Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
61/14.5TTFUN.L1-4
Relator: SÉRGIO ALMEIDA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
MARINHA MERCANTE
RETRIBUIÇÃO
SUBSÍDIO DE REFEIÇÃO
PRESTAÇÃO EM ESPÉCIE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/29/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: I. O subsídio de refeição e o valor das refeições a que um marítimo – contramestre e 1º marinheiro da marinha mercante – tem direito constituem retribuição para efeito de ressarcimento de acidente de trabalho, nos termos do art.º 71 da Lei dos Acidentes de Trabalho, independentemente da fonte da qual resulta a obrigação da empregadora.
II. Estando fixado no Acordo de Empresa um quantitativo a pagar quando não são fornecidas refeições a bordo, é este o valor das prestações em espécie.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa
RELATÓRIO
Sinistrado (adiante, por comodidade, designado abreviadamente por A.): AAA
Responsáveis (adiante designadas por RR.): BBB LDA.; e
CCC, S.A.
O A. demandou as RR. na presente ação especial emergente de acidente de trabalho alegando que trabalha por conta da Ré entidade patronal e que no dia 3 de fevereiro de 2013 foi vítima de acidente de trabalho. Descreve o acidente, lesões e sequelas sofridas, bem como os períodos de incapacidade temporária. Enuncia os valores auferidos, cujos valores a entidade patronal não assumiu em sede de tentativa de conciliação. Entende que deve ser considerado o valor de 8.203,80€ a título de subsídio de alimentação, uma vez que recai sobre a entidade patronal o dever de garantir a alimentação de todos os seus trabalhadores, sendo certo que se o navio estiver no porto de armamento e não estiver ao serviço o tripulante tal retribuição não é paga em género e estes valores nunca constaram do seu recibo de vencimento. E que lhe deve ser anualmente atribuída a quantia de 7.200€ a título de prestação suplementar pela necessidade permanente de terceira pessoa, visto que não pode por si prover à satisfação das suas necessidades básicas diárias.
Com esses fundamentos pede a condenação das Rés no pagamento de uma pensão anual e vitalícia no montante global de 18.270,23 €, sendo 12.888,70 € pela Ré Seguradora e 5.381,53 € pela 1.ª Ré a título de subsídio de alimentação cuja responsabilidade de pagamento é sua por não ter transferido tal quantia para a 2.ª Ré. A 2.ª Ré deve a garantir a dependência de adaptação de domicílio, ajudas medicamentosas, ajudas técnicas (sondas, vesicais, cadeiras de rodas) e acompanhamento médico regular (neurocirurgia, fisiatria, urologia e psiquiatria) e condenada a pagar o montante de 20€ devido a título de despesas de deslocação ao tribunal, bem como a pagar-lhe quantia de 7210 € pela segunda Ré a titulo de prestação suplementar para ajuda de terceiro nos termos dos normativos supra citados. A 2.ª Ré de verá pagar ao A. 1785,51 € e a 1.ª Ré a 535 € a título de indemnizações devidas por incapacidade temporária por si sofridas e na medida da sua responsabilidade, bem como condenar a 2.ª Ré no pagamento da quantia resultante do disposto no artigo 23.º da LAT, a título de subsídio de elevada incapacidade permanente.
A Ré empregadora contestou enunciando os termos do sinistro, relação de trabalho e transferência da responsabilidade a título de seguro. Quanto à natureza da alimentação fornecida ao A. entende que esta não constitui retribuição. Acresce que a obrigação de facultar retribuição advém do Acordo de Empresa (AE), a qual é fornecida pelo navio, que dispõe de refeitório. Assim, não é prestação enquanto contrapartida ou correspetivo da atividade prestada pelos tripulantes, mas assegura a prestação do trabalho atenta a circunstância de os mesmos desenvolverem a sua atividade a bordo de um navio. A retribuição mensal compreende nos termos do AE a retribuição base e as diuturnidades. Não configurando retribuição, a Ré não se encontrava obrigada a proceder à sua transferência para a seguradora. E quanto ao seu valor não pode ascender aos 33,40€ diários peticionados, porque a alimentação é fornecida e à luz do disposto no artigo 259º, n.º 1, do CT não pode ser superior ao corrente na região (enuncia os valores pagos para a hotelaria). E uma vez que o porto do navio é o Funchal e passa a maioria do tempo em viagem ou atracado no porto da ilha do Porto Santo não pode considerar-se o disposto no art.º 25º, do AE. Pede a final a condenação da Ré seguradora como única responsável pelo pagamento da pensão que vier a ser fixada ao sinistrado.
Também a Ré seguradora contestou, confirmando a sua responsabilidade parcial, no valor anual de apenas 19.358,22 €, só podendo ser condenada na medida da responsabilidade transferida. Impugna o restante por desconhecimento. Não reconhece a prestação suplementar pela necessidade de assistência de terceiro uma vez que não se apurou, na perícia, tal necessidade. Desconhece quais as carências concretas do A. A sua residência já foi reabilitada e adaptada à atual situação clínica, o que certamente terá contribuído para uma maior independência e autonomia na sua vida diária. Entende que esta prestação se dirige a casos de dependência absoluta; pede a realização de junta médica com vista a apurar a efetiva necessidade de assistência e em que termos. Conclui peticionando que a ação seja julgada parcialmente improcedente, absolvendo-se parcialmente a 2ª Ré dos pedidos contra si formulados.
