a) Seja proferida sentença produtora da declaração negocial do R., transmitindo para o A., a plena propriedade do imóvel objeto do contrato promessa celebrado, correspondente ao R/C 9 A e R/C 9 B do prédio urbano sito na Rua dos Álamos, nº. 9, 9 A e 9 B, na freguesia do Laranjeiro, concelho de Almada;
b) Caso assim se não entenda, que sejam declarado resolvido o contrato promessa de compra e venda, por incumprimento definitivo deste e, consequentemente, que seja o R. condenado no pagamento ao A. do dobro do sinal recebido pelo R. e entregue pelo A., no valor global de € 150 000,00;
c) Subsidiariamente, que seja declarada a nulidade do contrato promessa celebrado por não ter existido o reconhecimento presencial das assinaturas nem a certificação pelo notário da existência da licença de utilização ou de construção e, consequentemente, que o R. seja condenado a restituir ao A. todas as quantias recebidas, a pagar juros de mora compensatórios pela paralisação do capital e no pagamento de uma indemnização pelas quantias despendidas pelo A. em obras de melhoramento dos imóveis;
d) E, caso assim se não entenda, que seja declarado o enriquecimento ilícito do R. e que o mesmo seja condenado na restituição ao A. de todas as quantias indevidamente recebidas e nas despendidas em obras de melhoramento dos imóveis, bem como em indemnização pelos juros compensatórios pela privação do capital até à presente data, quantias estas acrescidas de juros de mora vencidos desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.

Fundamentando a sua pretensão, o A. alega, em síntese, que, em 28/04/2005 celebrou com o R. um contrato promessa de compra e venda do R/C 9 A e 9 B do prédio urbano sito na Rua dos Álamos, na freguesia do Laranjeiro, em Almada, pelo preço de € 100 000,00, tendo entregue a título de sinal a quantia de € 75 000,00, ficando acordado que os restantes € 25 000,00 seriam entregues no ato da escritura.

Mas alega que não foi acordado prazo para a realização da escritura, incumbindo ao A. a marcação da mesma. Porém, o A. não conseguiu marcar a escritura por falta da documentação dos imóveis e da pessoal do R., que se encontra em poder do R. e que este não forneceu, não obstante o A. ter diligenciado nesse sentido.

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O R. tendo sido devidamente citado, apresentou contestação, impugnando a assinatura do contrato promessa de compra e venda junto pelo A., invocando a falsidade da mesma, por não ter celebrado qualquer contrato promessa com o A., negando igualmente ter recebido qualquer quantia monetária deste.

Mais alega que, no pressuposto de tal contrato ter sido outorgado por ambos, nunca o A. o interpelou para a realização da escritura, existindo, tão só, a iniciativa deste de obtenção de documentação visando a marcação da escritura.

Conclui pela improcedência da ação e consequente absolvição do pedido.

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Realizado o julgamento, foi proferida sentença que decidiu:

A)-Declarar a nulidade, por inobservância da forma legal, do contrato promessa de compra e venda celebrado entre A. e R., em 28/04/2005, relativo às frações autónomas nºs. 9 A e 9 B, do prédio urbano inscrito na matriz predial do Laranjeiro sob o nº. 2783, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Almada sob o nº. 13797, sito na Rua dos Álamos, nº. 9, 9 A e 9 B, da freguesia do Laranjeiro, concelho de Almada;
B)-Condenar o R. a restituir ao A. a quantia de € 75 000,00 (setenta e cinco mil Euros), acrescida de juros de mora legais, vencidos desde 28/04/2005 e vincendos, até integral pagamento;
C)-Absolver o R. do restante peticionado.

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Inconformado com o teor da sentença, dela interpôs recurso o Réu, concluindo da forma seguinte:

I-A declaração de nulidade do contrato-promessa celebrado entre a Recorrente e a Recorrida exclui a exigência de juros de mora desde a data da sua celebração por força dos arts.286.º e 289.º do CC e de acordo com o entendimento jurisprudencial;
III-No caso em apreço, essa interpelação coincide com o momento da citação da Recorrente.
IV-Seria exigível ao A. que levasse a cabo uma interpelação admonitória do R., procedendo à marcação da escritura pública prometida realizar, ou instaurasse competente ação para fixação judicial de prazo.
Conclui no sentido de o presente recurso ser julgado procedente, procedendo-se à devida alteração da sentença de que recorre.

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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

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QUESTÃO A DECIDIR:

-Saber se, no caso dos autos, sendo declarado nulo o contrato promessa, são devidos juros.
-Em caso afirmativo, decidir qual o momento a partir do qual os mesmos são devidos.

