Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1914/15.9T8CBR.L1-8
Relator: CARLA MENDES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
MORTE
NASCITURO
PERSONALIDADE JUDICIÁRIA
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/14/2019
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I - A limitação funcional ou dano biológico, em que se traduz essa incapacidade, é apta a provocar no lesado danos de natureza patrimonial e não patrimonial.
II - Os danos futuros (patrimoniais) decorrentes de uma lesão física não se reconduzem tão só, à redução da sua capacidade de trabalho porquanto, traduzem-se numa lesão do direito fundamental à saúde e integridade física pelo que, a indemnização a arbitrar não deve sopesar, apenas essa redução, mas também a suas consequências, no período de vida expectável, seja no plano da perda ou diminuição de outras oportunidades profissionais e/ou de índole pessoal ou dos custos de maior onerosidade com o desempenho dessas actividades.
III - Ainda que se entenda que o nascituro concebido, ex viart. 66 CC, não tem personalidade jurídica plena, ele é, face ao  art. 70 CC, um ser humano, uma criança em gestação, ou seja, um bem jurídico autónomo e, como tal, tem direito ao desenvolvimento geral da sua personalidade física e moral e a não ser ofendido ou ameaçado na sua vida ou saúde.
IV - Estando em causa a tutela do bem jurídico da vida intra-uterina, sendo este bem distinto dos bens jurídicos da afectividade e espiritualidade dos pais para com os filhos, o dano da supressão do direito da vida do filho nascituro, é um dano directa e autonomamente indemnizável, ex vi art. 496 CC.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 8ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa


 A [ …… Alexandra …. ] demandou B [ Companhia de Seguros ..,SA ] , pedindo a condenação da ré a pagar a quantia de €  280.690,54, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais (cfr. ampliação do pedido/despachos de fls. 227 e sgs., 247/248, 318/319 e 330), acrescido dos juros legais vencidos e vincendos e ainda nas quantias que se vierem a liquidar em consequência da IPP, ITA, ITP’S e dos danos futuros a determinar em sede de perícia médica.
Alegou, em síntese, foi vítima de um acidente de viação ocorrido, em 17/9/2104, tendo sofrido danos graves.
O acidente teve lugar por culpa exclusiva do condutor do veículo de matrícula xx-xx-LG.
O condutor do veículo havia transferido a responsabilidade civil para a ré Seguradora, mediante contrato de seguro titulado pela apólice nº ...191.
Estava grávida e, em virtude do acidente perdeu o bebé, e ainda hoje perduram as sequelas do acidente.
Na contestação a ré Seguradora impugnou o alegado pela autora, defendeu a inexistência do direito do nascituro a uma indemnização, pugnando pela absolvição do pedido – fls. 63 e sgs.
Foram admitidas as ampliações do pedido – cfr. fls. 227, 318/319, 247/248 e 330.
Antes da propositura da acção intentou procedimento cautelar para arbitramento de reparação provisória na qual obteve ganho parcial, tendo sido fixada uma renda mensal, de € 530,00, a pagar pela Seguradora – cfr. apenso.
Após julgamento foi prolatada decisão que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a ré Seguradora a pagar à autora a quantia de € 117.242,42, à qual será deduzido o montante pago pela Seguradora a título de indemnização provisória, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação sobre o valor de € 167,34 e desde, 4/1/19, sobre o valor de € 7.075,08 e desde o trânsito em julgado da sentença quanto ao demais.
Fixou os danos patrimoniais, em € 75.000,00 e € 7.242,42, os danos não patrimoniais, em € 75.000,00 (dano biológico), pela perda do nascituro, em € 5.000,00 e pela perda do seu direito à vida, em     € 10.000,00 – fls. 333 e sgs. II vol.
