Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
84/19.8PHOER.L1-9
Relator: RAQUEL LIMA
Descritores: ERRO DE JULGAMENTO
VÍCIOS
REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADO O ACORDÃO
Sumário: Uma sentença motivada nos termos legais pode ter subjacente um grave erro de julgamento, não determinado pela simples leitura da mesma – vícios do art. 410º nº 2 CPP – mas impondo uma reapreciação da prova nos termos do disposto no art. 412º CPP.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Por  Acórdão proferido  em 14.07.2022  foi decidido condenar:

1. RELATÓRIO
o arguido B, pela prática, em co-autoria material, de um crime de violação, na forma agravada, consumada, p. e p. pelo artºs.164º., nº.2, alínea a), 177º., nº.4 e nº.7, todos do Código Penal, na pena de cinco anos e três meses de prisão, efectiva;
O arguido B, pela prática, em co-autoria material, de um crime de lenocínio de menores agravado, consumado, p. e p. pelos artºs.175º., nºs.1 e 2 alíneas, a) e d) e 177º., nºs.4 e 7, do Código Penal, na pena de sete anos e três meses de prisão, efectiva;
O arguido B, pela prática, em co-autoria material, de um crime de coacção na forma tentada, p. e p. pelo artº.154º., nºs.1 e 2, 22º., 23º e 73º, do Código Penal, na pena de nove meses de prisão, efectiva;
Em cúmulo jurídico de tais penas de condena-se o arguido -B na pena única de 10 (dez) anos de prisão, efectiva.
A arguida A, pela prática, em co-autoria material, de um crime de lenocínio de menores agravado, consumado, p. e p. pelos artºs.175º., nºs.1 e 2 alíneas, a) e d) e 177º., nºs.4 e 7, do Código Penal, na pena de sete anos e três meses de prisão, efectiva;
A arguida A, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelos artºs.171º., nº.1, 177º., nº.1, b) e nº.4, do Código Penal, na pena de seis anos de prisão, efectiva;
A arguida A, pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelos  artºs.171º., nº.3, b), 177º., nº.1, b) e nº.4, do Código Penal, , na pena de um ano e nove meses de prisão, efectiva;
A arguida A, pela prática, em co-autoria material de um crime de coacção na forma tentada, p. e p. pelo artº.154º., nºs.1 e 2, 22º., 23º e 73º, do Código Penal, na pena de nove meses de prisão, efectiva.
Em cúmulo jurídico de tais penas de condena-se a arguida A na pena única de 11 (onze) anos de prisão, efectiva.
O arguido  D, pela prática, em co-autoria material, de um crime de violação, na forma agravada, consumada, p. e p. pelo artºs.164º., nº.2, alínea a), 177º., nº.4 e nº.7, todos do Código Penal, na pena de cinco anos de prisão, efectiva.
Os demandados B, A A e  D, solidariamente, no pagamento à ofendida C de €-20.000,00 (vinte mil euros), a título de danos não patrimoniais, bem como no pagamento, também solidário de €-317,09 (trezentos e dezassete euros e nove cêntimos), a título de danos patrimoniais, e no pagamento dos respectivos juros de mora, à taxa legal, até efectivo o integral pagamento.
*
Não se conformando com a decisão, vieram os três arguidos interpor recurso, apresentando a motivação seguida das CONCLUSÕES
ARGUIDO B
O arguido não se conforma com a decisão condenatória pelas razões adiante expostas.
I – IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO – art. 412º, nº 3, do CPP
1. A convicção do tribunal assentou na concatenação ponderada do silêncio em audiência dos arguidos e arguida quanto ao imputado, com as declarações para memória futura prestadas pela ofendida menor, nas quais a menor se revelou integralmente credível.
2. Neste juízo sobre a credibilidade da menor, note-se que nas declarações para memória futura afere-se com segurança estado emocional da menor, patente na gravação e transcrição, o que lhe confere a credibilidade mencionada. Mais se constatando da aludida transcrição e audição que inexistiu qualquer indução ou sugestão de respostas por parte da Mmª. JIC (contrariamente ao aventado por defesa em sede de alegações), pelo que se teve o declarado pela menor como espontâneo, obviamente dentro da contingência emocional que sempre afecta as vítimas deste tipo de crime.
3. Aqui chegados, temos de facto de nos insurgir quer com a motivação quer com os factos dados como provados.
Se não vejamos:
4. Desde logo, teremos que atender em absoluto às declarações para memória futura da menor, porquanto mais ninguém presenciou e a testemunha E, alegadamente, reproduz o que a ofendida lhe transmitiu dois anos após a ocorrência dos factos.
5. Da leitura atenta e cuidada das declarações da menor, em momento algum é referido que o arguido B puxou o braço da menor e levou-a para o quarto (facto provado nº 6) ou que o arguido lhe tenha dito para se despir e esta tenha recusado (facto provado nº 7).
6. Aliás, resulta das declarações da mesma que terá sido levada para o quarto e despida quer pelo arguido B quer pela arguida A (cfr. minutos 0.06.08.0 a 0.06.16 da transcrição das declarações para memória futura):
Testemunha: Ela, eles levaram-me para o quarto, tiraram-me a roupa, bateram-me, chegaram a bater-me com panelas.
Juiz: Querida, quem tirou a tua roupinha? Foi o…
Testemunha: A minha tia e o meu tio).
7. Dos factos dados como provados em 12 não descortinamos como tal é dado como provado, se é a própria ofendida que diz não praticou actos de masturbação ao  arguido B, cfr. minutos 0.08.48.0, 0.08.51.0, 0.08.52.0 e 0.08.56.0 da transcrição das declarações para memória futura.
Juiz: Sim. Olha querida, e masturbá-lo, tu também masturbaste ou não?
Testemunha: Não, Não, não.
Juiz: Não. Portanto foi só sexo oral que fizeste a este senhor?
Testemunha: Sim.
8. Sobre os factos dados como provados em 14 e 15, a testemunha é assertiva ao informar que quem ligou para o arguido D terá sido a arguida A, e não o arguido B – cfr. minutos 0.06.52 da transcrição.
Testemunha: Chegou, porque é assim, chegou porque a minha tia quando estava no quarto ligou para ele.
9. Assim como foi a arguida A que entregou uma quantia monetária ao arguido D,  cfr. minutos 0.10.33 da transcrição, não sendo verdade o facto provado nº 28
quanto ao arguido B.
Testemunha: O D ficou a dar dinheiro à minha tia.
10. Do facto provado nº 17, não se alcança como é que estando uma menor a presenciar tal contexto de violência física e sexual contra a sua pessoa, seja abandonada na sala e tendo acesso ao telefone e telemóvel, assim como à entrada da casa onde estava, ali se tenha mantido sem qualquer mecanismo de oposição.
11. Nem resulta do depoimento da ofendida em momento algum que tenha sido agarrada pelos cabelos pelo arguido B e que esta lhe tenha dito que não queria ir.
12. Sobre o provado em 19 e 20, a verdade é que compulsada a prova testemunhal e documental, não resulta que a menor tenha sido empurrada para cima da cama e que lhe tivesse sido ordenado que se colocasse de joelhos, e menos ainda que o arguido B se tenha munido de um cinto.
13. O que resulta das declarações da ofendida é que foi agredida por uma extensão ficha
tripla, sem identificar quem terá praticado tal acto,
cfr. minutos 0.07.34.0 a 0.07.51.0 da transcrição.
Testemunha: … na altura bateram-me com um cabo daqueles…
Juiz :Vassoura?
Testemunha: …tripla…
Juiz: Diz?
Testemunha: Da tripla, não sei dizer o nome, aqueles cabos onde se liga ….
Juiz: Da ficha tripla? Sim?
Testemunha: Sim.
Juiz: Uma extensão, isso, isso.
Testemunha: Bateram-me com isso. E depois quando o outro senhor chegou, foi o
senhor B, e …
14. Do facto provado em 21 e 22, é a ofendida que nega a prática de sexo anal com o
arguido B
cfr. minutos 0.08.52.0 a 0.08.56.0 da transcrição.
Juiz: Não. Portanto foi só sexo oral que fizeste a este senhor?
Testemunha: Sim.
15. E do facto provado nº 29, não se percebe como tal resulta se é a ofendida que afirma ter regressado à mãe no domingo e os acontecimentos reportarem-se a sexta-feira – cfr. minutos 0.02.47.0 a 0.02.53.0 e 0.11.25.0 a 0.11.30.0.
Juiz: Olha e tu ias ficar lá quantos dias? Ficaste…
Testemunha: Fui lá passar o fim de semana.
Juiz: Ias passar um fim de semana. E ficaste o fim de semana todo ou não?
Testemunha: Fiquei.
Juiz: E deixaram-te no sábado, no domingo?
Testemunha: Foi no domingo.
Assim, os factos dados como provados em 6, 7, 12, 14, 15, 17, 19,20, 21, 22 e 29 não se podiam dar como provados, pelo que vêm impugnados, dispondo, V. Exas., de todos os elementos para alterar a matéria de facto nos termos do art. 431º, do CPP, o que ora se reclama.
II - DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CÍVEL
16. No que respeita ao pedido de indemnização civil que, de resto, dado como provado integralmente, chamamos à colação a vasta prova médica junta aos autos, porquanto a ofendida nada juntou ao processo, com excepção de uma receita médica e as facturas da aquisição desses medicamentos.
17. Dúvidas não restam, da nossa perspectiva sustentada pela perícia médica junta aos autos sob fls 761 a 765, que a menor padece de um transtorno, ou se quisermos, de uma patologia do foro psiquiátrico.
Contudo,
18. E, salvo o devido respeito, o que parece ter sucedido, in casu, é um aproveitamento dessa situação para, de forma encapotada, a menor vir atribuir tais comportamentos e desequilíbrios aos factos que se imputa ao Recorrente, justificando, desde modo, a indemnização reclamada e na qual o Recorrente veio condenado a pagar.
19. Recorde-se que o arguido B veio condenado, solidariamente com os outros Arguidos, no pagamento à ofendida da quantia de €20.000,00 a título de danos não patrimoniais, bem como no pagamento, também solidário, de €317,09, a título de danos patrimoniais e no pagamento dos respectivos juros de mora, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento.
20. O Tribunal a quo dá como provada a matéria vertida no PIC, condena o recorrente no pagamento da indemnização peticionada, no entanto, não demonstra nem estabelece um nexo de causalidade entre aqueles danos e a actuação do Recorrente, enunciando apenas os documentos clínicos, quando do seu teor não resulta que os danos/patologias de que a menor sofre foram causados pela conduta do recorrente.
21. O acórdão recorrido apoia-se na documentação médica, aliás, enumera esses documentos e alude ao Relatório Médico Legal (de Clínica forense), junto aos autos sob fls 761.765, estando patente no texto da sentença que: “(...) do mencionado acervo documental e pericial dos autos se constatava automutilação da menor, tratamento da mesma em pedopsiquiatria face a tentativa de suicídio, ameaças à menor, perícia à menor no INML (...)”.
22. No entanto, não refere o Acórdão recorrido o que levou a menor a ser seguida em pedopsiquiatria, nem diz o acórdão em crise, a razão de ser dessas tentativas de suicídio que, contudo, serviram para condenar o recorrente no pagamento de uma indemnização.
23. A condenação no pagamento de uma indemnização requer que os danos sofridos pela vítima sejam causa adequada da conduta do agente, tal como decorre do art. 483º, nº 1, do CC.
24. E, da prova que o Tribunal a quo invoca para sustentar a condenação em apreciação (prova documental e a perícia médico legal) não resulta que a conduta do recorrente seja causa da perda de auto-estima, depressão reactiva, exaustão emocional, medo e insegurança que a menor invoca (art. 20º, do PIC e dado como provado), nem que as tentativas de suicídio foram provocadas pela acção do arguido B.
25. Dali também não se infere que a menor reprovou duas vezes o 7º ano de escolaridade (art. 16º do PIC e dado como provado), por causa do facto praticado pelo recorrente.
26. Nem que se viu humilhada, desrespeitada perante amigos e familiares (art. 19º do PIC e dado como provado), tanto que nem os amigos, nem os familiares foram arrolados como testemunhas.
27. Destarte, o que consta, de forma clara, evidente e sem margem para dúvidas dos documentos médicos, designadamente, da Nota de Alta da Urgência Pediátrica do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, datada de 11.12.2018, pela Dra. F, Pedopsiquiatra, é que “a menor teve uma retenção no 6º ano por baixo rendimento escolar” e revela querer estar mais tempo com a mãe, pois afirma “quero estar mais tempo com ela ”verbalizando tristeza e raiva”. E ainda se pode ler “ansiedade reactiva em contexto escolar”.
28. Atente-se, também, na Nota de Alta da Urgência Pediátrica do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, datada de 12.02.2019, dada pela Dra. G, Pedopsiquiatra, onde se pode ler na parte respeitante ao menor:
1. “HDA (...) Hoje a mãe terá encontrado faca na mala da C, razão pela qual se dirigiu ao HFF . A mãe relaciona alteração do comportamento com regresso às aulas, depois de ter estado 3 dias em casa com amigdalite”.
2. “Na observação da adolescente: Adolescente com idade aparente superior à real. Fácies triste. Vigil, calma e colaborante. (...) A C relaciona a IMV com o facto de ter estado novamente com quem teve conflitos e de quem foi vítima de bullying. Verbaliza vontade de morrer, referindo ter colocado na faca na mala na passada 6ºf para se matar na escola, espetando-a no peito”.
29. Saliente-se, ainda, o que consta da Nota de Alta da Urgência Pediátrica do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, datada de 26.02.2019, dada pela Dra. H, Pedopsiquiatra, designadamente na parte respeitante aos AF, onde se pode ler: “(...) Refere que não tinha intenção de morrer (encontrou todas as caixas e ingeriu 10 risperidona e 4 oxcarbazepina) e que fez IMV apenas para chamar a atenção dos pais. Terá feito toma de forma impulsiva por não sentir a atenção dos pais, fala no excesso de trabalho da mãe e no facto do pai não passar muito tempo com ela, e com ideia de que a mãe ficaria de baixa com ela em casa após ingestão (...). Nega desencadeante ou qualquer conflito antes da ingestão, explicando que foi impulsivo. (...)Mostra arrependimento face ao sucedido e fala na SNG que teve de colocar ontem e que nunca tinha colocado antes e fala nos avós que terão ficado muito tristes com a ingestão de ontem. Vai repetindo que desta vez teve a certeza que as pessoas gostam dela e não vai voltar a fazer”.
30. Como facilmente se alcança, a depressão, a ansiedade e as tentativas de suicídio, entre o baixo rendimento escolar, não são o resultado/consequência dos factos imputados ao Recorrente, como quer fazer crer o Tribunal a quo, consubstanciam antes uma chamada de atenção da menor, que sente a falta da presença e do carinho dos pais, ao ponto de colocar em causa a própria vida, para ter a certeza de que a família gosta dela.
31. Nesta senda, os danos físicos e emocionais de que sofre a menor não foram provocados pela conduta do Recorrente, de resto, como decorre da documentação médica supra referenciada e do relatório de perícia médico legal, junto a fls. 761-765, do qual merece destaque a existência na família de várias patologias do foro psiquiátrico e o facto da mãe da menor mencionar que esta sempre teve dificuldade em lidar com a frustração e em manter amizades.
32. Ora, da concatenação da informação médica supra referenciada nada faz depender os danos alegados pela menor da conduta criminosa do recorrente, nem o Tribunal a quo estabelece tal correlação, pese embora utilize tais meios de prova para julgar procedente o PIC e condenar o recorrente no pagamento à ofendida de uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, servindo-se apenas das passagens dos documentos supra que referem que a menor tentou suicídio e que necessita de acompanhamento, razão pela qual os factos que compõem o PIC não se podiam dar como provados, pelo que vêm impugnados, dispondo, V. Exas., de todos os elementos para alterar a matéria de facto nos termos do art. 431º, do CPP, o que ora se reclama
III - DO DIREITO:
DA VIOLAÇÃO AGRAVADA:
33. Defende o distinto tribunal a quo que também se mostra preenchido o necessário elemento objectivo de coito anal, no sentido de penetração do ânus pelo pénis.
34. Tal como tivemos oportunidade de defender, não existe prova testemunhal ou pericial que demonstre de forma cabal ter existido tal prática. Desde logo, a ofendida aquando das suas declarações não refere se houve de facto penetração anal por qualquer dos arguidos. Existem apenas perguntas por parte da Meritíssima JIC que conduz à resposta da ofendida. Aliás, compulsada a transcrição nesse segmento nem se apura se houve ou não penetração anal ou vaginal
 cfr. minutos 0.09.02.0 a 0.09.38.0.
Juiz: A...e depois do outro senhor chegar, foram os dois, dizes tu que ...
Testemunha: Sim
Juiz: abusaram de ti no rabinho, é isso?
Testemunha: um no rabinho e outro ...
Juiz: No pipi? Não. Na boca? Sim. Ao mesmo tempo ou?
Testemunha: Meu deus…
Juiz: Queres parar um bocadinho? Quando quiseres para diz assim “eu quero parar” e vais lá fora e paramos tudo, está bem? Não é preciso?
Testemunha: Eu tenho de continuar, eu tenho de continuar porque ( inaudível)
Juz: Está bem querida, então vamos lá continuar assim o mais depressa que conseguirmos…
Testemunha: Chegou a um ponto da minha tia… não sei se foi da raiva de ver aquilo, porque ela, não sei se ela tem bem noção das coisas que faz, porque ela fez, mas quando viu aquilo bateu-se a si própria.
35. Do que se transcreve não resulta que o arguido B tenha praticado actos de penetração anal ou vaginal sobre a menor.
36. Discorrendo sobre todo o teor das transcrições, a verdade é que em momento algum a ofendida de forma cabal diz que o arguido B a penetrou.
37. Tal imputação, resulta apensas da discorrência promovida pela Sr. Meritíssima JIC, à qual a ofendida apenas foi aderindo sem acrescentar pormenores, detalhar a situação ou apontar algum circunstancialismo concreto do preenchimento do tipo deste crime quanto ao arguido B.
38. Termos que não deveria o arguido B ser condenado por este crime atento o não preenchimento do elemento objectivo do crime.
39. Entende o tribunal a quo estarem preenchidos quanto ao arguido B o tipo objectivo e subjectivo do crime em questão.
40. Não podemos consentir nesta visão dos factos, desde logo, porque entendemos ter havido erro na apreciação da prova que dá como provado o vertido em 14 e 15, os quais deviam ter sido dados como não provados quanto ao arguido B atentas as declarações da ofendida,
cfr. minutos 0.06.52 da transcrição.
Testemunha: Chegou, porque é assim, chegou porque a minha tia quando estava no
quarto ligou para ele.
Minutos 0.10.33 da transcrição.
Testemunha: O D ficou a dar dinheiro à minha tia.
41. Regula o nº 1 do artº 175 CP Quem fomentar, favorecer ou facilitar o exercício da prostituição de menor ou aliciar menor para esse fim é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.
42. A ofendida, nas declarações para memória futura que presta, afirma ter sido a arguida A a contactar o arguido D.
 Cfr. minutos 0.06.52.0 da transcrição (…) a minha tia quando estava no quarto ligou para ele.
43. E também que foi a tia, aqui arguida A, quem recebeu dinheiro do arguido D
Cfr. minutos 0.10.33 da transcrição.
Testemunha: O D ficou a dar dinheiro à minha tia.
44. Portanto, quem fomentou, favoreceu ou facilitou não foi o arguido B.
45. O arguido B é excluído, pelas declarações da ofendida, do preenchimento dos pressupostos objectivos, desde logo, o fomento, favorecimento ou facilitismo para o exercício da prostituição, e nesta medida, não deveria vir condenado por este crime.
DAS AGRAVAÇÕES:
46. O artigo 177º., nº.1, al.b) prevê a agravação dos mencionados crimes nos termos seguintes: “As penas previstas nos artigos 163º a 165º e 167º a 176º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima se encontrar numa relação familiar ou de coabitação com o agente e o crime for praticado com aproveitamento dessa situação” (negrito nosso).
47. Ora, conforme resulta da motivação de recurso e dos relatórios elaborados pela DGRSP a coabitação entre o arguido B e a arguida A já havia terminado anos antes, e não há qualquer relação familiar entre o arguido B e a ofendida.
48. Donde não se encontra preenchido o elemento objectivo para a agravação prevista no artº 177, nº 1, al. b).
49. Por outro lado, e atendendo à agravação prevista nos nºs 4 e 7 do mesmo artigo, por remissão do nº 8 deste preceito, a agravação apenas poderia ocorrer na medida da agravante mais forte, isto é, agravação pelo nº 7 do preceito.
50. Querendo tal significar que a medida da pena poderia agravar-se em metade da pena aplicável ao crime.
51. Sendo que, tal como temos vindo a defender, tal agravante só poderia ser aplicada ao crime de abusos sexuais, porquanto os demais não resultaram provados.
52. Defende o tribunal a quo que a relação familiar se encontra cabalmente demonstrada, mas não no que se refere ao arguido B, sendo que tal pressuposto não se encontra preenchido quanto ao mesmo.
53. O acórdão recorrido, na pág. 16, reconhece que depois de terminado o relacionamento mantido com A, alegadamente na sequência de uma crescente degradação da relação, o 1º arguido passou a viver sozinho, no espaço antes ocupado por ambos, dizendo à DGRSP sentir-se confortável com esta situação, agora sem conflitos nem tensões.
54. Os sentimentos que no início diz à DGRSP ter verdadeiramente nutrido por esta companheira, ter-se-ão para a DGRSP esvaído com o tempo, à medida que ela foi apresentando comportamentos que classifica como cada vez mais bizarros e imprevisíveis.
55. Resulta ainda do relatório social da arguida A, junto aos autos em 01.06.2022 com a refª citius 21185911, que O relacionamento com B, iniciado em 2014, que após os dois anos iniciais gratificantes passou a apresentar-se violento, terá terminado sem deixar na arguida particular emoção.
56. Por último, uma breve nota quanto à aparência da ofendida, que não aparentava e continua sem aparentar a idade biológica.
57. Já à data dos factos, a ofendida aparentava ser bastante mais velha do que os 12 anos biológicos.
58. O mesmo se infere do início das transcrições quando a Srª JIC comenta a maquilhagem da ofendida, sendo corroborado quer pelos relatórios médicos dos hospitais onde a menor foi acompanhada quer da perícia médica elaborada pelo IML junto aos autos em 28.04.2021 com a refª citius 18699041 Trata-se de uma jovem com idade aparente superior à real, vestida e maquilhada de forma ostensiva, mas adequada ao género, idade e estação do Ano.
59. Donde presumir que o arguido B sabia a idade da ofendida, com quem privava ocasionalmente no decurso do período em que se relacionou amorosamente com a arguida A, é uma presunção que fica ilidida às constantes observações anotadas em todos os relatórios médicos que foram juntos aos autos, inclusive na perícia do IML.
DA COACÇÃO:
60. Nos termos do artigo 154º., do CP, comete o crime de Coacção: “1 - Quem, por meio de
61. violência ou de ameaça com mal importante, constranger outra pessoa a uma acção ou omissão, ou a suportar uma actividade” o qual é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. Nos termos do nº.2, a tentativa é punível.
62. Nos autos não vem por qualquer meio provado, e nem resulta dos factos dados como provados que o arguido B tenha praticado, ou tentado praticar, qualquer acto susceptível de preencher o elemento objectivo do crime de coacção.
63. Resulta do relatório elaborado pela equipa da EMAT no processo nº Proc. .../19.0T8SNT- JUIZ 1 a correr no Juízo de Família de Sintra, que a ofendida e a mãe se queixavam de perseguição/coacção por parte da arguida A, e junto aos autos a fls 160.
64. Nenhuma das testemunhas referiu o arguido B, nem dos prints que foram juntos aos autos resulta qualquer tentativa de contacto por parte deste arguido para com a ofendida.
65. Acresce que, também a ofendida não traz aos autos indícios de, após a prática dos factos, o arguido B a ter coagido seja a que for.
66. Ademais, o arguido B já não vivia com a arguida A, segundo o depoimento da testemunha E, desde a data dos factos. E a ofendida não voltou a estar com a arguida A, e por maioria de razão com o arguido B.
67. Donde, não se apura como se dá por provada a alegada coacção exercida pelo arguido B sobre a ofendida nem como tal foi feito.
68. Até porque, nem o acórdão disso dá nota na sua motivação.
DA VALORAÇÃO DO SILÊNCIO DO ARGUIDO EM JULGAMENTO:
69. Em julgamento, o arguido é informado do direito a prestar declarações e do facto de não ser obrigado a prestá-las, sem que o seu silêncio possa desfavorecê-lo (artigo 342.º, n.º 1).
70. A nossa lei processual penal consagra de forma expressa e ampla o direito do arguido a não prestar declarações e a não responder a todas ou a parte das perguntas que lhe sejam colocadas pelo tribunal ou pelos sujeitos processuais e ainda a proibição de se se extrair dessa opção processual alguma consequência contrária ao interesse do arguido.
71. Os artigos 343.º, n.º 1, e 345.º, n.º 1, do CPP proíbem expressamente que o arguido possa ser desfavorecido em consequência de em julgamento não prestar declarações ou, prestando-as, se recusar a responder a alguma ou todas as perguntas.
72. Esta proibição impede que o juiz interprete o silêncio do arguido e lhe atribua qualquer significado probatório para estabelecer na sentença a prova dos factos desfavoráveis ou que simplesmente o valore como circunstância agravante da pena.
73. O silêncio não é tido como um elemento de prova sujeito ao princípio da livre apreciação e muito menos como um indício ou presunção de culpa.
74. Considera-se que essa possibilidade esvaziaria de sentido o direito à não auto- incriminação, pois equivaleria a estabelecer a obrigatoriedade do arguido prestar declarações — visto que, não o fazendo, se extrairia uma consequência no sentido da admissão da culpabilidade.
75. É também comum o entendimento de que as regras dos artigos 343.º, n.º 1, e 345.º, n.º 1, do CPP consagram uma verdadeira proibição de prova. Por isso, se o tribunal fundar a sua convicção em qualquer ilação desfavorável ao arguido extraída do seu silêncio, a decisão estará inquinada por se basear numa prova nula.
76. Essa conclusão decorre do princípio de que não podem ser utilizadas provas incriminatórias obtidas mediante violação injustificada dos direitos fundamentais, decorrente dos artigos 32.º, n.º 8, da Constituição e 126.º do CPP.
77. Ora, resulta da motivação do acórdão de que se recorre que A convicção do tribunal assentou na concatenação ponderada do silêncio em audiência dos arguidos e arguida quanto ao imputado, com as declarações para memória futura prestadas pela ofendida menor, com o depoimento das testemunhas ouvidas e os documentos e prova pericial  dos autos( fls 34 do acórdão recorrido) e da  DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA que os arguidos usaram do direito ao silêncio quanto ao imputado, donde não foi possível confissão no que respeita a qualquer dos crimes apurados, nem demonstração de arrependimento pela prática dos factos (…) Assim, ponderadas ainda as demais agravantes e as atenuantes, designadamente (…) a não confissão dos factos, (…) as exigências de prevenção geral e especial e face à moldura penal aplicável tem-se por adequado fixar as seguintes penas concreta(…).
78. Ficando assim demonstrado de forma cabal que o direito ao silêncio exercido pelo arguido B foi valorado como presunção de culpabilidade, e nesta medida, determinante para a formação da convicção do tribunal de que i) foi o autor material e na forma consumada e ii) não se arrependeu da prática do acto.
79. Ora, tal ilação é nula por violação do princípio ínsito no arº 343 CPP, nulidade que, desde já, se invoca com todas as legais consequências.
DO DEPOIMENTO INDIRECTO DA TESTEMUNHA E
80. A valoração do depoimento das testemunhas de ouvir dizer depende da observância de certos procedimentos que visam a assegurar o contraditório nos depoimentos das testemunhas.
81. Ressalvadas as excepções previstas na parte final do nº 1 do art. 129, o depoimento indirecto só pode ser valorado como meio de prova, se o juiz proceder à sua confirmação através da audição das pessoas a quem a testemunha ouviu dizer.
