Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6738/19.1T8LSB.L1-4
Relator: DURO MATEUS CARDOSO
Descritores: AIJRLD
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
COMUNICAÇÃO ESCRITA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: I- O art. 98º-C do CPT manda aplicar o processo especial previsto nos arts. 98º-B e seguintes do CPT “no caso em que seja comunicada por escrito ao trabalhador, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação”.
II- Quando se está perante uma situação em que a comunicação escrita da entidade empregadora dirigida ao trabalhador, designadamente imputando-lhe mau desempenho laboral, consubstancia uma invocação de cessação do contrato de trabalho por factos imputáveis ao trabalhador, embora ali se faça menção de que se trata de uma denúncia, o enquadramento sobre a forma de processo tem de ser feito no âmbito do art. 98º-C do CPT.
III- Se a justa causa que alegou é procedente ou improcedente, se houve ou não processo disciplinar, se ocorreu ou não durante o período experimental, tudo isso são questões que, após a apresentação do requerimento em papel ou do formulário electrónico iniciais, não relevam para a determinação da forma processual.
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I- AAA, intentou no Juízo do Trabalho de Lisboa, a presente acção declarativa, com processo especial, de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, mediante formulário previsto nos arts. 98º-C e 98º-D do CPT, CONTRA,
BBB.
II- Alegou que foi despedido a 30/1/ pelo aqui réu BBB pois que recebeu uma carta datada de 30/1/2019, junta a fols. 2 dos autos, onde consta que “Exmo. Senhor AAA,
Lamento informar que decidi denunciar o contrato de trabalho entre nós celebrado por considerar que a tua personalidade e desempenho não se coadunam com o grau de responsabilidade e com a relação de confiança na manutenção de com ambiente que entendo necessárias para o exercício do cargo em apreço.
Cordiais cumprimentos,
BBB”.
III- Aberta “Conclusão”, a fols.11 e 12 foi então proferido o seguinte despacho:
“Analisados os autos, verifica-se estarmos perante acção que deu entrada em juízo por via do formulário a que alude o art. 98.°- C do Código de Processo do Trabalho.
O citado art. 98.º-C, do CPT, dispõe, no seu n.º 1, que «[n]os termos do artigo 387.º do Código do Trabalho, no caso em que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação, a acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento inicia-se com a entrega, pelo trabalhador, junto do tribunal competente, de requerimento em formulário electrónico ou em suporte de papel, do qual conste declaração do trabalhador de oposição ao despedimento, sem prejuízo do disposto no número seguinte».
O transcrito preceito restringe a aplicação deste processo especial aos casos de despedimento individual comunicados por escrito ao trabalhador, por facto a este imputável, por extinção do posto de trabalho ou por inadaptação, desde que tais situações sejam enquadráveis na previsão do art. 387.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro.   Assim, o dito processo especial só poderá ter lugar se se verificarem cumulativamente dois pressupostos essenciais, a saber: que a relação contratual que vincula autor e réu configure um contrato de trabalho e que esse contrato de trabalho tenha cessado através de despedimento promovido pela respectiva entidade empregadora ou, pelo menos, que essa cessação configure a verosimilhança de um despedimento no âmbito dos casos em que tal é legalmente admissível (nomeadamente por invocação de justa causa/por facto imputável ao trabalhador), não podendo ser controvertida a natureza jurídica do contrato e/ou qualificação da causa da sua cessação.
Juntamente com a declaração de oposição ao despedimento, deve ser junta a decisão de despedimento, acarretando a falta de junção da mesma a recusa do formulário pela secretaria (art. 98.º-E do Código de Processo do Trabalho).
Ora, in casu, o trabalhador juntou aos autos o documento de fls. 2, datado de 30 de Janeiro de 2019, cujo teor é o seguinte: «(…)
Exmo. Senhor AAA,
Lamento informar que decidi denunciar o contrato de trabalho entre nós celebrado por considerar que a tua personalidade e desempenho não se coadunam com o grau de responsabilidade e com a relação de confiança na manutenção de com ambiente que entendo necessárias para o exercício do cargo em apreço. (…)».
Do transcrito documento resulta que não foi invocado um despedimento fundado em justa causa, por extinção do posto de trabalho ou por inadaptação do trabalhador, antes foi comunicada ao trabalhador a denúncia do contrato de trabalho.
Assim, inexistindo uma comunicação escrita da empregadora ao trabalhador, contendo, inequivocamente ou com elevado grau de verosimilhança, uma decisão de despedimento individual (por extinção de posto de trabalho, por inadaptação ou por facto imputável ao trabalhador), a discussão e apreciação da forma de cessação do contrato não tem cabimento no âmbito estrito do presente processo especial. Neste caso, o meio processual adequado para dar resposta à pretensão do trabalhador é a acção comum, prevista e regulada nos artigos 51.º e seguintes do Código de Processo do Trabalho, ocorrendo, assim, erro na forma de processo.
O erro na forma do processo consubstancia nulidade que importa a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se, se possível, os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime da forma estabelecida pela lei (art. 193.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi, do preceituado no art. 1.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo de Trabalho).
A nulidade decorrente do erro na forma do processo detectada impossibilita, no entanto, no presente caso, o aproveitamento de qualquer acto, já que a pretensão que o trabalhador pretende fazer valer deveria ter observado o disposto nos artigos 51.º e seguintes do Código de Processo do Trabalho, e não a acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, sendo de todo em todo impossível convolar o formulário apresentado numa petição inicial.