Inconformada, apelou a ré formulando as conclusões que se transcrevem:
1ª - O presente recurso jurisdicional vem interposto da sentença de 22.05.2019, com a referência n.º 140165395, sendo que o recurso se restringe na parte em que avalia os danos sofridos pela Autora e fixa os termos da indemnização por eles devida;
2ª - Verifica-se uma errada interpretação e aplicação do Direito que aplicou ao caso em concreto, existindo violação dos princípios de equidade na fixação da indemnização atinente aos danos patrimoniais (dano biológico/IPP) e danos não patrimoniais (incluindo a indemnização pela perda do nascituro e a perda do direito à vida do nascituro);
3ª - Ora, atentos os danos (patrimoniais e não patrimoniais) apurados nos presentes autos, maxime através do relatório de perícia médico-legal, bem como as demais circunstâncias do caso (v.g., o grau de culpabilidade do responsável, situação económica deste e do lesado), verifica-se que a indemnização arbitrada à Autora - quanto aos danos patrimoniais, quer a título de danos não patrimoniais – se revela manifestamente injusta, excessiva e exagerada, devendo a quantia arbitrada ser objecto de redução;
4ª - No chamado “dano biológico” está em causa a fixação da indemnização justa para o ressarcir do prejuízo inerente à perda de capacidade de ganho determinada pela IPP que as lesões sofridas no acidente lhe causaram;
5ª - A lei não nos dá a este propósito qualquer orientação que não seja a constante dos arts. 564/2 (atendibilidade dos danos futuros previsíveis) e 566/ 2 e 3 CC (a chamada teoria da diferença), a conjugar com o recurso à equidade se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, devendo ainda que ter em conta outros factores, designadamente a culpa do lesante e as situações económicas deste e do lesado (em conjugação com a realidade económica e social do país);
6ª - A jurisprudência nacional tem vindo a fazer um grande esforço de clarificação no que concerne à determinação do montante da indemnização devida pelos danos futuros associados à IPP de que o lesado ficou a padecer, considerando que não é conveniente alterar de forma brusca os critérios de valoração dos prejuízos, que não deve perder-se de vista a realidade económica e social do país, e que é vantajoso que o caminho no sentido duma progressiva actualização das indemnizações se faça de forma gradual, sem rupturas e sem desconsiderar as decisões precedentes acerca de casos semelhantes;
7ª - No caso em apreço, tendo em consideração o relatório de perícia de avaliação do dano corporal produzido, verificou-se um quantum doloris fixável no grau 7 numa escala de sete graus de gravidade; um dano estético fixável no grau 7; um défice funcional permanente da integridade física - psíquica fixável, em 14 pontos, admitindo-se a existência de dano futuro; a ausência de repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer; a ausência de repercussão permanente na actividade sexual; bem como a ausência de necessidade permanente de ajudas;
8ª - Acresce que não se apurou as sequelas sofridas pela Autora/Recorrida em termos de repercussão permanente na actividade profissional, dado que a Autora não se encontrava no mercado de trabalho (tinha 19 anos de idade, tinha o 8.º ano de escolaridade e procurava o primeiro emprego).
9ª - Assim, não se revela adequada a fixação da quantia de € 75.000,00 a título de indemnização por danos patrimoniais à Autora, devendo a mesma ser reduzida e fixada em valor nunca superior a € 50.000,00;
10ª - Por outro lado, os danos não patrimoniais são aqueles que não sendo susceptíveis de avaliação pecuniária, apenas podem ocasionar uma compensação, compreendendo o quantum doloris, o dano estético e o prejuízo de afirmação pessoal, em função da descrição feita pelos médicos (a avaliação do dano corporal) e tendo em conta os precedentes jurisprudenciais;
11ª - Os danos não patrimoniais apenas são reparados quando a sua gravidade assim o sugira, sendo aqui o princípio da reparação integral limitado pela gravidade do dano (artigo 496/1 CC), sendo o montante indemnizatório deve ser proporcional à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida, deve ainda atender-se ao grau de culpabilidade do responsável (o segurado), à sua situação económica deste e do lesado, e às demais circunstâncias do caso, sendo de atender aos padrões de indemnização geralmente adoptados pela jurisprudência;
12ª - Atentos os danos não patrimoniais apurados nos autos, bem como as demais circunstâncias do caso concreto, verifica-se que a indemnização fixada de € 75.000,00 é manifestamente excessiva para o ressarcimento pelos danos não patrimoniais sofridos, pelo que tal valor não deverá ultrapassar os € 50.000,00;
13ª - Por outro lado, e salvo o sempre devido respeito, a Recorrente discorda do quantum indemnizatório fixado a título de danos não patrimoniais relativo à perda do nascituro e à perda do direito à vida do nascituro porquanto, aqueles montantes indemnizatórios não são devidos e por outro lado, se revelam demasiadamente altos para uma situação como a dos autos.
14ª - O alegado nascituro não tem, nesta sede, quaisquer direitos próprios e mesmo que os tivesse, tais direitos apenas poderiam ser reconhecidos com a aquisição da personalidade, ou seja, o nascimento (art. 66 CC), o que não aconteceu.
15ª - Impondo a lei o recurso à equidade, dentro dos limites que tiver por provados, afigura-se-nos que o valor fixado na sentença (€ 10.000,00) é manifestamente exagerado pelo que, caso se entenda dever fixar-se um valor pelos danos não patrimoniais relativos à perda do nascituro e à perda do direito à vida do nascituro, tal valor não deverá ultrapassar os € 5.000,00.
16ª – A sentença recorrida viola, entre outras normas e princípios do sistema jurídico, os artigos 483, 496, 562, 563, 564 e 566 CC.
17ª – Assim, deve julgar-se o recurso procedente e a sentença revogada.
Nas contra-alegações o autor pugnou pela confirmação da decisão.
Factos apurados em 1ª instância:
1 - No dia 17/09/2014, pelas 19h30m, na Auto-estrada A8, ao km 15,2, em Lousa - Loures, ocorreu um acidente de viação em que foi interveniente o veículo ligeiro de passageiros com matrícula xx-xx-LG.
2 - O veículo xx-xx-LG  era propriedade e conduzido por C [ Mauro ….. ] .
3 - No banco da frente, ao lado do condutor, seguia a autora, e nos lugares traseiros seguia D [ José …….. ] .
4 - O veículo xx-xx-LG circulava no sentido Sul/Norte (Lisboa – Leiria).
5 - Tinha estado a chover e o pavimento encontrava-se molhado.
6 - O veículo xx-xx-LG circulava a cerca de 100 Km/hora.
7 - Ao chegar próximo do Km 15,2 da Auto-estrada A8 o condutor C perdeu o controlo do veículo xx-xx-LG entrando em despiste, em consequência do que o veículo embateu nas guardas metálicas, capotou e veio a imobilizar-se, capotado, à direita junto ao pilar metálico de um pórtico de informações.
8 - Do acidente resultou a morte imediata de D, a autora ficou gravemente ferida e o condutor C teve ferimentos ligeiros.
9 - A GNR do destacamento de trânsito de Torres Vedras deslocou-se ao local e levantou auto de notícia.
10 - Deslocou-se ao local uma VMER e os bombeiros voluntários de Loures que transportaram a autora para o Hospital de Santa Maria, em Lisboa.
11 - Às 21h34m do dia 17/09/2014 a autora deu entrada nos serviços de urgência do Hospital de Santa Maria politraumatizada, apresentando escalpe do couro cabeludo à esquerda, hematoma epidural esquerdo, fractura da órbita esquerda e da arcada zigomática esquerda, fractura dos ossos próprios do nariz (OPN) e fractura descoaptada da rótula direita.
12 - À data do acidente a autora estava grávida de 7 semanas e em consequência do acidente sofreu um aborto espontâneo.
13 - A autora desconhecia que se encontrava grávida.
14 - A autora foi de imediato sujeita a intervenção cirúrgica para drenagem do hematoma epidural, para redução aberta das fracturas fronto-malar e da arcada zigomática com colocação de osteossíntese, e para redução cruenta do joelho com osteossíntese com fios de cerclage.
15 - A autora ficou internada na enfermaria do serviço de neurocirurgia no Hospital Santa Maria, em Lisboa, até ao dia 26/09/2014, e durante o internamento apresentou rinorraquia [expulsão do líquido cefalorraquidiano através do nariz].
16 - Em 26/09/2014 a autora foi transferida para a unidade hospitalar da área de residência : o Hospital São José, em Lisboa.
17 - Mas no dia 27/09/2014, a autora voltou a ser transferida para o Hospital de Santa Maria devido à persistência da fístula de líquido cefalorraquidiano [LCR];
18 - Face à estabilidade neurológica, a autora foi transferida a 06/10/2014 para o Hospital de São José em Lisboa;
19 - A autora realizou exames e foi observada nas especialidades de ortopedia, cirurgia plástica, oftalmologia, medicina física e de reabilitação.
20 - Ficou internada no Hospital de São José até 17/10/2014.
21 - A autora teve alta hospitalar, em 17/10/2014, com encaminhamento para as consultas de Ortopedia no Hospital Curry Cabral, de Neurocirurgia no Hospital de Stª Maria, de Ginecologia no Hospital D. Estefânia, de Oftalmologia no Hospital dos Capuchos e de Cirurgia Plástica no Hospital de S. José. 
22 - A autora acabou por não ser consultada na especialidade de Ginecologia no Hospital D. Estefânia, e por sua iniciativa foi consultada na Maternidade Alfredo da Costa, onde se verificou não ter complicações.