82. O acórdão recorrido atribui credibilidade à testemunha E ao mencionar que a filha relatou que foi penetrada analmente pelo arguido B, não constando estas declarações na transcrição das declarações prestadas pela ofendida para memória futura; que o 1º ou 2ª arguidos ligaram para o 3º também participar, o que a ofendida relata é que a minha tia quando estava no quarto ligou para ele ( cfr. minutos 0.06.52.0 da transcrição); que a menor viu o 3º arguido entregar dinheiro aos primeiros, quando o que a ofendida relata é que O D ficou a dar dinheiro à minha tia (cfr. Minutos 0.10.33.0 da transcrição) (…) eu só vi ele dar dinheiro à minha tia (cfr. Minutos 0.10.35.0 da transcrição); que aquando dos factos foi dito “tem de ser anal senão engravidamos a miúda” – das declarações para memória futura prestadas pela ofendida nada disto se infere quanto ao arguido B e nem a ofendida relatou de forma cabal, explícita e credível se foi penetrada anal ou vaginalmente pelo arguido B; ao mencionar que pedopsiquiatra e psicóloga fizeram a ligação entre os danos patentes na menor e os factos apurados cometidos na mesma – o que não resulta de nenhum relatório médico nem da perícia médica, e que levou a defesa do arguido B a requerer a audição destas médicas, o que foi indeferido pelo Tribunal a quo sem qualquer sustentação; ao mencionar que a menor disse que tinha vergonha do sucedido e que os 1º e 2ª arguidos a ameaçavam quando a menor ia a casa deles, de que lhe faziam mal se contasse o sucedido; que a menor aí viu arma e viu os 1º e 2ª arguidos fazer gestos como de cortar o pescoço em direcção à menor, no mesmo sentido de que lhe faziam mal se contasse o sucedido – cotejando cuidadosamente as declarações prestadas pela ofendida perante JIC, e já num contexto securizante, estranha-se que não tenham sido estes factos trazidos à colação pela ofendida, mas apenas pela testemunha E em sede de julgamento e por depoimento indirecto infirmado pelas declarações da sua filha; que a menor não fala com a arguida desde o sucedido – causando ainda mais estranheza o lapso temporal decorrido entre os factos e o relato à testemunha E.
83. Assim, dever-se-á ter por reduzida a credibilidade prestada ao depoimento de ouvi dizer que a testemunha E trouxe aos autos.
DO ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
84. O erro notório na apreciação da prova consiste num vício de apuramento da matéria de facto.
85. Verifica-se o erro notório na apreciação da prova quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência,  segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum.
86. No erro notório da apreciação da prova está em causa, não o conteúdo da prova em si, nomeadamente do que foi dito no depoimento ou nas declarações prestadas, cujo teor se aceita, mas a utilização que foi dada à referida prova, no sentido de a mesma suportar a demonstração de um determinado facto.
87. E face ao que vimos expandindo, dúvidas não restam que da prova produzida, quer testemunhal, documental ou pericial não poderiam ter sido dados como provados, como foram, os factos nºs 6, 7, 12, 14, 15, 17, 19, 20, 21, 22 e 29 que não estão provados.
88. Porquanto da prova produzida não resulta que os factos ali dados como provados tenham acontecido daquela forma.
89. E não estão provados desde logo por não corresponderem às declarações para memória futura da ofendida nem encontrarem suporte nos relatórios médicos e periciais junto aos autos.
90. Pelo que não se encontram preenchidos, e no que ao arguido B diz respeito, os elementos objectivos do tipo do crime de violação agravada, lenocínio de menor e coacção.
DA FALTA DE EXAME CRÍTICO DA PROVA E FUNDAMENTAÇÃO
(art. 374º, nº 2, e 379º, a), do CPP):
91. O Acórdão recorrido, desde logo, enferma de nulidade por falta de exame crítico das provas, violando, assim, o disposto no art. 374º, nº 2, do CPP, segundo o qual, “Ao relatório segue-se a fundamentação que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
92. A fundamentação exigida pelo artigo supra referenciado não consiste na mera enunciação dos meios de prova utilizados, salientando que são credíveis, pois que, para que seja possível o recurso quanto à legalidade da decisão no domínio probatório, importa que a motivação do juízo em matéria de facto conste da decisão.
93. No entendimento de Germano Marques da Silva, in Cuso de Processo Penal, III, pág. 289, “A fundamentação da sentença consiste na exposição dos motivos de facto (motivação sobre as provas e sobre a decisão em matéria de facto) e de direito (enunciação das normas legais que foram consideradas e aplicadas) que determinaram o sentido («fundamentaram») a decisão, pois que as decisões judiciais não podem impor-se apenas em razão da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz”.
94. O acórdão em crise não apresenta o exame crítico na motivação da decisão de facto, donde resulta não haver qualquer possibilidade de controlo, pela via do recurso, da decisão da matéria de facto, nem mesmo da sua conformidade com as disposições legais em matéria de prova.
95. Com efeito, o rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permitam exteriorizar as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte.
96. Pelo que, quando o Tribunal de Primeira Instância se limita a enumerar todos os meios de prova, salientando que se mostraram credíveis, quando se socorre do silêncio do Arguido, quando se baseia numa prova testemunhal que consistiu em depoimentos indirectos, quando se serve quase em exclusivo das declarações para memória futura da menor fazendo questão de mencionar que as respostas da vítima não foram induzidas ou sugeridas pela Sra. Dra. Juiz, quando faz menção ao que consta do relatório pericial sem estabelecer um qualquer nexo de causalidade entre os factos imputados ao arguido B e os danos que a vítima alega ter sofrido, não está, com o devido respeito, a fazer um exame crítico da prova, ou seja, não exterioriza o processo racional que serviu de base àquela decisão, está, salvo melhor opinião, tão somente a enunciar todo o material probatório que observou, no entanto, sem o correlacionar com os factos e com a conduta do Recorrente de modo a que se perceba o processo lógico que subjaz à condenação em apreço.
97. É unanimemente aceite, que “o exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção “, nesse sentido, cf., v.g., Ac. do STJ de 30-01-2002, Proc. n.º 3063/01.
98. Perante a evidente falta de exame crítico e omissão de fundamentação em matéria de facto, o acórdão recorrido é NULO, por violação do disposto nos artigos 374º, nº 2 e 379º, a), ambos do CPP, negando-se, deste modo, ao Recorrente, o seu direito ao recurso e violando-se os seus direitos, liberdades e garantias, atente-se, por este motivo, no que dispõe o Ac.do Tribunal Constitucional nº 680/98, de 2.12.1998, publicado no D.R II Série 54 de 5.03.1999 “ (.....) a fundamentação das sentenças penais especialmente das sentenças condenatórias, pela repercussão que podem ter na esfera dos direitos, liberdades e garantias das pessoas - deve ser susceptível de revelar os  motivos que levaram a dar como provados certos factos e não outros, sobretudo tendo em conta que o princípio geral em matéria de avaliação das provas é o da sua livre apreciação pelo julgador devendo também indicar as razões de direito que conduziram à decisão concretamente proferida. Afigura-se ser este o núcleo central da exigência constitucional de fundamentação judiciais (...).”
IV - CONCLUSÕES:
A. A convicção do tribunal assentou na concatenação ponderada do silêncio em audiência dos arguidos e arguida quanto ao imputado, com as declarações para memória futura prestadas pela ofendida menor, nas quais a menor se revelou integralmente credível.
B. Assim, os factos dados como provados em 6, 7, 12, 14, 15, 17, 19,20, 21, 22 e 29, e quanto ao arguido B, não se podiam dar como provados, pelo que, vêm impugnados, dispondo, V. Exas., de todos os elementos para alterar a matéria de facto nos termos do art. 431º, do CPP, o que ora se reclama.
- Da leitura atenta e cuidada, declarações da menor, em momento algum é referido que o arguido B puxou o braço da menor e levou-a para o quarto (facto provado nº 6) ou que o arguido lhe tenha dito para se despir e esta tenha recusado (facto provado nº 7).
- Aliás, resulta das declarações da mesma que terá sido levada para o quarto e despida quer pelo arguido B quer pela arguida A (cfr. minutos 0.06.08.0 a 0.06.16 da transcrição das declarações para memória futura Testemunha: Ela, eles levaram-me para o quarto, tiraram-me a roupa, bateram-me, chegaram a bater-me com panelas.
Juiz: Querida, quem tirou a tua roupinha? Foi o…
Testemunha: A minha tio e o meu tio).
- Dos factos dados como provados em 12 não descortinamos como tal é dado como provado, se é a própria ofendida que diz não praticou actos de masturbação ao arguido B, cfr. minutos 0.08.48.0, 0.08.51.0, 0.08.52.0 e 0.08.56.0 da transcrição das declarações para memória futura.
Juiz: Sim. Olha querida, e masturbá-lo, tu também masturbaste ou não?
Testemunha: Não, Não, não.
Juiz: Não. Portanto foi só sexo oral que fizeste a este senhor?
Testemunha: Sim.
- Sobre os factos dados como provados em 14 e 15, a testemunha é assertiva ao informar quem ligou para o arguido D terá sido a arguida A, e não o arguido B
cfr. minutos 0.06.52 da transcrição. Testemunha: Chegou, porque é assim, chegou porque a minha tia quando estava no quarto ligou para ele.
- Assim como foi a arguida A que entregou uma quantia monetária ao arguido D, cfr. minutos 0.10.33 da transcrição, não sendo verdade o facto provado nº 28 quanto ao arguido B.
testemunha: O D ficou a dar dinheiro à minha tia.
- Do facto provado nº 17, não se alcança como é que estando uma menor a presenciar tal contexto de violência física e sexual contra a sua pessoa, seja abandonada na sala e tendo acesso ao telefone e telemóvel, assim como à entrada da casa onde estava, ali se tenha mantido sem qualquer mecanismo de oposição.
- Nem resulta do depoimento da ofendida em momento algum que tenha sido agarrada pelos cabelos pelo arguido B e que esta lhe tenha dito que não queria ir.
- Sobre o provado em 19 e 20, a verdade é que compulsada a prova testemunhal e documental, não resulta que a menor tenha sido empurrada para cima da cama e que lhe tivesse sido ordenado que se colocasse de joelhos, e menos ainda que o arguido B se tenha munido de um cinto….
- O que resulta das declarações da ofendida é que foi batida por uma extensão ficha tripla, sem identificar quem terá praticado tal acto
 cfr. minutos 0.07.34.0 a 0.07.51.0 da transcrição.
Testemunha: … na altura. Bateram-me com um cabo daqueles…
Juiz :Vassoura?
Testemunha: …tripla…
Juiz: Diz?
Testemunha: Da tripla, não sei dizer o nome, aqueles cabos onde se liga ….
Juiz: Da ficha tripla? Sim?
Testemunha: Sim.
Juiz: Uma extensão, isso, isso.
Testemunha: Bateram-me com isso. E depois quando o outro senhor chegou, foi o
senhor B e …
- Do facto provado em 21 e 22, é a ofendida que nega a prática de sexo anal com o arguido B, cfr. minutos 0.08.52.0 a 0.08.56.0 da transcrição.
Juiz: Não. Portanto foi só sexo oral que fizeste a este senhor?
Testemunha: Sim.
- E do facto provado nº 29, não se percebe como tal resulta se é a ofendida que afirma ter regressado à mãe no domingo e os acontecimentos reportarem-se a sexta-feira.
 cfr. minutos 0.02.47.0 a 0.02.53.0 e 0.11.25.0 a 0.11.30.0.
Juiz: Olha e tu ia ficar lá quantos dias? Ficaste…
Testemunha: Fui lá passar o fim de semana.
Juiz: Ias passar um fim de semana. E ficaste o fim de semana todo ou não?
Testemunha: Fiquei.
Juiz: E deixaram-te no sábado, no domingo?
Testemunha: Foi no domingo.
C. No que respeita ao pedido de indemnização civil que, de resto, dado como provado integralmente, chamamos à colação a vasta prova médica junta aos autos, porquanto a ofendida nada juntou ao processo, com excepção de uma receita médica e as facturas da aquisição desses medicamentos.
D. Dúvidas não restam, da nossa perspectiva sustentada pela perícia médica junta aos autos sob fls 761 a 765, que a menor padece de um transtorno, ou se quisermos, de uma patologia do foro psiquiátrico.
E. E, salvo o devido respeito, o que parece ter sucedido, in casu, é um aproveitamento dessa situação, para, de forma encapotada, a menor vir atribuir tais comportamentos e desequilíbrios aos factos que se imputa ao Recorrente, justificando, desde modo, a indemnização reclamada e na qual o Recorrente veio condenado a pagar.
F. O arguido B veio condenado, solidariamente, com os outros Arguidos, no pagamento à ofendida da quantia de €20.000,00 a título de danos não patrimoniais, bem como, no pagamento, também solidário, de €317,09 a título de danos patrimoniais, e no pagamento dos respectivos juros de mora, á taxa legal, até efectivo e integral pagamento.
G. O Tribunal a quo dá como provada a matéria vertida no PIC, condena o recorrente no pagamento da indemnização peticionada, no entanto, não demonstra nem estabelece um nexo de causalidade entre aqueles danos e a actuação do Recorrente, enunciando apenas os documentos clínicos, quando do seu teor não resulta que os danos/patologias de que a menor sofre foram causados pela conduta do recorrente.
H. O acórdão recorrido apoia-se na documentação médica, aliás, enumera esses documentos e alude ao Relatório Médico Legal (de Clínica forense), junto aos autos sob fls 761.765, estando patente no texto da sentença que: “(...) do mencionado acervo documental e pericial dos autos se constatava automutilação da menor, tratamento da mesma em pedopsiquiatria face a tentativa de suicídio, ameaças á menor, perícia à menor no INML (...)”, no entanto, não refere o Acórdão recorrido, o que levou a menor a ser seguida em pedopsiquiatria, nem diz o acórdão em crise, a razão de ser dessas tentativas de suicídio, que, contudo, serviram para condenar o recorrente no pagamento de uma indemnização.
I. A condenação no pagamento de uma indemnização requer que os danos sofridos pela vítima sejam causa adequada da conduta do agente, tal como decorre do art. 483º, nº 1, do CC.
J. da prova que o Tribunal a quo invoca para sustentar a condenação em apreciação (prova documental e a perícia médico legal) não resulta que a conduta do recorrente seja causa da perda de auto-estima, depressão reactiva, exaustão emocional, medo e insegurança que a menor invoca (art. 20º, do PIC e dado como provado), nem que as tentativas de suicídio foram provocadas pela acção do arguido B.
K. Saliente-se, ainda, o que consta da Nota de Alta da Urgência Pediátrica do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, datada de 26.02.2019, dada pela Dra. H, Pedopsiquiatra, designadamente na parte respeitante aos AF, onde se pode ler: “(...) Refere que não tinha intenção de morrer ( encontrou todas as caixas e ingeriu 10 risperidona e 4 oxcarbazepina) e que fez IMV apenas para chamar a atenção dos pais. Terá feito toma de forma impulsiva por não sentir a atenção dos pais, fala no excesso de trabalho da mãe e no facto do pai não passar muito tempo com ela, e com ideia de que a mãe ficaria de baixa com ela em casa após ingestão (...). Nega desencadeante ou qualquer conflito antes da ingestão, explicando que foi impulsivo. (...)Mostra arrependimento face ao sucedido e fala na SNG que teve de colocar ontem e que nunca tinha colocado antes e fala nos avós que terão ficado muito tristes com a ingestão de ontem. Vai repetindo que desta vez teve a certeza que as pessoas gostam dela e não vai voltar a fazer”.
L. Como facilmente se alcança, a depressão, a ansiedade e as tentativas de suicídio, entre o baixo rendimento escolar, não são o resultado/consequência dos factos imputados ao Recorrente, como quer fazer crer o Tribunal a quo, consubstanciam antes uma chamada de atenção da menor, que sente a falta da presença e do carinho dos pais, ao ponto de colocar em causa a própria vida, para ter a certeza de que a família gosta dela.
M. Os danos físicos e emocionais de que sofre a menor não foram provocados pela conduta do Recorrente, de resto, como decorre da documentação médica supra referenciada e do relatório de perícia médico legal, junto a fls. 761-765, do qual merece destaque a existência na família, de várias patologias do foro psiquiátrico e o facto da mãe da menor mencionar que esta sempre teve dificuldade em lidar com a frustração e tem dificuldades em manter amizades.
N. Da concatenação da informação médica supra referenciada nada faz depender os danos alegados pela menor da conduta criminosa do recorrente, nem o Tribunal a quo estabelece tal correlação, pese embora, utilize tais meios de prova para julgar procedente o PIC e condenar o recorrente no pagamento à ofendida de uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, servindo-se apenas das passagens dos documentos supra que referem que a menor tentou suicídio e que necessita de acompanhamento, razão pela qual os factos que compõem o PIC não se podiam dar como provados, pelo que, vêm impugnados, dispondo, V. Exas., de todos os elementos para alterar a matéria de facto nos termos do art. 431º, do CPP, o que ora se reclama.
O. DA VIOLAÇÃO AGRAVADA:
- Defende o distinto tribunal a quo que também se mostra preenchido o necessário elemento objectivo de coito anal, no sentido de penetração do ânus pelo pénis.
- A ofendida aquando das suas declarações não refere se houve de facto penetração anal, por qualquer dos arguidos. Existe apenas perguntas por parte da Meritíssima JIC que conduz a resposta da ofendida. Aliás, compulsada a transcrição nesse segmento nem se apura se houve ou não penetração anal ou vaginal.
- Discorrendo sobre todo o teor das transcrições, a verdade é que em momento algum, a ofendida de forma cabal diz que o arguido B a penetrou.
- Tal imputação, resulta apensas da discorrência promovida pela Sr. Meritíssima JIC, à qual a ofendida apenas foi aderindo sem acrescentar pormenores, detalhar a situação ou apontar algum circunstancialismo concreto do preenchimento do tipo deste crime quanto ao arguido B.
- Termos que não deveria o arguido B ser condenado por este crime atento não preenchimento do elemento objectivo do crime.
P. DO LENOCÍNIO DE MENOR
- Entende o tribunal a quo estarem preenchidos quanto ao arguido B o tipo objectivo e subjectivo do crime em questão.
- Regula o nº 1 do artº 175 CP Quem fomentar, favorecer ou facilitar o exercício da prostituição de menor ou aliciar menor para esse fim é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.
- A ofendida nas declarações para memória futura que presta afirma ter sido a arguida A a contactar o arguido D.
Cfr. minutos 0.06.52.0 da transcrição (…) a minha tia quando estava no quarto ligou para ele.
- E também que foi a tia, aqui arguida A, quem recebeu dinheiro do arguido D.
Cfr. minutos 0.10.33 da transcrição.
Testemunha: O D ficou a dar dinheiro à minha tia.
- Portanto, quem fomentou, favoreceu ou facilitou não foi o arguido B.
- O arguido B é excluído, pelas declarações da ofendida, do preenchimento dos pressupostos objectivos, desde logo, o fomento, favorecimento ou facilitismo para o exercício da prostituição, e nesta medida, não deveria vir condenado por este crime.
G. DA AGRAVAÇÃO:
· Artigo 177º., nº.1, al.b) prevê a agravação dos mencionados crimes nos termos seguintes: “As penas previstas nos artigos 163º a 165º e 167º a 176º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima se encontrar numa relação familiar ou de coabitação com o agente e o crime for praticado com aproveitamento  dessa situação”.
- Ora, conforme resulta da motivação de recurso e dos relatórios elaborados pela DGRSP a coabitação entre o arguido B e a arguida A já havia terminado anos antes, e não há qualquer relação familiar entre o arguido B e a ofendida.
- Donde, não se encontra preenchido o elemento objectivo para a agravação prevista no artº 177, nº 1, al. b).
- Defende o tribunal a quo que a relação familiar se encontra cabalmente demonstrada, mas não no que se refere ao arguido B, sendo que tal pressuposto não se encontra preenchido quanto ao mesmo.
- O acórdão recorrido, na pág. 16, reconhece que Depois de terminado o relacionamento mantido com A, alegadamente na sequência de uma crescente degradação da relação, o 1º arguido passou a viver sozinho, no espaço antes ocupado por ambos, dizendo à DGRSP sentir-se confortável com esta situação, agora sem conflitos nem tensões. Os sentimentos que no início diz à DGRSP ter verdadeiramente nutrido por esta companheira, ter-se-ão para a DGRSP esvaído com o tempo, à medida que ela foi apresentando comportamentos que classifica como cada vez mais bizarros e imprevisíveis.
- Resulta ainda do relatório social da arguida A, junto aos autos em 01.06.2022 com a refª citius 21185911, que O relacionamento com B, iniciado em 2014, que após os dois anos iniciais gratificantes passou a apresentar-se violento, terá terminado sem deixar na arguida particular emoção.
- O artigo 177º., nº.1, al.b) prevê a agravação dos mencionados crimes nos termos seguintes: “As penas previstas nos artigos 163º a 165º e 167º a 176º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima se encontrar numa relação familiar ou de coabitação com o agente e o crime for praticado com aproveitamento dessa situação”.
- Ora, conforme resulta da motivação de recurso e dos relatórios elaborados pela DGRSP a coabitação entre o arguido B e a arguida A já havia terminado anos antes, e não há qualquer relação familiar entre o arguido B e a ofendida.
- Donde, não se encontra preenchido o elemento objectivo para a agravação prevista no artº 177, nº 1, al. b).
- Uma breve nota quanto à aparência da ofendida, que não aparentava e continua sem aparentar a idade biológica.
- Já há data dos factos, a ofendida aparentava ser bastante mais velha do que os 12 anos biológicos.
- O mesmo se infere do início das transcrições quando a Srª JIC comenta a maquilhagem da ofendida, sendo corroborado quer pelos relatórios médicos dos hospitais onde a menor foi acompanhada quer da perícia médica elaborada pelo IML junto aos autos em 28.04.2021 com a refª citius 18699041 Trata-se de uma jovem com idade aparente superior à real, vestida e maquilhada de forma ostensiva, mas adequada ao género, idade e estação do Ano.
- Donde presumir que o arguido B sabia a idade da ofendida, com quem privava ocasionalmente no decurso do período em que se relacionou amorosamente com a arguida A, é uma presunção que fica ilidida as constantes observações anotadas em todos os relatórios médicos que foram juntos aos autos, inclusive na perícia do IML.
R. DA COACÇÃO:
- Nos termos do artigo 154º., do CP, comete o crime de Coacção: “1 - Quem, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, constranger outra pessoa a uma acção ou omissão, ou a suportar uma actividade” o qual é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. Nos termos do nº.2, a tentativa é punível.
- Nos autos não vem por qualquer meio provado, e nem resulta dos factos dados como provados que o arguido B tenha praticado, ou tentado praticar, qualquer acto susceptível de preencher o elemento objectivo do crime de coacção.
- Nenhuma das testemunhas referiu o arguido B, nem dos prints que foram juntos aos autos resulta qualquer tentativa de contacto por parte deste arguido para com a ofendida.
- Acresce que, também a ofendida não traz aos autos indícios de, após a prática dos factos, o arguido B a ter coagido seja a que for.
- Ademais, o arguido B já não vivia com a arguida A, segundo o depoimento da testemunha E, desde a data dos factos a ofendida não voltou a estar com a arguida A, e por maioria de razão com o arguido B.
S. DA VALORAÇÃO DO SILÊNCIO
- Em julgamento, o arguido é informado do direito a prestar declarações e do facto de não ser obrigado a prestá-las, sem que o seu silêncio possa desfavorecê-lo (artigo 342.º, n.º 1).
- A nossa lei processual penal consagra de forma expressa e ampla o direito do arguido a não prestar declarações e a não responder a todas ou a parte das perguntas que lhe sejam colocadas pelo tribunal ou pelos sujeitos processuais e ainda a proibição de se se extrair dessa opção processual alguma consequência contrária ao interesse do arguido.
- Esta proibição impede que o juiz interprete o silêncio do arguido e lhe atribua qualquer significado probatório para estabelecer na sentença a prova dos factos desfavoráveis ou que simplesmente o valore como circunstância agravante da pena.
- O silêncio não é tido como um elemento de prova sujeito ao princípio da livre apreciação e muito menos como um indício ou presunção de culpa.
- É também comum o entendimento de que as regras dos artigos 343.º, n.º 1, e 345.º, n.º 1, do CPP consagram uma verdadeira proibição de prova. Por isso, se o tribunal fundar a sua convicção em qualquer ilação desfavorável ao arguido extraída do seu silêncio, a decisão estará inquinada por se basear numa prova nula.
- Ora, resulta da motivação do acórdão de que se recorre que a convicção do tribunal assentou na concatenação ponderada do silêncio em audiência dos arguidos e arguida quanto ao imputado, com as declarações para memória futura prestadas pela ofendida menor, com o depoimento das testemunhas ouvidas e os documentos e prova pericial dos autos( fls 34 do acórdão recorrido) e da DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA que os arguidos usaram do direito ao silêncio quanto ao imputado, donde não foi possível confissão no que respeita a qualquer dos crimes apurados, nem demonstração de arrependimento pela prática dos factos (…) Assim, ponderadas ainda as demais agravantes e as atenuantes, designadamente (…) a não confissão dos factos, (…) as exigências de prevenção geral e especial e face à moldura penal aplicável tem- se por adequado fixar as seguintes penas concreta(…).
- Ficando assim demonstrado de forma cabal que o direito ao silêncio exercido pelo arguido B foi valorado como presunção de culpabilidade, e nesta medida, determinante para a formação da convicção do tribunal de que i) foi o autor material e na forma consumada e ii) não se arrependeu da prática do acto.
- Ora, tal ilação é nula por violação do princípio ínsito no arº 343 CPP, nulidade que, desde já, se invoca com todas as legais consequências.
T.  DO DEPOIMENTO INDIRECTO
- A valoração do depoimento das testemunhas de ouvir dizer depende da observância de certos procedimentos que visam a assegurar o contraditório nos depoimentos das  testemunhas.
- Ressalvadas as excepções previstas na parte final do nº 1 do art. 129, o depoimento indirecto só pode ser valorado como meio de prova, se o juiz proceder à sua confirmação através da audição das pessoas a quem a testemunha ouviu dizer.
- O acórdão recorrido atribui credibilidade à testemunha E ao mencionar que a filha relatou que foi penetrada analmente pelo arguido B, não constando estas declarações na transcrição das declarações prestadas pela ofendida para memória futura; que o 1º ou 2ª arguidos ligaram para o 3º também participar, o que a ofendida relata é que a minha tia quando estava no quarto ligou para ele ( cfr. minutos 0.06.52.0 da transcrição); que a menor viu o 3º arguido entregar dinheiro aos primeiros, quando o que a ofendida relata é que O D ficou a dar dinheiro à minha tia (cfr. Minutos 0.10.33.0 da transcrição) (…) eu só vi ele dar dinheiro à minha tia (cfr. Minutos 0.10.35.0 da transcrição); que aquando dos factos foi dito “tem de ser anal senão engravidamos a miúda” – das declarações para memória futura prestadas pela ofendida nada disto se infere quanto ao arguido B e nem a ofendida relatou de forma cabal, explícita e credível se foi penetrada anal ou vaginalmente pelo arguido B; ao mencionar que pedopsiquiatra e psicóloga fizeram a ligação entre os danos patentes na menor e os factos apurados cometidos na mesma – o que não resulta de nenhum relatório médico nem da perícia médica, e que levou a defesa do arguido B a requerer a audição destas médicas, o que foi indeferido pelo Tribunal a quo sem qualquer sustentação; ao mencionar que a menor disse que tinha vergonha do sucedido e que os 1º e 2ª arguidos a ameaçavam quando a menor ia a casa deles, de que lhe faziam mal se contasse o sucedido; que a menor aí viu arma e viu os 1º e 2ª arguidos fazer gestos como de cortar o pescoço em direcção à menor, no mesmo sentido de que lhe faziam mal se contasse o sucedido – cotejando cuidadosamente as declarações prestadas pela ofendida perante JIC, e já num contexto securizante, estranha-se que não tenham sido estes factos trazidos à colação pela ofendida, mas apenas pela testemunha E em sede de julgamento e por depoimento indirecto infirmado pelas declarações da sua filha; que a menor não fala com a arguida desde o sucedido – causando ainda mais estranheza o lapso temporal decorrido entre os factos e o relato à testemunha E.