Foi proferido despacho saneador e determinada a abertura do Apenso para a fixação da incapacidade, que constitui o Apenso A.
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Proferido despacho saneador, com seleção da matéria de facto e elaboração da BI, e organizado apenso para fixação da incapacidade, no âmbito do qual foi realizada junta médica, e proferida decisão a fixar a IPP do A. em 82,90% com IPATH, desde 29.5.14, foi realizada audiência de julgamento, tendo o Tribunal proferido a final sentença em que decidiu:
a) Fixar ao sinistrado a incapacidade temporária absoluta, por 480 dias;
b) Condenar, em consequência, a Ré seguradora CCC, S. A. a pagar ao sinistrado AAA a indemnização por esta no valor de 18.125,13€ (dezoito mil e cento e vinte e cinco euros e treze cêntimos) e a Ré entidade patronal BBB, Lda., a pagar ao sinistrado a indemnização por esta no valor de 7.431,99€ (sete mil e quatrocentos e trinta e um euros e noventa e nove cêntimos);
c) Fixar ao sinistrado AAA a incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual de 82,90%, desde 29 de maio de 2014;
d) Condenar, em consequência, as Rés a pagar ao sinistrado a pensão anual e vitalícia de 18.173,56 €, sendo da responsabilidade da Ré seguradora o pagamento do valor 12.888,70 € (doze mil e oitocentos e oitenta e oito euros e setenta cêntimos) e a Ré entidade patronal do valor de 5.284,85 € (cinco mil e duzentos e oitenta e quatro euros e oitenta e cinco cêntimos), em prestações de 1/14, sendo pagos os subsídios de férias e de Natal, no valor de 1/14 da pensão, em maio e novembro;
e) Fixar ao sinistrado um subsídio por elevada incapacidade permanente no valor de 5.030,64€ (cinco mil e trinta euros e sessenta e quatro cêntimos), em que a Ré seguradora vai condenada a pagar ao sinistrado;
f) Fixar ao sinistrado uma prestação suplementar para assistência de terceira pessoa, por um período não inferior às 6 horas diárias, de 75% do valor do IAS, o qual à data da alta era de 419,22€, sendo 75% deste o valor de 314,42€ (trezentos e catorze euros e quarenta e dois cêntimos), desde a data da alta, em que a Ré seguradora vai condenada a pagar, mensalmente, catorze vezes por ano e atualizável, anualmente;
g) Condenar a Ré seguradora a garantir a adaptação de domicílio do sinistrado e a suportar as ajudas medicamentosas, ajudas técnicas (sondas vesicais, cadeira de rodas) e acompanhamento médico regular (neurocirurgia, fisiatria, urologia e psiquiatria) ao sinistrado, a definir pelo médico assistente, bem como nos 20€ referentes a deslocação.
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Inconformada, a R. BBB recorreu, concluindo:
(…)
Impetra afinal a sua absolvição.
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Contra-alegou o A., pedindo a improcedência do recurso, não formulando conclusões.
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O MºPº teve vista, defendendo a confirmação da sentença.
As partes não responderam ao parecer.
Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
Cumpre apreciar neste recurso – considerando que o seu objeto é definido pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e exceptuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras, art.º 635/4, 639/1 e 2, e 663, todos do Novo Código de Processo Civil – se a decisão de facto merece censura e se constitui retribuição e de que montante as refeições/subsídios a que o trabalhador tinha direito.
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O Tribunal a quo deu por assentes os seguintes factos:
1. No dia 3.02.2013, pelas 18h45, em Las Palmas, Ilhas Canárias, Espanha, quando o Autor trabalhava sob orientação e direção da BBB, exercendo as funções de contramestre e primeiro marinheiro da marinha mercante, ocorreu um acidente que consistiu no seguinte: queda de cerca de 7-8 metros, tendo sofrido traumatismo da coluna dorso-lombar.
2. Em consequência do acidente o Autor sofreu as lesões descritas no relatório pericial do exame médico-legal.
3. O perito médico fixou ao sinistrado as seguintes incapacidades temporárias: ITA desde 4.02.2013 até 29.05.2014, fixável num período de 480 dias.
4. No auto de tentativa de conciliação, o Autor concordou com as ITP que lhe foram fixadas e com a IPP de 82,9000% que lhe foi atribuída pelo perito médico-legal do GML do Funchal com IPATH.
5. Concordou com as ITP que lhe foram fixadas.
6. A Ré seguradora reconheceu o acidente descrito nos autos, bem como a sua qualificação como acidente de trabalho.
7. Aceitou as lesões supra referidas, bem como o nexo de causalidade entre tal acidente e as lesões diretamente sofridas pelo sinistrado.