23 - A autora teve seguimento, sem complicações clínicas, nas especialidades de Neurocirurgia no Hospital de Stª Maria e de Oftalmologia no Hospital dos Capuchos.
24 - Relativamente à Ortopedia, no Hospital Curry Cabral a autroa fez tratamentos de reabilitação e hidroterapia ao joelho direito, e foi submetida, em 10/08/2015, a intervenção para extracção do material de osteossíntese (EMOS) da rótula direita, tendo tido alta da especialidade de ortopedia, em 01/12/2015.
25 - Relativamente à Cirurgia Plástica, em 11/11/2014, a autora foi sujeita a intervenção cirúrgica de retalho cutâneo no couro cabeludo, e foi realizado desbridamento de placa de necrose e cobertura do defeito com enxerto de pele colhida da região inguinal esquerda.
26 - A autora ficou internada, de 11/11/2014 a 17/11/2014, data em que teve alta clínica com indicação para fazer penso com gaze gorda e para dormir com cabeceira elevada, com marcação de nova consulta.
27 - Em 04/03/2016, a autoara foi internada no Hospital CUF de Torres Vedras por exposição do material de osteossíntese no crânio na região frontal esquerda, tendo sido sujeita a intervenção cirúrgica para levantamento de retalhos frontoparietais, extracção de placa de titânio em rede e placa de osteossíntese do rebordo orbitário esquerdo e encerramento da pele mediante plastia de retalhos da face.
28 - Teve alta hospitalar no dia 05/03/2016.
29 - A consolidação médico-legal das lesões sofridas pela autora é fixável, em 31/03/2016.
30 - Em consequência das lesões sofridas em resultado do acidente, a autora apresenta as seguintes sequelas : ao nível do crânio cicatriz acastanhada, retráctil, na região frontoparietal esquerda, com 12x5cm de maior eixo sagital, áreas cicatriciais nacaradas na região externa e anterior desta cicatriz, com ausência de sensibilidade táctil em toda a extensão da cicatriz, com prurido e com área de alopécia; ao nível da face abaulamento de cerca 1 mm de profundidade e 1 cm de diâmetro na região parietal esquerda (na região da apontada cicatriz do crânio), abaulamento de cerca 1 mm de profundidade e 0,5cm de diâmetro na região malar esquerda (sobre a grande asa do esfenóide), procidência dura de cerca de 2 mm de altura na região malar esquerda (sobre a apófise zigomática do temporal), condicionando assimetria facial; retracção da cicatriz craniana que impede os movimentos da arcada supraciliar esquerda; desconforto na região malar e frontal esquerdas, com sensação de corpo estranho referida à apófise zigomática; ao nível do membro superior direito complexo cicatricial eucromático, retráctil, no terço médio da face póstero-externa do braço com 13x7cm de maior eixo-horizontal; ao nível do membro inferior direito complexo cicatricial eucromático, retráctil, em toda a extensão da face anterior  do joelho com 12x10 cm de maior eixo horizontal e limitação da mobilidade do joelho direito em carga; ao nível do membro inferior esquerdo cicatriz eucromática na região inguinal com 12x1 cm, oblíqua para dentro e para baixo, cicatriz eucromática, retráctil, na face anterior do joelho com 2 cm de diâmetro.
31 - É clinicamente previsível o agravamento das sequelas do joelho pela evolução para artrose da fractura descoaptada da rótula direita.
32 - A autora teve défice funcional temporário total desde o dia do acidente, em 17/09/2014 até 17/10/2014, de 11/11/2014 a 17/11/2014 e, em 04/03/2016, num total de 39 dias.
33 - A autora teve défice funcional temporário parcial situado entre 18/10/2014 e 10/11/2014, entre 18/11/2014 e 03/03/2016, e entre 05/03/2016 e a data da consolidação das lesões em 31/03/2016, num total de 523 dias.
34 - A autora sofreu um quantum doloris de grau 7 numa escala crescente de 7.
35 - A autora apresenta um dano estético permanente de grau 7 numa escala crescente de 7.
36 - A autora está afectada de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 14%.
37 - A perda do nascituro causou à autora desgosto e tristeza.
38 - A autora sente-se desgostosa com a sua aparência e tem sensação de fealdade pelas cicatrizes visíveis no rosto e couro cabeludo, e na face anterior do joelho direito, o que a afecta psicologicamente.
39 - Por causa das cicatrizes visíveis a autora deixou de usar saia, calções, manga curta e deixou de ir praia.
40 - A autora passou a ter episódios de mau humor consequentes da sua condição física.