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FUNDAMENTAÇÃO:

Resultam provados os seguintes factos:

a) Por documento denominado por “contrato promessa de compra e venda com sinal”, datado de 28 de Abril de 2005, foi declarado que A... prometeu vender a J... o rés-do-chão 9A e rés-do-chão 9B, do prédio urbano sito na Rua dos Álamos n.º 9, 9 A e 9 B na freguesia do Laranjeiro, concelho de Almada, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Almada com o n.º 13797 e inscrito na respetiva matriz sob o artigo 2783 - al. A) dos factos assentes -;
b) O preço acordado foi de € 100.000,00 e ali foi declarado que na data da celebração do sobredito contrato o A. entregou a título de sinal, e o R. recebeu, a quantia de € 75.000,00 - al. B) dos factos assentes -;
c) Mais se estabeleceu que os restantes € 25.000,00 seriam entregues no ato da outorga da escritura pública de compra e venda - al. C) dos factos assentes -;
d) Convencionou-se que a escritura seria marcada pelo A. que deveria avisar o R. com uma antecedência mínima de 10 dias, mediante o envio de carta registada - al. D) dos factos assentes -;
e) O R. jamais enviou ao A. a certidão predial, certidão matricial e certificação energética respeitante ao imóvel prometido vender e o bilhete de identidade e identificação fiscal do demandado para celebrar o contrato prometido - resposta ao ponto 1º da base instrutória;
i) Apesar das insistências do A. - resposta ao ponto 2º da base instrutória -;
j) O A. através do seu Mandatário, notificou o R., por carta registada, para que este fornecesse os documentos necessários para a marcação da escritura de compra e venda, como consta do doc. de fls. 12 e13- resposta ao ponto 3º da base instrutória -;
k) O R. nada disse - resposta ao ponto 4º da base instrutória -;
l) O documento referido em a) foi assinado pelo R. - resposta ao ponto 5º da base instrutória -.

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DE DIREITO:

Na sentença objeto de recurso, tendo sido julgados improcedentes os pedidos formulados a título principal, julgou procedente o pedido subsidiário, considerando o seguinte:

“Pretende o A., a título subsidiário, que seja declarada a nulidade, por inobservância da forma legal, do contrato-promessa que celebrou com o R., tendo por objeto mediato duas frações autónomas.
Dúvidas não restam de que A. e R. celebraram um contrato promessa de compra e venda de duas frações autónomas.
É pacífico também, perante o teor do contrato de arrendamento junto a fls. 37 que o A. é arrendatário das ditas frações prometidas vender pelo R., logo, que as mesmas já estão construídas.
Dispõe o artigo 410º, nº. 3, do C. Civil que, no caso de promessa relativa à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre fração autónoma de edifício, já construído, em construção ou a construir, o documento escrito – contrato – deve conter o reconhecimento presencial da assinatura do promitente ou promitentes e a certificação, pelo notário, da existência da licença respetiva de utilização ou de construção.
Esta norma, como supra referido em a), é imperativa.
Sucede que o contrato promessa em causa nos autos, não obstante obedecer à forma escrita, não contém tal certificação notarial.
Nestes termos, sendo legalmente exigida a certificação, pelo notário, da existência da licença respetiva de utilização ou de construção para a celebração do contrato-promessa de compra e venda de bens de frações autónomas, e não tendo o contrato de que se trata observado aquela forma legal, é o mesmo nulo (cfr. artº. 220º do C.Civil).
Há, pois, que declarar a nulidade do referenciado contrato-promessa, conforme pretendido pelo A..
Esta declaração de nulidade tem efeito retroativo e acarreta a obrigação de restituir tudo o que tiver sido prestado, sendo devidos também os juros de mora à taxa legal – cfr. artigos 289º, nº. 1, 805º, nº. 1, 806º, 1270º e 212º, todos do Código Civil.

Peticiona o A. juros compensatórios pela paralisação do capital.
Somos do entendimento que o mesmo tem direito aos juros vencidos desde 28/04/2005, data em que foi celebrado o contrato promessa de compra e venda junto a fls. 11 dos autos, atento o preceituado nas disposições conjugadas dos artigos 289º, nºs. 1 e 3, 1259º, 1260º, nº2 e 1271º, todos do C. Civil, sendo esses juros os legais, nos termos do disposto no nº. 2, do citado artigo 806º do C. Civil.

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Não restando dúvidas sobre a nulidade do contrato, a questão está em saber se, apesar dessa nulidade, são devidos os alegados juros de mora e qual a data do seu vencimento.

A consequência de tal nulidade importa para as partes, sujeitas aos efeitos do art.289º do Código Civil, a restituição de tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente. Dai, a não impugnada condenação na restituição da quantia de 75.000,00 Euros.