- Assim, dever-se-á ter por reduzida a credibilidade prestada ao depoimento de ouvi dizer que a testemunha E trouxe aos autos.
U. ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
- O erro notório na apreciação da prova consiste num vício de apuramento da matéria de facto.
- Verifica-se o erro notório na apreciação da prova quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum.
- No erro notório da apreciação da prova está em causa, não o conteúdo da prova em si, nomeadamente do que foi dito no depoimento ou nas declarações prestadas, cujo teor se aceita, mas a utilização que foi dada à referida prova, no sentido de a mesma suportar a demonstração de um determinado facto.
- E face ao que vimos expandindo, dúvidas não restam que da prova produzida, quer testemunhal, documental ou pericial não poderiam ter sido dado como provados, como foram, os factos nºs 6, 7, 12, 14, 15, 17, 19, 20, 21, 22 e 29 que não estão provados.
- Porquanto da prova produzida não resulta que os factos ali dados como provados tenham acontecido daquela forma.
V. FALTA DE EXAME CRÍTICO DA PROVA E OMISSÃO DE FUNDAMENTAÇÃO
- O Acórdão recorrido, desde logo, enferma de nulidade por falta de exame crítico das provas, violando, assim, o disposto no art. 374º, nº 2, do CPP, segundo o qual, “Ao  relatório segue-se a fundamentação que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
- A fundamentação exigida pelo artigo supra referenciado não consiste na mera enunciação dos meios de prova utilizados, salientando que são credíveis, pois que, para que seja possível o recurso quanto á legalidade da decisão no domínio probatório, importa que a motivação do juízo em matéria de facto conste da decisão.
- O acórdão em crise não apresenta o exame crítico na motivação da decisão de facto, donde resulta não haver qualquer possibilidade de controlo, pela via do recurso, da decisão da matéria de facto, nem mesmo da sua conformidade com as disposições legais em matéria de prova.
- Pelo que, quando o Tribunal de Primeira Instância se limita a enumerar todos os meios de prova, salientando que se mostraram credíveis, quando se socorre do silêncio do arguido, quando se baseia numa prova testemunhal que consistiu em depoimentos indirectos, quando se serve quase em exclusivo das declarações para memória futura da menor fazendo questão de mencionar que as respostas da vítima não foram induzidas ou sugeridas pela Sra. Dra. Juiz, quando faz menção ao que consta do relatório pericial sem estabelecer um qualquer nexo de causalidade entre os factos imputados ao arguido B e os danos que a vítima alega ter sofrido, não está, com o devido respeito, a fazer um exame crítico da prova, ou seja, não exterioriza o processo racional que serviu de base àquela decisão, está, salvo melhor opinião, tão somente a enunciar todo o material probatório que observou, no entanto, sem o correlacionar com os factos e com a conduta do Recorrente de modo a que se perceba o processo lógico que subjaz á condenação em apreço.
- Perante a evidente falta de exame crítico e omissão de fundamentação em matéria de facto, o acórdão recorrido é nulo, por violação do disposto nos artigos 374º, nº 2 e 379º, a), ambos do CPP.
ARGUIDA A A
MOTIVAÇÕES DE RECURSO
“A liberdade de apreciação da prova é,  no fundo, uma liberdade de acordo com um dever — o dever de perseguir a chamada “verdade material” —, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo.” in Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, vol. I, Coimbra, 1974, pág. 202
Na verdade, e sempre com o devido respeito, não se pode conformar a ora recorrente quer da matéria de facto dada como provada, quer da matéria de direito.
Aliás, neste particular ponto, cumpre afirmar que para a ora recorrente , a condenação que lhe foi imposta e que ora se impugna é, salvo melhor opinião e saber, desadequada, excessiva e desproporcional para as circunstâncias do caso.
Daí que se discorde do direito aplicado e da desajustada dosimetria da pena, bem sustentada sim numa equívoca apreciação da prova produzida em Julgamento, entre o mais que se detalhará, pese o muito respeito e elevada consideração pelos Mmos.
Ainda assim, e esquematizando, o presente recurso estribar-se-á nas seguintes temáticas:
I - Impugnação da matéria de fato dada como provada;
II – Fundamentação ou insuficiência da mesma;
III – Utilização imprudente de presunções judiciais,
IV- Enquadramento jurídico dos fatos dados como provados;
V- Erro do direito aplicável;
VI– Medida da pena aplicável
Portanto,
Salvo o devido e muito respeito, o acórdão, é, ilegal, por :
a) insuficiente fundamentação da sentença, o que determina a sua nulidade, nos termos do art.379º, nº1, al. a), com referência ao art.374º, nº2, ambos do CPP.
b) Impugnação da matéria de facto dada como provada;
c) Contradição entre fato dado como provado e a respectiva motivação;
d) por erro do direito aplicável.
e) Utilização imprudente de presunções judiciais;
f) Errada qualificação jurídica dos fatos considerados provados
II. OBJECTO E DELIMITAÇÃO DO RECURSO
O presente recurso visa sindicar a decisão proferida pelo Tribunal a quo, mediante revista alargada da matéria de facto, conforme dispõe o artº 410º nº 2 do CPP, alª c), bem como, o reexame da qualificação jurídica dos factos considerados provados, e ainda, da medida concreta da pena aplicada ao recorrente.
Pese o muito respeito e elevada consideração pelos Mmos Senhores Juízes que lavraram o Douto Acórdão e pela excelência do mesmo enquanto peça processual digna de louvor, entende a recorrente que o mesmo consagra um incorrecto julgamento  de vários pontos da matéria de facto, face à fundamentação apresentada na respectiva decisão quanto aos mesmos, e à manifesta, insuficiente e errónea apreciação da prova, bem como o direito aplicável.
Afigura-se que, com referência à recorrente, o Tribunal recorrido não avaliou devidamente os elementos constantes dos autos, as declarações para memória futura prestadas pela ofendida menor, transcritas a fls. 821 e sgs, os restantes depoimentos testemunhais prestados em audiência de julgamento, resultando, em consequência, uma decisão desconforme com o caso e com a realização da Justiça e a justa composição de interesses comunitários.
“ Deste modo, a presente motivação visa impugnar em sede de recurso, uma decisão judiciária que não consagrou a correcta composição de interesses sociais de que a Lei é justo barómetro “ (sic – Dr Tiago Sarmento e Castro).
III- DA NULIDADE do Acórdão
1- INSUFICIENTE FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA, nos termos do art.379º, nº1, al. a), com referência ao art.374º, nº2, ambos do CPP.
2- IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO– art. 412º, nº 3, do PP
O dever de fundamentação das decisões judiciais tem assento no art. 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
Um dos seus reflexos, ao nível da lei ordinária e no que ao processo penal respeita, encontra-se no art. 374º, nº 2 do Código de Processo Penal que impõe que da fundamentação da sentença penal conste a enumeração dos factos provados e não provados e uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
A enumeração dos factos consiste na narração metódica dos factos que resultaram provados e dos factos que não resultaram provados, tendo por base os que constavam da acusação ou da pronúncia, da contestação e ainda os que, com relevo para a decisão, resultaram da discussão da causa.
De acordo com o referido dispositivo legal a fundamentação da sentença penal é composta por dois grandes segmentos, (i) um consiste na enumeração dos factos provados e não provados, (ii) outro na exposição concisa, mas completa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que contribuíram para a formação da convicção do Tribunal.
O exame crítico deve consistir na explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizado na indicação das razões pelas quais, e em que medida, determinado meio de prova ou determinados meios de prova, foram valorados num certo sentido e outros não o foram ou seja, a explicação dos motivos que levaram o tribunal a considerar certos meios de prova como idóneos e/ou credíveis e a considerar outros meios de prova como inidóneos e/ou não credíveis, e ainda na exposição e explicação dos critérios, lógicos e racionais utilizados na apreciação efectuada.
Ora,
Entendemos, com o maior respeito, que o acórdão proferido não faz o correcto e adequado exame crítico das provas, nomeadamente no que tange aos factos provados 5, 6, 7, 9, 10, 11, 12, 14, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 24, 26, 27,28, 29, 30, 32, 38, 39, 40, 43, bem como do constante do Relatório Social de fls., pois apesar de ter dado os factos como provados não alude, no nosso modesto entender, de uma forma suficiente a que provas se susteve para considerar como considerado.
Por outro lado, limitando-se o tribunal a fazer uma súmula de declarações e depoimentos prestados em audiência, bem como das declarações para memória futura prestadas pela ofendida menor, sem justificar suficientemente o porquê da credibilidade que cada um deles tenha merecido e às razões do respectivo merecimento, falta igualmente o exame crítico das provas.
Neste particular o Tribunal referiu ter formado a sua convicção quanto à matéria de facto provada e não provada “ na concatenação ponderada do silêncio em audiência dos arguidos e arguida quanto ao imputado, com as declarações para memória futura prestadas pela ofendida menor, com o depoimento das testemunhas ouvidas e os documentos e prova pericial dos autos… relatórios sociais, todos analisados em audiência, face a um juízo de experiência comum…”.
Sobre a validade e credibilidade das várias testemunhas, com especial relevo para o prestado pela ofendida C em sede de declarações para memória futura, o Tribunal recorrido não explica suficientemente porque a conferiu, mas uma vez aqui chegados e não tendo o tribunal indicado completamente as provas que serviram para formar a sua convicção sobre os pontos supra identificados dos factos provados, nem tendo efectuado o suficiente exame crítico de tais provas, existe insuficiente fundamentação da sentença, o que determina a sua nulidade, nos termos do art.379º, nº1, al. a), com referência ao art.374º, nº2, ambos do CPP.
De facto, não satisfaz as exigências da lei a sentença que apenas efectua uma enumeração dos concretos meios de prova tidos em conta para formar a convicção do tribunal e uma súmula dos respectivos depoimentos testemunhais, como in casu, sendo necessário que expresse o modo como se alcançou tal convicção, descrevendo - sempre de forma concisa, evidentemente - o processo racional seguido e objectivando a análise e ponderação criticamente comparativa das diversas provas produzidas, para que se siga e conheça a motivação que fundamenta a opção por uma prova em detrimento de outra.
Dito de outro modo, a sentença deverá fazer a indicação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, o que compreenderá não só a especificação das provas concretas, mas também a enunciação das razões ou motivos substanciais por que elas relevaram ou obtiveram credibilidade no espírito do julgador (cfr. Lopes do Rego, in «Comentário ao Código de Processo Civil», pág. 434).
A exposição dos motivos de fato que fundamentam a decisão deve conter, de modo completo e conciso, a enunciação das provas que serviram para fundar a convicção do tribunal, e a análise crítica de tais provas, entendendo-se por esta, a explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizada na indicação dos motivos e critérios lógicos e racionais que conduziram à credibilização de certos meios de prova e à desconsideração de outros.
A exposição dos motivos de direito mais não é do que a determinação do direito aplicável aos factos e sua aplicação ao caso concreto.
Quer faltem uns ou outros, a sentença será NULA , conforme dispõe o art. 379º, nº 1, a) do C. Processo Penal por referência ao nº 2 e na alínea b) do nº 3 do art. 374º do mesmo código.
É que, como se diz no Acórdão do Tribunal Constitucional 234/93, DR II Série, de 2-6-93, no rigor dos princípios "é tão importante reconhecer-se ao arguido o direito de recorrer da solução que tenha sido encontrada para a questão de facto , como da solução que haja sido dada à questão de direito "- citado por GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de processo Penal, III, Verbo, 2000,p. 295.
"Com efeito, ao lado do preceito jurídico que exige a punição do criminoso, levanta- se um outro preceito não menos importante, de só dever ser condenado o criminoso cujo crime foi provado " - RADBRUCH, Filosofia do Direito , Coimbra, 1974, p. 344.
A motivação da prova é, assim, a demonstração feita ao arguido , mas também à comunidade jurídica, em termos racionalmente comunicáveis, de que o crime efectivamente se provou.
O art." 410.°, n.º 2, al. b) do Código de Processo Penal ao considerar vício da decisão a "contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão ", indica-nos uma das características básicas da fundamentação: a coerência.
Portanto, e salvo mais douta opinião de V. Exªs. Venerandos Juízes Desembargadores, a douta Decisão recorrida omitiu em vários aspectos o seu dever de fundamentação das conclusões de direito a que chega, com base nos factos enumerados na decisão recorrida.
Assim,
A convicção do tribunal assentou na concatenação ponderada do silêncio em audiência dos arguidos e arguida quanto ao imputado, com as declarações para memória futura prestadas pela ofendida menor, nas quais a menor se revelou integralmente credível.
Neste particular, o Tribunal a quo entendeu, sucintamente que :  “ Neste juízo sobre a credibilidade da menor, note-se que nas declarações para memória futura afere-se com segurança estado emocional da menor, patente na gravação e transcrição, o que lhe confere a credibilidade mencionada “
“ Mais se constatando da aludida transcrição e audição que inexistiu qualquer indução ou sugestão de respostas por parte da Mmª. JIC (contrariamente ao aventado por defesa em sede de alegações), pelo que se teve o declarado pela menor como espontâneo, obviamente dentro da contingência emocional que sempre afecta as vítimas deste tipo de crime”
“ Pelo que se teve o declarado pela menor como espontâneo, obviamente dentro da contingência emocional que sempre afecta as vítimas deste tipo de crime. O que nada mitiga a sua credibilidade, pelo contrário”.
O porquê da convicção do Tribunal em considerar o declarado pela menor como “ espontâneo”, porque formou esse juízo sobre a “ credibilidade da menor”, porque concluiu que “ inexistiu qualquer indução ou sugestão de respostas por parte da Mmª. JIC”, é- nos escamoteado porque o Tribunal recorrido o não explica de forma suficiente.
Ainda mais, quando tais declarações para memória futura da menor ofendida não foram ouvidas ( a sua gravação/ vídeo) e nem lidas a sua transcrição em sede de Audiência de Julgamento, para o exercício do Direito ao Contraditório por parte dos arguidos e defesa.
O que se alega, para todos os devidos e legais efeitos.
Aqui chegados, temos de facto de nos insurgir quer com a Motivação quer com os Factos dados como provados.
Se não vejamos:
Desde logo, teremos que atender em absoluto e integralmente às declarações para memória futura da menor C ( transcritas nos autos a fls. 821 e segs), porquanto mais ninguém lá estava na prática dos factos e a testemunha E ( mãe da ofendida) alegadamente reproduz o que a ofendida ( sua filha) lhe transmitiu dois anos após a ocorrência dos factos, tratando-se , pois, de um depoimento indirecto ( cuja valoração tem de ser muito bem explicada pelo Tribunal que o acolhe- o que não aconteceu no acórdão recorrido, onde apenas se lê que “ E  foi integralmente credível ( por corroborada)” e “ … é depoimento indirecto, mas pode ser, como foi, valorado, por ser conforme às declarações para memória futura mencionadas, conformidade que contribuiu também para o juízo de credibilidade sobre o declarado, tanto pela filha, como por mãe”.
Mas, o que seria, em verdade e da experiência comum expectável das declarações da mãe da ofendida C? Que contradissesse o relatado pela filha? O que fez o Tribunal a quo para se assegurar, sem qualquer margem de dúvida, que tais declarações da menor ( prestadas dois anos depois dos alegados factos) não teriam sido concertadas entre mãe e filha ?
Nada, com o maior respeito.
Basta atentar na contradição – que não devia ter escapado ao douto Colectivo- entre o que declarou a Testemunha E que a arguida tocou na menor nas mamas e disse para tocar no pénis do 1º arguido e o declarado pela ofendida C , em sede de declarações para memória futura onde nunca declarou que a ora recorrente lhe disse para tocar no pénis do 1º arguido ! ( gravação entre 0:08:11 e 0:08:26).
Assim, o Tribunal não deu esse facto como provado, o que contraria a afirmação – na sua motivação- de que o depoimento da testemunha E  “ foi integralmente credível “. Pelos vistos, não o foi “ integralmente”….
Aliás, e nesta sede de “ integral credibilidade” conferida ao depoimento desta testemunha E , importa também salientar, para infirmar tal juízo de credibilidade decidido pelo Tribunal na sua motivação: Da leitura atenta e cuidada das declarações da menor, em momento algum é referido que o arguido B puxou o braço da menor e levou-a para o quarto (facto provado nº 6) ou que o arguido lhe tenha dito para se despir e esta tenha recusado (facto provado nº 7).
Com efeito, resulta das declarações da mesma menor que terá sido levada para o quarto e despida quer pelo arguido B quer pela arguida A (cfr. Minutos 0.06.08.0 a 0.06.16 da gravação das declarações para memória futura:
Testemunha: Ela, eles levaram-me para o quarto, tiraram-me a roupa, bateram-me, chegaram a bater-me com panelas.
Juiz: Querida, quem tirou a tua roupinha? Foi o…
Testemunha: A minha tia e o meu tio
Dos factos dados como provados em 12 não descortinamos como tal é dado como provado, se é a própria ofendida C que diz não praticou actos de masturbação ao arguido B, cfr. minutos 0.08.48.0, 0.08.51.0, 0.08.52.0 e 0.08.56.0 da gravação das declarações para memória futura.
Juiz: Sim. Olha querida, e masturbá-lo, tu também masturbaste ou não?
Testemunha: Não, Não, não.
Juiz: Não. Portanto foi só sexo oral que fizeste a este senhor?
Testemunha: Sim.
Acresce que,
A menor declarou que lhe bateram “ com panelas” ( registo a 0:06:08)
Juíz : “ Chegaram-te a bater com panelas” ( 0:06:17) ?
Testemunha : “ sim” ( 0:06:21)
Juíz: “ E onde é que te bateram com essas panelas? Na cabeça?” ( registo áudio
0:06:22)
Testemunha: “ Viraram-me, bateram-me aqui na zona das costas e do rabo” ( 0:06:25).
O facto provado nº 20 é do seguinte teor: “ Como a menor recusou, o arguido B muniu-se de um cinto e , com o mesmo, desferiu várias pancadas nas costas da menor”.
Onde é que o Tribunal a quo retirou este facto “ muniu-se de um cinto”, que pura e simplesmente não é referido por ninguém : nem a menor C, que declara que lhe bateram “ com panelas”, nem a testemunha E que refere que a sua filha lhe contou que bateram com “ panelas”.
Pergunta-se:
a) Qual a “ integral credibilidade” conferida pelo Tribunal às declarações da testemunha E – na sua motivação do Acórdão- quando a testemunha afirma que a menor lhe contou que lhe bateram com panelas e tal facto não consta dos factos dados como provados, nomeadamente no nº 20 que refere , antes, um “ cinto” ?
b) Como pode o Tribunal , na sua motivação do acórdão, afirmar: “ No que respeita aos factos dados como provados, para os mesmos contribuíram decisivamente as declarações para memória futura prestadas pela menor … nas mesmas, a menor revelou-se integralmente credível” ( bold nosso) e, nesse juízo sobre a credibilidade da menor ( que foi integral!) não fazer constar dos factos provados ( cfr. facto provado nº 20) que a ofendida foi agredida “ com panelas” – como a mesma afirmou !- mas, antes , com “um cinto”- de que a mesma nunca mencionou ?
c) È que, a ser julgado “ integralmente credível” o depoimento da menor, então tal facto por ela relatado de ter sido agredida “ com panelas” tinha de ser levado, obrigatoriamente aos factos provados, o que não sucedeu.
Ainda nesta sede,
No facto provado nº 29 pode ler-se: “ No dia seguinte, os arguidos B e A levaram a menor a casa”.
Ora, a menor C, nas suas declarações para memória futura ( cfr. registo a 0:02.49)
afirmou que “ fui lá passar o fim de semana”.
Juiz : “ Ias passar um fim – de –semana. E ficaste o fim-de-semana todo ou não? ( 0:02:50)
Testemunha : “ Fiquei” ( 0:02:53)
Juiz “ Ficaste, sim senhora. Olha e esta, e estes factos que aqui hoje vamos falar, aconteceram na sexta-feira, no sábado, no domingo?” ( 0:02:54)
Testemunha : “ Foi no dia que eu apareci lá, portanto foi sexta-feira”( 0:03:02).
Pergunta-se:
Se é a própria testemunha menor a afirmar que ficou em casa dos arguidos TODO o fim de semana, como pode o Tribunal a quo ter dado como provado o facto que verteu no nº 29 dos factos provados, i.é., que os arguidos levaram a menor a casa “ no dia seguinte”?
Trata-se de uma CONTRADIÇÃO entre a motivação e um facto dado como provado, o que se alega para todos os devidos e legais efeitos, e que V. Exªs. Venerandos Juízes Desembargadores, apreciarão, cominando as consequências legais.
E, uma vez que é a menor que , nas suas declarações para memória futura – que, repita-se foram consideradas pelo Colectivo como “ integralmente” credíveis e “ contribuíram  decisivamente “ para a convicção do Tribunal no sentido da condenação da recorrente- afirma sem qualquer espaço de dúvida que ficou em casa dos arguidos de sexta-feira a Domingo, pergunta-se: Tendo ficado provado que a menor tinha um telemóvel, tendo efectuado várias chamadas para a sua mãe, como poderá ser credível que a mesma- tendo os factos provados ocorrido na Sexta-feira – não tenha ligado no Sábado, não tenha ligado no Domingo à sua mãe ou a quem quer que fosse a denunciar os factos de que alegou ser vítima e a solicitar ajuda e salvação ?
Aliás, é a própria testemunha E- a cujo depoimento foi dada “ integral credibilidade” – que afirmou que quando a menor esteve em casa da arguida “ falou várias vezes com a mesma durante o dia”, daí ter ficado “surpresa” quando a menor lhe contou o sucedido apenas em Março de 2019 ( segundo as suas próprias palavras).
Pergunta-se:
Tendo a ofendida o seu telemóvel consigo, tendo falado com a sua mãe “ várias vezes”, será crível, segundo as regras do senso e experiência comuns, que a menor não tenha relatado à sua própria mãe, de imediato, as agressões de que tinha sido vítima ?
Até porque é a própria ofendida C que , em declarações para memória futura, reconhece expressamente que no dia seguinte aos factos “ os meus tios, no dia seguinte parece que não tinha acontecido nada, eu dormi no sofá…” ( 0:10:45), pelo que teve toda a oportunidade de pedir ajuda à sua mãe.
E , segundo também o declarou a ofendida, foi para casa da mãe apenas no Domingo :
Juiz : “ Olha querida, ainda antes de passarmos aí, depois tu foste para casa da mãe quando ?”( 0:11:12 da gravação)
Testemunha : “ Fui para casa da minha mãe, que eles até me deixaram no trabalho da minha mãe, o que a minha mãe achou estranho, não se despediram da minha mãe, deixaram-me lá…” ( 0:11:18)
Juiz: “ E deixaram-te no sábado, no domingo?” ( 0:11:25)
Testemunha: “ Foi no Domingo” ( 0:11:27).
Não se entende, por insuficiente fundamentação do acórdão recorrido.
Como também não se entende o porquê de o Tribunal a quo não ter qualquer relevância ao que de tão grave afirmou a ofendida C : Que, à data do factos, já tinha sido abusada sexualmente pelo seu primo I durante um ano e sete meses, o que deveria ter colocado ao Colectivo pelo menos a dúvida sobre quem era a ofendida em termos de experiência de vivências sexuais, ainda que criminosas e forçadas.
Juíza : “ Sim. Mas também contaste a este teu primo, não foi?” ( 0:12:11 )
Testemunha : “ Contei ao meu primo I, que abusou de mim durante um ano e sete meses”.( 0:12:15, da gravação).
Do facto provado nº 17, não se alcança como é que estando uma menor a presenciar tal contexto de violência física e sexual contra a sua pessoa, seja abandonada na sala e tendo acesso ao telefone e telemóvel, assim como à entrada da casa onde estava, ali se tenha mantido sem qualquer mecanismo de oposição, ou telefonado para a sua mãe, ou outro., bem como não resulta de nenhuma das provas produzidas que o arguido B tenha puxado a ofendida pelos cabelos.
Sobre o provado em nº 19 e 20, a verdade é que compulsada a prova testemunhal e documental, não resulta que a menor tenha sido empurrada para cima da cama e que lhe tivesse sido ordenado que se colocasse de joelhos, e menos ainda que o arguido B se tenha munido de um cinto , como supra já ficou exposto.
O que resulta das declarações da ofendida C é que foi agredida por uma extensão ficha tripla, sem identificar quem terá praticado tal acto,
cfr. minutos 0.07.34.0 a 0.07.51.0 da gravação.
Testemunha: … na altura. Bateram-me com um cabo daqueles…
Juiz :Vassoura?
Testemunha: …tripla…
Juiz: Diz?
Testemunha: Da tripla, não sei dizer o nome, aqueles cabos onde se liga ….
Juiz: Da ficha tripla? Sim?
Testemunha: Sim.
Juiz: Uma extensão, isso, isso.
Testemunha: Bateram-me com isso. E depois quando o outro senhor chegou, foi o senhor B e …
Do facto provado em nº. 21 e 22, é a ofendida C que nega a prática de sexo anal com o arguido B, cfr. minutos 0.08.52.0 a 0.08.56.0 da gravação.
Juiz: Não. Portanto foi só sexo oral que fizeste a este senhor?
Testemunha: Sim.
E do facto provado nº 29, não se percebe como o Tribunal o dá como facto provado, se é a ofendida C que afirma ter regressado à mãe no domingo e os acontecimentos reportarem-se a sexta-feira – cfr. minutos 0.02.47.0 a 0.02.53.0 e 0.11.25.0 a 0.11.30.0.
Juiz: Olha e tu ia ficar lá quantos dias? Ficaste…
Testemunha: Fui lá passar o fim de semana.
Juiz: Ias passar um fim de semana. E ficaste o fim de semana todo ou não?
Testemunha: Fiquei.
Juiz: E deixaram-te no sábado, no domingo?
Testemunha: Foi no domingo.
Assim, os factos dados como provados em 6, 7, 12, 17, 19, 20, 21, 22 e 29 não se podiam dar como provados, pelo que, vêm impugnados, dispondo, V. Exas. Venerandos Desembargadores, de todos os elementos para alterar a matéria de facto nos termos do art. 431º, do CPP, o que ora se reclama.
Reafirma-se, pois:
O Acórdão recorrido enferma de NULIDADE por falta de exame crítico das provas, violando, assim, o disposto no art. 374º, nº 2, do CPP, segundo o qual, “Ao relatório segue-se a fundamentação que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
Portanto, e retomando o raciocínio inicial:
A Decisão condenatória deve explicitar claramente que procedeu ao raciocínio analítico da prova produzida em julgamento, indicando as razões porque DECIDIU DO MODO EM QUE O FEZ.
Mas como alcança o Tribunal recorrido as suas conclusões no que respeita aos factos dados como provados ?
O modo de o documentar seria – segundo manda a lei- aqui aplicada subsidiariamente-, no caso o artigo 374º., n.º 2 do CPP – através daquela parte da sentença a que se chama fundamentação, a qual, nos dizeres da lei:
“ (...) consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal”.
Por isso que a decisão recorrida, que condenou a recorrente deve ser fundamentada, quer no que respeita à reconstituição do facto, quer às motivações de direito “Esta fundamentação justifica-se por, entre outras, permitir aos interessados e ao Tribunal de recurso verificar se a actividade intelectual desenvolvida pelo Juiz lhe permite chegar à conclusão ... sem a fundamentação e a possibilidade de comprovar os seus elementos, somente Deus e a consciência do Magistrado saberiam se a sentença reflectiu acto de justiça ou injustiça, leal cumprimento do dever ou prevaricação, a  vontade da lei ou a realização de um desejo de maldade. Sentença sem fundamentação é corpo sem alma. É nula (art. 379º do CPP) ...” (Prof. Germano Marques da Silva, Estudos de Homenagem a Cunha Rodrigues, registo da prova em processo penal, Tribunal Colectivo e Recursos, pág. 807).
Como escreveu o Sr. Juiz Desembargador José da Costa Pimenta, em Recursos em matéria de facto, o processo penal em revisão, comunicações, U.A.L., pág. 178: ”Fundamentar é prestar contas, e, em primeiro lugar, a si próprio”.