41 - À data do acidente a autora tinha 19 anos, tinha o 8º ano de escolaridade, e procurava o primeiro emprego.
42 - Em despesas de medicação receitada consequente das lesões sofridas no acidente a autora despendeu € 30,59.
43 - Em deslocações em táxi para consultas e tratamentos consequentes do acidente, despendeu a autora € 96,55.
44 - Em despesas de parqueamento, quando transportada em viatura particular, a autora despendeu € 40,20.
45 - O custo da intervenção cirúrgica a que a autora foi submetida, em 04/03/2016, ascende a € 6.881,32, que se mostra já facturado à autora.
46 - Em consultas preparatórias e posteriores a essa intervenção cirúrgica, e em análises e exames a autora despendeu   € 193,76.
47 - A responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo xx-xx-LGencontrava-se transferida para a ré por contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice nº ...191.
48 - Em Novembro de 2014, a ré não assumiu a responsabilidade relativamente ao sinistro, reservando a assumpção de eventual responsabilidade para momento posterior, com fundamento em que não dispunha de elementos que lhe permitissem pronunciar sobre o apuramento de responsabilidade e, por conseguinte, não deter elementos que lhe permitissem liquidar os prejuízos reclamados.
49 - Correu termos o competente inquérito e o condutor C foi constituído arguido pelos factos relativos a esse acidente de viação que deram origem ao processo-crime nº 59/14.3GTTVD, que correu termos nesta Comarca de Lisboa-Norte, no âmbito do qual o arguido C foi condenado pela prática do crime de homicídio por negligência na pena de 13 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, e foi ainda sujeito a obrigações acessórias.
50 - Na pendência da acção a autora promoveu contra a ré procedimento cautelar, que se mostra apenso, para arbitramento de reparação provisória, no âmbito do qual foi fixada à autora a renda mensal de € 530,00.
Não se apurou que:
A - Que a autora continua e continuará a necessitar de tratamentos de fisioterapia.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
Atentas as conclusões dos apelantes que delimitam, como é regra, o objecto do recurso – arts. 639 e 640 CPC – as questões que cabe decidir consistem em saber se há ou não lugar à indemnização por danos resultantes da perda do nascituro e a perda do direito à vida do nascituro e se o quantum dos danos patrimoniais e não patrimoniais deve ser reduzido.
Vejamos, então.
 a) Indemnização por perda do nascituro e perda do direito à vida do nascituro
Defende a apelante Seguradora não ser devida qualquer indemnização a título de danos não patrimoniais relativo à perda do nascituro e à perda do direito à vida do nascituro porquanto, este não tem quaisquer direitos próprios e, ainda que os tivesse, tais direitos apenas poderiam ser reconhecidos com a aquisição da personalidade i. é, com o nascimento, ex vi art. 66 CC, o que não sucedeu.
 Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, devendo o montante ser fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em conta, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494 – art. 496/1 e 3 CC.
Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto…aos pais ou outros…- nº 2 art. cit.
A ressarcibilidade destes danos circunscreve-se aos danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (a apreciação deve ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos (sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada).
Não enunciando a lei os casos de danos não patrimoniais que justificam uma indemnização - “devem merecer, pela sua gravidade a tutela do direito” -, cabe ao tribunal, em cada caso, dizer se o dano é ou não merecedor da tutela jurídica.
Os simples incómodos ou contrariedades não justificam a indemnização por danos não patrimoniais – Ac. STJ de 26/5/77, in BMJ nº 273-140 segs.;  Vaz Serra, Reparação do dano não Patrimonial, nº 2, in BMJ nº 83.
A apelada pediu, o ressarcimento dos danos não patrimoniais resultantes da perda do nascituro (dano de morte).
In casu, atentos os factos sob os nºs 12, 13, e 37, constata-se que a autora, na altura do acidente, ainda que o não soubesse, estava grávida de 7 semanas tendo, como consequência, sofrido um aborto espontâneo.
O facto da apelada desconhecer, à data do acidente, que se encontrava grávida, não afasta a dor, tristeza, sofrimento e sentimento de perda que, em qualquer circunstância, a morte de um filho acarreta, ainda que nascituro – expectativa e projecção futura de ser mãe.
Assim, sem necessidade de mais considerandos, a perda do feto traduz um dano e, como tal, merece a tutela do direito, sendo susceptível de indemnização.
A questão de saber se o nascituro, é ou não sujeito de direitos e, consequentemente, se a perda do direito à vida é ou não indemnizável, é controversa, não é consensual, quer na doutrina, quer na jurisprudência.