O erro na forma do processo constitui, in casu, excepção dilatória que determina o indeferimento liminar da presente acção, assim se decidindo de harmonia com o disposto nos arts. 193.º, 576.º, n.º 1, 577.º, al. b), e 560.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do disposto no art. 1.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo do Trabalho, e assim se decidindo desde já, e não no momento da audiência de partes, uma vez que não só este processo comporta despacho liminar, como, sobretudo, razões de economia e celeridade processuais assim o ditam.
Deste modo, nos termos e pelos fundamentos expostos, indefere-se liminarmente a presente acção.
Deverá, querendo, o trabalhador intentar acção com processo comum, tendo em atenção o prazo de prescrição de 1 ano dos créditos emergentes do contrato de trabalho, contado da data em que cessou o contrato de trabalho (art.º 337º do Código Trabalho).”
Inconformado com o despacho, o autor interpôs recurso de Apelação (fols. 15  a 20 v.), apresentando as seguintes conclusões:
(…).
O réu não contra-alegou.
Correram os Vistos legais.
IV- A factualidade com relevância para a decisão é a que consta do relatório supra.
V- Nos termos dos arts. 635º-4, 637º-2, 639º-1-2, 608º-2 e 663º-2, todos do CPC/2013, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação; os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes, salvo se importar conhecê-las oficiosamente.
Atento o teor das conclusões das alegações apresentadas pelo apelante, a questão que fundamentalmente se coloca no presente recurso é saber-se se o processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento é o adequado ao caso dos autos.
VI- Decidindo.
O art. 98º-C do CPT manda aplicar o processo especial previsto nos arts. 98º-B e seguintes do CPT “no caso em que seja comunicada por escrito ao trabalhador, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação”.
No presente caso está-se perante uma situação em que a comunicação escrita da entidade empregadora dirigida ao trabalhador consubstancia uma invocação de cessação do contrato de trabalho, embora ali se faça menção de que se trata de uma denúncia.
Segundo Albino Mendes Batista a nova ação especial é aplicável “aos casos em que haja despedimento assumido formalmente enquanto tal”-. (Cfr. “A nova ação de impugnação do despedimento e a revisão do Código de Processo do Trabalho”, Coimbra Editora, 2010, pág.73).
E neste sentido no Ac. T.R. Lisboa de 7-11-2012, Apelação Nº 2106/12.4TTLSB.L 1 4ª Secção, onde se considerou o entendimento de que “A razão de ser desta opção, criando um processo especial destinado a ser aplicável apenas aos casos em que há comunicação escrita do despedimento, assenta no pressuposto de que nestes casos o despedimento individual é indiscutível e, logo, que a ação possa correr com maior celeridade. O que se discutirá é a sua regularidade e licitude, sem que o trabalhador necessite já de fazer prova do despedimento, sendo bastante a junção da comunicação da decisão de despedimento por escrito”.
Como é sabido, o despedimento é uma forma de extinção da relação de trabalho por iniciativa do empregador.
"Tecnicamente, o despedimento configura-se como uma declaração de vontade, recipienda (ou receptícia), vinculada e constitutiva, dirigida à contraparte, com o fim de fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro"- Pedro Furtado Martins, "Despedimento Ilícito, Reintegração na Empresa e Dever de Ocupação Efectiva", ed. de 1992, pag. 37.
Sendo o despedimento um acto unilateral recipiendo, torna-se vinculante para o declarante quando se verifica o conhecimento, ou a cognoscibilidade da declaração emitida. A partir desse momento o trabalhador está juridicamente despedido, pelo que o contrato de trabalho terminou.    
Como resulta do Código do Trabalho de 2009, a qualificação jurídica de denúncia como uma das formas lícitas de cessação do contrato de trabalho independentemente da existência de justa causa, está reservada ao trabalhador nos termos dos arts. 400º a 403º do CT.
Quanto ao empregador, tal possibilidade não existe sem a verificação de existência de justa causa, antes tomando o nome de despedimento (arts. 351º a 358º do CT), que poderá ser com justa causa, ou sem justa causa e, consequentemente, lícito ou ilícito, sendo indiferente a qualificação jurídica indicada pelo empregador na comunicação escrita que fez ao trabalhador.
No caso em apreço o réu indicou mesmo o fundamento pelo qual quis pôr termo ao contrato de trabalho com o autor, ou seja, “a tua personalidade e desempenho não se coadunam com o grau de responsabilidade e com a relação de confiança na manutenção de com ambiente que entendo necessárias para o exercício do cargo em apreço”, ou seja, na perspectiva do empregador, por factos imputáveis ao trabalhador, estando por isso enquadrado no âmbito do art. 98º-C do CPT.
Portanto, o réu, com aquela actuação, despediu/denunciou unilateralmente o contrato de trabalho existente com o autor, pondo fim à relação laboral, sendo de concluir que o mesmo foi despedido.
Se a justa causa que alegou é procedente ou improcedente, se houve ou não processo disciplinar, se ocorreu ou não durante o período experimental, tudo isso são questões que agora não relevam para a determinação da forma processual a seguir.
Os presentes autos devem, pois, seguir a forma especial prevista nos arts. 98º-B e seguintes do CPT.

VII- Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogar o despacho recorrido e determinar que os autos retomem a sua tramitação normal prevista nos arts. 98º-C e seguintes do CPT
Sem custas.

Lisboa, 12 de Junho de 2019
DURO MATEUS CARDOSO
ALBERTINA PEREIRA
LEOPOLDO SOARES
Decisão Texto Integral: