Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
205/13.4PGPDL.L1-3
Relator: ADELINA BARRADAS DE OLIVEIRA
Descritores: MEIO PARTICULARMENTE PERIGOSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/13/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: 1. “Meio particularmente perigoso" é o que tem potencialidade bastante para causar a morte ou ferimentos graves.

2. Mas, tal característica não pode ver-se em abstracto, mas em concreto, nomeadamente, qual o formato e características do objecto e como o mesmo é usado pelo agente.

3. Para se afirmar a existência de especial censurabilidade ou perversidade no comportamento do agente, impõe-se a análise das circunstâncias concretas que rodearam a prática do facto e a conclusão de que elas são tais que exprimem inequívoca e concretamente uma especial perversidade do agente ou que são merecedoras de um severo juízo de censura.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa. 


Relatório:



Nos presentes autos veio L.T.M. recorrer da decisão que a condenou pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, previstos e punidos pelos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, a), e n.º 2, e 132.º, n.º 2, h) – segmento “utilizar meio particularmente perigoso” –, todos do Código Penal, por cada um deles, na pena de 3 (três) meses de prisão.
Em cúmulo, vai a arguida condenada na pena única de 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1(um) ano apresentando para tanto as seguintes

VI. Conclusões
Pretende a arguida por em crise a sentença do Tribunal a quo que a condenou na prática de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, previstos e punidos pelos artigos 143.°, n.? 1, 145.°, n.? 1, a) e nº 2, e 132.°, nº 2, h) - segmento "utilizar meio particularmente perigoso" -, todos do código penal, por cada um deles, na pena de 3 (três) meses de prisão e, em cúmulo, na pena única de 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano.

2.°
Ainda sem entrar propriamente na impugnação da matéria de facto, o certo é que um taco de basebol não se destina a servir de objecto de agressão; a sua função é outra, independentemente do uso, lícito ou ilícito, que lhe possa ser dado pelo seu detentor.

3.°
Tendo uma função específica e lícita, que não a de ser um instrumento de agressão ou de defesa, não pode constituir um instrumento particularmente perigoso, não integrando a realidade prevista na norma qualificadora.

4.°
Os factos constantes da acusação (sem prejuízo do que adiante se dirá em sede de impugnação da matéria de facto) apenas integram a prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art° 143°, nº 1, do Cód. Penal.

5.°
Da análise dos depoimentos das testemunhas, resulta que, ao formar a sua convicção nos termos em que fez, para dar como provados os pontos de facto 1, 2, 3 e 6 da matéria provada, em todos eles o Tribunal a quo cometeu erro notório na apreciação da prova, pois a prova junta aos autos impunha decisão em sentido contrário.

6.°
Em particular, a inquirição do Assistente M.S.C., que prestou declarações no dia 21 de Março de 2017, ao minuto 38:20 - 40:44 da gravação, a testemunha MCM, que foi inquirida no dia 21 de Março de 2017, ao minuto 46:30 - 50:10 da gravação, e a testemunha PT, inquirida no dia 21 de Março de 2017, ao minuto 46:30 - 50:10 da gravação, tendo as mesmas sido gravadas através do sistema integrado de gravação digital e transcritas nas alegações supra.

Em sendo,

7.°
não se preenche os elementos do tipo de crime em que a recorrente foi condenada, porque a prova produzida não é suficiente para permitir a condenação da arguida, pois não se provou que a arguida praticou os factos e há até o depoimento testemunhal de PT, filho do assistente, que assume ter desferido as pancadas com um bastão, dizendo mesmo que a arguida não o fez.

8.°
E não se provando, como não se provou, a participação da arguida nos factos que lhe foram imputados tem de se concluir pela sua absolvição.
A sentença recorrida viola os artigos 143.°, nº 1, 145.°, n.º 1, al. a), e n.º 2, e 132.°, n,º 2, al. h), do Cód. Penal.

Termos em que se requer a revogação da sentença recorrida, que deve se substituída por outra que absolva a arguida, por assim ser de Direito e