8. Concordou com as ITP que foram fixadas ao sinistrado.
9. Concordou com a IPP de 82,9000% que foi atribuída ao sinistrado pelo perito médico do GML do Funchal, com IPATH.
10. Aceitou apenas que a responsabilidade por acidentes de trabalho em relação ao sinistrado nos autos estava para si transferência com referência ao montante da retribuição anual de € 19.358,22 (€ 777,33 x 14 + € 706,30 x 12).
11. Aceitou a dependência de adaptação de domicílio, ajudas medicamentosas, ajudas técnicas (sondas vesicais, cadeira de rodas) e acompanhamento médico regular (neurocirurgia, fisiatria, urologia e psiquiatria).
12. Reconheceu ser devedora da quantia de € 1.785,51, a título de indemnizações devidas por incapacidade temporária por si sofrida.
13. Reconheceu ser devedora da quantia de € 20,00, a título de despesas de deslocação a este tribunal.
14. A Ré BBB reconheceu o acidente descrito nos autos e a sua qualificação como acidente de trabalho.
15. Aceitou as lesões supra referidas, bem como o nexo de causalidade entre tal acidente e as lesões directamente sofridas pelo sinistrado.
16. Concordou com as ITP que foram fixadas ao sinistrado.
17. Declarou que não tinha conhecimento para se pronunciar quanto à IPP de 82,90000 % que foi atribuída ao sinistrado pelo perito médico do GML do Funchal com IPATH.
18. Entre a Ré BBB e a Ré CCC, S.A. foi celebrado um contrato de seguro do ramo Acidentes de Trabalho para os trabalhadores por conta de outrem, conforme apólice nº 0003145613.
19. Pelo referido contrato de seguro transferiu a sua responsabilidade infortunística relativamente ao trabalhador, ora A. pela retribuição anual de € 19.358,22, ao que corresponde a retribuição base de € 777,33 x 14 e outras remunerações no montante de € 706,30 x 12.
20. O Autor veio a ter alta no dia 29.05.2014.
21. O Autor tem um filho de nome (…) nascido em 8.01.2002.
22. O Autor nasceu em 22.06.1973.
23. A Ré seguradora diligenciou pela remodelação e adaptação da habitação do Autor, conforme por este requerida, suportando os inerentes custos.
24. Pese embora a adaptação da sua habitação, o Autor dado o seu estado precisa de alguém que o ajude nas transferências da e para a cadeira de rodas.
25. De igual forma o Autor necessita de ajuda para tomar banho ou cozinhar quando está sozinho para si ou para o seu filho.
26. O Autor para ir às várias consultas de acompanhamento médico necessita de ajuda para sair de casa, na transferência da cadeira de rodas para a viatura automóvel.
27. A esposa do A. encontra-se empregada.
28. A esposa do Autor vai buscar e levar o filho todos os dias à escola.
29. Sem que possam contar com a ajuda dos avós que vivem afastados da residência destes e da escola.
30. O Autor necessita de alguém que durante o horário de trabalho da sua esposa (das 09h às 19h de segunda a sexta-feira e das 09h às 13h no sábado) o auxilie nos atos relativos à sua alimentação e higiene pessoal.
31. A Ré BBB fornecia ao Autor como tripulante (…) alimentação, dispondo para o efeito este barco de um refeitório onde eram servidas 4 refeições diárias, a saber o pequeno-almoço, o almoço, o jantar e a ceia.
32. O porto de armamento do “(…)” é o Porto do Funchal.
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Da matéria de facto
A R. impugna a resposta à matéria de facto querendo, com isso, mostrar que aquilo que o A. percebia em sede de refeição/subsídio não tinha natureza retributiva.
Vejamos.
Dispõe o art.º 258 do Código do Trabalho, sob a epigrafe “Princípios gerais sobre a retribuição” que
“1 - Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho.
2 - A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie.
3 - Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
4 - À prestação qualificada como retribuição é aplicável o correspondente regime de garantias previsto neste Código”.

Daqui resultam os elementos fundamentais da noção de retribuição.
Escrevendo no âmbito da LCT (art.º 82) Mário Pinto, Pedro Furtado Martins e António Nunes de Carvalho, in Comentário às Leis do Trabalho, vol I, ed. Lex, 1994, 247, apontavam-lhe as seguintes características:
a) prestação patrimonial;
b) regular e periódica;
c) devida pelo empregador ao trabalhador;
d) como contrapartida da atividade por este prestada.
Os elementos essenciais que se surpreendem na noção de retribuição são:
a) a contrapartida da atividade do trabalhador – cfr. art.º 258/1 do CT - faltando o sinalagma da atividade, o empregador em regra não tem de a prestar – vg períodos de faltas, greves e suspensão do contrato;
b) periódica (art.º 258/2 CT);
c) eminentemente de caráter pecuniário (art.º 258/2 e 259). Podem ter uma componente em espécie, que não excede a parte em dinheiro (art.º 259/2).
Há, por outro lado, prestações que não fazem parte do conceito de retribuição (veja-se o Ac. do TRL de 19-11-2008 – disponível, como todos citados sem menção da fonte, em www.dgsi.pt: “I- São elementos essenciais do conceito de retribuição, que se retiram do art.º 249º do CT e seguintes (que corresponde, com poucas alterações, ao que constava do art.º 82º e seguintes da LCT), a obrigatoriedade das prestações, a sua regularidade e periodicidade e a correspetividade ou contrapartida entre as prestações do empregador e a situação de disponibilidade do trabalhador. I- Todos estes elementos são de verificação cumulativa, pelo que a falta de um deles descaracteriza a prestação como retributiva. (…) VI- Tanto na vigência da LCT como na do Código do Trabalho há que recorrer às disposições convencionais coletivas que criam certas prestações para analisar o respetivo regime e se ver se as mesmas integram ou não a base de cálculo de certas prestações o conceito de retribuição”).
Com efeito, nada impede o empregador de efetuar transferências a favor dos trabalhadores sponte sua, sem obrigação, seja por entender ser um ato de justiça, seja como forma de motivação ou por outra razão qualquer (ou até sem razão alguma). Será o caso de gratificações, prémios não acordados por bons resultados da empresa, prestações relacionadas com o mérito profissional e assiduidade do trabalhador, e até formas de participação nos lucros, como planos de aquisição de ações. São meras liberalidades (cfr. art.º 260/1).
Existem, outrossim, pagamentos efetuados por terceiros (vg. gorjetas de clientes) e remunerações não relacionadas com a contrapartida da prestação da atividade e que também ficam excluídas desta noção de retribuição.
Mas ficam excluídas, em regra, também, as transferências destinadas a pagar encargos que o trabalhador suporta – ou é de esperar que suporte – pelo mero facto de trabalhar, como ajudas de custo, despesas de transporte, abonos de instalação, abonos de falhas, abonos de viagem e subsídios de refeição (art.º 260/1/a e 2). Na verdade, se tomarmos este ultimo por exemplo, verificamos que o trabalhador paga, em princípio, mais por ter de comer fora de casa do que pagaria se adquirisse e confecionasse os seus alimentos; justifica-se, pois, que a diferença seja suportada pelo empregador, mas já não que este pague tal prestação no chamado 13º mês.
Mas ainda há determinadas transferências que não compõem a retribuição em sentido próprio, não obstante terem um elemento remunerador; são aquelas que visam compensar uma certa situação de esforço, penosidade ou risco acrescido, uma situação especial, que não tem de se verificar sempre (a situação) e que só se justifica (a transferência) enquanto a dita situação se mantém (neste sentido veja-se os Ac. do TRP de 14/04/2008: “O princípio da irredutibilidade da retribuição, contido no art.º 122º al. d) do Código do Trabalho, respeita tão só à retribuição estrita, não incluindo as parcelas correspondentes a maior esforço ou penosidade do trabalho ou a situações de desempenho específicas (como é o caso da isenção do horário de trabalho), ou a maior trabalho (como ocorre quando se verifica a prestação de trabalho suplementar), ou à prestação de trabalho em condições mais onerosas, em quantidade ou esforço (caso do trabalho por turnos), o mesmo sucedendo com as prestações decorrentes de factos relacionados com a assiduidade do trabalhador, cujo pagamento não esteja antecipadamente garantido”; e do Supremo Tribunal de Justiça de 25/09/2002: “I - O subsídio de exclusividade apenas é devido enquanto persistir a situação que lhe serve de fundamento, não implicando violação do princípio da irredutibilidade da retribuição o não pagamento daquele subsídio na sequência de válida determinação da entidade patronal no sentido de cessação da prestação de trabalho em regime de exclusividade. (…) III - Determinada pela entidade patronal a cessação desse regime, deixou de ser devido, para o futuro, o correspondente subsídio, sem que tal represente violação do princípio da irredutibilidade da retribuição”).
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Estaremos perante retribuição ainda que duas pessoas que auferem o mesmo montante tenham uma rentabilidade diversa, suportando aqui o empregador o correspondente risco (não havendo, pois, uma correspetividade precisa entre a atividade prestada e o seu pagamento).
E ainda que nas férias o trabalhador, logicamente, nada efetue, estamos perante valores retributivos, radicando a explicação na forma faseada do seu pagamento (tal como acontece com o subsídio de natal) – art.º 254 e 255. Quer dizer, ele já trabalhou para auferir aqueles valores, ainda que só os venha a perceber nas férias e no natal.
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Contudo, deve notar-se o caráter não unívoco do conceito legal de retribuição: além de uma noção mais geral (que se identifica com a retribuição base e diuturnidades), que corresponde aquela que temos vindo a referir, existem outras especiais. Quer dizer, para a lei não existe uma única noção de retribuição mas várias, sendo preciso surpreender, por via interpretativa, qual o sentido em causa.
O conceito especial porventura mais conhecido é o que resulta das normas relativas aos acidentes de trabalho: tudo o que a lei considere seu elemento integrante e ainda todas as prestações que revistam caráter de regularidade e não se destinem meramente a compensar custos aleatórios (cfr. art.º 71 da LAT, Lei dos Acidentes de Trabalho, Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro). Ou seja, em regra todas as prestações que o sinistrado habitualmente receba (conceito amplíssimo).
Dispõe este art.º 71.º, sob a epígrafe “Cálculo”, nos n.º 1, 2, 3, 4:
1 - A indemnização por incapacidade temporária e a pensão por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente.
2 - Entende-se por retribuição mensal todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
3 - Entende-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade.
4 - Se a retribuição correspondente ao dia do acidente for diferente da retribuição normal, esta é calculada pela média dos dias de trabalho e a respectiva retribuição auferida pelo sinistrado no período de um ano anterior ao acidente.
5 a 11 – (….)”
Releva aqui especialmente o n.º 2: para efeito de ressarcimento de acidentes de trabalho fazem parte da retribuição “todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios” (sublinhado nosso).
Constituem retribuição, as quantias, valores ou bens percebidos com regularidade e que não se destinem a compensar meros custos aleatórios do trabalhador.
Portanto, está fora de dúvidas que o subsídio de refeição, que no conceito comum do Código do Trabalho não constitui retribuição, mas uma simples compensação destinada a prover o trabalhador dos meios necessários a suportar encargos suplementares que não teria se não trabalhasse – já que em casa confecionaria, previsivelmente, os seus alimentos, apenas fazendo frente aos gastos com a sua aquisição e confeção (vg. gás) -, para efeitos de ressarcimento dos prejuízos decorrentes do acidente de trabalho já se enquadra na noção de retribuição. Neste sentido, por todos, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça (ac. de 31.10.2018), que”
I. Conforme resulta do nº 2 do artigo 71º da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, constitui retribuição, para efeito de acidentes de trabalho, «todas as prestações recebidas pelo sinistrado com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios».
II. Um subsídio de prevenção que visava compensar o constrangimento pessoal decorrente de o trabalhador ter que estar facilmente contactável e disponível para interromper o seu período de descanso e ir prestar trabalho, se necessário, e que é pago apenas nos meses em que o trabalhador está de prevenção, mesmo que pago apenas durante 7 meses no ano anterior ao sinistro, deve ser incluído na retribuição relevante para a reparação das consequências do acidente, nos termos do número anterior.
III. A reparação das consequências dos acidentes de trabalho resulta de imperativos de ordem pública inerentes ao estado de direito social (…)”.
E se for pago em espécie?
A R. empregadora levanta esta questão, mas sem razão. A retribuição pode ser paga em dinheiro ou (dentro dos parâmetros legais) em espécie (art.º 259 e 261, Código do Trabalho). Se o for em espécie – e prestações há que são, por natureza, satisfeitas em espécie, como o uso de determinados bens do empregador, vg. computador, telemóvel ou veículo, quando disponibilizados pela entidade patronal em circunstâncias que permitem o uso pessoal de quem os recebe – pelo trabalhador, importa encontrar o seu valor em dinheiro, que é o modo de medir o benefício patrimonial daí decorrente (neste sentido cfr. o ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 17.11.2016: “3 - Destinando-se a viatura fornecida pela entidade empregadora ao uso profissional e pessoal do trabalhador, o valor decorrente da utilização da viatura a considerar para efeitos de retribuição é o correspondente ao efetivo benefício patrimonial obtido pelo trabalhador com o uso pessoal e não o correspondente ao custo mensal suportado pelo empregador com o uso profissional e pessoal.)
Face ao exposto, necessariamente se tem de concluir que a argumentação da recorrente relativamente à origem de tais prestações alimentares – nomeadamente convenções internacionais laborais e relativas a marítimos – não colhe. A fonte das prestações é irrelevante: certo é que se trata de uma obrigação da R. e de um benefício a que o trabalhador tinha direito. Não é uma liberalidade da R., que não tem a faculdade de suspender ou revogar tais pagamentos. E assim sendo, e tanto mais que até se presume que qualquer pagamento efetuado pelo empregador é retributivo (art.º 258/) pouco importa a fonte, seja o contrato individual de trabalho, IRCT, usos ou outra.
Mas vejamos mais em pormenor.
Argumentou a sentença (pontos de relevo para o acórdão):

“Na Ré entidade patronal rege um Acordo de Empresa e à data do sinistro encontrava-se em vigor o Acordo de Empresa celebrado entre a Ré e a FESMAR, publicado no BTE n.º 23, de 22.06.2010, com as alterações salariais e outras, publicadas no BTE n.º 16, de 29.04.2012.
O sinistro ocorreu a 03.02.2013, sendo que o Acordo de Empresa citado pela Ré na contestação foi publicado posteriormente, em 29.05.2013 (BTE n.º 20).
Com relevo dispõe o Acordo de Empresa aplicável, na sua cláusula 25ª, que “a alimentação em viagem é igual para todos os tripulantes e é fornecida pelo navio em conformidade com as disposições legais em vigor” e “estando o navio em porto de armamento, ao tripulante em serviço o armador deve fornecer a alimentação ou pagar a ração em dinheiro no valor de: Pequeno-almoço – € 3,40; Almoço - € 13; Jantar - € 13; Ceia - € 3,40”.
E o porto do Funchal é o porto de armamento do navio em questão (facto provado 32.).
No caso, o Autor, enquanto trabalhador da Ré, tem o direito a tomar as refeições no navio e a Ré a obrigação de as fornecer, o que se traduz numa verdadeira prestação em espécie, cuja natureza remuneratória, se presume, conforme artigos 258º, n.º 2, do CT, 71º, n.º 2, da Lei 98/2009 e 350º, do CC.
E, apesar de o Acordo de Empresa prever a satisfação desta obrigação em espécie, claro está atenta a natureza da atividade, o certo é que prevê também de forma expressa o seu valor em dinheiro, o que significa que está em causa uma obrigação de natureza pecuniária.
Assim, aliás vem entendendo a nossa jurisprudência, que “o fornecimento de refeição por parte de uma entidade patronal (nos termos constantes do seu Manual de Acolhimento e Normas de Regulamento de Serviço) constitui retribuição, nos termos do disposto no artigo 26º, nº 3º da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro, para efeitos de cálculo da pensão devida” (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28.10.2009, www.dgsi.pt; no mesmo sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.10.1985, citado por Abílio Neto; - Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais Anotado, Ediforum, Lisboa, pág. 206).
Nos presentes autos resultou provado que o Autor aufere a retribuição anual de 19.358,22€, correspondente a 777,33€, de retribuição mensal, x 14 + 706,30€, de outras retribuições, x 12 (facto provado 10.).
Entente o sinistrado que ainda lhe é devido o valor correspondente ao subsídio de refeição, alegando que a entidade patronal garante a alimentação de todos os seus trabalhadores, sendo certo que se o navio estiver no porto de armamento e não estiver ao serviço o tripulante tal retribuição não é paga em género e estes valores nunca constaram do seu recibo de vencimento.
A este nível resultou provado que a Ré entidade patronal fornecia ao Autor, como tripulante do seu navio, alimentação, dispondo para o efeito de refeitório onde eram servidas 4 refeições diárias, a saber o pequeno-almoço, o almoço, o jantar e a ceia (facto provado 31.).
Resultou ainda demonstrado que o porto de armamento do navio é o do Funchal.
A Ré confirma o fornecimento das refeições, mas entende que esta não é prestação enquanto contrapartida ou correspetivo da atividade prestada. O fornecimento decorre do Acordo de Empresa da Ré e este não configura retribuição.
Perante a matéria de facto dada como provada e em face do entendimento supra plasmado, impõe-se concluir que as refeições fornecidas pela Ré e recebidas pelo Autor assumem sim natureza retributiva.
Na verdade, a mesma decorre do próprio Acordo de Empresa, associado à natureza da atividade, tendo a Ré entidade patronal ficado vinculada a efetuar essa prestação, com carácter de obrigatoriedade, o que aliás faz.

A R. argumenta que estas verbas não têm natureza retributiva.
A discussão acima exarada não deixa dúvidas que assim não é: para efeito de ressarcimento de acidentes de trabalho, atento o disposto no art.º 71/2 da Lei dos Acidentes de Trabalho.
Nem cabe discutir o conceito retributivo do Acordo de Empresa ou de qualquer outra fonte: o ressarcimento dos acidentes de trabalho, como afirma o mais alto Tribunal no supra citado ac. de 31.10.2018, radica em fundamentos de ordem pública, e a sua imperatividade parte da própria Constituição da Republica Portuguesa, cujo art.º 59/1/f impõe “a assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional”. E porque é que não cabe? Porque, evidentemente, atento o exposto não pode prevalecer outra noção de retribuição que redunde em prejuízo do sinistrado sobre a noção da LAT.
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Se esta primeira questão consiste em saber se as quantias e bens que constituem a prestação de alimentos constitui retribuição para efeitos de ressarcimento do dano decorrente do acidente de trabalho tem de ter resposta necessariamente positiva, como se viu, uma segunda questão consiste em apurar o valor do correspondente benefício.
Invoca-se a citada cláusula 25 do AE, que dispõe que “a alimentação em viagem é igual para todos os tripulantes e é fornecida pelo navio em conformidade com as disposições legais em vigor” e “estando o navio em porto de armamento, ao tripulante em serviço o armador deve fornecer a alimentação ou pagar a ração em dinheiro no valor de: Pequeno-almoço – € 3,40; Almoço - € 13; Jantar - € 13; Ceia - € 3,40”.
É com fundamento nestes valores que a sentença recorrida fixou o benefício, somando os valores em causa.
Insurge-se a empregadora, afirmando que nem ela tem tamanhos custos, nem o trabalhador demonstrou que a maior parte do tempo não pode tomar as refeições a bordo; e que também não demonstrou quantos dias trabalhou e o respetivo horário de trabalho.
Os dois primeiros argumentos são necessariamente irrelevantes: o que a LAT manda que seja considerada é a retribuição que o sinistrado aufere, e não os custos suportados pelo empregador. No limite, este pode nem ter quaisquer custos a esse título (imagine-se uma empresa que obtenha uma subvenção regional ou comunitária para combater os custos da insularidade, de valor equivalente ao subsidio de refeição e às refeições dos respetivos trabalhadores), e ainda assim teria de suportar o correspondente valor em sede de indemnização por infortúnio laboral, ex vi art.º 71/2, da Lei dos Acidentes de Trabalho. Quanto ao facto de poder ou não tomar as refeições a bordo, é o próprio AE que estipula que o valor da alimentação, quando não fornecida em espécie, é de “Pequeno-almoço – € 3,40; Almoço - € 13; Jantar - € 13; Ceia - € 3,40”. Ou seja, tem necessariamente de se ter por avaliado, pelo AE, como valor das refeições, o referido acima (e segundo a R., que se revolta por não ter sido considerado tal como provado, o Lobo Marinho passa a maior parte do tempo em viagem ou atracado, o que significa que, mesmo na sua perspetiva, a regra é haver lugar ao fornecimento de refeições no navio).
E quanto aos horários e aos dias de trabalho efetivo?
A R. suscita a questão atendendo ao disposto na parte final do n.º 3 da citada cláusula 25 (cujo teor integral refere
Alimentação
1- A alimentação em viagem é igual para todos os tripulantes e é fornecida pelo navio em conformidade com as disposições legais em vigor.
2- É retribuído como suplementar o trabalho prestado durante as horas de refeição previamente fixadas. Sempre que, por razões imperativas de serviço, as refeições não possam ser tomadas no período fixado para tal, obriga-se o armador a fornecer a refeição à hora mais próxima possível daquele período.
3- Estando o navio em porto de armamento, ao tripulante em serviço o armador deve fornecer a alimentação ou pagar a ração em dinheiro no valor de: Pequeno - almoço - 3,50 €; Almoço - 13,20 €; Jantar - 13,20 €; Ceia - 3,50 €.
a) Os tripulantes que iniciem o trabalho às 8 horas não têm direito ao pagamento previsto para o pequeno-almoço;
b) Os tripulantes que iniciem o trabalho às 12 horas não têm direito ao pagamento previsto para o almoço;
c) Os tripulantes que iniciem o trabalho às 19 horas não têm direito ao pagamento previsto para o jantar.
d) Os tripulantes que iniciem o trabalho às 0 horas não têm direito ao pagamento previsto para a ceia 
Vejamos.
O A. desempenhava funções de contramestre e primeiro marinheiro da marinha mercante
(sendo que, de acordo com o citado AE [a versão de 2012, vigente, não oferecia divergências em tudo isto, cfr. BTE 2012/16, pag. 1419-1420],
“contramestre - É a função desempenhada por um profissional detentor de categoria com idêntica designação caracterizada por, em coordenação da marinhagem de convés: a) Executar as tarefas inerentes à manobra do navio; b) Participar nas operações de carga e descarga e na preparação dos espaços reservados à carga como requerido pelo tipo de navio e da carga movimentada; c) Operar com o aparelho de carga em todas as manobras em que a sua utilização se justifique; d) Conservar e movimentar os sobressalentes e artigos de consumo existentes nos paióis à sua guarda de acordo com o esquema de funcionamento dos mesmos; e) Rececionar e conferir os materiais. f) Executar limpezas e trabalhos de manutenção e reparação inerentes ao serviço de convés; g) Executar as tarefas inerentes ao abastecimento e controlo do consumo de água doce para os serviços gerais e lastro; h) E, quando integrado no serviço de quartos do convés, na qualidade de marítimo da mestrança habilitado para este serviço (nos termos da Convenção Internacional sobre Normas de Formação, de Certificação e de Serviço de Quartos para os Marítimos, de 1978, com as emendas de 1995), desempenhar as tarefas inerentes e como determinado pelo chefe de quarto”; e marinheiro de 1.ª classe - É a função desempenhada por um profissional detentor de categoria com idêntica designação, caracterizada por: a) Como auxiliar do oficial de convés chefe de quarto, desempenhar as tarefas inerentes; b) Executar as tarefas de manutenção inerentes ao convés para as quais tem os conhecimentos adequados; c) Participar nas operações de carga e descarga e na preparação dos espaços reservados à carga como requerido pelo tipo de navio e da carga movimentada; d) Executar as tarefas inerentes à manobra do navio; e) Operar, quando necessário, com o aparelho de carga em todas as manobras em que a sua utilização se justifique; f) Executar trabalhos de marinharia e arte de marinheiro e as demais tarefas inerentes ao serviço de convés).