Ora, nos termos em que supra ficou enunciado, no n.º 2 do art. 374º corresponde ao preceito antigo agora melhorado. Enquanto que antes do novo texto legal se referia: “...que fundamentem a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal”, agora esclarece-se : “... com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal”.
Com a nova redacção quis o legislador esclarecer que o aplicador da Lei tem de fazer o exame crítico das provas, não sendo bastante a mera indicação das provas, e a súmula dos depoimentos testemunhais como se verifica liminarmente da presente Decisão impugnada, mesmo após o a correção que tentou fazer na sequência do doutamente ordenado pel Acórdão da Relação de Lisboa.
A fundamentação da matéria de facto radica-se, com efeito, na transparência que o legislador de 2017 pretende seja o julgamento e é útil para que as partes e o público em geral (dada a publicidade da audiência) possam perceber o raciocínio lógico feito pelo julgador, servindo de instrumento de ponderação e legitimação da própria decisão judicial e aquilatar da sua justeza (cfr. a este propósito, o Assento do STJ de 24.10.96, proc. n.º 466/86, BMJ, 460, pág. 191)
E o Acórdão do Tribunal Constitucional, de 2.12.1998, n.º 680/98 esclarece que a fundamentação do Tribunal Colectivo, no quadro integral das exigências que lhe são impostas por lei, há-de permitir ao Tribunal Superior “uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão e do processo logico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo decisório”.
Do mesmo modo, entre muitos outros, Ac. STJ, de 15.03.2000, proc. 16/00, C.J., 2000, I, pág. 226: “A exigência legal de fundamentação das decisões judiciais não satisfaz com a indicação pura e simples, do tipo de prova produzida. A exigência legal visa permitir o exame do processo lógico ou racional subjacente à formação da convicção do Juiz ...”
Também, o Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 15.03.2000 (R. 8199/99,BMJ, 495, 358): “nos termos do disposto no art. 374º n.º 2 do CPP, a fundamentação da sentença, para além da enumeração dos factos provados e não provados, tem de conter ainda, sob pena de nulidade uma exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal. Não basta, por isso, como se fez na sentença recorrida, a mera indicação de que o Tribunal julgou os depoimentos claros, convictos e verdadeiros, para se satisfazer a exigência legal da motivação da convicção do julgador e do exame crítico desses depoimentos: de forma ainda que concisa, a fundamentação da motivação de facto terá de revelar como se formou a convicção do tribunal relativamente aos factos provados, cumprindo-lhe, ainda, pronunciar-se sobre a razão do apreço que lhe mereceu cada um desses meios de prova. Não se mostrando, assim, cumpridos estes requisitos, há que anular a sentença recorrida”.
E, ainda, o Ac. desse Venerando Tribunal da Relação de Coimbra de 05.10.2000 (R. 1869/00, CJ, 2000, 4, 53): “ ...a sentença, além do mais, tem de conter a motivação (explicitação) da decisão de facto, que se não basta com a indicação das provas a partir das quais se formou a convicção do Tribunal, antes deve expor os motivos que levaram o Juiz a considerar aquelas provas como idóneas e relevantes, eventualmente em detrimento de outras, bem como os critérios utilizados na apreciação daquelas e o substracto racional que conduziu à convicção concretamente formada”.
Simas Santos e Leal-Henriques, in Código de processo Penal Anotado, 2’000, II Volume, 2ª. Edição, pág. 534, dizem que: “a sentença deve revelar o procedimento lógico seguido pelo Tribunal na formação da decisão, para se poder confrontar com o seu acerto e segurança” (sublinhado dos autores).
E, especificam os insignes autores: “Para tal, exige-se ... (2) a exposição, completa e concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão (as considerações de facto e de direito necessárias à qualificação jurídica da factualidade apurada; (3) a indicação e a apreciação crítica das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal. Esta última exigência é nova, toda a vez que a jurisprudência dos nossos tribunais superiores não tinha anteriormente como aplicável ao processo penal a correspondente exigência já então vigente no processo civil. Face ao segredo da deliberação e votação e à proibição de declarações na sentença, as provas aqui referidas são todas as que, de acordo com o n.º 3 do art. 365º, foram invocadas pelos Juízes e Jurados que fizeram vencimento em cada um dos pontos essenciais em julgamento”.
A propósito da motivação fáctica das sentenças penais, escreve Marques Ferreira, Jornadas de Direito Processual Penal, o novo Código de Processo Penal, Centro de Estudos Judiciários, pág. 229-230: “No futuro processo penal português, em consequência com os princípios informadores do Estado de Direito Democrático e no respeito pelo efectivo direito de defesa consagrado no art. 320º, n.º 1 e no art. 210º, n.º 1 da CRP, exige-se não só a indicação das provas ou meios de prova que serviram para formar convicção do Tribunal mas, fundamentalmente, a expressão tanto quanto possível completa ainda que concisa dos motivos de facto que fundamentaram a decisão. Estes motivos de facto que fundamentaram a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum), nem os meios de prova (thema probandum), mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência” (sublinhados nossos). Também acolhendo esta posição, o Ac. STJ de 13.02.92, BMJ, 414, 389.
E, prossegue o citado autor: “... a fundamentação ou motivação deve ser tal que, intraprocessualmente permita aos sujeitos processuais e ao Tribunal Superior o exame do processo lógico-racional que lhe subjaz, pela via de recurso, conforme impõe inequivocamente o art. 410º, n.º 2 ... e extraprocessualmente a fundamentação deve assegurar, pelo conteúdo, um respeito efectivo pelo princípio da legalidade na sentença e a própria independência e imparcialidade dos Juízes, uma vez que os destinatários da decisão não são apenas os sujeitos processuais, mas a própria sociedade ...”.
Também, neste ponto, Maia Gonçalves, Código de Processo Penal, anotado, 11ª Edição, 2001, pág. 709: “... a fundamentação, como resulta expressis verbis do n.º 2 (do art. 374º), não se satisfaz com a enumeração dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento e dos que serviram para fundamentar a sentença. É ainda necessário um exame critico desses meios, que servirá para convencer os interessados e a comunidade em geral da correcta aplicação da justiça no caso concreto”.
Acresce que, sem prescindir o devido respeito e melhor entendimento, na Decisão aqui posta em crise, há uma insuficiência de exame crítico da prova produzida em julgamento que inquina a Sentença do vício da NULIDADE, nos termos do disposto nos artigos 379°, n.° 1, alínea a), e 374°, n.° 2, todos do CPP, o que aqui se invoca para os devidos e legais efeitos, e que deverá levar à anulação da Sentença recorrida.
A fundamentação exigida pelo artigo supra referenciado não consiste na mera enunciação dos meios de prova utilizados, salientando que são credíveis, pois que,  para que seja possível o recurso quanto á legalidade da decisão no domínio probatório, importa que a motivação do juízo em matéria de facto conste da decisão.
No entendimento de Germano Marques da Silva, in Cuso de Processo Penal, III, pág. 289, “A fundamentação da sentença consiste na exposição dos motivos de facto (motivação sobre as provas e sobre a decisão em matéria de facto) e de direito (enunciação das normas legais que foram consideradas e aplicadas) que determinaram o sentido («fundamentaram») a decisão, pois que as decisões judiciais não podem impor-se apenas em razão da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz”.
Como, modestamente, procurámos supra demonstrar, o acórdão em crise não apresenta o exame crítico na motivação da decisão de facto, donde resulta não haver qualquer possibilidade de controlo, pela via do recurso, da decisão da matéria de facto, nem mesmo da sua conformidade com as disposições legais em matéria de prova.
Com efeito, e como ficou dito, o rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permitam exteriorizar as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte.
Pelo que, quando o Tribunal a quo se limita a enumerar todos os meios de prova, salientando que se mostraram “ integralmente” credíveis, quando se socorre do silêncio da Arguida, quando se baseia numa prova testemunhal que consistiu em depoimentos indirectos, quando se serve quase em exclusivo - “ no que respeita aos factos dados como provados, para os mesmos contribuíram decisivamente as declarações para memória futura prestadas pela menor” ( sublinhado e bold nosso) - das declarações para memória futura da menor fazendo questão de mencionar que as respostas da vítima não foram induzidas ou sugeridas pela Sra. Dra. Juiz de Instrução, quando faz menção ao que consta do relatório pericial sem estabelecer um qualquer nexo de causalidade entre os factos imputados à arguida A e os danos que a vítima alega ter sofrido, não está, com o devido respeito, a fazer um exame crítico da prova, ou seja, não exterioriza o processo racional que serviu de base àquela decisão. Está, salvo melhor opinião e com o maior respeito, tão somente a enunciar todo o material probatório que observou, no entanto, sem o correlacionar com os factos e com a conduta da Recorrente de modo a que se perceba o processo lógico que subjaz à condenação em apreço.
É unanimemente aceite, que “o exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção” ( Entre muitos outros, Ac. do STJ de 30-01-2002, Proc. n.º 3063/01).
Por economia processual não iremos transcrever aqui toda a motivação- que não se pode deixar de louvar face à sua qualidade jurídica, apesar de tudo- da douta decisão mas, no essencial diremos que contém “tão só” a enumeração dos elementos de prova, documental e testemunhal, com um relato exemplar do que cada uma delas ofereceu para a “descoberta da verdade material”.
Em conclusão, quanto a esta matéria recursória, perante a ( s.m.o) evidente falta de exame crítico e omissão de fundamentação em matéria de facto, o acórdão recorrido é NULO, por violação do disposto nos artigos 374º, nº 2 e 379º, a), ambos do CPP, negando-se, deste modo, à Recorrente, o seu direito ao recurso e violando-se os seus direitos, liberdades e garantias ( Ac.do Tribunal Constitucional nº 680/98, de 2.12.1998, publicado no D.R II Série 54 de 5.03.1999 “ (.....) a fundamentação das sentenças penais - especialmente das sentenças condenatórias, pela repercussão que podem ter na esfera dos direitos, liberdades e garantias das pessoas - deve ser susceptível de revelar os motivos que levaram a dar como provados certos factos e não outros, sobretudo tendo em conta que o princípio geral em matéria de avaliação das provas é o da sua livre apreciação pelo julgador devendo também indicar as razões de direito que conduziram à decisão concretamente proferida. Afigura-se ser este o núcleo central da exigência constitucional de fundamentação judiciais (...)”.
IV- DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CÍVEL
No que respeita ao pedido de indemnização civil que, de resto, dado como provado integralmente, chamamos à colação a vasta prova médica junta aos autos, porquanto a  ofendida nada juntou ao processo, com excepção de uma receita médica e as facturas da aquisição desses medicamentos.
Dúvidas não restam, s.m.o., da nossa perspectiva sustentada pela perícia médica junta aos autos sob fls 761 a 765, que a menor padece de um transtorno, ou se quisermos, de uma patologia do foro psiquiátrico.
Contudo, e salvo o devido respeito- que é muito-, o que parece ter sucedido, in casu, é um aproveitamento dessa situação, para, de forma encapotada, a menor vir atribuir tais comportamentos e desequilíbrios aos factos que se imputa à recorrente, justificando, desde modo, a indemnização reclamada e na qual a recorrente veio condenada a pagar.
Recorde-se que a arguida A veio condenada, solidariamente, com os outros Arguidos, no pagamento à ofendida da quantia de €20.000,00 a título de danos não patrimoniais, bem como, no pagamento, também solidário, de €317,09 a título de danos patrimoniais, e no pagamento dos respectivos juros de mora, á taxa legal, até efectivo e integral pagamento.
O Tribunal a quo dá como provada a matéria vertida no PIC, condena a recorrente no pagamento da indemnização peticionada, no entanto, não demonstra nem estabelece um nexo de causalidade entre aqueles danos e a actuação da Recorrente, enunciando  apenas os documentos clínicos, quando do seu teor não resulta que os danos e/patologias de que a menor sofre foram causados pela conduta da recorrente.
O acórdão recorrido apoia-se na documentação médica, aliás, enumera esses documentos e alude ao Relatório Médico Legal (de Clínica forense), junto aos autos sob fls 761.765, estando patente no texto da sentença que: “(...) do mencionado acervo documental e pericial dos autos se constatava automutilação da menor, tratamento da mesma em pedopsiquiatria face a tentativa de suicídio, ameaças á menor, perícia à menor no INML (...)”. No entanto, não refere o acórdão recorrido, o que levou a menor a ser seguida em pedopsiquiatria, nem diz o acórdão em crise, a razão de ser dessas tentativas de suicídio, que, contudo, serviram para condenar a recorrente no pagamento de uma indemnização.
Ora, a condenação no pagamento de uma indemnização requer que os danos sofridos pela vítima sejam causa adequada da conduta do agente, tal como decorre do art. 483º, nº 1, do CC.
E, da prova que o Tribunal a quo invoca para sustentar a condenação em apreciação (prova documental e a perícia médico legal) não resulta que a conduta da recorrente seja causa da perda de auto-estima, depressão reactiva, exaustão emocional, medo e insegurança que a menor invoca (art. 20º, do PIC e dado como provado), nem que as tentativas de suicídio foram provocadas pela acção da arguida A, ora recorrente.
Dali também não se infere que a menor reprovou duas vezes o 7º ano de escolaridade (art. 16º do PIC e dado como provado), por causa do facto praticado pela recorrente.
Nem que se viu humilhada, desrespeitada perante amigos e familiares ( art. 19º do PIC e dado como provado), tanto que, nem os amigos, nem os familiares foram arrolados como testemunhas, o que se salienta.
Destarte, o que consta, de forma clara, evidente e sem margem para dúvidas dos documentos médicos, designadamente, da Nota de Alta da Urgência Pediátrica do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, datada de 11.12.2018, pela Dra. F, Pedopsiquiatra, é que “a menor teve uma retenção no 6º ano por baixo rendimento escolar” e revela querer estar mais tempo com a mãe, pois afirma “quero estar mais tempo com ela ”verbalizando tristeza e raiva (..)”e ainda se pode ler “ansiedade reactiva em contexto escolar”.
Atente-se, também, na Nota de Alta da Urgência Pediátrica do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, datada de 12.02.2019, dada pela Dra. G, Pedopsiquiatra, onde se pode ler na parte respeitante a: 1. “HDA (...) Hoje a mãe terá encontrado faca na mala da C, razão pela qual se dirigiu ao HFF . A mãe relaciona alteração do comportamento com regresso ás aulas, depois de ter estado 3 dias em casa com amigdalite “ 2. “Na observação da adolescente: Adolescente com idade aparente superior á real. Fácies triste. Vigil, calma e colaborante. (...) A C relaciona a IMV com o facto de ter estado novamente com quem teve conflitos e de quem foi vítima de bullying. Verbaliza vontade de morrer, referindo ter colocado na faca na mala na passada 6ºf para se matar na escola, espetando-a no peito.”
Saliente-se, ainda, o que consta da Nota de Alta da Urgência Pediátrica do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, datada de 26.02.2019, dada pela Dra. H, Pedopsiquiatra, designadamente na parte respeitante aos AF, onde se pode ler: “(...) Refere que não tinha intenção de morrer ( encontrou todas as caixas e ingeriu 10 risperidona e 4 oxcarbazepina) e que fez IMV apenas para chamar a atenção dos pais. Terá feito toma de forma impulsiva por não sentir a atenção dos pais, fala no excesso de trabalho da mãe e no facto do pai não passar muito tempo com ela, e com ideia de que a mãe ficaria de baixa com ela em casa após ingestão (...). Nega desencadeante ou qualquer conflito antes da ingestão, explicando que foi impulsivo. (...)Mostra arrependimento face ao sucedido e fala na SNG que teve de colocar ontem e que nunca tinha colocado antese fala nos avós que terão ficado muito tristes com a ingestão de ontem. Vai repetindo que desta vez teve a certeza que as pessoas gostam dela e não vai voltar a fazer”.
Como facilmente se alcança, a depressão, a ansiedade e as tentativas de suicídio, entre o baixo rendimento escolar, não são o resultado/consequência dos factos imputados à recorrente, como quer fazer crer o Tribunal a quo, consubstanciam antes uma chamada de atenção da menor, que sente a falta da presença e do carinho dos pais, ao ponto de colocar em causa a própria vida, para ter a certeza de que a família gosta dela.
Nesta senda, os danos físicos e emocionais de que sofre a menor não foram provocados pela conduta da Recorrente, aliás, como bem decorre da documentação médica supra referenciada e do relatório de perícia médico legal, junto a fls. 761-765, do qual merece destaque a existência na família, de várias patologias do foro psiquiátrico e o facto da mãe da menor mencionar que esta sempre teve dificuldade em lidar com a frustração e tem dificuldades em manter amizades.
E, igualmente do facto de a menor ter declarado- como supra ficou referido- que foi abusada sexualmente pelo seu primo I durante um ano e sete meses ( cfr. gravação das declarações para memória futura, a 0:12:15 ).
Ora, da concatenação da informação médica supra referenciada nada faz depender os danos alegados pela menor da conduta criminosa da recorrente, nem o Tribunal a quo estabelece tal correlação, pese embora, utilize tais meios de prova para julgar procedente o PIC e condenar a recorrente no pagamento à ofendida de uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, servindo-se apenas das passagens dos documentos referidos supra que referem que a menor tentou suicídio e que necessita de acompanhamento, razão pela qual os factos que compõem o PIC não se podiam dar como provados, pelo que, vêm impugnados, dispondo, V. Exas. Venerandos Desembargadores, de todos os elementos para alterar a matéria de facto nos termos do art. 431º, do CPP, o que ora se reclama.
V - DO DIREITO
a) Utilização imprudente de presunções judiciais
O Tribunal a quo entendeu na sua Motivação e como já supra referimos, conferir toda a credibilidade ( “ integral” ) a C de Andrade, a ofendida, prestada em declarações para memória futura , em cujo depoimento essencialmente ( “ decisivamente” na sua própria expressão ) se baseou para dar tais fatos elencados acima como provados, referindo-se que “ nas mesmas a menor revelou-se integralmente credível”.
O que nos suscitou as mais diversas reservas, porque não se alcança o raciocínio lógico seguido pelo Tribunal recorrido.
É que, na verdade, apenas por recurso a mera a pura presunção, sem qualquer base de sustentação diga- se, poderá dar como provados os fatos que foram impugnados especificamente.
Nada o demonstra e nada o evidencia.
Mas, ainda relativamente à mesma questão diz-se também, o seguinte: Como supra se disse, a conclusão alcançada para a decisão sobre os transcritos factos dados como provados apenas pode advir de alguma PRESUNÇÃO que sempre deverá ser rodeada de especiais cautelas quando é usada como razão de ciência para dar como provada determinada matéria.
E tais fatos só podem ser considerados provados apenas com recurso a presunções que não têm, na verdade, e no nosso modesto entendimento, qualquer base de sustentação.
Ora, a noção de presunção (noção geral, prestável como definição do meio ou processo lógico de aquisição de factos, e por isso válida também, no processo penal) consta do artigo 349º do Código Civil: «presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido».
Importam, neste âmbito, as chamadas presunções naturais ou hominis, que permitem ao juiz retirar de um facto conhecido ilações para adquirir um facto desconhecido.
Em formulação doutrinariamente bem marcada e soldada pelo tempo, as presunções devem ser «graves, precisas e concordantes».
«São graves, quando as relações do facto desconhecido com o facto conhecido são tais, que a existência de um estabelece, por indução necessária, a existência do outro.
São precisas, quando as induções, resultando do facto conhecido, tendem a estabelecer, directa e particularmente, o facto desconhecido e contestado.
São concordantes, quando, tendo todas uma origem comum ou diferente, tendem, pelo conjunto e harmonia, a firmar o facto que se quer provar» (cfr. Carlos Maluf, "As Presunções na Teoria da Prova", in "Revista da Faculdade de Direito", Universidade de São Paulo, volume LXXIX, pág. 207).
A presunção permite, deste modo, que perante os factos (ou um facto preciso) conhecidos, se adquira ou se admita a realidade de um facto não demonstrado, na convicção, determinada pelas regras da experiência, de que normal e tipicamente (id quod plerum que accidit) certos factos são a consequência de outros. No valor da credibilidade do id quod, e na força da conexão causal entre dois acontecimentos, está o fundamento racional da presunção, e na medida desse valor está o rigor da presunção.
“A consequência tem de ser credível; se o facto base ou pressuposto não é seguro, ou a relação entre o indício e o facto adquirido é demasiado longínqua, existe um vício de raciocínio que inutiliza a presunção” (cfr. Vaz Serra, ibidem).
Deste modo, na passagem do facto conhecido para a aquisição (ou para a prova) do facto desconhecido, têm de intervir, pois, juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinada facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.
A presunção intervém, assim, quando as máximas da experiência da vida e das coisas, baseadas também nos conhecimentos retirados da observação empírica dos factos, permitem afirmar que certo facto é a consequência típica de outro ou outros.
A ilação derivada de uma presunção natural não pode, porém, formular-se sem exigências de relativa segurança, especialmente em matéria de prova em processo penal em que é necessária a comprovação da existência dos factos para além de toda a dúvida razoável.
Há-de, pois, existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de continuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido. A existência de espaços vazios no percurso lógico de congruência experimental típica determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo já da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada pelas impressões.» ( bold nosso).
b) Do depoimento indirecto da testemunha E .
 A valoração do depoimento das testemunhas de “ ouvir dizer” depende da observância de certos procedimentos que visam a assegurar o contraditório nos depoimentos das testemunhas.
Ressalvadas as excepções previstas na parte final do nº 1 do art. 129, o depoimento indirecto só pode ser valorado como meio de prova, se o juiz proceder à sua confirmação através da audição das pessoas a quem a testemunha ouviu dizer.
Ora, O acórdão recorrido valorou esse depoimento indirecto “ por ser conforme às declarações para memória futura prestadas pela ofendida”.
Já vimos supra como várias das declarações desta testemunha E não são conformes com aquelas prestadas pela ofendida C, em declarações para memória futura.
Não o iremos repetir agora o já aduzido.
Mas,
Basta atentar na CONTRADIÇÃO – que não devia ter escapado ao douto Colectivo-entre o que declarou a Testemunha E que a arguida tocou na menor nas mamas e disse para tocar no pénis do 1º arguido e o declarado pela ofendida C , em sede de declarações para memória futura onde nunca declarou que a ora recorrente lhe disse para tocar no pénis do 1º arguido ! ( gravação entre 0:08:11 e 0:08:26).
Também, para além dos já supra referidos, o acórdão recorrido atribui credibilidade à testemunha E ao mencionar que a filha relatou que foi penetrada analmente pelo arguido B, não constando estas declarações na transcrição das declarações prestadas pela ofendida para memória futura; que o 1º ou 2ª arguidos ligaram para o 3º também participar, o que a ofendida relata é “que a minha tia quando estava no quarto ligou para ele” ( cfr. minutos 0.06.52.0 da gravação); que a menor viu o 3º arguido entregar dinheiro aos primeiros, quando o que a ofendida relata é que “ O D ficou a dar dinheiro à minha tia” (cfr. Minutos 0.10.33.0 da gravação) (…) “ eu só vi ele dar dinheiro à minha tia” (cfr. Minutos 0.10.35.0 da gravação); que aquando dos factos foi dito “tem de ser anal senão engravidamos a miúda” – das declarações para memória futura prestadas pela ofendida nada disto se infere quanto ao arguido B e nem a ofendida relatou de forma cabal, explícita e credível se foi penetrada anal ou vaginalmente pelo arguido B; ao mencionar que pedopsiquiatra e psicóloga fizeram a ligação entre os danos patentes na menor e os factos apurados cometidos na mesma – o que não resulta de nenhum relatório médico nem da perícia médica, e que levou a defesa do arguido B a requerer a audição destas médicas, o que foi indeferido pelo Tribunal a quo sem qualquer sustentação, salvo mais douta opinião; ao mencionar que a menor disse que tinha vergonha do sucedido e que os 1º e 2ª arguidos a ameaçavam quando a menor ia a casa deles, de que lhe faziam mal se contasse o sucedido; que a menor aí viu arma e viu os 1º e 2ª arguidos fazer gestos como de cortar o pescoço em direcção à menor, no mesmo sentido de que lhe faziam mal se contasse o sucedido – cotejando cuidadosamente as declarações prestadas pela ofendida perante JIC, e já num contexto securizante, estranha-se que não tenham sido estes factos trazidos à colação pela ofendida, mas apenas pela testemunha E em sede de julgamento e por depoimento indirecto infirmado pelas declarações da sua filha; que a menor não fala com a arguida desde o sucedido – causando ainda mais estranheza o lapso temporal decorrido entre os factos e o relato à testemunha E.
Até porque
Como compaginar tal declaração (de que a menor não fala com a arguida desde o sucedido) com o facto de a testemunha E ter afirmado que os 1º e 2ª arguidos ameaçavam a menor “ quando a menor ia a casa deles” , naturalmente depois do sucedido
E como dar “ integral credibilidade” ao depoimento desta testemunha, quando também afirmou que a menor não voltou a ir a casa dos 1º e 2ª arguida “sozinha”- o que faz supor que a menor voltou, depois do sucedido, a casa dos 1º e 2ª arguidos acompanhada.
Se, como declarou no seu depoimento considerado integralmente credível – apesar de indirecto- a menor era ameaçada pelos 1º e 2º arguidos quando ia a casa deles?
Afinal, em que é que ficamos: a menor ía a casa dos arguidos depois do sucedido , ou não ? A menor não falou com a arguida desde o sucedido , como testemunhou , ou voltou a casa dos arguidos, concedendo-se que acompanhada?
Assim, dever-se-á ter por reduzida a credibilidade prestada ao depoimento de ouvir dizer que a testemunha E trouxe aos autos.
c) Da valoração do silêncio da arguida /recorrente em Julgamento
Em julgamento, o arguido é informado do direito a prestar declarações e do facto de não ser obrigado a prestá-las, sem que o seu silêncio possa desfavorecê-lo (artigo 342.º, n.º 1 do CPP).
A nossa lei processual penal consagra de forma expressa e ampla o direito do arguido a não prestar declarações e a não responder a todas ou a parte das perguntas que lhe sejam colocadas pelo tribunal ou pelos sujeitos processuais e ainda a proibição de se se extrair dessa opção processual alguma consequência contrária ao interesse do arguido.
Os artigos 343.º, n.º 1, e 345.º, n.º 1, do CPP proíbem expressamente que o arguido possa ser desfavorecido em consequência de em julgamento não prestar declarações ou, prestando-as, se recusar a responder a alguma ou todas as perguntas.
Esta proibição impede que o Juiz interprete o silêncio do arguido e lhe atribua qualquer significado probatório para estabelecer na sentença a prova dos factos desfavoráveis ou que simplesmente o valore como circunstância agravante da pena.
O silêncio não é tido como um elemento de prova sujeito ao princípio da livre apreciação e muito menos como um indício ou presunção de culpa.
Considera-se que essa possibilidade esvaziaria de sentido o direito à não auto-incriminação, pois equivaleria a estabelecer a obrigatoriedade do arguido prestar declarações — visto que, não o fazendo, se extrairia uma consequência no sentido da admissão da culpabilidade.
É também comum o entendimento de que as regras dos artigos 343.º, n.º 1, e 345.º, n.º 1, do CPP consagram uma verdadeira proibição de prova. Por isso, se o tribunal fundar a sua convicção em qualquer ilação desfavorável ao arguido extraída do seu silêncio, a decisão estará inquinada por se basear numa prova nula.
Essa conclusão decorre do princípio de que não podem ser utilizadas provas incriminatórias obtidas mediante violação injustificada dos direitos fundamentais, decorrente dos artigos 32.º, n.º 8, da Constituição e 126.º do CPP.
Ora, resulta da MOTIVAÇÃO do acórdão de que se recorre que “ A convicção do tribunal assentou na concatenação ponderada do silêncio em audiência dos arguidos e arguida quanto ao imputado, com as declarações para memória futura prestadas pela ofendida menor, com o depoimento das testemunhas ouvidas e os documentos e prova pericial dos autos” ( fls 34 do acórdão recorrido) e da DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA “ que os arguidos usaram do direito ao silêncio quanto ao imputado, donde não foi possível confissão no que respeita a qualquer dos crimes apurados, nem demonstração de arrependimento pela prática dos factos (…) Assim, ponderadas ainda as demais agravantes e as atenuantes, designadamente (…) a não confissão dos factos, (…) as exigências de prevenção geral e especial e face à moldura penal aplicável tem-se por adequado fixar as seguintes penas concreta(…)”.