Uns defendem que o nascituro não é titular originário de um direito de indemnização, por danos não patrimoniais, em consequência de facto ilícito ocorrido antes do seu nascimento, por não estar em condições de adquirir esse direito uma vez que não dispõe de personalidade jurídica, ex vi art. 66/1 CC - cfr. Ac. STJ de 17/2/2009, relator Conselheiro Hélder Roque, Ac. STJ de 9/10/2008, relator Conselheiro Bettencourt Faria, in www.dgsi.pt., Mota Pinto, Castro Mendes, P. Lima e A. Varela, Dias Marques, Carvalho Fernandes e Ewald Horster (obras citadas neste Ac.)
Outros, por seu turno, defendem a personalidade jurídica do nascituro já concebido – Leite Campos, Oliveira de Ascensão, Menezes Cordeiro, Pedro Pais de Vasconcelos e Paulo Otero,  Ac. STJ de 3/4/2014, relator Conselheiro Álvaro Rodrigues, Ac. RL de 12/6/2002, relatora Desembargadora Teresa Féria, e de 14/11/91, relator Desembargador Almeida e Sousa, in www.dgsi.pt e ainda voto vencido Conselheiro Santos Bernardino, no Ac. STJ de 9/10/2008, cit. supra e Ac. TC de 8/7/2009 (357/2009 de 8/7/2009), relator Conselheiro Cura Mariano, in D.R. 158/2009, IIª série, de 17/8/2009.
Desde já, refere-se que sufragamos o entendimento explanado no voto de vencido mencionado, tal como o fez a 1ª instância, sumariando o aí explanado.
Tal como aí se refere, numa resenha breve, para Pedro Pais de Vasconcelos, o nascituro é um ser vivo, com toda a dignidade da pessoa humana e, como tal é uma pessoa jurídica, não podendo o direito de deixar de lhe reconhecer a qualidade de pessoa humana viva, i. é, personalidade jurídica.
Assim, o art. 66 deverá ser entendido como referindo-se à capacidade de gozo e não já à personalidade jurídica.
Não obstante, este jurista conclui que o nascituro se não chegar a nascer com vida é havido pela lei como se não tivesse existido, ex vi do nº 2 cit art.
O Prof. Meneses Cordeiro, conclui pelo direito à vida do nascituro, alicerçando-se na norma do art. 24 CRP – inviolabilidade da vida humana.
Não obstante, o cerne da questão, tal como referido no acórdão (voto vencido), não reside no facto de saber se o nascituro tem ou não personalidade jurídica, se é ou não sujeito de direitos, mas sim saber se é ou não objecto de protecção jurídica.
A vida humana inicia-se com a concepção (ciência) e, como tal, deverá considerar-se a vida do nascituro como um bem juridicamente protegido, a nível das garantias constitucionais (o   art. 24 CRP não faz a distinção entre vida humana uterina ou extra-uterina) – cfr. Rabindranath Capelo de Sousa in, O Direito Geral da Personalidade, Coimbra, Editora.
A lei penal tutela a personalidade física e moral do nascituro, na medida em que sanciona os crimes contra vida uterina, o mesmo acontecendo na lei civil, estabelecendo o art. 70 CC que a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita (..) à sua personalidade física e moral (abrange os nascituros).
Ainda que se entenda que o nascituro concebido, ex vi art. 66 CC, não tem personalidade jurídica plena, ele é, face ao art. 70 CC, um ser humano, uma criança em gestação, ou seja, um bem jurídico autónomo e, como tal, tem direito ao desenvolvimento geral da sua personalidade física e moral e a não ser ofendido ou ameaçado na sua vida ou saúde.
Assim, estando em causa a tutela do bem jurídico da vida intra-uterina, sendo este bem distinto dos bens jurídicos da afectividade e espiritualidade dos pais para com os filhos, o dano da supressão do direito da vida do filho nascituro, é um dano directa e autonomamente indemnizável, ex vi art. 496 CC.
Entendimento diferente conduzir-nos-ia a uma lacuna da lei, um caso omisso, na medida em que o legislador apenas previu a morte do ser humano nascido e com vida: ausência de regulamentação jurídica para a ofensa ilícita e culposa ou objectiva do bem jurídico da vida intra-uterina.
Assim, tem a autora/apelada direito a reclamar indemnização pelo dano da supressão da vida do nascituro.
Destarte, soçobra a pretensão da apelante.
b) Quantum dos danos   
Defende a apelante seguradora que as indemnizações fixadas a título de danos patrimoniais e não patrimoniais pecaram, por excesso, devendo o seu quantum ser reduzido.
A 1ª instância fixou os danos patrimoniais pelo dano biológico, decorrente do défice permanente de que a autora padece, em € 75.000,00.
A título de danos não patrimoniais atribuiu o valor de  € 75.000,00, perda do filho € 5.000,00 e perda do direito à vida do nascituro, em € 10.000,00.
Apurado ficou que em consequência do acidente sofrido a autora/apelada sofreu lesões/danos, constituindo-se a apelante/seguradora, na obrigação de indemnizar, indemnização essa que compreende não só, os danos emergentes, como também os lucros cessantes – arts. 483 e sgs. e 562 e sgs. CC.
O dever de indemnizar compreende não só os prejuízos causados, mas também os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão; atendendo-se, na fixação da indemnização aos danos futuros, desde que previsíveis e, se não o forem, a fixação da indemnização será remetida para decisão ulterior – art. 564 CC.
Não sendo possível reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação e caso a reconstituição natural não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor, a indemnização deve ser fixada em dinheiro, cabendo ao tribunal, caso não seja apurado o valor dos danos, julgar segundo a equidade – art. 566 CC.
O julgamento de acordo com a equidade envolve um sentimento de justiça concreta e não já um juízo de justiça normativa, razão por que o quantum indemnizatório não se subsume a questão de direito, tendo presente que a equidade deve atender aos princípios da proporcionalidade e da igualdade conducentes ao valor encontrado – Ac. STJ de 14/2/17 relatora Conselheira Fernanda Isabel Pereira, in www.dgsi.pt.
A Jurisprudência tem-se pronunciado no sentido de que a limitação funcional ou dano biológico, em que se traduz essa incapacidade, é apta a provocar no lesado danos de natureza patrimonial e não patrimonial, considerando, relativamente aos danos patrimoniais, que os danos futuros decorrentes de uma lesão física não se reconduzem apenas à redução da sua capacidade de trabalho porquanto, traduzem-se numa lesão do direito fundamental à saúde e integridade física pelo que, a indemnização a arbitrar não deve sopesar, tão só, essa redução, mas também a suas consequências, no período de vida expectável, seja no plano da perda ou diminuição de outras oportunidades profissionais e/ou de índole pessoal ou dos custos de maior onerosidade com o desempenho dessas actividades – cfr. Ac. STJ 28/1/16, relatora Conselheira Maria Graça Trigo, de 4/6/15, relatora Conselheira Maria dos Prazeres Beleza, de 19/9/19, relatora Conselheira Maria do Rosário Morgado e de 26/1/17, Conselheiro Oliveira de Vasconcelos, in www.dgsi.pt.
Assim, os critérios orientadores para arbitrar o quantum de indemnização pelos danos futuros (patrimoniais), devem ter em linha de conta que: a indemnização deve corresponder a um capital produtor de rendimento que se extinga no final do período provável da vida do lesado, as tabelas financeiras têm um carácter auxiliar mas não afastam a ponderação judicial com base na equidade e pelo facto de ser entregue/paga de uma vez, permitirá ao beneficiário rentabilizá-la, não se olvidando que hoje em dia a rentabilidade (juro remuneratório) é muito baixa.
In casu, apurado ficou que à data do acidente a apelada tinha 19 anos, não se encontrava no mercado de trabalho, procurava o primeiro emprego e como consequência do acidente ficou com as sequelas descritas no facto provado sob o nº 30, ao nível do crâneo, face, membro superior direito, membros inferiores, sendo previsível o agravamento das sequelas no joelho pela evolução da artrose da fractura descoaptada da rótula direito, apresenta um dano estético permanente de grau 7 numa escala crescente de 7, ficou afectada de um défice funcional permanente da integridade físico - psíquica de 14% - cfr. factos provados 41, 31,35,36.
Assim, tendo em atenção o supra extractado (arts. 564/2 e 566/3 CC) e os factos apurados, ponderando a perda de capacidade de ganho, o salário a auferir (aquando da entrada no mercado de trabalho), a idade, o grau de incapacidade fixado, o tempo provável de vida activa laboral e a esperança de vida a par das possibilidades de progressão na carreira, as decisões judiciais que fixaram indemnizações em casos similares, entende-se que a indemnização ajustada a indemnização fixada de € 75.000,00 (montante actualizado), para compensar a perda de capacidade de ganho e o dano biológico.
No que aos danos não patrimoniais concerne o seu valor deve ser fixado equitativamente pelo tribunal, sendo certo que só são indemnizáveis os danos que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, tendo em conta as circunstâncias mencionadas no art. 494 – cfr. art. 496 CC.
A limitação referida no art. 494 CC é restrita ao caso de mera culpa e não já ao caso de dolo em que a indemnização nunca pode ser inferior ao montante do dano por mais elevado que ele seja – cfr. Pereira Coelho, Obrigações, 122 e Mota Pinto, Teoria Geral, 3ª ed., 116.
A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (a apreciação deve ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos (sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada).
O montante da indemnização destes danos deve ser sempre calculado segundo critérios de equidade, como referido supra e deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras da boa prudência, de bom senso prático, da justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida - A. Varela, CC Anot. vol. I, 3º ed., Coimbra Ed.
In casu, de acordo com os factos apurados, idade, sofrimento, dor, mágoa, desgosto e tristeza profundas, intervenções cirúrgicas, internamentos, que decorreram durante cerca de ano e meio, desde a data do acidente até à consolidação, as sequelas permanentes, o quantum doloris (7/7), o dano estético (crâneo, face, membros superior e inferiores), défice funcional permanente de 14%, agravamento das sequelas ao nível do joelho, condicionamento e repercussões na sua vida pessoal e profissional, entende-se acertado fixar o quantum indemnizatório, em € 65.000,00.
Quanto ao dano não patrimonial pela perda do nascituro, entende-se que o montante fixado, de € 5.000,00 foi adequado.
No que concerne ao dano do direito à vida do nascituro, 7 semanas, entende-se acertado fixar o quantum da indemnização em € 6.000,00.
Destarte, procede parcialmente a pretensão.
Concluindo:
- A limitação funcional ou dano biológico, em que se traduz essa incapacidade, é apta a provocar no lesado danos de natureza patrimonial e não patrimonial.
- Os danos futuros (patrimoniais) decorrentes de uma lesão física não se reconduzem tão só, à redução da sua capacidade de trabalho porquanto, traduzem-se numa lesão do direito fundamental à saúde e integridade física pelo que, a indemnização a arbitrar não deve sopesar, apenas essa redução, mas também a suas consequências, no período de vida expectável, seja no plano da perda ou diminuição de outras oportunidades profissionais e/ou de índole pessoal ou dos custos de maior onerosidade com o desempenho dessas actividades.
 - Ainda que se entenda que o nascituro concebido, ex vi art. 66 CC, não tem personalidade jurídica plena, ele é, face ao art. 70 CC, um ser humano, uma criança em gestação, ou seja, um bem jurídico autónomo e, como tal, tem direito ao desenvolvimento geral da sua personalidade física e moral e a não ser ofendido ou ameaçado na sua vida ou saúde.
- Estando em causa a tutela do bem jurídico da vida intra-uterina, sendo este bem distinto dos bens jurídicos da afectividade e espiritualidade dos pais para com os filhos, o dano da supressão do direito da vida do filho nascituro, é um dano directa e autonomamente indemnizável, ex vi art. 496 CC.
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, consequentemente, revoga-se a sentença no segmento relativo às indemnizações atribuídas, a título de danos não patrimoniais, fixando-se a indemnização a título de danos não patrimoniais em € 65.000,00 e a perda do direito à vida do nascituro, em € 6.000,00, confirmando-se a decisão no mais.
Custas por apelante e apelada na proporção do vencimento Lisboa,  

LISBOA,14/NOVEMBRO/2019
Carla Mendes
Rui da Ponte Gomes
Luís Correia de Mendonça  (X)

(X)  Com voto de vencido que segue:
De acordo com o art.º 66, do CC, só há personalidade jurídica após o nascimento completo e com vida.
A personalidade jurídica adquire-se com o nascimento. É necessário não só que o feto se separe do seio materno, mas também que o individuo nasça vivo.
O ordenamento reconhece alguns direitos a favor do nascituro mas subordinadamente ao evento do nascimento.
O artigo 496º, nº2, não se aplica neste caso. Aí só a morte do sujeito com personalidade está contemplada.
Não se percebe como contabilizar a tutela jurídica do feto de 7 semanas com o regime de interrupção voluntária da gravidez que em Portugal pode ser realizada nas primeiras 10 semanas da gravidez.
Não se percebe como se constrói a protecção jurídica de um putativo sujeito que nunca o foi e cujo direito (sem titular) a ter existido não se lhe pode transmitir.
Luís Correia de Mendonça