No caso dos autos, independentemente de o Réu não ter fornecido ao Autor os documentos necessários á marcação da escritura, o que importa atentar é que falta a certificação pelo notário da existência de licença de utilização ou construção., Aliás, como bem se refere na sentença objeto de recurso, não está demonstrado que essa licença exista, o que sempre obstaria à execução específica do contrato promessa.

E esse ónus incumbia ao Réu, vendedor, que não se importou de celebrar um contrato promessa que nunca poderia reconduzir à celebração do contrato definitivo, com a outorga da escritura pública, por força da norma imperativa do art.1º do DL nº 281/99, de 26 de Julho, de acordo com o qual não podem ser celebradas escrituras públicas que envolvam a transmissão da propriedade de prédios urbanos ou de suas frações autónomas sem que se faça perante o notário prova suficiente da inscrição na matriz predial, ou da respetiva participação para a inscrição, e da existência da correspondente licença de utilização, de cujo alvará, ou isenção de alvará, se faz sempre menção expressa na escritura.

2 - Para efeitos do disposto no nº. anterior, nos prédios submetidos ao regime de propriedade horizontal a menção deve especificar se a licença de utilização foi atribuída ao prédio na sua totalidade ou apenas à fração autónoma a transmitir”.

A norma do Decreto-Lei nº 281/99, é imperativa, e por isso, sem licença de utilização ou prova da sua existência, não pode ser celebrada a escritura pública.

O contrato foi aliás declarado nulo, nos termos conjugados dos arts.410º, nº3 e 220º, do CC, por falta de certificação pelo notário da existência da licença de utilização ou de construção.

A ser assim, o Réu deve ser equiparado, quanto à detenção do dinheiro entregue em 28 de Abril de 2005, ao possuidor de má-fé.

Ora por força da remissão feita pelo art.289º, nº3 para as normas dos arts.1269º e sgs do CC, maxime para o art.1271º, do mesmo Código, tem a nossa jurisprudência entendido maioritariamente, que no caso de contrato nulo, o Réu está obrigado a restituir os frutos, no caso os frutos civis, equivalentes aos juros de mora, até à restituição da quantia recebida do Autor. (Neste sentido, cfr, entre outros, o Acórdão. da Relação de Lisboa de 18/2/93, CJ Tomo I, pág.148).

Com efeito, o nº3 do art.289º do CC remete para a situação do possuidor de má-fé a que se refere o art.1271º, segundo o qual o mesmo deve restituir os frutos que a coisa produziu até ao termo da posse, respondendo, além disso, pelo valor daqueles que um proprietário diligente poderia ter obtido.

Os juros serão os frutos civis que o dinheiro produz em consequência, no caso, de um contrato nulo. (art.212º, nº2 do CC).

Já no que se reporta à caracterização da posse, impõe-se atender a que, por força do disposto no nº1 do art.1260º, a posse é de boa-fé quando o possuidor, ao adquiri-la, ignorava que lesava o direito de outrem, e, por contraposição, é de má-fé quando o possuidor ao adquiri-la conhecia que lesava direitos alheios (Neste sentido, cfr. Orlando de Carvalho, “Introdução à Posse”, RLJ, Ano 122º, pág.292).

E se é certo que no caso da entrega de dinheiro, não existe uma situação de posse, a situação de entrega, suscetível de produzir frutos civis, justifica a aplicação analógica do disposto no art.1271º do CC, por força da remissão do art.289º, nº3. (Neste sentido, cfr ainda, entre outros, Acórdão. do STJ de 15/10/98, CJSTJ, Tomo III, pág.63 e Acórdão da Relação de Lisboa de 22/4/99, CJ Tomo III, pág.123).

Tendo presentes as considerações expostas, impõe-se concluir que o promitente vendedor de má-fé responde pelo valor dos juros que um promitente-comprador diligente podia extrair do capital entregue.

Considerando que o Réu deve ser equiparado, quanto à detenção do dinheiro entregue em 28 de Abril de 2005, ao possuidor de má-fé, os juros são vencidos desde esta data, embora por fundamento em tudo diferente daquele que consta nesta parte da sentença objeto de recurso.

Em razão do exposto, improcede o recurso, sendo de manter a sentença recorrida, embora por fundamento diverso.

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DECISÃO:

Nos termos expostos, Acordam os Juízes da 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente a apelação, mantendo a sentença objeto de recurso, embora por fundamento diverso.
Custas a cargo do Apelante.

Este Acórdão foi elaborado pela Relatora e por ela integralmente revisto)


Lisboa,  9/7/2015

Maria Amélia Ameixoeira
Rui Moura
Ferreira de Almeida
Decisão Texto Integral: