Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3913/2003-2
Relator: SILVEIRA RAMOS
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
CONTRATO ADMINISTRATIVO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/09/2003
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA.
Sumário: I -Os embargos de executado, embora devam ser caracterizados como petição de acção declarativa e não contestação a acção executiva, são o meio de oposição idóneo à alegação de factos que, em processo declarativo, constituiriam matéria de excepção, fazendo o termo do respectivo prazo, precludir o direito de invocar tais factos no processo executivo.
II - O contrato de atribuição de ajuda pelo IFADAP, ao abrigo do Regulamento
( CEE ) 797/85 do Conselho e legislação complementar não é um contrato administrativo, mas de Direito Privado, apenas tendo de ser notificado o infractor ao aí disposto ( o beneficiário da ajuda, e não o seu fiador ) – art. 52,1 D.L. 81/91 de 19/2, em execução daquele Regulamento, bastando a interpelação judicial, operada pela citação ( art. 805 C.C. ).
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

Na execução com processo ordinário para pagamento de quantia certa que lhe moveu o IFADAP - Instituto de Financiamento e Apoio do Desenvolvimento da Agricultura e Pescas, veio J deduzir embargos de executado, porquanto ainda não foram cumpridos os formalismos legais que permitam a emissão da certidão de divida, que constitua titulo executivo ( art.º 54º nº1 e 2 D.L. 79-A/87 de 18/2), sendo aliás a certidão apresentada falsa, por, contra a verdade, certificar que o contrato celebrado em 17-4-1991, entre a beneficiária e o IFADAP continha um anexo, e ter havido incumprimento contratual pelo mesmo IFADAP, não tendo a beneficiária recebido deste, pelo menos, Esc: 795.000$00 dos pagamentos contratualmente previstos, e tendo o contrato sido objecto de aditamento em 28-4-1992, quando a fiança prestada pelo embargante era de 2-5-1991, extinguindo-se a obrigação principal afiançada ( artº 651º C.C.); invoca ainda o beneficio da prévia execução( art.º 638º C.C.) e divisão (art.º 649º nº 2 C.C.).
O que tudo o IFADAP impugnou na sua contestação, pedindo a improcedência dos embargos de executado.
Após o julgamento, com gravação da prova produzida em audiência, foi proferida a sentença de fls. 385 e segs. que apenas julgou os embargos procedentes quanto ao beneficio da divisão, e improcedentes no restante.
Inconformado com a sentença, dela interpôs recurso o embargante, formulando nas suas alegações ( fls. 462 e segs.) as seguintes conclusões:
(...)
O apelado contra - alegou ( fls. 510 e segs.) pugnando pela manutenção do julgado e pedindo a condenação do apelante como litigante de má fé.
II
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
As questões a apreciar são fundamentalmente as da validade e eficácia do título executivo invocado, do eventual abuso de direito do exequente - embargado e da má fé de embargante e embargado.
É nas conclusões das alegações do recorrente que se define o objecto do recurso - arts. 684º nº3 e 690º nº1 e 4 C.P.C..
Na sua conclusão 14ª o apelante afirma que " a douta sentença ignora a prova testemunhal produzida quanto à determinação do domicílio profissional para efeitos de notificação".
E no ponto 152. das suas alegações indicou testemunhas cujos depoimentos gravados conduziram a essa determinação.
Ora, seguindo o preceito do art.º 690ºA nº1 C.P.C.:
"Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida".
Não indica o apelante quais os pontos da matéria da facto que impliquem a requerida reapreciação da prova, nem tal se alcança da matéria da base instrutória ( fls. 132 e segs.) ou sequer das respostas à mesma ( fls. 309 e segs.).
Consequentemente, não se atende aquela impugnação da matéria de facto pelo que, não havendo ainda qualquer alteração a considerar na mesma, se remete, quanto a ela, para os termos da decisão da 1ª instância que a decidiu - art.º 713º nº6 C.P.C..
Segundo o preceito do art.º 489º C.P.C.:
" 1 - Toda a defesa deve ser deduzida na contestação , exceptuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado".