Ficando assim demonstrado de forma cabal que o direito ao silêncio exercido pelo arguido B foi valorado como presunção de culpabilidade, e nesta medida, determinante para a formação da convicção do tribunal de que i) foi o autor material e na forma consumada e ii) não se arrependeu da prática do acto.
Ora, tal ilação é nula por violação do princípio ínsito no arº 343 CPP, NULIDADE que, desde já, se invoca com todas as legais consequências inerentes á mesma.
d) Do crime de Coacção
Nos termos do artigo 154º., do CP, comete o crime de Coacção: “1 - Quem, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, constranger outra pessoa a uma acção ou omissão, ou a suportar uma actividade” o qual é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. Nos termos do nº.2, a tentativa é punível.
Nos autos não vem por qualquer meio provado, e nem resulta dos factos dados como provados que a recorrente tenha praticado, ou tentado praticar, qualquer acto susceptível de preencher o elemento objectivo do crime de coacção.
Acresce que, também a ofendida não traz aos autos indícios de, após a prática dos factos, a recorrente a ter coagido seja a que for.
Ademais, segundo o depoimento da testemunha E, desde a data dos factos a ofendida não voltou a estar com a arguida A.
Donde, não se apura como se dá por provada a alegada coacção exercida pela recorrente sobre a ofendida C, nem como tal foi feito.
Até porque, nem o acórdão disso dá nota na sua motivação.
e) Do crime de lenocínio de menores agravado
Entende o tribunal a quo estarem preenchidos quanto à ora recorrente e quanto ao arguido B o tipo objectivo e subjectivo do crime em questão.
Não podemos consentir nesta visão dos factos, desde logo, porque entendemos ter havido erro na apreciação da prova que dá como provado o vertido em 14 e 15, os quais deviam ter sido dados como não provados quanto ao arguido B atentas as declarações da ofendida.
( cfr. minutos 0.06.52 da gravação).
Testemunha: Chegou, porque é assim, chegou porque a minha tia quando estava no
quarto ligou para ele.
(Minutos 0.10.33 da gravação.
Testemunha: O D ficou a dar dinheiro à minha tia.
Testemunha: não sei quanto dinheiro é que era, não faço a mínima. Eu só vi ele dar
dinheiro à minha tia ( 0:10.35, da gravação)
Estipula o nº 1 do artº 175 CP, na redacção vigente desde 2015, que comete tal crime: “Quem fomentar, favorecer ou facilitar o exercício da prostituição de menor ou aliciar menor para esse fim é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos”.
O tribunal a quo considerou que: “ No caso dos autos resulta claro do vertido nos factos provados que este crime preenchido, autonomamente, quanto ao 1º arguido e à arguida, em concurso efectivo com a violação e os abusos, imputados a cada um deles, e não em concurso aparente de infracções com os mesmos, nem subsumido na violação ou abusos supra”.
Não se pode concordar, o que se alega.
Baseia-se mais uma vez o Colectivo para dar como provado o nº 27 e dar como consubstanciado a prática do crime em apreço apenas e só nas declarações prestadas para memória futura pela ofendida C.
Ora,
Em nenhuma das suas declarações a ofendida refere : - nem o montante de €150,00 supostamente recebido pela recorrente, - nem a que título, porque razão, o arguido D estaria, alegadamente, a entregar qualquer montante de dinheiro à recorrente.
Independentemente da credibilidade que merecem as declarações da ofendida- e que questionámos supra! - , como se pode dar como preenchido apenas por tal o elemento objectivo do tipo em causa? Bem podia o arguido D estar a pagar um montante de dinheiro- que não se sabe quanto- a um qualquer outro título.
Como concluiu o tribunal que este dinheiro entregue foi entregue para “fomentar, favorecer ou facilitar o exercício da prostituição de menor” ?
Trata-se de “ prostituição “ no sentido típico da incriminação ?
Portanto, e desde logo, quem fomentou, favoreceu ou facilitou não foi o arguido B.
O arguido B é excluído, pelas declarações da ofendida, do preenchimento dos pressupostos objectivos, desde logo, o fomento, favorecimento ou facilitismo para o exercício da prostituição, e nesta medida, não deveria vir condenado por este crime.
Mas também não se verificam os elementos objectivos e subjectivos do tipo do crime em causa que a conduta da recorrente possa ter preenchido com a sua conduta.
Pelo que, também a recorrente não deveria ser condenada pelo crime de lenocínio de menor.
E, mesmo sem conceder, se tal não for assim considerado por V. Exs. Venerandos Juízes Desembargadores, o que dizer da medida da pena aplicada à recorrente por este crime: sete anos e três meses de prisão?
Como adiante referiremos, tal pena é desconforme com a culpa da recorrente e manifestamente desproporcionada, desadequada e excessiva, violando-se o art. 71º do CP.
Entendemos que a pena em concreto aplicada à ora recorrente neste particular crime porque veio condenada é desajustada à culpa.
E contesta-se a douta sentença porque se entende manifestamente excessiva a pena cominada.
O que se alega, para todos os devidos e legais efeitos.
f) Do erro notório na apreciação da prova
O erro notório na apreciação da prova consiste num vício de apuramento da matéria de facto.
Verifica-se o erro notório na apreciação da prova quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum.
No erro notório da apreciação da prova está em causa, não o conteúdo da prova em si, nomeadamente do que foi dito no depoimento ou nas declarações prestadas, cujo teor se aceita, mas a utilização que foi dada à referida prova, no sentido de a mesma suportar a demonstração de um determinado facto.
E face ao que supra referimos, dúvidas não restam ( s.m.o.) que da prova produzida, quer testemunhal, documental ou pericial não poderiam ter sido dados como provados ( muitos deles, pelo menos nos termos em que o foram), como foram, os factos nºs 6, 7, 10, 12, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 24 e 29 que não estão provados.
Porquanto da prova produzida não resulta que os factos ali dados como provados tenham acontecido daquela forma.
E não estão provados desde logo por não corresponderem às declarações para memória futura da ofendida, nem encontrarem suporte nos relatórios médicos e periciais junto aos autos.
Pelo que não se encontram preenchidos, e no que ao arguido B diz respeito, os elementos objectivos do tipo do crime de violação agravada, lenocínio de menor e coacção.
E não se encontram preenchidos, no que á ora recorrente diz respeito, os elementos do tipo objectivo de coacção.
g) Da livre convicção – o art. 127º “ Livre apreciação da prova”
Estipula o art. 127º do CPP que: “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
O douto acórdão recorrido, na sua motivação expende:
“ A convicção do tribunal assentou na concatenação ponderada do silêncio em audiência dos arguidos e arguida quanto ao imputado, com as declarações para memória futura prestadas pela ofendida menor, com o depoimento das testemunhas ouvidas e os documentos e prova pericial dos autos…e bem ainda vertidos no citius,( onde se incluem CRCs, comunicação de notícia de crime, autos de notícia, aditamentos, fotografias, elementos clínicos, relatório de Perícia e relatórios sociais), todos analisados em audiência, face a um juízo de experiência comum, sendo que a prova produzida em audiência se encontra gravada” ( bold e sublinhado nosso).
Em primeiro lugar, e porque de elevada relevância, diga-se que as declarações para memória futura prestadas pela ofendida C não foram lidas em audiência, nem ouvida a respectiva gravação. Audição essa que se afiguraria de extrema importância e relevo para a descoberta da verdade material, apesar da transcrição das declarações estarem nos autos, o que não é a mesma coisa. O que se alega, para a mui douta consideração de V. Exªs. Venerandos Juízes Desembargadores.
Como ensina o Prof. Cavaleiro Ferreira, «A livre convicção não significa, no entanto, e como é óbvio, apreciação segundo as impressões, nem inexistência de pressupostos valorativos, ou a desconsideração do valor de critérios, ainda objectivos ou objectiváveis, determinados pela experiência comum das coisas e da vida, e pelas inferências lógicas do homem comum suposto pela ordem jurídica. Não se analisando em liberdade não motivada de valoração, a livre convicção constitui antes um modo não estritamente vinculado de valoração da prova e de descoberta da verdade processualmente relevante, isto é, uma conclusão subordinada à lógica e à razão e não limitada por prescrições formais exteriores” (cfr., Cavaleiro de Ferreira, "Curso de Processo Penal", II, pág. 27).
Invoca, pois, no início da sua Fundamentação, o douto Acórdão recorrido” a livre convicção”, tendo em atenção as regras da experiência comum- Princípio da Livre Apreciação da Prova”.
O princípio, tal como está inscrito no artigo 127° do CPP, significa, no rigor das coisas, que o valor dos meios de prova não está legalmente pré-estabelecido, não é “ prova tarifada” , como afirma a fls. 17 do douto Acórdão, devendo o tribunal apreciá-los de acordo com a experiência comum, com o distanciamento, a ponderação e a capacidade crítica, na «liberdade para a objectividade» (cfr. Teresa Beleza, "Revista do Ministério Público", Ano 19°, pág. 40).
A livre apreciação da prova pressupõe, pois, a concorrência de critérios objectivos que permitam estabelecer um substrato racional de fundamentação da convicção, que emerge da intervenção de tais critérios objectivos e racionais.
Apenas a fundamentação racional e lógica, que possa fazer compreender a intervenção e o sentido das regras da experiência, permite formar uma convicção motivada e apreensível, afastando as conclusões que sejam susceptíveis de se revelar como arbitrárias, ou em formulação semântica marcada, meramente impressionistas (cfr. Marques Ferreira, "Jornadas de Direito Processual Penal", ed, CEJ, pág. 226).
E fundamentar, de forma insuficiente, é fundamentar mal, aquém do necessário e por essa razão, incumprir com o dever constante, desde logo no artigo 205º n.º 1 da CRP e artigos 97º n.º 5 e por essa mesma razão incorrer no vício constante do artigo 379º n.º 1 al. a) por referência ao artigo 374º n.º 2, este do C.P.P.
Diremos, com o maior respeito, que: credibilizar todas as testemunhas, da mesma  forma, quando entre elas existem contradições e desconformidades que se enunciaram supra;
É, para além de todo o demais, fundamental mal, e por isso incumprir no dever de fundamentação que impende sobre qualquer decisão, mormente sobre uma decisão condenatória.
Mas alegar sem demonstrar cabalmente seria incorrer em semelhante vício pelo que, incumbirá, à recorrente, oferecer exemplos que ilustrem o acima referido. E foi o que, modestamente, se tentou fazer supra.
E para onde, por economia de exposição, se remete, com a devida vénia.
No que tange à prova testemunhal o Douto Acórdão elenca, de facto, as testemunhas inquiridas e bem assim o que pelas mesmas, em resumo, foi dito, quase quedando-se por aí.
Significa isto que, o Tribunal não explica o percurso de raciocínio que certamente terá adoptado e tão pouco o alicerça na prova produzida uma vez que, como se disse, bastou-se com o elencar da prova produzida em julgamento.
O Tribunal não explica:
O grau de convencimento com os depoimentos prestados, quedando-se por afirmar que mereceram todas “ integral credibilidade”, nomeadamente as declarações para memória futura prestadas pela ofendida e as de sua mãe, a testemunha E.
Fica assim o recorrente sem compreender, por insuficiência de explicação, a real motivação do tribunal.
Assim, o Douto Acórdão sob recurso violou o preceituado no artigo 374º n.º 2 do C.P.P, nos termos já acima referidos.
Mas deveremos ainda referir que o douto Acórdão sob recurso, não explica de forma coerente e fundamentadamente lógica como chega à conclusão que conduz à condenação da recorrente, oferecendo raciocínios sem base probatória e apenas decorrentes de interpretações e valorações que, sempre com o enorme respeito, se terão que qualificar deficitária.
Pelo que, também, se deixa aqui arguido tal vício para os devidos e legais efeitos.
Ao formar a sua convicção íntima, o Tribunal a quo valorou erradamente a prova produzida em audiência, pois uma correcta apreciação e valoração da mesma imporiam decisão diferente da aplicada à ora recorrente, devendo consequentemente a prova a analisar, ser TODA a produzida em audiência de discussão e julgamento.
Reportando Simas Santos e Leal Henriques, o erro notório na apreciação da prova consiste na "falha grosseira e ostensiva da análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável.
Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das legis artis.
Erro notório,' no fundo, é a desconformidade com a prova produzida em audiência ou com as regras da experiência (decidiu-se contra o que se provou ou deu-se como provado o que não pode ter acontecido)”- in Recursos em Processo Penal, Editora Rei dos Livros, p.74.
Sabemos, é certo que não poderá incluir-se no erro notório na apreciação da prova a sindicância que a recorrente possa pretender efectuar à forma como o tribunal recorrido valorou a matéria de facto produzida perante si em audiência, valoração que aquele tribunal é livre de fazer, de harmonia com o preceituado no artº 127º
Na senda de Teresa Pizarro Beleza, o princípio da livre convicção, tal como está inscrito no artigo 127º do Código de Processo Penal, significa, no rigor das coisas, que o valor dos meios de prova não está legalmente pré-estabelecido, devendo o Tribunal apreciá-los de acordo com a experiência comum, com o distanciamento, a ponderação e a capacidade crítica, na «liberdade para a subjectividade'' .( TERESA PIZARRO BELEZA, "Tão amigos que nós éramos: o valor probatório do depoimento de co-arguido no processo penal português", Revista do Ministério Público, n." 74, 1998, pág. 40).
Tal como resulta expressamente da lei, qualquer um dos vícios enunciados no n." 2 do art.º 410.° do Código de Processo Penal tem que resultar "expressamente do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum ".
Por outro lado, o recurso às regras da experiência comum, de que se pode lançar mão para justificar o vício invocado tem de ser feito cum grano salis , pois tal prescrição não se adequa a todos os vícios referenciados no n.º 2 do artigo 410 .° do Código de Processo Penal.
Na hipótese de erro notório na apreciação da prova , as regras da experiência comum, devem ser invocadas quando da sua aplicação ressalte, sem margem para dúvidas, a existência desse erro , ou seja, "quando, contra o que resulta de elementos que constem dos autos, e cuja força probatória não haja sido infirmada, ou de dados do conhecimento público generalizado, se emite um juízo sobre a verificação ou não de certa matéria de facto e se torne incontestável a existência de tal erro de julgamento sobre a prova produzida” ( neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 94.03.16, Proc. n.? 46102, CJ XVI, 3, 24) .
Em síntese, estes são os elementos que há-de conformar a apreciação, em cada caso, sobre a ocorrência do mencionado vício de erro notório na apreciação da prova. (Cfr,v.g., Acs. do STJ de 15.04.1998, BMJ 476, 82; de 04.06.1998, BMJ 478, 183; de 30.09.1998, BMJ 479, 439 e de 06.04.2000, BMJ 496, 169).
O vício tem de resultar, como se referiu, do texto da decisão recorrida, «por si só ou conjugada com as regras da experiência comum», isto é, sem a utilização de elementos externos à decisão (salvo se os factos forem contraditados por documento que faça prova plena, não sendo, por isso, admissível recorrer a declarações ou a quaisquer outros elementos que eventualmente constem do processo ou até da audiência.
Tendo o presente recurso como objecto também a reapreciação da matéria de facto, nos termos do artigo 412.°, nº 3 do CPP, o recorrente deve especificar:
a) os pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) as provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) as provas que devem ser renovadas;
Nos termos do nº 4 da mesma disposição, quando as provas forem gravadas as indicações das alíneas b) e c), fazem-se por remissão para os suportes magnéticos. Ora como a prova está integralmente gravada, remete-se integralmente para todos os depoimentos prestados em audiência de julgamento.
Todos, pois somente ouvindo integralmente toda a prova, que assim se pede a integral renovação, é perceptível o manifesto erro na sua apreciação.
Como é sabido, a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal (doravante CPP), no que se convencionou chamar de “revista alargada”; ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º, nºs 3, 4 e 6, do CPP.
No segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pela recorrente, no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4 do art. 412º. Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto constitui um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida, na forma como foi apreciada a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
In casu,
A recorrente IMPUGNOU ESPECIFICADAMENTE os factos dados por provados no acórdão E IDENTIFICOU-OS supra, porquanto, da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, nomeadamente, da prova produzida tal matéria não resultou suficientemente provada pelo que, no cumprimento do ónus imposto pelos n.ºs 3 e 4, do art. 412º, do Código de Processo Penal, o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento com vista à modificação da matéria de facto, nos termos do art. 431º, al. a) e b) do C.P.P., há-de ater-se nos quadros que se tentaram delinear.
As provas que impõem decisão diversa são os depoimentos prestados em audiência pelas testemunhas, as declarações prestadas para memória futura constantes no registo áudio/vídeo, supra referenciados, disponível via habilus.
Ora, tendo presentes os elementos de integração do conceito de "erro notório" na apreciação da prova, enunciados pela doutrina e jurisprudência maioritárias, há que apreciar nesta perspectiva a decisão de que se recorre.
O que se tentou e enunciou supra, com o esperado mui douto suprimento de V. Exªs. Venerandos Juízes Desembargadores.
VII- DA MEDIDA DA PENA
Sem conceder, a admitir toda a matéria de facto dada como provada, entendemos com todo o respeito que não faz sentido a medida da pena aplicada à recorrente constante do dispositivo.
Donde se extrai, necessariamente, que deverá ser corrigida o Douto Acórdão, pelo menos, e sem conceder no demais, nesse segmento e, naturalmente realizado nova operação de cúmulo jurídico, que cremos deverá ser sempre inferior ao ora apresentado.
Analisando os critérios legais , poderíamos resumir toda a problemática da escolha e medida da pena na escolha da pena (art. 70°), em que o agente deve ser apreciado como a pessoa que é e na fixação do quantum da pena (art. 71°), sendo que o agente deve ser apreciado por aquilo que fez.
Dispõe o Art. 40° do C. Penal que: 1. "A aplicação da pena ... visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade ". 2. Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa “
Como sustenta ROBALO CORDEIRO, Jornadas de Direito Criminal - Revisão do Código Penal - CEJ - p. 48, "as exigências geral positiva e de prevenção especial de socialização dominam agora a operação de escolha da pena, a culpa esgotou as suas virtualidades na determinação da pena principal".
Como refere FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias - tendo já por referência o projecto que veio a ser plasmado no art. 40° da redacção dada pelo DL 48/95 ao Código Penal - "as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. Por outro lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa. Nestas duas proposições reside a fórmula básica de resolução das antinomias entre os fins das penas " - cfr. p.227- “ ... só finalidades relativas de prevenção, geral e especial, não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal a conferir fundamentos e sentido às reacções especificas. A prevenção geral assume, com isto o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas de prevenção positiva ou de integração, isto é de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face á violação da norma ocorrida" - Cfr. p. 72.
Mantém-se assim válida a síntese do mesmo professor, Liberdade, Culpa e Direito Penal, Coimbra Editora, 2ª ed., p. 239 : "A justificação da pena arranca da função do direito penal de protecção dos bens jurídicos; mas esta função de exterioridade encontra-se institucionalmente limitada pela exigência de culpa e, assim , por uma função de retribuição como ressarcimento do dano social causado pelo crime e restabelecimento da paz jurídica violada; o que por sua vez implica a execução da pena com sentido ressocializador - só assim podendo esperar-se uma capaz protecção dos bens jurídicos".
O art. 71º, nº 1 (denotando não ter sido adaptado à nova redacção do art. 40° com a qual importa harmonizá-lo) estabelece um critério geral segundo o qual a medida da pena deve fazer-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
Critério que é precisado depois no nº 2: na determinação da pena há que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime , deponham a favor do agente ou contra ele.
Reconduzindo-se os factores concretos a ter em conta, definidos nas várias alíneas do citado nº 2, a três grupos ou núcleos fundamentais: factores relativos à execução do facto {alíneas a), b) e c)}; factores relativos à personalidade do agente {alíneas d) e f)}; e factores relativos à conduta do agente anterior e posterior a facto {alínea e)}.
A determinação da medida concreta das penas aplicada à ora recorrente e da respectiva pena aplicada, não se encontra devidamente fundamentada pela sentença recorrida nos critérios definidos nos artigos 40º e 71º do CP e,
Por outro lado, a determinação da medida da pena é um procedimento vinculado (Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, 194 e seguintes) - que impõe ao Juiz a necessidade de dentro, dos limites da lei, proceder, oficiosamente, às diligências necessárias para que a determinação da medida concreta da pena se opere numa perspectiva objectiva.
A culpa tem uma função que não é a de modelar previamente ou de justificar a pena numa perspectiva de retribuição, mas a de «antagonista por excelência da prevenção», em intervenção de irredutível contraposição à lógica do utilitarismo preventivo, razão pela qual se pugna pela aplicação de uma pena substancialmente inferior e mais justa ao caso concreto.
Por maiores que sejam as necessidades de prevenção que ao caso se possa reclamar, a pena a aplicar está intrinsecamente limitada pela medida da culpa,
Pelo que aquando da concretização da medida da pena e da eventualidade de suspensão da pena aplicada, exige-se uma linha de equilíbrio entre estes factores que constituem balizas conformadoras da pena concretamente aplicável, ou seja, as necessidades comunitárias de prevenção geral por um lado e, por outro, as necessidades de prevenção especial, no que concerne a reintegração do agente na sociedade, o que nunca pode suceder se o mesmo estiver preso e privado da sua liberdade.
Não nos podemos alhear do facto, parafraseando Cesare Beccaria, que “os homens só após terem passado por mil erros nas coisas essenciais à vida e à liberdade (...) dispõem-se a reconhecer as verdades mais palpáveis”.
Entendemos que a pena em concreto aplicada à ora recorrente é desajustada à culpa.
E contesta-se a douta sentença porque se entende manifestamente excessiva a pena cominada.
Analisando temos que,
Os critérios que presidem à medida concreta da pena são os indicados no Artº. 70º do CP, como vimos.
A exigência do critério de determinação da medida da pena expnime pois, que a fixação do quantum da pena concreto se deve fazer com base na culpa e prevenção, afastando- se assim definitivamente, quer a ideia de que o juiz deve partir do "meio" da moldura penal do crime para encontrar a pena concreta, quer a dualidade de procedimento, fazendo funcionar as circunstâncias atenuantes e agravantes gerais para encontrar a medida concreta da pena depois de determinado o seu quantum em função do critério geral da medida fornecido pela lei.
A pena será assim medida pela necessidade de evitar a produção de lesões futuras semelhantes por qualquer membro da comunidade ou, mais exactamente de acordo com as necessidades de estabilização das expectativas na validade do Direito por parte da comunidade em face da lesão de bens jurídicos.
Contudo a prevenção geral entendida como "protecção de bens jurídicos", postula a proporcionalidade entre a medida da pena e a gravidade do facto praticado. Neste sentido, "Luzon Pena" na Ob. (Medicion), refere que "a intimidação geral exige proporcionalidade entre a medida da pena aplicada e a gravidade do ilícito do facto e aquela não é mais do que um princípio limite da pena derivado da exigência de eficácia e idoneidade da intimidação geral, acrescendo que o fundamento da prevenção geral na sua necessidade traz consigo (...) uma segunda limitação; obriga a demonstrar continuamente a necessidade da pena, e concretamente para efeitos da determinação da pena obriga a questionar se a gravidade de uma pena, sem descer abaixo da quantia proporcional ao facto (...) é, realmente necessária e imprescindível para efeitos de intimidação geral ou se, pelo contrário, porque a intimidação não sofreria perda, bastaria para esses efeitos uma quantia menor (...), que exigências de prevenção especial aconselhariam ou exigiriam ".
Por outro lado, a medida da pena, além da sua necessidade terá que ter em conta as exigências individuais e concretas de socialização do agente, sendo certo que na sua determinação ter-se- á que entrar em linha de conta que se deve evitar a dessocialização do agente. (Assim, Figueiredo Dias, Direito Penal Português, pago 231).
Terá ainda o julgador na determinação da medida da pena, que atender a todos as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele (art. 71.°, nº2 do CPP).
Citando Rodrigues Devesa, poder-se-á dizer "a ilicitude e a culpa são susceptíveis de variação consoante as circunstâncias que concorram no caso concreto no crime cometido ,quer dizer que, são capazes de uma graduação maior ou menor que repercute sobre a gravidade".
A todo o crime corresponde uma reacção penal , pelo qual a comunidade expressa o seu juízo de desvalor sobre os factos e a conduta realizada por quem viola os comandos  legais do ordenamento penal , estando as mesmas definidas no respectivo tipo legal, que neste caso e tratando -se de crimes com menor impacto junto da opinião publica.
Temos para nós que a pena a aplicar, cientes que os critérios de determinação da mesma estão fixados no art. 71.° do C. Penal, pelo que, numa primeira aproximação, a pena deve ser concretizada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo ainda, numa segunda fase, a todos as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, rodearam o mesmo, antes ou depois do seu cometimento - recorda-se que de acordo com o art. 40º, nº 1 do C. P. "A aplicação das penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade".
Assim e retomando os critérios para a determinação, temos que daquela primeira aproximação decorrem duas regras centrais: a primeira, que é explícita, consiste em que a culpa é o fundamento para a concretização da pena; a segunda, que está implícita, é que deverá ter-se em conta os efeitos da pena na vida futura do arguido na sociedade e da necessidade desta defender-se do mesmo mantendo a confiança da comunidade na tutela da correspondente norma jurídica que foi violada.
Posto isto, podemos dizer que nesta acção a pena serve primacialmente, por um lado, para a retribuição justa do ilícito e da culpa (função retributiva), contribuindo ainda, por outro lado e ao mesmo nível, para a reinserção social do arguido, procurando não prejudicar a sua situação social mais do que estritamente necessário (função preventiva especial positiva) - como aludia Kohlrausch: "Na determinação da pena o tribunal deve considerar principalmente que meios são necessários para que o réu leve de novo uma vida ordenada e conforme a lei" (vide “ Mitt IKV Neue Folge", 1. 3, p. 7, citado por H. - H. Jescheck, in " Tratado de Derecho Penal", Vol. II, p. 1195).
Contudo, também entendemos que aqui a pena deve, tanto quanto possível, neutralizar o efeito do delito, passando a surgir este sem sombra de dúvidas, como um exemplo negativo para a comunidade e contribuído, ao mesmo tempo, para fortalecer a consciência jurídica da comunidade, procurando dar satisfação ao sentimento de justiça do mundo circundante que rodeia a arguida.
Ainda assim, por mera cautela de patrocínio, caso se julgue provada a restante matéria factual dada como provada, o que não se concede, sempre se pugna por uma pena em cúmulo a aplicar à recorrente próxima do limite mínimo e que possa ser condicente com a sua culpa.
Seguindo o Prof. Figueiredo Dias dizemos que a culpa está ligada à ideia de retribuição ou como expiação da pena.
Constitui o limite inultrapassável da pena.
Toda a culpa é uma culpa de vontade.
Só pode ser censurado como culpado o homem que pode, do ponto de vista da vontade e liberdade, fazer e na medida em que se determine, naquelas circunstâncias, por essa vontade. É a personalidade censurável, actualizada no facto praticado, que fundamenta o juízo de culpa. E é a medida de desconformação entre o (des) valor da personalidade do agente e o valor da personalidade jurídico-penalmente conformada (personalidade suposta pela ordem jurídica) que constitui a medida da censura que lhe deve ser feita. A concepção de culpa está referida ao facto (concretizada nele) e não tanto à personalidade do agente, a não ser que o próprio tipo de crime lhe dê relevância.
Isto é, o quantum da pena tem a sua justificação mais no que se fez (ou não fez) do que naquilo que se é (ou não é). Repare-se na diferente consequência entre o conceito de culpa, assim entendido, e a necessidade de reintegração do agente.
Independentemente o fato de a recorrente já não ser primária e ter sido condenada, há anos, em pena de prisão de 3 anos, suspensa na sua execução, entretanto extinta, mas pelos mesmos tipos de crimes em apreço, embora de substancial menor relevo.
Aquilo que se é (e não devia ser) toma-se relevante para a escolha da pena; aquilo que se fez é que se toma relevante para o quantum desta. O quantum da pena depende da necessidade de prevenção que aquele indivíduo e naquele crime se exigir (Ac. da RC recurso 596/2001).
Entende a defesa, terem sido violados os artigos 70.º e seguintes do C. Penal.
A recorrente pode ter errado - no que não se concede - , mas a pena cominada é exageradamente desajustada em face da culpa. A pena deve ajustar-se ao dolo e nunca ultrapassar a culpa do agente na sua dosimetria.
In casu,
- condenar a recorrente , pela prática , em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso sexual de criança agravado, p.ep. pelos artºs. 171º, nº 1, 177º, nº 1 b) e nº 4, do CP, na pena de 6 ( seis) anos de prisão, para uma conduta descrita no fato provado nº 26 “ Nessa altura, encontrando-se na cama ao lado da menor C, a arguida A  agarrou os seios desta, acariciando-os “ parece manifestamente desadequada, desajustada e exagerada na sua dosimetria.
- Condenar a recorrente, em co-autoria material, de um crime de lenocínio de menores agravado, consumado, p.e p. pelos art.s 175º, nºs.1 e 2 alíneas a) e d) e 177º, nºs 4 e 7 do CP , na pena de 7 ( sete) anos e 3 ( três) meses de prisão ( remete-se para as considerações alinhadas supra quanto ao não cometimento deste tipo de crime pela recorrente) parece manifestamente desadequada, desajustada e exagerada na sua dosimetria.
Ainda assim, mesmo que se considere assente tudo o que firmou o douto acórdão recorrido, no que se não concede, deveria ter sido neste último sentido que o Tribunal recorrido deveria ter decidido.
Assim, a pena mostra-se injusta e desproporcional, tendo o Tribunal a quo decidido em desconformidade com o disposto no art.º 32.° n.º 2, da C.R.P. e art.°s 40°, 70º e 71° todos do C.P.P.
Pelo que deverá a decisão recorrida ser apreciada atentos os fundamentos invocados e ser substituída por outra, devendo ser reapreciada toda a prova produzida em audiência, e apreciando-se a prova nos termos constantes no artigo 127º do CPP, e consequentemente proferida decisão consentânea com o ora alegado.
O Douto Acórdão recorrido, deve ser assim ser considerado NULO, além de conter, pelo menos a inconstitucionalidade supra referida, violando-se o disposto no artº 32º da CRP.
CONCLUINDO:
DA NULIDADE do Acórdão
1- O dever de fundamentação das decisões judiciais tem assento no art. 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
2- Um dos seus reflexos, ao nível da lei ordinária e no que ao processo penal respeita, encontra-se no art. 374º, nº 2 do Código de Processo Penal que impõe que da fundamentação da sentença penal conste a enumeração dos factos provados e não provados e uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
3- A enumeração dos factos consiste na narração metódica dos factos que resultaram provados e dos factos que não resultaram provados, tendo por base os que constavam da acusação ou da pronúncia, da contestação e ainda os que, com relevo para a decisão, resultaram da discussão da causa.
4- De acordo com o referido dispositivo legal a fundamentação da sentença penal é composta por dois grandes segmentos, (i) um consiste na enumeração dos factos provados e não provados, (ii) outro na exposição concisa, mas completa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que contribuíram para a formação da convicção do tribunal.
5- O exame crítico deve consistir na explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizado na indicação das razões pelas quais, e em que medida, determinado meio de prova ou determinados meios de prova, foram valorados num certo sentido e outros não o foram ou seja, a explicação dos motivos que levaram o tribunal a considerar certos meios de prova como idóneos e/ou credíveis e a considerar outros meios de prova como inidóneos e/ou não credíveis, e ainda na exposição e explicação dos critérios, lógicos e racionais, utilizados na apreciação efectuada.
6- A convicção do tribunal assentou na concatenação ponderada do silêncio em audiência dos arguidos e arguida quanto ao imputado, com as declarações para memória futura prestadas pela ofendida menor, nas quais a menor se revelou integralmente credível.
7- Afigura-se que, com referência à recorrente, o Tribunal recorrido não avaliou devidamente os elementos constantes dos autos, as declarações para memória futura prestadas pela ofendida menor, transcritas a fls. 821 e sgs, os restantes depoimentos testemunhais prestados em audiência de julgamento, resultando, em consequência, uma decisão desconforme com o caso e com a realização da Justiça e a justa composição de interesses comunitários.
ARGUIDO D
 Não se conformando com a decisão, vem interpor recurso, apresentando a motivação, seguida das Conclusões:
MOTIVAÇÃO
I. DA FALTA DE EXAME CRÍTICO DA PROVA E FUNDAMENTAÇÃO (art. 374º, nº 2, e 379º, a), do CPP):

O Acórdão recorrido, desde logo, enferma de nulidade por falta de exame crítico das provas, violando, assim, o disposto no art. 374º, nº 2, do CPP, segundo o qual, “Ao relatório segue-se a fundamentação que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.

A fundamentação exigida pelo artigo supra referenciado não consiste na mera enunciação dos meios de prova utilizados, salientando que são credíveis, pois que, para que seja possível o recurso quanto á legalidade da decisão no domínio probatório, importa que a motivação do juízo em matéria de facto conste da decisão.

No entendimento de Germano Marques da Silva, in Cuso de Processo Penal, III, pág. 289, que aqui partilhamos, “A fundamentação da sentença consiste na exposição dos motivos de facto (motivação sobre as provas e sobre a decisão em matéria de facto) e de direito (enunciação das normas legais que foram consideradas e aplicadas) que determinaram o sentido («fundamentaram») a decisão, pois que as decisões judiciais não podem impor-se apenas em razão da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz” .

É assim em qualquer outro ramo do direito, mas é nossa convicção que no Processo Penal esse rigor deverá ser maior porque estão em causa não só direitos das vítimas mas também os direito dos arguidos.

Por outro lado, o acórdão em crise não apresenta o exame crítico na motivação da decisão de facto, donde resulta não haver qualquer possibilidade de controlo, pela via do recurso, da decisão da matéria de facto, nem mesmo da sua conformidade com as disposições legais em matéria de prova.

Com efeito, o rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permitam exteriorizar as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte.

Pelo que, quando o Tribunal de Primeira Instância se limita a enumerar todos os meios de prova, salientando que se mostraram credíveis, quando se socorre do silêncio do Arguido, quando se baseia numa prova testemunhal que consistiu em depoimentos indirectos, quando se serve quase em exclusivo das declarações para memória futura da menor fazendo questão de mencionar que as respostas da vítima não foram induzidas ou sugeridas pela Sra. Dra. Juiz, quando faz menção ao que consta do relatório pericial sem estabelecer um qualquer nexo de causalidade entre os factos imputados ao Arguido D e os danos que a vítima alega ter sofrido, não está, com o devido respeito, a fazer um exame crítico da prova, ou seja, não exterioriza o processo racional que serviu de base àquela decisão, está, salvo melhor opinião, tão somente a enunciar todo o material probatório que observou, no entanto, sem o correlacionar com os factos e com a conduta do Recorrente de modo a que se perceba o processo lógico que subjaz á condenação em apreço.

Ora,
É unanimemente aceite, que “o exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção “, nesse sentido, cf., v.g., Ac. do STJ de 30-01-2002, Proc. n.º 3063/01.

Perante a evidente falta de exame crítico e omissão de fundamentação em matéria de facto, o acórdão recorrido é NULO, por violação do disposto nos artigos 374º, nº 2 e 379º, a), ambos do CPP, negando-se, deste modo, ao Recorrente, o seu direito ao recurso e violando-se os seus direitos, liberdades e garantias, atente-se, por este motivo, no que dispõe o Ac.do Tribunal Constitucional nº 680/98, de 2.12.1998, publicado no D.R II Série 54 de 5.03.1999 “ (.....) a fundamentação das sentenças penais - especialmente das sentenças condenatórias, pela repercussão que podem ter na esfera dos direitos, liberdades e garantias das pessoas - deve ser susceptível de revelar os motivos que levaram a dar como provados certos factos e não outros, sobretudo tendo em conta que o princípio geral em matéria de avaliação das provas é o da sua livre apreciação pelo julgador devendo também indicar as razões de direito que conduziram à decisão concretamente proferida.
Afigura-se ser este o núcleo central da exigência constitucional de fundamentação judiciais (...).”
II. DA CONTRADIÇÃO INSANÁVEL NA APRECIAÇÃO DA PROVA – art. 410º, nº 2,b), do CPP ( no caso do recurso não merecer provimento quanto ao exposto no capítulo anterior).
10º
O Acórdão recorrido condena e enquadra a conduta do Arguido D num crime de violação, na forma agravada, consumada, p. e p. pelos artigos 164º, nº 2, a), 177º, nº 4 e 7, todos do Código Penal (CP), na pena de cinco anos de prisão, efectiva.
11º
Centremos a nossa atenção para o tipo legal em análise – o disposto no nº 2, do art. 164º, do CP   segundo o qual “Quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa a sofrer ou a praticar , consigo ou com outrem, cópula, coito anal, ou coito oral (...), é punido com uma pena de prisão de três a dez anos”.
12º
Daqui resulta que a conduta típica do crime (“constranger”) traduz-se num acto de coacção, imediatamente dirigido á prática, activa ou passiva, de um acto sexual de relevo.
13º
Sendo que, o meio típico de constrangimento passa pela violência, ameaça grave, ou pelo facto do agente ter tornado a vítima inconsciente ou a ter posto na impossibilidade de resistir.
14º
Por conseguinte, actos sexuais súbitos e inesperados praticados sem ou contra a vontade da vítima, mas aos quais não preexistiu a utilização de um daqueles meios de constrangimento, não integram o tipo objectivo de ilícito (cfr. Jorge de Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I).
15º
Ora, da prova produzida e da que foi ponderada para efeitos de decisão, não consta o emprego, por parte do Arguido D, de violência ou ameaça grave, nem dela resulta que este tenha colocado a menor inconsciente ou impossibilitada de resistir.
16º
Atente-se, desde logo, nas declarações para memória futura da menor, que foram gravadas, ficheiro 20210701102557_4254528_2871337 *uma, e que se encontram transcritas nos autos, com data de 28.03.2022, com a referência nº 20749759, declarações essas que, de resto, se mostraram decisivas para a presente condenação ( tal como é referido no acórdão recorrido), e de onde se destaca:
Minuto 0.09.02.0
Juiz: A...e depois do outro senhor chegar, foram os dois, dizes tu que ... Minuto 0.09.08.0
Testemunha: Sim Minuto 0.09.10.0
Juiz: abusaram de ti no rabinho, é isso?
Minuto 0.09.12.0
Testemunha: um no rabinho e outro ...
( página 16 da referida transcrição).
(....)
Minuto 0.10.30.0
Juiz: E o outro homem, o tal D, saiu entretanto?
Minuto 0.10.33.0
Testemunha: O D ficou a dar dinheiro á minha tia.
(...)
Minuto 0.10.35.0
Testemunha: Não sei quanto dinheiro é que era, não faço a mínima. Eu só vi ele a dar dinheiro
à minha tia.
(página 18 da transcrição)
17º
Pelo que, do supra exposto não resulta a utilização de qualquer meio típico de constrangimento, pelo que, não se pode enquadrar a conduta do Recorrente D no nº 2 do art. 164º, do CP, mas antes no nº 1, o que releva para efeitos de medida concreta da pena a aplicar.
18º
Atente-se nos factos dados como provados, em concreto no facto nº 25 “Acto contínuo , o arguido D introduziu o seu pénis erecto no ânus da menor, efectuando movimentos de vai e vem, enquanto a agarrava com as mãos e lhe dizia “vai sua puta”, pese embora a menor chorasse e lhe pedisse que cessasse com tal conduta”.
19º
Ora, é patente que se trata de um acto contra a vontade da menor, mas não resulta da conduta descrita e dada como provada, o emprego de violência, ameaça grave, ou que o Arguido tenha imobilizado a vítima ou que a colocou inconsciente.
20º
Consequentemente, não existiu, por parte do Arguido D, a utilização prévia de um qualquer meio de constrangimento, tanto que, a menor está na posição em que a tia se encontrava, a mando do Arguido B, conforme resulta dos factos provados nº 19
 “Nessa altura o Arguido B empurrou a menor para cima da cama e disse-lhe que se colocasse de joelhos, na mesma posição da arguida A ”.
21º
Logo, o acto sexual praticado em concreto pelo Arguido D não integra o tipo objectivo de ilícito de que vem acusado – art. 164º, nº 2, do CPP – que pressupõe, por seu turno, por parte do agente um acto prévio de constrangimento, o qual implica o uso da força, a violação ou a colocação da vítima em situação inconsciente ou impossibilitada de reagir.
22º
Havendo, por conseguinte, uma clara e evidente contradição entre a fundamentação e a decisão, visto que, a condenação assentou em premissas distintas das que se tiveram como provadas, pois não foi o Recorrente que usou de violência física, entenda-se como tal, o recurso a agressões ao corpo da menor, para a obrigar a colocar-se numa determinada posição.
23º
Pelo que, o Acórdão recorrido padece, por esta via, de uma contradição insanável, que o torna NULO, ao abrigo do disposto no art. 410º, nº 2, b), segunda parte, do CPP, que, de resto, constitui um vício da sentença.
III. DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO – art. 412º, nº 3, do CPP ( caso não seja julgado procedente o pedido anterior)
24º
Como matéria relevante para a apreciação do presente recurso importa destacar a factualidade dada como provada sob os pontos 25, 27 28, 41, 42, 43 e 44, e toda a matéria do pedido de indemnização civil ( pontos 2 a 32 dos factos provados mas na parte referente ao PIC), que, no nosso entender, foi incorrectamente julgada, na medida em que, a prova produzida em sede de audiência e julgamento não permite sustentar tais factos.
25º
Termos em que, entende o Recorrente deveria ter sido dada como não provada a matéria de facto supra assinalada, alteração que nesta sede se reclama, com todas as legais consequências, ao abrigo do disposto no art. 431º, do CPP.
Senão Vejamos,
26º
A factualidade dada como provada nos pontos 25, 27 e 28, está directamente relacionada com a conduta do agente e a sua intervenção na prática do crime que lhe foi imputado e pelo qual foi condenado ( ainda que erradamente julgado e condenado).
27º
Ora, no ponto 25 dá-se como provado que: ” Acto contínuo , o arguido D introduziu o seu pénis erecto no ânus da menor, efectuando movimentos de vai e vem, enquanto a agarrava com as mãos e lhe dizia “vai sua puta”, pese embora a menor chorasse e lhe pedisse que cessasse com tal conduta”.
28º
Resulta do ponto 27 que: “De seguida, quando o Arguido D largou a menor C e se afastou da cama, a arguida A disse a este que lhe devia entregar a quantia de €150,00 em contrapartida pelos actos sexuais que o mesmo havia mantido com a menor”.
29º
E, no ponto 28, deu-se como provado: ”De imediato, o arguido D entregou aos arguidos A e B a quantia de €150,00 ( cento e cinquenta euros), em numerário, que retirou do bolso das suas calças, vestiu-se e abandonou a residência dos arguidos.”
30º
Diz-se no Acórdão recorrido que a convicção do Tribunal assentou na concatenação ponderada do silêncio dos Arguidos, das declarações para memória futura prestadas pela ofendida menor, do depoimento das testemunhas ouvidas, documentos e prova pericial dos autos.
31º
Ora, começando pelas declarações para memória futura da menor, que contribuíram decisivamente para a condenação em análise, na opinião do Tribunal á quo, das mesmas não se retiram os factos dados como provados no ponto 27, na medida em que, a única informação facultada pela menor, e, com o devido respeito, em respostas sugerida pela Sra. Dra. Juiz, é de que teria sido “abusada no rabinho”, atente-se, por isso, no ficheiro nº 20210701102557_4254528_2871337*.wma, no momento em que a Sra. Dra. Juiz introduz o Arguido D na cena do crime, designadamente, minuto 0.09.02.0 a Juiz diz “e depois do outro senhor chegar, foram os dois, dizes tu que (imperceptível), e volta a Sra. Dra. Juiz a sugerir, vide minuto 0.09.10.0, em que o Juiz refere “ abusaram de ti no rabinho, é isso?”, e a menor responde, minuto 0.09.12.0 Um no rabinho e outro ( imperceptível)”.( as declarações para memória futura além de gravadas foram transcritas e as passagens aqui trazidas encontram-se na página 16, da referida transcrição junta aos autos em 28.03.2022, com a referência nº 20749759).
32º
Como se pode atestar, não há o mínimo de correspondência entre o que o Tribunal a quo dá como provado no ponto 25 e aquilo que a menor relata, no que respeita ao Arguido D, pois que, esta não refere que aquele lhe segurava com as mãos, não descreve qualquer movimento de vai vem, nem tão pouco menciona que, em simultâneo, o Arguido lhe chamasse nomes ou proferisse qualquer outro vocábulo.
33º
A menor, aquando das declarações para memória futura, também não descreve o seu estado emocional durante o acto, o mesmo é dizer que, nunca mencionou que enquanto o Arguido lhe “violava o rabinho”, como ela descreve, ela chorava e lhe pedia para parar.
34º
Por outro lado, as duas testemunhas ouvidas ( a mãe da menor e o Inspector da Polícia Judiciária) não presenciaram os factos imputados ao Arguido, por não se encontrarem presentes no local, pelo que, serão sempre depoimentos indirectos, e, como tal, não deverão ser valorados.
35º
Ademais, aquilo que a menor terá relatado ao Inspector da Polícia Judiciária não vale aqui, para efeitos probatórios.
36º
No que concerne á prova pericial, que o Tribunal á quo diz ter tido em atenção, dela não se conclui que a menor tenha sido vítima de qualquer acto sexual praticado com violência, de resto, como resulta claro do relatório de perícia médico legal realizado no Instituto de Medicina Legal e Ciências Forenses, elaborado pela pedopsiquiatra J, junto aos autos em 28.04.2021, com a referência 18699041, fls. 761-765, e no qual a perita responde a questões especificas colocadas pelo Tribunal á quo, de onde destacamos, na página 7, a resposta á pergunta: “A menor relata e demonstra comportamentos sexualizados que denunciem ter sido vítima de abusos sexuais por parte dos arguidos, os seus tios B e A A e do arguido D?
Da observação realizada, a C não revela nenhum tipo de alteração de comportamento durante a avaliação pericial que sugira ter sido vítima de abuso sexual.”
37º
Á pergunta ( ainda por referência ao relatório supra):
“A menor revela stress pós-traumático?
(Resposta da perita)
A C apresenta também traços desadaptativos da personalidade tipo Borderline tornando a C uma jovem que se autogere por impulso na procura da sua satisfação pessoal imediata. Este tipo de problemáticas potenciam relacionamentos instáveis assim como comportamentos de risco.
Na génese destas problemáticas existe frequentemente uma falha emocional por parte dos cuidadores primários (...)”
Ou seja,
38º
Da perícia supra referenciada não resulta que a menor foi vítima de abuso sexual, nem que o transtorno de que padece, Personalidade Tipo Borderline, resulta dos alegados factos imputados ao Arguido D.
39º
Pelo que, não se percebe, em face da prova supra, como é que se dão como provados os factos do ponto 27.
40º
Concomitantemente, e, seguindo o mesmo raciocínio lógico, a factualidade dada como provada nos pontos 27 e 28, não encontra correspondência com a prova produzida e carreada para os autos.
41º
Atente-se, de imediato, nas declarações para memória futura ( remete-se para o ficheiro supra identificado e para a respectiva transcrição, desta feita, com destaque para a página 18), onde se pode ler:
Minuto 0.10.30.0
Juiz: E o outro homem, o tal D, saiu entretanto?
Minuto 0.10.30.0
Testemunha: O D ficou a dar dinheiro á minha tia.
Minuto 0.10.35.0
Testemunha: Não sei quanto dinheiro é que era, não faço a mínima. Eu só vi ele a dar dinheiro á minha tia.
Minuto 0.10..41.0
Juiz: E depois foi-se embora?
Minuto 0.10.42.0
Testemunha: Foi-se embora.
42º
Com efeito, perante tais declarações, parcas em palavras e pormenores, não se percebe, e, por isso não se aceita, que o Tribunal a quo dê como provada a matéria constante dos pontos 27 e 28, designadamente, que a entrega da quantia de €150,00 foi uma contrapartida pelos actos sexuais mantidos com a menor, e, que o Arguido D ainda desnudado, retirou os €150,00 do bolso das calças, vestindo-se de seguida, tendo abandonado a residência dos arguidos B e A.
43º
No que respeita á factualidade dada como provada nos pontos 41, 42, 43 e 44, assim como, à matéria que integra o pedido de indemnização civil ( que vem igualmente elencada nos factos dados como provados, no capitulo referente ao pedido de indemnização civil, pontos 2 a 32), é nosso entender que a mesma não encontra sustentação na prova produzida, com destaque, para o Relatório da Perícia Médico Legal junto a fls. 761-765, e documentação clínica junta a fls. 167, 173-174, 245-246, 249-250, 290-580, 731-740, além das já referenciadas e aqui transcritas declarações para memória futura da ofendida.
Senão vejamos,
44º
Começando pelos factos dados como provados no ponto 41 “Agiu o arguido D, da forma descrita em 15, 16, 24 a 28, em conjugação de esforços e intenções com os arguidos, com o propósito concretizado de forçar a menor C á prática de actos sexuais de coito anal, para satisfazerem o seu instinto sexual, usando de força física e de agressões para vencer a resistência que lhe foi imposta pela menor e imobiliza-la, mediante recurso á força física, desferindo-lhe várias pancadas no corpo e colocando-a na impossibilidade de resistir (...)”.
45º
Impõe-se referir que tal não se coaduna com a conduta do Arguido D, nem tão pouco com a escassa prova a esse respeito.
46º
Conforme aqui transcrito ( vide art. 16º do presente articulado), das declarações para memória futura da menor (ofendida), único meio de prova assente num conhecimento directo dos factos, não resulta que o Arguido D actuou em comunhão de esforços com os outros arguidos, tanto que, ele aparece mais tarde no local do crime, porque aqueles lhe contactaram telefonicamente, e, num momento em que muita coisa já se havia passado, como agressões e resistência da menor, meios esses que não foram utilizados pelo Arguido D, a fazer fé nas declarações da menor, que também não referiu que quando este a “violou no rabinho”, ela chorou e pediu para ele parar.
47º
Analisemos, de seguida, a matéria de facto do ponto 43, segundo o qual “ao agirem da forma descrita, os arguidos (...) aproveitaram-se sempre da situação de vulnerabilidade de C, bem sabendo que a mesma tinha, á data, 12 anos”.
48º
Ora, no que ao Arguido D respeita, impõe-se dizer que o mesmo não conhecia a menor nem tinha qualquer vínculo familiar com a mesma, tanto que, a C nas declarações para memória futura refere que na altura não sabia quem era o senhor que chegou depois, veja-se, a esse propósito, o ficheiro já identificado, minuto 0.06.40.0, onde a testemunha refere “O senhor B, que até chamaram um senhor que eu na altura não sabia quem era, a .., D da Moura..”, ou página 11, da transcrição.
49º
O Recorrente não só desconhecia a menor, como a sua idade, sendo certo que, da documentação clínica resulta que a menor aparenta uma idade superior, cfr., por exemplo, logo a primeira Nota de Alta do Centro Hospitalar de Lisboa Central, Serviço de HDE-Pedopsiqiatria5, de 27.11. 2019, junta aos autos em 29.12.2020, em ofício com a referência nº 18044445 , destacando-se a informação constante da página 1, “Observação á entrada no internamento: Vigil, calma, colaborante. Idade aparente superior á real (..)”.
50º
A corroborar tal facto, veja-se, o que é dito mesmo no final das declarações para memória futura, última página da transcrição e minuto 0.13.58.0 do ficheiro supra identificado, em que a Juiz refere “Continua com a tua maquiagem lindíssima, está bem?”.
51º
Ora, se a menor usa maquiagem e aparenta uma idade superior á real, quem não a conhece, como é o caso do Recorrente D, jamais poderá concluir que a C é menor, nem tão pouco se pode dar como provado que o Recorrente sabia que a ofendida era menor e que se aproveitou de tal circunstância, se essa informação não resulta da prova produzida.
52º
No que concerne á matéria dada como provada nos pontos 42 “(...) a sua actuação era adequada a molestar sexualmente a menor e causar-lhe lesões na sua integridade física, dores, mal-estar, vergonha e humilhação, como causou, o que quis”, e ponto 44 “(...)com intenção de dar satisfação aos seus instintos lascivos e libidinosos (...”), nada disso encontra correspondência na prova que o Tribunal ponderou para tomar a decisão de condenar o Recorrente, tal como aqui se demonstrou, designadamente, nas várias passagens aqui retratadas das declarações para memória futura da menor ( vide art. 16 deste articulado):
53º
Não obstante, e para sermos rigorosos, o Tribunal á quo nem teve á sua disposição um relatório médico que confirmasse as lesões á integridade física, as dores e o mal estar da menor, pois não foi realizada qualquer perícia sexual, atento o iate temporal decorrido entre a prática dos factos e a apresentação da queixa que despoletou o processo crime, pelo que, é ainda mais bizarro dar-se como provado o sofrimento, as dores e as agressões com vista á prática do acto sexual, quando não existe um meio de prova adequado a provar esses factos.
54º
Por último, no que respeita ao pedido de indemnização civil que, de resto, foi dado como provado na íntegra, aqui socorremo-nos da vasta prova médica junta aos autos, pois que, a própria ofendida nada juntou ao processo, com excepção de uma receita médica e as facturas da aquisição desses medicamentos.
55º
Dúvidas não restam, da nossa perspectiva, que a menor padece de um transtorno, ou se quisermos, de uma patologia do foro psiquiátrico.
Contudo,
56º
O que nos parece ter sucedido, in casu, é um aproveitamento dessa situação, para, de forma encapotada, a menor vir atribuir tais comportamentos e desequilíbrios aos factos que se imputa ao Recorrente, justificando, desde modo, a indemnização reclamada e na qual o Recorrente veio condenado a pagar.
57º
Recorde-se que o Arguido D veio condenado, solidariamente, com os outros Arguidos, no pagamento á ofendida da quantia de €20.000,00 a título de danos não patrimoniais, bem como, no pagamento, também solidário, de €317,09 a título de danos patrimoniais, e no pagamento dos respectivos juros de mora, á taxa legal, até efectivo e integral pagamento.
58º
A verdade, porém, é que o Tribunal á quo dá como provada a matéria vertida no PIC, condena o Recorrente no pagamento da indemnização peticionada, no entanto, sem demonstrar e estabelecer um nexo de causalidade entre aqueles danos e a actuação do Recorrente, limita-se apenas a enunciar os documentos clínicos, quando do seu teor não resulta que os danos/patologias de que a menor sofre foram causados pela conduta do Recorrente.
Vejamos,
59º
O acórdão recorrido apoia-se na documentação médica, aliás, enumera esses documentos e alude ao Relatório Médico Legal (de Clínica forense), junto aos autos sob fls 761.765, estando patente no texto da sentença que: “(...) do mencionado acervo documental e pericial dos autos se constatava automutilação da menor, tratamento da mesma em pedopsiquiatria face a tentativa de suicídio, ameaças á menor, perícia á menor no INML (...)”, no entanto, não refere o Acórdão recorrido, o que levou a menor a ser seguida em pedopsiquiatria, nem diz o acórdão em crise, a razão de ser dessas tentativas de suicídio, que, contudo, serviram para condenar o Recorrente no pagamento de uma indemnização.
Ora,
60º
A condenação no pagamento de uma indemnização requer que os danos sofridos pela vítima sejam causa adequada da conduta do agente, tal como decorre do art. 483º, nº 1, do CC.
61º
E, da prova que o Tribunal á quo invoca para sustentar a condenação em apreciação ( conforme supra referenciado é a prova documental e a perícia médico legal) não resulta que a conduta do Recorrente causou na menor, perda de auto-estima, depressão reactiva, exaustão emocional, medo e insegurança (art. 20º, do PIC e dado como provado), nem que as tentativas de suicídio foram provocadas pela acção do Arguido D.
62º
Dali também não se infere que a menor reprovou duas vezes o 7º ano de escolaridade (art. 16º do PIC e dado como provado), por causa do facto praticado pelo Recorrente.
63º
Nem que se viu humilhada, desrespeitada perante amigos e familiares ( art. 19º do PIC e dado como provado), tanto que, nem os amigos, nem os familiares foram arrolados como testemunhas.
64º
Destarte, o que consta, de forma clara, evidente e sem margem para dúvidas dos documentos médicos, designadamente, da Nota de Alta da Urgência Pediátrica do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, datada de 11.12.2018, pela Dra. F, Pedopsiquiatra, é que “a menor teve uma retenção no 6º ano por baixo rendimento escolar” e revela querer estar mais tempo com a mãe, pois afirma “quero estar mais tempo com ela” verbalizando tristeza e raiva (..)” e ainda se pode ler “ansiedade reactiva em contexto escolar”.
65º
Atente-se, também, na Nota de Alta da Urgência Pediátrica do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, datada de 12.02.2019, dada pela Dra. G, Pedopsiquiatra, onde se pode ler na parte respeitante a:
1. “HDA (...) Hoje a mãe terá encontrado faca na mala da C, razão pela qual se dirigiu ao HFF . A mãe relaciona alteração do comportamento com regresso ás aulas, depois de ter estado 3 dias em casa com amigdalite “
2. “Na observação da adolescente: Adolescente com idade aparente superior á real. Fácies triste. Vigil, calma e colaborante. (...) A C relaciona a IMV com o facto de ter estado novamente com quem teve conflitos e de quem foi vítima de bullying. Verbaliza vontade de morrer, referindo ter colocado na faca na mala na passada 6ºf para se matar na escola, espetando-a no peito.”
66º
Saliente-se, ainda, o que consta da Nota de Alta da Urgência Pediátrica do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, datada de 26.02.2019, dada pela Dra. H, Pedopsiquiatra, designadamente na parte respeitante aos AF, onde se pode ler: “(...) Refere que não tinha intenção de morrer ( encontrou todas as caixas e ingeriu 10 risperidona e 4 oxcarbazepina) e que fez IMV apenas para chamar a atenção dos pais. Terá feito toma de forma impulsiva por não sentir a atenção dos pais, fala no excesso de trabalho da mãe e no facto do pai não passar muito tempo com ela, e com ideia de que a mãe ficaria de baixa com ela em casa após ingestão (...). Nega desencadeante ou qualquer conflito antes da ingestão, explicando que foi impulsivo. (...)Mostra arrependimento face ao sucedido e fala na SNG que teve de colocar ontem e que nunca tinha colocado antes e fala nos avós que terão ficado muito tristes com a ingestão de ontem. Vai repetindo que desta vez teve a certeza que as pessoas gostam dela e não vai voltar a fazer”.
Portanto,
67º
Como facilmente se alcança, a depressão, a ansiedade e as tentativas de suicídio, entre o baixo rendimento escolar, não são o resultado/consequência dos factos imputados ao Recorrente, como quer fazer crer o Tribunal á quo, consubstanciam antes uma chamada de atenção da menor, que sente a falta da presença e do carinho dos pais, ao ponto de colocar em causa a própria vida, para ter a certeza de que a família gosta dela.
68º
Nesta senda, os danos físicos e emocionais de que sofre a menor não foram provocados pela conduta do Recorrente, de resto, como decorre da documentação médica supra referenciada e do relatório de perícia médico legal, junto a fls. 761-765, do qual merece destaque a existência na família, de várias patologias do foro psiquiátrico e o facto da mãe da menor mencionar que esta sempre teve dificuldade em lidar com a frustração e tem dificuldades em manter amizades.
69º
Ora, da concatenação da informação médica supra referenciada nada faz depender os danos alegados pela menor da conduta criminosa do Recorrente, nem o Tribunal á quo estabelece tal correlação, pese embora, utilize tais meios de prova para julgar procedente o PIC e condenar o Recorrente no pagamento, á ofendida, de uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, servindo-se apenas das passagens dos documentos supra que referem que a menor tentou suicídio e que necessita de acompanhamento, razão pela qual os factos que compõem o PIC não se podiam dar como provados, pelo que, vêm impugnados, dispondo, V. Exas., de todos os elementos para alterar a matéria de facto nos termos do art. 431º, do CPP, o que ora se reclama.
IV. DA MEDIDA DA PENA (violação do art. 40º, 70º e 71º, do CP) e da SUSPENSÃO DE EXECUÇÃO DA PENA (art. 50º do CP):
70º
É convicção inabalável do Recorrente que o Tribunal á quo violou grosseiramente todo o comando normativo dos artigos 40º, 70º e 71º, nº 1 e nº 2, todos do CP.
71º
Recorde-se que o Arguido D veio condenado pela prática de um crime de violação agravada, p. e p. pelo art. 164º, nº 2, a), art. 177º, nº 4 e nº 7, todos do CP, na pena de cinco anos de prisão efectiva.
72º
É sabido que, de acordo com o estipulado no artigo 71º do CPP, a medida concreta da pena a aplicar a um Arguido deve ser fixada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, bem como todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo do crime, deponham a favor ou contra o agente.
73º
Sendo que entre estas relevam o grau da ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências, o grau de violação dos deveres impostos ao agente, o grau de intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, as condições pessoais e situação económica do agente, as suas condutas anteriores e posteriores aos factos em apreço, e a falta de preparação para manter uma conduta lícita.
74º
Dentro desta medida de prevenção (protecção óptima e protecção mínima - limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, deve, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixar o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa, em respeito do disposto no 40º nº 2 CP.
75º
As circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem, assim, contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.
76º
Para a medida da pena e da culpa, o legislador considera como relevantes os sentimentos manifestados na preparação do crime, os fins ou motivos que o determinaram, o grau de violação dos deveres impostos ao agente, as circunstâncias de motivação interna e os estímulos externos.
77º
No que tange ao agente, o legislador manda atender às condições pessoais do mesmo, à sua condição económica, à gravidade da falta de preparação para manter uma conduta ilícita e a consideração do comportamento anterior ao crime.
78º
In casu, para a determinação da medida concreta da pena aplicada ao Recorrente, o Tribunal á quo teve em especial consideração o elevado grau das razões de prevenção geral, atenta a natureza do bem jurídico protegido, que, cremos, com efeito, reclama um forte sentido colectivo de Justiça, bem como, a considerável ilicitude dos factos em função da agravação do nº 4 e do nº 7 do art. 177º, do CP e o grau de culpa do Recorrente.
79º
A favor do Recorrente, destaca-se a ausência de antecedentes criminais e a sua inserção familiar, social e profissional, factores que, salvo melhor opinião, ainda que referenciados no acórdão recorrido, acabaram por não pesar na decisão final, que condenou o Recorrente numa pena de prisão efectiva de 5 (cinco) anos, tendo em atenção apenas e só os fins de prevenção geral em detrimento dos fins de prevenção especial, o que deu lugar a uma pena desajustada, inadequada e incorrectamente fixada.
80º
Sobretudo quando do acórdão recorrido resulta que, para a escolha da medida concreta da pena foi tido em conta o facto dos Arguidos usarem “do direito ao silêncio dos arguidos quanto ao imputado, donde não foi possível confissão no que respeita a qualquer dos crimes apurados, nem demonstração de arrependimento pela prática dos factos (...)”, ora o Recorrente fez uso do direito ao silêncio, previsto no art. 343º, nº 1, do CPP, sendo que tal opção não lhe pode prejudicar, ainda que, por esta via, ele não dê a sua versão dos factos, nem o Tribunal á quo deve daí inferir que há culpa justificando a aplicação da medida concreta da pena com a circunstância de não ter obtido uma confissão ou arrependimento do arguido ( sendo recorrente no acórdão recorrido a menção á não confissão para justificar tanto a pena de prisão fixada como a decisão de não a suspender na sua execução).
81º
Ora, como muito bem salienta o Prof. Figueiredo Dias, in “Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, Ano 3, 2º a 4º, Abril-Dezembro de 1993, págs. 186 e 187, o modelo de determinação da medida concreta da pena consagrado no Código Penal vigente “comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral(de integração) a função de fornecer uma «moldura de prevenção», cujo limite máximo é dado pela medida ótima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exato de pena, dentro da referida «moldura de prevenção», que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente”.
82º
Nesta senda, dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva - entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável -, podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena.
83º
Ademais, no dizer da Prof.ª Fernanda Palma, in “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva”,nas “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, ed. 1998, AAFDL, pág. 25, “a protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial”.
84º
Tendo subjacente o supra exposto, que, com o devido respeito, não foi tido em consideração no acórdão recorrido, parece-nos que a pena de prisão efectiva de cinco anos fixada ao Recorrente, quando em abstracto o crime que lhe é imputado admitia uma pena entre um ano e seis meses a nove anos de prisão, é desajustada e viola, por isso, o disposto nos artigos, 40º, 70º e 71º, do CP.
85º
Repare-se que a pena de prisão fixada está acima do ponto médio, sendo que, o Recorrente é primário, tem 65 (sessenta e cinco) anos, está bem integrado na comunidade, não se reconhece no Arguido D uma tendência para a prática de crimes de idêntica natureza, nem tão pouco se demonstrou que ele faça destas práticas sexuais um modo de vida.
86º
Portanto, não só a pena de prisão fixada se revela excessiva e desproporcional, devendo a mesma ser reduzida, como se justifica a sua suspensão, ao abrigo do art. 50º do CP, pois que, é nosso entendimento, mediante o que aqui se explanou, que a censura do facto e a ameaça da pena, satisfazem as finalidades de punição, no caso do Recorrente.
87º
É inadmissível que o Tribunal á quo, coloque no mesmo pacote, os três arguidos, quando, em relação ao Recorrente, as necessidades de prevenção geral são medianas e as de prevenção especial são baixas, não se trata de um reincidente, não estamos na presença de um delinquente com tendência para práticas sexuais abusivas junto de crianças, repare-se que o Recorrente vive com a companheira, a filha desta e os seus dois filhos e não há noticia de crime, nem antes da ocorrência dos factos em análise, nem depois. ( cfr. Relatório Social que foi dado como provado e CRC do Arguido D).
88º
Pelo que, não se percebe, e por isso mesmo se discorda do Tribunal á quo quando este a propósito da suspensão de execução da pena de prisão refere não ser possível fazer um juízo de prognose favorável ao Arguido, quando o Recorrente desde muito cedo que trabalha, está perfeitamente inserido, social, familiar e profissionalmente, não tem antecedentes criminais e após os factos que lhe são imputados não há noticia de crime, nem de novos contactos com a ofendida, o que denota que o crime ora imputado foi um acto único na vida do arguido D, inexistindo perigo do agente voltar a praticar tal crime ou outro de idêntica natureza.
89º
Em face do supra exposto, não só a pena de prisão efectiva aplicada ao Recorrente deve ser reduzida para uma pena ( de prisão) claramente inferior a cinco anos, sendo suspensa na sua execução, sob pena de se estar a violar o disposto nos artigos, 40º, 70º, 71º e 50º, todos do CP.
DAS CONCLUSÕES:
I. O Recorrente dividiu as suas motivações em quatro capítulos: a falta de exame crítico da prova e fundamentação, a contradição insanável na apreciação da prova, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto e a medida da pena e suspensão de execução da mesma.
II. O Acórdão recorrido, desde logo, enferma de nulidade por falta de exame crítico das provas, violando, assim, o disposto no art. 374º, nº 2, do CPP, segundo o qual, “Ao relatório segue-se a fundamentação que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
III. A fundamentação exigida pelo artigo supra referenciado não consiste na mera enunciação dos meios de prova utilizados, salientando que são credíveis, pois que, para que seja possível o recurso quanto á legalidade da decisão no domínio probatório, importa que a motivação do juízo em matéria de facto conste da decisão.
IV. Com efeito, o rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permitam exteriorizar as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte.
V. Pelo que, quando o Tribunal de Primeira Instância se limita a enumerar todos os meios de prova, salientando que se mostraram credíveis, quando se socorre do silêncio do Arguido, quando se baseia numa prova testemunhal que consistiu em depoimentos indirectos, quando se serve quase em exclusivo das declarações para memória futura da menor fazendo questão de mencionar que as respostas da vítima não foram induzidas ou sugeridas pela Sra. Dra. Juiz, quando faz menção ao que consta do relatório pericial sem estabelecer um qualquer nexo de causalidade entre os factos imputados ao Arguido D e os danos que a vítima alega ter sofrido, não está, com o devido respeito, a fazer um exame crítico da prova, ou seja, não exterioriza o processo racional que serviu de base àquela decisão, está, salvo melhor opinião, tão somente a enunciar todo o material probatório que observou, no entanto, sem o correlacionar com os factos e com a conduta do Recorrente de modo a que se perceba o processo lógico que subjaz á condenação em apreço.
VI. Perante a evidente falta de exame crítico e omissão de fundamentação em matéria de facto, o acórdão recorrido é NULO, por violação do disposto nos artigos 374º, nº 2 e 379º, a), ambos do CPP, negando-se, deste modo, ao Recorrente, o seu direito ao recurso e violando-se os seus direitos, liberdades e garantias atente-se, por este motivo, no que dispõe o Ac.do Tribunal Constitucional nº 680/98, de 2.12.1998, publicado no D.R II Série 54 de 5.03.1999 “ (.....) a fundamentação das sentenças penais - especialmente das sentenças condenatórias, pela repercussão que podem ter na esfera dos direitos, liberdades e garantias das pessoas - deve ser susceptível de revelar os motivos que levaram a dar como provados certos factos e não outros, sobretudo tendo em conta que o princípio geral em matéria de avaliação das provas é o da sua livre apreciação pelo julgador devendo também indicar as razões de direito que conduziram à decisão concretamente proferida. Afigura-se ser este o núcleo central da exigência constitucional de fundamentação judiciais (...).”
VII. O Acórdão recorrido condena e enquadra a conduta do Arguido D num crime de violação, na forma agravada, consumada, p. e p. pelos artigos 164º, nº 2, a), 177º, nº 4 e 7, todos do Código Penal (CP), na pena de cinco anos de prisão, efectiva.
VIII. Daqui resulta que a conduta típica do crime (“constranger”) traduz-se num acto de coacção, imediatamente dirigido á prática, activa ou passiva, de um acto sexual de relevo.
IX. Sendo que, o meio típico de constrangimento passa pela violência, ameaça grave, ou pelo facto do agente ter tornado a vítima inconsciente ou a ter posto na impossibilidade de resistir.
X. Consequentemente, actos sexuais súbitos e inesperados praticados sem ou contra a vontade da vítima, mas aos quais não preexistiu a utilização de um daqueles meios de constrangimento, não integram o tipo objectivo de ilícito (cfr. Jorge de Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I).
XI. Ora, da prova produzida e da que foi ponderada para efeitos de decisão, não consta o emprego, por parte do Arguido D, de violência ou ameaça grave, nem dela resulta que este tenha colocado a menor inconsciente ou impossibilitada de resistir.
XII. Atente-se, desde logo, nas declarações para memória futura da menor, que foram gravadas, ficheiro 20210701102557_4254528_2871337 *wma, e que se encontram transcritas nos autos, com data de 28.03.2022, com a referência nº 20749759, declarações essas que, de resto, se mostraram decisivas para a presente condenação ( tal como é referido no acórdão recorrido), e de onde se destaca:  “ Minuto 0.09.02.0 Juiz: A...e depois do outro senhor chegar, foram os dois, dizes tu que ...Minuto 0.09.08.0 testemunha: Sim, Minuto 0.09.10.0 Juiz: abusaram de ti no rabinho, é isso? Minuto 0.09.12.0 Testemunha: um no rabinho e outro ...( página 16 da referida transcrição).(....) Minuto 0.10.30.0 Juiz: E o outro homem, o  tal D, saiu entretanto? Minuto 0.10.33.0, Testemunha: O D ficou a dar dinheiro á minha tia.(...) Minuto 31 0.10.35.0 Testemunha: Não sei quanto dinheiro é que era, não faço a mínima. Eu só vi ele a dar dinheiro à minha tia, (página 18 da transcrição)
XIII. Pelo que, do supra exposto não resulta a utilização de qualquer meio típico de constrangimento, pelo que, não se pode enquadrar a conduta do Recorrente D no nº 2 do art. 164º, do CP, mas antes no nº 1, o que releva para efeitos de medida concreta da pena a aplicar.
XIV. Atente-se nos factos dados como provados, em concreto no facto nº 25 “Acto contínuo , o arguido D introduziu o seu pénis erecto no ânus da menor, efectuando movimentos de vai e vem, enquanto a agarrava com as mãos e lhe dizia “vai sua puta”, pese embora a menor chorasse e lhe pedisse que cessasse com tal conduta”.
XV. É patente que se trata de um acto contra a vontade da menor, mas não resulta da conduta descrita e dada como provada, o emprego de violência, ameaça grave, ou que o Arguido tenha imobilizado a vítima ou que a colocou inconsciente, pelo que, não existiu, por parte do Arguido D, a utilização prévia de um qualquer meio de constrangimento, tanto que, a menor está na posição em que a tia se encontrava, a mando do Arguido B, conforme resulta dos factos provados nº 19, padecendo o acórdão recorrido, por esta via, de uma contradição insanável, que o torna NULO, ao abrigo do disposto no art. 410º, nº 2, b), segunda parte, do CPP, que, de resto, constitui um vício da sentença.
XVI. Como matéria relevante para a apreciação do presente recurso importa destacar a factualidade dada como provada sob os pontos 25, 27 28, 41, 42, 43 e 44, e toda a matéria do pedido de indemnização civil ( pontos 2 a 32 dos factos provados mas na parte referente ao PIC), que, no nosso entender, foi incorrectamente julgada, na medida em que, a prova produzida em sede de audiência e julgamento não permite sustentar tais factos.
XVII. Termos em que, entende o Recorrente deveria ter sido dada como não provada a matéria de facto supra assinalada, alteração que nesta sede se reclama, com todas as legais consequências, ao abrigo do disposto no art. 431º, do CPP.
XVIII. A factualidade dada como provada nos pontos 25, 27 e 28, está directamente relacionada com a conduta do agente e a sua intervenção na prática do crime que lhe foi imputado e pelo qual foi condenado ( ainda que erradamente julgado e condenado).
XIX. No ponto 25 dá-se como provado que: ” Acto contínuo , o arguido D introduziu o seu pénis erecto no ânus da menor, efectuando movimentos de vai e vem, enquanto a agarrava com as mãos e lhe dizia “vai sua puta”, pese embora a menor chorasse e lhe pedisse que cessasse com tal conduta”.
XX. Resulta do ponto 27 que: “De seguida, quando o Arguido D largou a menor C e se afastou da cama, a arguida A  disse a este que lhe devia entregar a quantia de €150,00 em contrapartida pelos actos sexuais que o mesmo havia mantido com a menor”.
XXI. E, no ponto 28, deu-se como provado: ”De imediato, o arguido D entregou aos arguidos A  e B a quantia de €150,00 ( cento e cinquenta euros), em numerário, que retirou do bolso das suas calças, vestiu- se e abandonou a residência dos arguidos.”
XXII. Diz-se no Acórdão recorrido que a convicção do Tribunal assentou na concatenação ponderada do silêncio dos Arguidos, das declarações para memória futura prestadas pela ofendida menor, do depoimento das testemunhas ouvidas, documentos e prova pericial dos autos.
XXIII. começando pelas declarações para memória futura da menor, que contribuíram decisivamente para a condenação em análise, na opinião do Tribunal á quo, das mesmas não se retiram os factos dados como provados no ponto 27, na medida em que, a única informação facultada pela menor, e, com o devido respeito, em respostas sugerida pela Sra. Dra. Juiz, é de que teria sido “abusada no rabinho”, atente-se, por isso, no ficheiro nº 20210701102557_4254528_2871337*.wma, no momento em que a Sra. Dra. Juiz introduz o Arguido D na cena do crime, designadamente, minuto 0.09.02.0 a Juiz diz “e depois do outro senhor chegar, foram os dois, dizes tu que (imperceptível), e volta a Sra. Dra. Juiz a sugerir, vide minuto 0.09.10.0, em que o Juiz refere “ abusaram de ti no rabinho, é isso?”, e a menor responde, minuto 0.09.12.0 Um no rabinho e outro ( imperceptível)”
XXIV. Não há o mínimo de correspondência entre o que o Tribunal a quo dá como provado no ponto 25 e aquilo que a menor relata, no que respeita ao Arguido D, tanto que, a menor nem descreve o seu estado emocional nem tão pouco refere que pediu para parar.
XXV. Por outro lado, as duas testemunhas ouvidas ( a mãe da menor e o Inspector da Polícia Judiciária) não presenciaram os factos imputados ao Arguido, por não se encontrarem presentes no local, pelo que, serão sempre depoimentos indirectos, e, como tal, não deverão ser valorados.
XXVI. No que concerne á prova pericial, que o Tribunal á quo diz ter tido em atenção, dela não se conclui que a menor tenha sido vítima de qualquer acto sexual praticado com violência, de resto, como resulta claro do relatório de perícia médico legal realizado no Instituto de Medicina Legal e Ciências Forenses, elaborado pela pedopsiquiatra J, junto aos autos em 28.04.2021, com a referência 18699041, fls. 761-765, e no qual a perita responde a questões especificas colocadas pelo Tribunal á quo, de onde destacamos, na página 7, a resposta á pergunta “A menor relata e demonstra comportamentos sexualizados que denunciem ter sido vítima de abusos sexuais por parte dos arguidos, os seus tios B e A e do arguido D? Da observação realizada, a C não revela nenhum tipo de alteração de comportamento durante a avaliação pericial que sugira ter sido vítima de abuso sexual.”
XXVII. Á pergunta ( ainda por referência ao relatório supra): “A menor revela stress pós- traumático?” a perita responde “ A C apresenta também traços desadaptativos da personalidade tipo Borderline tornando a C uma jovem que se autogere por impulso na procura da sua satisfação pessoal imediata. Este tipo de problemáticas potenciam relacionamentos instáveis assim como comportamentos de risco. Na génese destas problemáticas existe frequentemente uma falha emocional por parte dos cuidadores primários (...)”
XXVIII. Em face da prova supra, não se percebe como é que se dão como provados os factos do ponto 27.
XXIX. Seguindo o mesmo raciocínio lógico, a factualidade dada como provada nos pontos 27 e 28, não encontra correspondência com a prova produzida e carreada para os autos.
XXX. Atente-se nas declarações para memória futura minuto 0.10.30.0 a minuto o.10.42.0.
XXXI. Perante tais declarações, parcas em palavras e pormenores, não se percebe, e, por isso não se aceita, que o Tribunal a quo dê como provada a matéria constante dos pontos 27 e 28, designadamente, que a entrega da quantia de €150,00 foi uma contrapartida pelos actos sexuais mantidos com a menor, e, que o Arguido D ainda desnudado, retirou os €150,00 do bolso das calças, vestindo-se de seguida, tendo abandonado a residência dos arguidos B e A.
XXXII. No que respeita á factualidade dada como provada nos pontos 41, 42, 43 e 44, assim como, à matéria que integra o pedido de indemnização civil ( que vem igualmente elencada nos factos dados como provados, no capitulo referente ao pedido de indemnização civil, pontos 2 a 32), é nosso entender que a mesma não encontra sustentação na prova produzida, com destaque, para o Relatório da Perícia Médico Legal junto a fls. 761-765, e documentação clínica junta a fls. 167, 173-174, 245-246, 249-250, 290-580, 731-740, além das já referenciadas e aqui transcritas declarações para memória futura da ofendida.
XXXIII. Analisemos, de seguida, a matéria de facto do ponto 43, segundo o qual “ao agirem da forma descrita, os arguidos (...) aproveitaram-se sempre da situação de vulnerabilidade de C, bem sabendo que a mesma tinha, á data, 12 anos”.
XXXIV. No que ao Arguido D respeita, impõe-se dizer que o mesmo não conhecia a menor nem tinha qualquer vínculo familiar com a mesma, tanto que, a C nas declarações para memória futura refere que na altura não sabia quem era o senhor que chegou depois, veja-se, a esse propósito, o ficheiro já identificado, minuto 0.06.40.0, onde a testemunha refere “O senhor B, que até chamaram um senhor que eu na altura não sabia quem era, a .., D da Moura..”, ou página 11, da transcrição.
XXXV. O Recorrente não só desconhecia a menor, como a sua idade, sendo certo que, da documentação clínica resulta que a menor aparenta uma idade superior, cfr., por exemplo, logo a primeira Nota de Alta do Centro Hospitalar de Lisboa Central, Serviço de HDE-Pedopsiqiatria5, de 27.11. 2019, junta aos autos em 29.12.2020, em ofício com a referência nº 18044445 , destacando-se a informação constante da página 1, “Observação á entrada no internamento: Vigil, calma, colaborante. Idade aparente superior á real (..)”.
XXXVI. No que concerne á matéria dada como provada nos pontos 42 “(...) a sua actuação era adequada a molestar sexualmente a menor e causar-lhe lesões na sua integridade física, dores, mal-estar, vergonha e humilhação, como causou, o que quis”, e ponto 44 “(...)com intenção de dar satisfação aos seus instintos lascivos e libidinosos (...”), nada disso encontra correspondência na prova que o Tribunal ponderou para tomar a decisão de condenar o Recorrente, tal como aqui se demonstrou, designadamente, nas várias passagens aqui retratadas das declarações para memória futura da menor ( vide art. 16 deste articulado).
XXXVII. Para sermos rigorosos, o Tribunal á quo nem teve á sua disposição um relatório médico que confirmasse as lesões á integridade física, as dores e o mal estar da menor, pois não foi realizada qualquer perícia sexual.
XXXVIII. No que respeita ao pedido de indemnização civil que, de resto, foi dado como provado na íntegra, aqui socorremo-nos da vasta prova médica junta aos autos, pois que, a própria ofendida nada juntou ao processo, com excepção de uma receita médica e as facturas da aquisição desses medicamentos.
XXXIX. Dúvidas não restam, da nossa perspectiva, que a menor padece de um transtorno, ou se quisermos, de uma patologia do foro psiquiátrico, contudo, a origem desse problema não reside no facto imputado ao Recorrente, mas na falta de atenção, carinho e disponibilidade prestada pelos pais da menor, a qual sentiu necessidade de atentar contra a própria vida para chamar a atenção da família.
XL. A verdade, porém, é que o Tribunal á quo dá como provada a matéria vertida no PIC, condena o Recorrente no pagamento da indemnização peticionada, no entanto, sem demonstrar e estabelecer um nexo de causalidade entre aqueles danos e a actuação do Recorrente, limita-se apenas a enunciar os documentos clínicos, quando do seu teor não resulta que os danos/patologias de que a menor sofre foram causados pela conduta do Recorrente.
XLI. Com efeito, a condenação no pagamento de uma indemnização requer que os danos sofridos pela vítima sejam causa adequada da conduta do agente, tal como decorre do art. 483º, nº 1, do CC, conclusão essa que não se pode retirar da informação clínica constante dos autos.
XLII. O que consta, de forma clara, evidente e sem margem para dúvidas dos documentos médicos, designadamente, da Nota de Alta da Urgência Pediátrica do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, datada de 11.12.2018, pela Dra. F, Pedopsiquiatra, é que “a menor teve uma retenção no 6º ano por baixo rendimento escolar” e revela querer estar mais tempo com a mãe, pois afirma “quero estar mais  tempo com ela” verbalizando tristeza e raiva (..)” e ainda se pode ler “ansiedade reactiva em contexto escolar”.
XLIII. Saliente-se, ainda, o que consta da Nota de Alta da Urgência Pediátrica do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, datada de 26.02.2019, dada pela Dra. H, Pedopsiquiatra, designadamente na parte respeitante aos AF, onde se pode ler: “(...) Refere que não tinha intenção de morrer ( encontrou todas as caixas e ingeriu 10 risperidona e 4 oxcarbazepina) e que fez IMV apenas para chamar a atenção dos pais.