De harmonia com o mesmo IRCT,
“Cláusula 11.ª
Período normal de trabalho
1- Para os tripulantes do Enquadramento Profissional de Navegação, o período normal de trabalho é de quarenta horas semanais, distribuído por oito horas diárias a prestar de segunda-feira a sexta-feira, sem prejuízo do disposto nos números 1 e 2 da cláusula 30.ª, nos seguintes termos:
a) O horário de trabalho é o definido na lei, sendo os serviços ininterruptos prestados em quartos de 4 (quatro) horas.
b) Os serviços intermitentes serão prestados entre as 6 (seis) e as 24 (vinte e quatro) horas, divididos por 2 (dois) períodos de trabalho.
c) Em qualquer caso, deverá haver um período de descanso diário mínimo de 8 (oito) horas consecutivas.
2…
3…”
Dispõe, por seu lado, a clausula 30, n.º 1 a 3, que 
“1- Por cada mês de embarque, os tripulantes do enquadramento navegação adquirem direito a 15 dias consecutivos de descanso em terra, com dispensa absoluta de prestação de trabalho.
2- Este período de descanso compreende, por um lado, as férias anuais e, por outro lado, um período complementar de compensação por sábados, domingos e feriados passados a bordo.
3- Os períodos de descanso em terra, até ao limite proporcional de 60 dias em cada ano civil, não podem ser remidos a dinheiro, podendo sê-lo, na parte em que excedam tal limite, por acordo entre armador e tripulante.
4 a 13 … -“
A cláusula 11 sugere um período normal de trabalho de 8 horas/dia.
No entanto, é certo que o (…) está frequentemente fora do Funchal e que – e isto é facto notório – quando se desloca para o Porto Santo fá-lo de manhã e só vem pela tarde, o que acarreta um período de trabalho bem superior a 8 horas/dia.
Aliás, os limites que a cláusula 11 prevê são alheios ao pessoal da marinha (cfr. n.º 3: “Os limites das horas de trabalho e de descanso aplicáveis aos tripulantes do enquadramento profissional hotelaria são os seguintes”) – cfr. resulta do 2º quadro do anexo I.
Face ao exposto, conclui-se que o limite de 8 horas não impedia o A. de prestar, por força dos horários do navio, jornadas de duração superior a 8 horas.
Neste ponto impunha-se que a R. empregadora alegasse e provasse a realização de pagamentos/prestações em espécie em jornadas limitadas (até porque se presume, como se viu, a natureza retributiva de qualquer pagamento), o que, aliás, não lhe levantaria, que se veja, dificuldades.
Destarte, aceita-se a lógica da sentença, que se afigura razoável e conforme ao Direito.
Retifica-se, apenas, que a conta efetuada deverá excluir 60 dias, e não apenas 30 (rectius, 22 dias úteis por ano completo). Ou seja: 22 x 10 x 32,80 €, mais o proporcional de 115 dias.
Tendo em atenção os valores apurados, o sinistrado tem direito à indemnização de 7.366,02 € devida pela empregadora (correspondente à al. b da decisão recorrida), e à pensão anual e vitalícia de 18.125,13 €, sendo da responsabilidade da Ré seguradora o pagamento do valor 12.888,70 € e a Ré entidade patronal do valor de 5.145,15€, em prestações de 1/14, sendo pagos os subsídios de férias e de Natal, no valor de 1/14 da pensão, em maio e novembro (al. d. da sentença).
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Regressando à matéria de facto.
Atento o exposto, é certo que a pretendida revisão da decisão de facto é irrelevante, não acarretando alterações à decisão de direito.
Sendo assim, porém, não há lugar ao seu conhecimento, já que tal traduziria um ato inútil e, como tal, proibido por lei (art.º 130 CPC).
Decide-se, pois, não conhecer do recurso da decisão de facto.
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DECISÃO

Pelo exposto, o Tribunal decide:
a) não conhecer, por irrelevante, o recurso da decisão da matéria de facto;
b) julgar o recurso parcialmente procedente e alterar as al. b) e d) da sentença recorrida nos seguintes termos:
“b) Condenar, em consequência, a Ré seguradora CCC, S. A. a pagar ao sinistrado AAA a indemnização no valor de 18.125,13€ (dezoito mil e cento e vinte e cinco euros e treze cêntimos) e a Ré entidade patronal BBB Lda., a pagar ao sinistrado a indemnização no valor de 7.366,02 € (sete mil trezentos e sessenta e seis euros e dois cêntimos);
d) Condenar, em consequência, as Rés a pagar ao sinistrado a pensão anual e vitalícia de 18.033,85 €, sendo da responsabilidade da Ré seguradora o pagamento do valor 12.888,70 € (doze mil e oitocentos e oitenta e oito euros e setenta cêntimos) e a Ré entidade patronal do valor de 5.145,15 € (cinco mil cento e quarenta e cinco euros e quinze cêntimos), em prestações de 1/14, sendo pagos os subsídios de férias e de Natal, no valor de 1/14 da pensão, em maio e novembro;”
No mais mantém-se a douta sentença.
Custas do recurso pela empregadora e sinistrado na proporção do vencido.
Lisboa, 29 de maio de 2019

Sérgio Almeida
Francisca Mendes
Celina Nóbrega