" 2 - Depois da contestação só podem ser deduzidas as excepções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente".
Para Lebre de Freitas( " A Acção Executiva", ed. 1993, pág. 163 e segs.), que caracteriza os embargos de executado como " petição duma acção declarativa e não contestação duma acção executiva", mesmo assim, " na medida em que os embargos de executado são o meio de oposição à execução idóneo à alegação dos factos que em processo declarativo constituiriam matéria de excepção, o termo do prazo para a sua dedução faz precludir o direito de os invocar no processo executivo, a exemplo do que acontece no processo declarativo".
Por outro lado, como refere Amâncio Ferreira, in "Manuel dos Recursos em Processo Civil" pág. 133 e 134:
..." vem a nossa jurisprudência repetidamente afirmando que os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre".
Contudo, o recurso de reponderação não vale em toda a sua pureza, nomeadamente, a nulidade da decisão recorrida, questões novas de conhecimento oficioso, o abuso de direito...
Segundo Teixeira de Sousa, in " Estudos sobre o Novo Processo Civil", ed. 1997, pág. 395:
" no direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento. Isto significa que, em regra, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes, na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados.
os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas."
Salvaguardam-se, porém, as matérias de conhecimento oficioso.
São, assim, extemporâneas as conclusões do apelante no que respeita à aí alegada prescrição ( art.º 303º C.C.).
Estipulava anteriormente o art.º 815º £ 2º do Código Administrativo:
" Consideram-se contratos administrativos unicamente os contratos de empreitada e concessão de obras públicas, os de concessão de serviços públicos e os de fornecimento continuo e de prestação de serviços, celebrados entre a Administração e os particulares para fins de imediata utilidade pública".
Outros contratos, em casos contados, vieram a ser qualificados expressamente na lei como contratos administrativos - Esteves de Oliveira, " Direito Administrativo", I, ed. 1980, págs.639 e 640
Para Marcelo Caetano, in " Manual do Direito Administrativo", 10ª ed., 1973, págs. 587 e 588:
..."é contrato administrativo no Direito Português, o contrato celebrado entre a Administração e outra pessoa, - com o objecto de associar esta por curto período, ao desempenho regular de alguma atribuição administrativa, mediante prestação de coisas ou de serviços, a retribuir pela forma estipulada, e ficando reservado aos tribunais administrativos o conhecimento das contestações, entre as partes, relativas à validade, interpretação e execução das suas clausulas".
Acrescentando Freitas do Amaral, in " Curso de Direito Administrativo", vol.I, ed. 1986, pág. 134:
..." quando se diz na definição apresentada que o Direito Administrativo é formado pelas normas que regulam as relações estabelecidas, entre a Administração e os particulares, no desempenho da actividade administrativa de gestão pública, quer-se excluir do âmbito do Direito Administrativo todas as actividades de gestão privada da Administração"...
Na definição de contrato administrativo de Sérvulo Correia, in " Dicionário jurídico da Administração Pública", vol. III, ed. 1990, pág. 54 e segs., será:
"Contrato celebrado entre a Administração e outra pessoa, com o objecto de associar esta, por certo período, ao desempenho regular de alguma
atribuição administrativa, mediante prestação de coisas ou de serviços, a retribuir pela forma que for estipulada"...
Para o Código do Procedimento Administrativo, republicado com o D.L. 6/96 de 31/1 - art.º 178º:
"1 - Diz-se contrato administrativo o acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa.
2 - São contratos administrativos, designadamente, os contratos de :
a) Empreitada de obras públicas;
b) Concessão de obras públicas;
c) Concessão de serviços públicos;
d) Concessão de exploração do domínio público;
e) Concessão de uso privativo do domínio público;
f) Concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar;
g) Fornecimento contínuo;
h) Prestação de serviços para fins de imediata utilidade publica".
Apreciando contrato idêntico ao destes autos, sobre ele se pronunciou o S.T.J. em Ac. de 12-10-2000, in C.J. - S.T.J. VIII- III -74:
..." O IFADAP não interveio no contrato cujo incumprimento culminou na extracção do título executivo a que se reportam os presentes autos - investido em qualquer posição de autoridade ou supremacia relativamente ao executado ora recorrente, não emitiu relativamente à respectiva relação intersubjectiva qualquer « acto administrativo» segundo a definição vertida no art.º 120º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo DL 442/91, de 15/11 ( CPA/91), com respaldo no nº4 do artº 268º da Constituição da República".
"Sendo assim, e sem embargo de o IFADAP - entidade exequente - ser uma pessoa colectiva de direito público, criada pelo DL 344/77 de 19/8, mais propriamente um «instituto de direito público» como aliás é definido pelo art.º 1º do respectivo estatuto, aprovado pelo DL 414/93, de 23/12, ele interveio no contrato de financiamento (ou seja, do contrato de atribuição de ajuda a que se refere a matéria de facto) despido de qualquer veste autoritária, em pleno pé de igualdade com o executado - embargante e ora recorrente",
" É, de resto, o nº2 do art.º 3º do citado Estatuto que expressamente postula que « o IFADAP está sujeito às normas de direito privado nas suas relações contratuais com terceiros sempre que não deva actuar investido de prerrogativas de autoridade»".
Assim, temos por demonstrado que o contrato de atribuição de ajuda ao abrigo do Regulamento ( CEE) 797/85 do Conselho e Legislação Complementar, não é um contrato administrativo, mas de direito privado.
Mas nem por isso os princípios gerais da actividade administrativa constantes do Código de Procedimento Administrativo deixam de ser aplicáveis ao IFADAP enquanto instituto de direito público - art.º 2º nº5 C.P.A.
Não competindo, contudo, aos Tribunais Administrativos a apreciação das actuações de gestão privada daquele instituto público, já que, nos termos do preceito constitucional do art.º 212º nº3 C.R.P. ( apenas)" compete aos tribunais administrativos( ...) o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas " e assim resulta do ETAF ( D.L. 129/84 de 27/4), nomeadamente dos seus arts. 51º e 9º nº3.
Nada impunha a interpelação pré - judicial do embargado, sendo que a notificação prevista no art.º 52º nº1 do D.L. 81/91 de 19/2, em execução do Regulamento ( CEE) 797/85, apenas prevê a notificação do infractor ao disposto no presente diploma ", ou seja, o beneficiário da ajuda, e não o seu fiador.
Ao art.º 805º C.C. basta a interpelação judicial operada pela citação.
Também se não alcança qualquer excesso pelo IFADAP dos limites da boa fé, bons costumes ou fim social ou económico do direito exercido ( art.º 334º C.C.).
Pelo que, obviamente, não cabia a sua pronuncia na sentença recorrida.
A notificação da beneficiária no local referido no contrato como sua residência, conforme à cláusula J.4 ( fls. 556vº), foi correcta, como correcto foi a aplicação do efeito do art.º 224º nº2 C.C..
Nem se demonstrou o incumprimento do contrato pelo IFADAP
A sentença refere os preceitos legai, do contrato de ajuda e do termo de fiança em que se apoia a condenação, pelo que não se verifica a alegada nulidade do art.º 668º nº1 alínea d) C.P.C., sendo certo que não tinha de apreciar questões suscitadas apenas em sede de recurso.
As disposições normativas que estabelecem a forma de exteriorização da vontade da pessoa colectiva também não foram consideradas na petição de embargos e implicam exercício do contraditório entre outras partes que o embargante e embargado, pelo que não podiam ter sido apreciados na sentença recorrida que não cometeu, assim, qualquer nulidade.
Não sendo aplicável aos autos o preceito do artº 100º C.P.ª, relativo à audição num processo em formação e não à execução duma obrigação não cumprida.
Improcedem, pois, as conclusões das alegações do apelante.
Não se indicia suficientemente má fé do apelante ou do apelado.
Assim, julgando improcedente a apelação, confirma-se a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
Lx. 9-7-2003
Relator - Silveira Ramos
1º Adjunto - Graça Amaral
2º Adjunto - Ezaguy Martins