Justiça

Respondeu o MP em 1ª Instância

Não se vislumbra qualquer erro notório na apreciação da prova ou qualquer insuficiência ou contradição nesta iatérla, limitando-se o MP a aderir à exaustiva e bem elaborada fundamentação da decisão de facto que consta da sentença.
Efetivamente, limita-se a recorrente a discordar da aplicação da prova feita pelo tribunal, valorando outros depoimentos em detrimento daqueles que convenceram o tribunal, não explicando porque motivo tais depoimentos merecem maior credibilidade sendo certo que na sentença vem justificada a maior e a menor credibilidade de cada um dos depoimentos prestados em audlê era,
Ou seja, a recorrente apenas faz referência aos depoimentos que lhe interessam, não aludindo a todos os depoimentos, pelo que a sua apreciação e valoração da prova é que se mostra inquinada por evidente parcialidade.
Acresce ainda que os ofendidos desistiram das queixas apresentadas,  tendo o processo apenas prosseguiu por razões alheias às suas vontades
Quanto à alegação de que o taco de basebol em madeira maciça com 54cm de comprimento - não pode constituir um instrumento particularmente perigoso porque tem uma função específica, seria o mesmo que dizer que uma faca de cozinha, um machado ou um martelo, utilizados para praticar uma agressão, não são particularmente perigosos porque têm uma função específica.
Ora, é do conhecimento geral que todos estes instrumentes já foram utilizados na prática de agressões letais, pelo que não poderia pode colher a afirmação de que não são particularmente perigosos
Aliás, a jurisprudência tem vindo a decidir pacificamente no sentido de que a utilização de um taco de basebol na prática de uma agressão integra o crime de ofensa à integridade física qualificada; veja-se, por exemplo, o texto dos acórdãos RL de 19-01-20; proe. 140/10.8PLLRS.L1-5 e de 15-09-2015, proc. 154/08.8GACSC .1-5.
Veja-se ainda a fundamentação do acórdão RP de 03-2008, proc. 0815881.
Resta concluir que não violou a douta sentença proferida nos autos qualquer preceito e considera-se não merecer qualquer reparo, pelo que mantendo a mesma integralmente V. Exªs  farão a costumada JUSTIÇA.
***

Neste Tribunal emitiu a Exma Procuradora Geral Adjunta parecer no sentido de que a decisão recorrida mostra-se bem fundamentada, de forma lógica e conforme às regras da experiência comum, sendo fruto de uma apreciação cuidada da prova, tendo feito correcta qualificação jurídica e aplicado pena justa e adequada, não merecendo qualquer censura pelo que é de entendimento de que o recurso não merece provimento, sendo de confirmar a decisão recorrida.
***

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente. Só estas o tribunal ad quem deve apreciar artºs 403º e 412º nº 1 CPP[1] sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - artº 410º nº 2 CPP.


CUMPRE DECIDIR:

Pretende a recorrente ser absolvida.
Alega para além disso que um taco de basebol não é um instrumento particularmente perigoso.

Os factos apenas integram a prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art° 143°, nº 1, do Cód. Penal.

Aponta a existência de  erro notório na apreciação da prova.

Vejamos

Resultou provado que:
1) No dia 10/05/2013, pelas 21:30 horas, na Rua ……….., na freguesia de Santa Cruz, concelho de Ponta Delgada, a arguida e os ofendidos JT e envolveram-se num confronto, a arguida L.T.M. tinha com ela um objecto em madeira maciça, com 54 centímetros de comprimento, em forma de bastão, que se destinava a ser utilizado com instrumento de agressão (doravante designado apenas por bastão).
2) No decurso de tal contenda, com o referido bastão, a arguida L.T.M. desferiu uma pancada em direcção ao ofendido CT. Este, apercebendo-se da conduta da arguida, desviou-se; contudo, ainda assim foi atingido, de raspão, pelo bastão no pescoço.
3) Ainda no decurso da contenda, quando o ofendido JT procurava separar os filhos, que se agrediam mutuamente, a arguida L.T.M., com o mesmo bastão, desferiu uma pancada no ofendido JT, atingindo-o na coxa direita.
4) Em consequência das agressões acima descritas, os ofendidos JT e CT sofreram dores nos locais atingidos
5) Os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, com o propósito, conseguido, de molestar fisicamente os ofendidos.
6) A arguida L.T.M. estava ciente das características do bastão acima descrito, de que a posse de tal objecto lhe era vedada, e de que a sua utilização nas agressões que perpetrou com tal objecto diminuía a capacidade de defesa dos ofendidos e era susceptível de causar lesões graves; não obstante, quis e conseguiu ter o objecto em causa na sua posse e utilizá-lo para molestar fisicamente os ofendidos JT e CT.
7) A arguida sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
8) A arguida não tem antecedentes criminais.

FACTOS NÃO PROVADOS:
Não resultou provado que o ofendido CT tenha sofrido, em virtude do comportamento da arguida as seguintes lesões na face que, em condições normais, são determinantes de três dias para a cura, sem afectação da capacidade de trabalho geral e profissional: várias pequenas escoriações superficiais, com dimensões que se situam entre meio e um centímetro, tipo das que se produzem por arranhão.

FUNDAMENTAÇÃO:

O tribunal sopesou as declarações da arguida que embora na generalidade negasse a prática dos factos lá foi dizendo que se limitou a retirar o bastão das mãos do seu genro para que este não agredisse o agora ofendido C seu irmão (dele). Admitindo que tomou essa atitude, usando muita força e que por isso pode nesse condicionalismo ter magoado alguém já que havia várias pessoas envolvidas. Mas esta versão não mereceu credibilidade, face aos depoimentos que foram prestados de forma escorreita e sem hesitações por JCT, sogro da filha da arguida que descreveu o confronto que se travou entre os seus dois filhos e quando os tentou separar, a arguida o agrediu com o bastão, por M.S.C., genro de JCT que viu a cunhada MM tirar o bastão das mãos da arguida, pelo depoimento desta que viu a arguida atingir com o bastão os ofendidos, sendo certo que quer esta testemunha quer a testemunha CT, quer o seu irmão, a testemunha PT são unânimes ao referirem que o bastão se encontrava enrolado numa camisola verde do referido PT.

A testemunha MCM, filha da arguida, revelou um depoimento conivente com o desta (apenas admitindo que foi a sua cunhada a retirar das mãos da mãe, o bastão), negando que a sua mãe tivesse agredido alguém, limitando-se a puxar o taco de basebol das mãos do marido com força.

O próprio ofendido CT, referiu que a arguida o agrediu de raspão no pescoço e não na cara, sendo certo que as lesões que constavam da acusação não se compadecem com tal tipo de agressão e por isso terão sido levadas a cabo por outra pessoa ou de outra forma, razão pela qual não se deram como provadas.

A testemunha MV, viu a arguida atingir de raspão o C no pescoço e não na cara, também.

Na verdade a situação descrita demonstra a existência de uma enorme confusão daí se perceber que as lesões provocadas  não tenham sido mais graves ou melhor, mais dirigidas. Repare-se que a arguida agride de raspão  um dos ofendidos no pescoço e outro na perna.

É certo como diz a decisão a certa altura que um taco pesa entre 850 gramas e um quilo, tem tamanho máximo de 1,06 metros (o padrão é 81,3 e 81,9 cm) e diâmetro de sete centímetros na extremidade mais grossa.

Receber uma pancada forte com um taco de basebol equivale a ser atingido por um tijolo arremessado do vigésimo andar de um edifício ou a levar nove socos seguidos de Mike Tyson.

Também sabemos que meio particularmente perigoso" é o que tem potencialidade bastante para causar a morte ou ferimentos graves.

Mas, tal característica não pode ver-se em abstracto, mas em concreto, nomeadamente, qual o formato e características do objecto e como o mesmo é usado pelo agente.

Para se afirmar a existência de especial censurabilidade ou perversidade no comportamento do agente, impõe-se a análise das circunstâncias concretas que rodearam a prática do facto e a conclusão de que elas são tais que exprimem inequívoca e concretamente uma especial perversidade do agente ou que são merecedoras de um severo juízo de censura.

É certo que o uso de um taco de golfe cria perigo e pode lesionar alguém de forma grave, só por si surge-nos pois como meio particularmente perigoso que dificulta a defesa do atingido.  No entanto para além da perigosidade superior à normal e ser indispensável determinar, com particular exigência e severidade, se da natureza do meio utilizado – e não de quaisquer outras circunstâncias acompanhantes – resulta já uma especial censurabilidade ou perversidade do agente.

O que se conclui  é que a arguida chega ao local onde já havia uma discussão e agressões, que não era ela que transportava o taco consigo, que o retirou  a um dos intervenientes e que o brandiu para pôr fim a uma contenda, ou seja, a arguida não se muniu do taco em causa para agredir ninguém, retira-o e usa-o para  que, ao que parece deixassem de se agredir.

O meio é o taco, que ela não trazia consigo, que vê embrulhado em roupa do companheiro da sua filha  e que retira ao mesmo para depois o usar indiscriminadamente e de forma desastrada. Não resulta do seu actuar uma especial censurabilidade ou perversidade. A sua forma de actuar não é dirigida nem preparada, tem lugar no meio de uma  discussão e nitidamente não é calculada. No mesmo sentido Ac.TRL de 27-10-1999 no proc. 0025173.

Não existe especial  censurabilidade na actuação da recorrente pelo que caímos nas ofensas corporais simples sobre as quais existia já desistências de queixa dos ofendidos que não foram homologadas.

Nestes termos e sem mais delongas, não se verificando a existência de especial censurabilidade, face às desistências, homologam-se as mesmas que se julgam válidas e ordena-se o consequente arquivamento dos autos dando-se provimento ao recurso apresentado por razões diferentes das pretendidas.

DN Sem custas.



Lisboa, 13.12. 2017



Adelina Barradas de Oliveira
Jorge Raposo



[1]Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respectivamente, nos BMJ 451° - 279 e 453° - 338, e  na Col Acs. do STJ, Ano VII, Tomo 1, pág. 247 o Ac do STJ de 3/2/99 (in BMJ nº 484, pág. 271);  o Ac do STJ de 25/6/98 (in BMJ nº 478, pág. 242); o Ac do STJ de 13/5/98 (in BMJ nº 477, pág. 263);
SIMAS SANTOS/LEAL HENRIQUES, in Recursos em Processo Penal, p. 48; SILVA, GERMANO MARQUES DA 2ª edição, 2000 Curso de Processo Penal”, vol. III, p. 335;
RODRIGUES, JOSÉ NARCISO DA CUNHA, (1988), p. 387 “Recursos”, Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de  Processo Penal”, p. 387 DOS REIS, ALBERTO, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pp. 362-363.