Terá feito toma de forma impulsiva por não sentir a atenção dos pais, fala no excesso de trabalho da mãe e no facto do pai não passar muito tempo com ela, e com ideia de que a mãe ficaria de baixa com ela em casa após ingestão (...). Nega desencadeante ou qualquer conflito antes da ingestão, explicando que foi impulsivo. (...)Mostra arrependimento face ao sucedido e fala na SNG que teve de colocar ontem e que nunca tinha colocado antes e fala nos avós que terão ficado muito tristes com a ingestão de ontem. Vai repetindo que desta vez teve a certeza que as pessoas gostam dela e não vai voltar a fazer”.
XLIV. Em face do exposto, os danos físicos e emocionais de que sofre a menor não foram provocados pela conduta do Recorrente mas para chamar a atenção da família, o mesmo é dizer, por carência afectiva dos pais.
XLV. Consequentemente, e em jeito de conclusão os factos provados nos pontos 25, 27, 28, 41, 42, 43 e 44, mais os factos que integram o PIC, não se podiam dar como provados, pelo que, vêm impugnados, dispondo, V. Exas., de todos os elementos para alterar a matéria de facto nos termos do art. 431º, do CPP, o que ora se reclama.
XLVI. É convicção inabalável do Recorrente que o Tribunal á quo violou grosseiramente todo o comando normativo dos artigos 40º, 70º e 71º, nº 1 e nº 2, todos do CP.
XLVII. Recorde-se que o Arguido D veio condenado pela prática de um crime de violação agravada, p. e p. pelo art. 164º, nº 2, a), art. 177º, nº 4 e nº 7, todos do CP, na pena de cinco anos de prisão efectiva.
XLVIII. De acordo com o estipulado no artigo 71º do CPP, a medida concreta da pena a aplicar a um Arguido deve ser fixada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, bem como todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo do crime, deponham a favor ou contra o agente.
XLIX. In casu, para a determinação da medida concreta da pena aplicada ao Recorrente, o Tribunal á quo teve em especial consideração o elevado grau das razões de prevenção geral, atenta a natureza do bem jurídico protegido, que, cremos, com efeito, reclama um forte sentido colectivo de Justiça, bem como, a considerável ilicitude dos factos em função da agravação do nº 4 e do nº 7 do art. 177º, do CP e o grau de culpa do Recorrente.
L. A favor do Recorrente, destaca-se a ausência de antecedentes criminais e a sua inserção familiar, social e profissional, factores que, salvo melhor opinião, ainda que referenciados no acórdão recorrido, acabaram por não pesar na decisão final, que condenou o Recorrente numa pena de prisão efectiva de 5 (cinco) anos, tendo em atenção apenas e só os fins de prevenção geral em detrimento dos fins de prevenção especial, o que deu lugar a uma pena desajustada, inadequada e incorrectamente fixada.
LI. Tendo subjacente o supra exposto, que, com o devido respeito, não foi tido em consideração no acórdão recorrido, parece-nos que a pena de prisão efectiva de cinco anos fixada ao Recorrente, quando em abstracto o crime que lhe é imputado admitia uma pena entre um ano e seis meses a nove anos de prisão, é desajustada e viola, por isso, o disposto nos artigos, 40º, 70º e 71º, do CP.
LII. Repare-se que a pena de prisão fixada está acima do ponto médio, sendo que, o Recorrente é primário, tem 65 (sessenta e cinco) anos, está bem integrado na comunidade, não se reconhece no Arguido D uma tendência para a prática de crimes de idêntica natureza, nem tão pouco se demonstrou que ele faça destas práticas sexuais um modo de vida.
LIII. Não só a pena de prisão fixada se revela excessiva e desproporcional, devendo a mesma ser reduzida, como se justifica a sua suspensão, ao abrigo do art. 50º do CP, pois que, é nosso entendimento, mediante o que aqui se explanou, que a censura do facto e a ameaça da pena, satisfazem as finalidades de punição, no caso do Recorrente.
LIV. É inadmissível que o Tribunal á quo, coloque no mesmo pacote, os três arguidos, quando, em relação ao Recorrente, as necessidades de prevenção geral são medianas e as de prevenção especial são baixas, não se trata de um reincidente, não estamos na presença de um delinquente com tendência para práticas sexuais abusivas junto de crianças, repare-se que o Recorrente vive com a companheira, a filha desta e os seus dois filhos e não há noticia de crime, nem antes da ocorrência dos factos em análise, nem depois. ( cfr. Relatório Social que foi dado como provado e CRC do Arguido D).
LV. Em face do supra exposto, não só a pena de prisão efectiva aplicada ao Recorrente deve ser reduzida para uma pena ( de prisão) claramente inferior a cinco anos, sendo suspensa na sua execução, sob pena de se estar a violar o disposto nos artigos, 40º, 70º, 71º e 50º, todos do CP.
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A Digna Magistrada do MP respondeu dizendo que:
Assim, inconformados com a condenação, dela vieram os três arguidos interpor recurso, cujo conteúdo pode ser reconduzido, no essencial:
i. Impugnação da matéria de facto dada como provada
ii. Falta de Fundamentação suficiente e do exame crítico da prova
iii. Ausência de nexo causal entre os danos sofridos pela vítima e a conduta dos arguidos
iv. Questões de Direito
v. Medida da Pena
Assim delimitado o objecto dos três recursos interpostos pelos arguidos, passamos a tomar posição sobre as questões neles suscitadas.
De todo o modo, adiantamos que a decisão recorrida não enferma de qualquer nulidade, irregularidade ou vício, fez correcta interpretação e aplicação do direito aos factos apurados e é justa na escolha e na medida da pena no que respeita aos três arguidos.
Por isso que, mesmo que não venha a ser rejeitado, devem os recursos dos arguidos ser julgados improcedentes.
II. DA RESPOSTA AO RECURSO
Com efeito, os poderes de cognição do tribunal de recurso abrangem a matéria de facto e a matéria de direito – cfr. artigo 428.º, do Código de Processo Penal.
Sempre diremos, todavia, que a matéria de facto se encontra correctamente julgada, não se verificando qualquer dos vícios a que alude o artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
E os recorrentes, impugnando matéria de facto, deram cumprimento ao  preceituado no artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Penal, pelo que nada obsta à apreciação dos seus recursos nessa parte. Também no que respeita à matéria de direito, deram os recorrentes cumprimento ao disposto no artigo 412.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, pelo que igualmente nada obsta à apreciação desta parte dos recursos.
Apreciemos, pois as questões ora suscitadas.
*
I. Impugnação da matéria de facto dada como provada
Na matéria sobre a qual versam os recursos, apontam os recorrentes nas suas conclusões, como incorrectamente julgados, os seguintes pontos de facto:
No caso da arguida A : “Entendemos, com o maior respeito, que o acórdão proferido não faz o correcto e adequado exame crítico das provas, nomeadamente no que tange aos factos provados 5, 6, 7, 9, 10, 11, 12, 14, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 24, 26, 27,28, 29, 30, 32,38, 39, 40, 43, bem como do constante do Relatório Social de fls.,pois apesar de ter dado os factos como provados não alude, no nosso modesto entender, de uma forma suficiente a que provas se susteve para considerar como considerado.”
No caso do arguido B: “Os factos dados como provados em 6, 7, 12, 14, 15, 17, 19,20, 21, 22 e 29, e quanto ao arguido B, não se podiam dar como provados, pelo que, vêm impugnados, dispondo, V. Exas., de todos os elementos para alterar a matéria de facto nos termos do art. 431º, do CPP, o que ora se reclama.”
E, por fim, no caso do arguido D: “Como matéria relevante para a apreciação do presente recurso importa destacar a factualidade dada como provada sob os pontos 25, 27 28, 41, 42, 43 e 44, e toda a matéria do pedido de indemnização civil ( pontos 2 a 32 dos factos provados mas na parte referente ao PIC), que, no nosso entender, foi incorrectamente julgada, na medida em que, a prova produzida em sede de audiência e julgamento não permite sustentar tais factos.”
Todavia, o douto acórdão condenatório recorrido não merece reparos no que concerne à correcta valoração da prova e sendo igualmente correcto o sentido da aplicação do direito, mormente no que toca à aplicação dos conceitos de nexo causal à conduta penalmente relevante.
Neste ponto, o teor da decisão recorrida em sede de motivação é exaustiva, verificando-se que o Tribunal a quo fez uma correcta interpretação da prova produzida.
Diversamente do que entendem os recorrentes, temos por líquido que da conjugação das declarações para memória futura da vítima, depoimentos prestados, elementos clínicos e relatório pericial, não é o que o recorrente pretende mas o que foi dado como provado na decisão recorrida que corresponde à verdadeira versão dos factos, correctamente dada como provada, acompanhando-se a motivação da decisão da matéria de facto, tal como a mesma vem fundamentada no douto acórdão condenatório.
O douto acórdão recorrido não merece reparos e não se vislumbra qualquer erro de julgamento ou violação do princípio livre apreciação da prova, como pretendem os recorrentes (cfr. artigo 127.º, do Código de Processo Penal).
Aliás, gozando o tribunal recorrido do privilégio da imediação das provas e assentando a convicção do julgador, em larga medida, no que tal imediação lhe permite apreender, nem sempre facilmente objectivável, parece-nos líquido que só se da apreciação da prova feita pelo tribunal superior resultar para este claramente ter havido violação dos critérios de apreciação da prova, designadamente dos enunciados no artigo 127.º, do Código de Processo Penal, deve o mesmo modificar a matéria de facto dada como assente. Dito de outro modo, “dependendo o juízo de credibilidade da prova por declarações do carácter e probidade moral de quem as presta e não sendo tais atributos apreensíveis, em princípio, mediante exame e análise dos textos processuais onde as mesmas se encontram documentadas, mas sim através do contacto com as pessoas, é evidente que o Tribunal superior, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal a quo” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 09.05.2001, Relator Maio Macário, Proc. n.º 592-2001, disponível em www.dgsi.pt).
Assim, entendemos que o recurso do arguido não deverá também proceder nesta parte. (…)
Vejamos em maior detalhe quanto a alguns pontos em concreto, sendo que quanto aos demais não aludidos considera-se, conforme se desenvolveu supra, que a leitura correcta da prova é a realizada pelo Tribunal a quo.
Retornando aos pontos invocados pelos recorrentes, diremos que não se compreende a contestação quanto ao juízo formulado acerca da credibilidade da vítima.
Quanto à credibilidade da vítima, invocam os recorrentes:
A arguida A : “Ainda mais, quando tais declarações para memória futura da menor ofendida não foram ouvidas ( a sua gravação/ vídeo) e nem lidas a sua transcrição em sede de Audiência de Julgamento, para o exercício do Direito ao Contraditório por parte dos arguidos e defesa.”
 (…)
“Tendo ficado provado que a menor tinha um telemóvel, tendo efectuado várias chamadas para a sua mãe, como poderá ser credível que a mesma- tendo os factos provados ocorrido na Sexta-feira – não tenha ligado no Sábado, não tenha ligado no Domingo à sua mãe ou a quem quer que fosse a denunciar os factos de que alegou ser vítima e a solicitar ajuda e salvação ?
Aliás, é a própria testemunha E- a cujo depoimento foi dada “ integral credibilidade” – que afirmou que quando a menor esteve em casa da arguida “ falou várias vezes com a mesma durante o dia”, daí ter ficado “surpresa” quando a menor lhe contou o sucedido apenas em Março de 2019 ( segundo as suas próprias palavras).
Pergunta-se:
Tendo a ofendida o seu telemóvel consigo, tendo falado com a sua mãe “ várias vezes”, será crível, segundo as regras do senso e experiência comuns, que a menor não tenha relatado à sua própria mãe, de imediato, as agressões de que tinha sido vítima ?
Até porque é a própria ofendida C que , em declarações para memória futura, reconhece expressamente que no dia seguinte aos factos “ os meus tios, no dia seguinte parece que não tinha acontecido nada, eu dormi no sofá…” ( 0:10:45), pelo que teve toda a oportunidade de pedir ajuda à sua mãe.”
Já o arguido B alega neste ponto: “Do facto provado nº 17, não se alcança como é que estando uma menor a presenciar tal contexto de violência física e sexual contra a sua pessoa, seja abandonada na sala e tendo acesso ao telefone e telemóvel, assim como à entrada da casa onde estava, ali se tenha mantido sem qualquer mecanismo de oposição”
(…)
Do facto provado em 21 e 22, é a ofendida que nega a prática de sexo anal com o arguido B, cfr. minutos 0.08.52.0 a 0.08.56.0 da transcrição.
Juiz: Não. Portanto foi só sexo oral que fizeste a este senhor?
Testemunha: Sim.
 (…)
E do facto provado nº 29, não se percebe como tal resulta se é a ofendida que afirma ter regressado à mãe no domingo e os acontecimentos reportarem-se a sexta-feira – cfr. Minutos 0.02.47.0 a 0.02.53.0 e 0.11.25.0 a 0.11.30.0.
Juiz: Olha e tu ia ficar lá quantos dias? Ficaste…
Testemunha: Fui lá passar o fim de semana.
Juiz: Ias passar um fim de semana. E ficaste o fim de semana todo ou não?
Testemunha: Fiquei.

Juiz: E deixaram-te no sábado, no domingo?
Testemunha: Foi no domingo.”
E, por fim, alega o arguido D neste ponto: “começando pelas declarações para memória futura da menor, que contribuíram decisivamente para a condenação em análise, na opinião do Tribunal á quo, das mesmas não se retiram os factos dados como provados no ponto 27, na medida em que, a única informação facultada pela menor, e, com o devido respeito, em respostas sugerida pela Sra. Dra. Juiz, é de que teria sido “abusada no rabinho”, atente-se, por isso, no ficheiro nº 20210701102557_4254528_2871337*.wma, no momento em que a Sra. Dra. Juiz introduz o Arguido D na cena do crime, designadamente, minuto 0.09.02.0 a Juiz diz “e depois do outro senhor chegar, foram os dois, dizes tu que (imperceptível), e volta a Sra. Dra. Juiz a sugerir, vide minuto 0.09.10.0, em que o Juiz refere “ abusaram de ti no rabinho, é isso?”, e a menor responde, minuto 0.09.12.0 Um no rabinho e outro ( imperceptível)”.
Todavia, mal se compreendem os argumentos utilizados pelas três defesas para desconstruírem o juízo de credibilidade que foi, e bem, atribuído ao seu depoimento.
Com efeito, perscrutadas as declarações para memória futura prestadas pela vítima, que se mostram gravadas e ademais transcritas nos autos, o que se verifica é que a menor prestou declarações de uma forma espontânea, mantendo um relato coerente, com algumas imprecisões de memória que aliás só reforçam a sua credibilidade - pois se nem a um adulto se exige precisão milimétrica a situar-se no tempo, muito menos se poderá exigir a uma adolescente quando se reporta a factos, aliás traumáticos, que ocorreram pelos seus 12 anos.
Assim, o facto de a menor confundir se foi deixada junto da sua mãe pelos arguidos num domingo, reportando-se os factos a uma sexta feira, é perfeitamente indiferente. Só a credibiliza, aliás, a mínima imprecisão temporal com que relata este circunstancialismo, sem fazer qualquer esforço artificial para balizar os factos numa lógica temporal perfeita. A menor não se esquece que os factos ocorreram num fim-de-semana em que ficou na casa dos seus tios; mas acontecendo um evento traumático desta natureza a uma menina de 12 anos de idade, é exigível que a menor mantenha consigo um calendário mental e temporalmente lógico de todos os acontecimentos? Não nos parece; aliás, seria mesmo, como dissemos, artificial, à luz das regras de experiência comum.
Por outro lado, também o argumento de que a menor foi deixada com acesso a um telemóvel e contactou a sua mãe, não tendo logo pedido socorro, parece-nos, à luz das regras de experiência comum e do conhecimento actual acerca da gestão de acontecimentos traumáticos pelas vítimas, perfeitamente inatendível.
Em primeiro lugar, porque este argumento parece colocar o ónus da sua salvação na própria vítima, para assim desculpabilizar os seus agressores, descredibilizando-a. Salvo o devido respeito, parece-nos que se percorreu um caminho bem mais evolutivo quer no nosso ordenamento jurídico, quer nos valores culturais e sociais actuais, que pautam aquilo que, isso sim, é hoje a nossa experiência comum. A vítima sofreu a agressão e logo após, do alto da maturidade dos seus 12 anos de idade (!), não cuidou de se recompor e de reunir naquele momento – recorde-se, imediatamente após ser abusada sexualmente por três adultos, pelo menos um deles (a sua tia) da sua confiança – a presença de espírito suficiente para pedir socorro à sua mãe. Era-lhe exigível, sob pena de perda da sua credibilidade? Entendemos que não e que outra não poderá ser a leitura, sob pena de retrocesso civilizacional no tratamento destas questões.
E o mesmo argumento serve para rebater também a circunstância de a vítima apenas ter relatado os factos à sua mãe cerca de dois anos depois, momento em que se sentiu mais preparada para o fazer.
Nesse sentido, já com mais de 10 anos de existência mas já então na vanguarda destas questões, vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12.04.2010, Relator Cruz Bucho, Proc. n.º 42/06.2TAMLG.G1, disponível em www.dgsi.pt: “em matéria de crimes sexuais as declarações do ofendido têm um especial valor, dado o ambiente de secretismo que rodeia o seu cometimento, em privado, sem testemunhas presenciais e, por vezes, sem vestígios que permitam uma perícia determinante, pelo que não aceitar a validade do depoimento da vítima poderia até conduzir à impunidade de muitos ilícitos perpetrados de forma clandestina, secreta ou encoberta como são os crimes sexuais. A experiência científica nesta área ensina que as vítimas de crimes sexuais tendem a não verbalizar o sucedido remetendo-se a um penoso silêncio, recatando a traumática experiência e quando a revelam fazem-no de forma sentida e muitas das vezes com retalhos de memória selectivos. É neste contexto muito especial, ademais agravado pela idade do menor, pela sua situação de filho do abusador (…) que deve ser apreciado o depoimento da vítima”.
Por outro lado, no seguimento das suas declarações para memória futura, constata-se que a vítima ficou toldada pelo receio dos arguidos e do mal que lhe podiam fazer no futuro, a si e à sua mãe – razão pela qual também guardou os acontecimentos para si e não os relatou de imediato. Isso mesmo resulta do depoimento da vítima, minuto 0:10:45.0 da gravação: ” Os meus tios, no dia seguinte parece que não tinha acontecido nada. Não sei se eles são malucos, sinceramente! Parece que não tinha acontecido nada, eu dormi no sofá. Chorava baba e ranho e eles continuavam-me a bater, eu sofri isto durante uns dois, três anos porque era ameaçada, todos os dias eu recebia chamadas, todos os dias se eu contasse matavam a minha família… e eu não consegui contar.”
Assim, não colhem de modo nenhum os argumentos apresentados pelos três recorrentes para descrebilizarem o depoimento da vítima.
Por fim, quanto ao argumento invocado pela arguida A  de que as “declarações para memória futura da menor ofendida não foram ouvidas (a sua gravação/ vídeo) e nem lidas a sua transcrição em sede de Audiência de Julgamento” diremos ainda que não o foram nem tinham que o ser.
Nesse sentido limitar-nos-emos a citar o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 11.10.2017, Rel. Cons. Manuel Augusto de Matos, P. n.º 895/14.0PGLRS.L1-A.S1, disponível em ww.dgsi.pt: “As declarações para memória futura, prestadas nos termos do art. 271.º, do CPP, não têm de ser obrigatoriamente lidas em audiência de julgamento para que possam ser tomadas em conta e constituir prova validamente utilizável para a formação da convicção do tribunal, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 355.º e 356.º, n.º 2, al. a), do mesmo Código.”
*
Quanto aos argumentos aportados pelos arguidos B e D de que nunca praticaram coito anal/cópula vaginal com a menor vítima e não foi isso que a mesma referiu em sede de declarações para memória futura, verificamos que a leitura atenta da transcrição das declarações e audição da respectiva gravação demonstra o contrário:
Logo no início do seu depoimento a vítima explica:
“0:07:14.0 Testemunha: Já… agora já sei o que é, sexo anal. E, na… obrigaram-me na altura, antes de ele chegar, a minha tia não sabia, mas depois ela contou-me, que tinha um problema que é urinário. (…) 0:07:51.0 Testemunha: Bateram-me com isso. E depois quando o outro senhor chegou, foi o senhor B e…0:51:59.0 Juiz(a): e o outro senhor? 0:08:01.0 Testemunha: …que me violaram. (…) 0:09:02.0 Juiz(a): A… e depois do outro senhor chegar, foram os dois, dizes tu que…; 0:09:08.0 Testemunha: Sim. 0:09:10.0; Juiz(a): …abusaram de ti no rabinho, é isso? 0:09:12.0 Testemunha: Um no rabinho e outro… 0:09:14.0 Juiz(a): No pipi? Não. Na boca? Sim. Ao mesmo tempo ou? 0:09:23.0
 Testemunha: Meu Deus…”
De tal modo foi a reacção emocionada da vítima neste momento que a Mmª. Juiz de Instrução perguntou-lhe se pretendia que interrompessem a diligência. Logo após a vítima continuou o seu relato, explicando: “0:09:58.0
Juiz(a): Mas eles também faziam sexo com ela?
0:10:00.0
Testemunha: Sim. Também faziam.”
Ou seja, os dois arguidos do sexo masculino praticavam coito anal ou pelo menos cópula vaginal com as duas pessoas do sexo feminino ali presentes no momento e local dos factos, a arguida A  e a vítima.
E muito embora a dado passo das suas alegações de recurso o arguido B também mencione que a vítima nunca mencionou que o masturbou, certo é que a menor explicou ao minuto 0:08:59.0 “Ele também mandou segurar no pénis”, referindo-se ao arguido B.
E assim, tudo ponderado mais uma vez, não assiste razão aos recorrentes neste ponto de impugnação da matéria de facto, entendendo-se que andou bem a decisão recorrida.
ii. Falta de Fundamentação suficiente e do exame crítico da prova
Neste ponto alegam os recorrentes, em síntese:
A recorrente A : “Por outro lado, limitando-se o tribunal a fazer uma súmula de declarações e depoimentos prestados em audiência, bem como das declarações para memória futura prestadas pela ofendida menor, sem justificar suficientemente o porquê da credibilidade que cada um deles tenha merecido e às razões do respectivo merecimento, falta igualmente o exame crítico das provas.
(…)
Sobre a validade e credibilidade das várias testemunhas, com especial relevo para o prestado pela ofendida C em sede de declarações para memória futura, o Tribunal recorrido não explica suficientemente porque a conferiu, mas uma vez aqui chegados e não tendo o tribunal indicado completamente as provas que serviram para formar a sua convicção sobre os pontos supra identificados dos factos provados, nem tendo efectuado o suficiente exame crítico de tais provas, existe insuficiente fundamentação da sentença, o que determina a sua nulidade, nos termos do art.379º, nº1, al. a), com referência ao art.374º, nº2, ambos do CPP.
(…)
O porquê da convicção do Tribunal em considerar o declarado pela menor como “ espontâneo”, porque formou esse juízo sobre a “ credibilidade da menor”, porque concluiu que “ inexistiu qualquer indução ou sugestão de respostas por parte da Mmª. JIC”, é- nos escamoteado porque o Tribunal recorrido o não explica de forma suficiente.”
(…)
Mas, o que seria, em verdade e da experiência comum expectável das declarações da mãe da ofendida C? Que contradissesse o relatado pela filha? O que fez o Tribunal a quo para se assegurar, sem qualquer margem de dúvida, que tais declarações da menor ( prestadas dois anos depois dos alegados factos) não teriam sido concertadas entre mãe e filha?
Nada, com o maior respeito.
Basta atentar na contradição – que não devia ter escapado ao douto Colectivo- entre o que declarou a Testemunha E que a arguida tocou na menor nas mamas e disse para tocar no pénis do 1º arguido e o declarado pela ofendida C , em sede de declarações para memória futura onde nunca declarou que a ora recorrente lhe disse para tocar no pénis do 1º arguido ! ( gravação entre 0:08:11 e 0:08:26).
Assim, o Tribunal não deu esse facto como provado, o que contraria a afirmação – na sua motivação- de que o depoimento da testemunha E  “ foi integralmente credível “. Pelos vistos, não o foi “ integralmente”….”.
Na mesma linha, o recorrente B: “O acórdão em crise não apresenta o exame crítico na motivação da decisão de facto, donde resulta não haver qualquer possibilidade de controlo, pela via do recurso, da decisão da matéria de facto, nem mesmo da sua conformidade com as disposições legais em matéria de prova.
(…)
 Pelo que, quando o Tribunal de Primeira Instância se limita a enumerar todos os meios de prova, salientando que se mostraram credíveis, quando se socorre do silêncio do Arguido, quando se baseia numa prova testemunhal que consistiu em depoimentos indirectos, quando se serve quase em exclusivo das declarações para memória futura da menor fazendo questão de mencionar que as respostas da vítima não foram induzidas ou sugeridas pela Sra. Dra. Juiz, quando faz menção ao que consta do relatório pericial sem estabelecer um qualquer nexo de causalidade entre os factos imputados ao arguido B e os danos que a vítima alega ter sofrido, não está, com o devido respeito, a fazer um exame crítico da prova, ou seja, não exterioriza o processo racional que serviu de base àquela decisão, está, salvo melhor opinião, tão somente a enunciar todo o material probatório que observou, no entanto, sem o correlacionar com os factos e com a conduta do Recorrente de modo a que se perceba o processo lógico que subjaz á condenação em apreço.”
E ainda na mesma linha, o arguido D, conclui ipsis verbis nas suas
Discordamos dos recorrentes.
Com efeito, contrariamente ao pretendido, a decisão recorrida mostra-se bem fundamentada e indica de forma explícita as razões pelas quais foi conferida credibilidade ao depoimento (referindo, além do mais, o próprio estado emocional da menor patente na gravação das declarações para memória futura), quer da vítima, quer das testemunhas, sendo perfeitamente perceptível o raciocínio lógico subjacente à formação da convicção do Tribunal acerca da matéria factual tida como provada. Ademais, esse raciocínio encontra-se de acordo com as regras de experiência comum, nos moldes a que também já aludimos supra, pelo que não nos merece qualquer censura.
Em detalhe, contrariamente ao que alegam os recorrentes A  e D quanto à valoração do depoimento da testemunha E, mãe da vítima, diremos que nada obstava à valoração deste depoimento enquanto depoimento indirecto, uma vez que corroborou o prestado pela própria vítima, mostrando-se assim cumpridos os requisitos previstos no artigo 129.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, que dispõe: “Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas.”
Por outro lado, não existe qualquer contradição que tenha escapado ao exame crítico da prova pelo douto Tribunal a quo. É evidente que o relato efectuado pela menor à sua mãe dois anos depois dos factos pode não coincidir na sua totalidade e em todos os detalhes – até porque não é relatado pela própria vítima e, sendo indirecto o depoimento, a testemunha nem sequer se encontrava presente no momento dos mesmos. No entanto, na sua globalidade e quase totalidade, o depoimento da mãe da menor coincide com o da vítima, sem contradições graves, que não resultem da natureza do próprio relato indirecto.
iii. Ausência de nexo causal entre os danos sofridos pela vítima e a conduta dos arguidos e improcedência do PIC
Neste ponto alegam os recorrentes, em síntese:
A recorrente A : “E, salvo o devido respeito- que é muito-, o que parece ter sucedido, in casu, é um aproveitamento dessa situação, para, de forma encapotada, a menor vir atribuir tais comportamentos e desequilíbrios aos factos que se imputa à recorrente, justificando, desde modo, a indemnização reclamada e na qual a recorrente veio condenada a pagar.
(…)
O Tribunal a quo dá como provada a matéria vertida no PIC, condena a recorrente no pagamento da indemnização peticionada, no entanto, não demonstra nem estabelece um nexo de causalidade entre aqueles danos e a actuação da Recorrente, enunciando apenas os documentos clínicos, quando do seu teor não resulta que os danos e/patologias de que a menor sofre foram causados pela conduta da recorrente.
(…)
Como facilmente se alcança, a depressão, a ansiedade e as tentativas de suicídio, entre o baixo rendimento escolar, não são o resultado/consequência dos factos imputados à recorrente, como quer fazer crer o Tribunal a quo, consubstanciam antes uma chamada de atenção da menor, que sente a falta da presença e do carinho dos pais, ao ponto de colocar em causa a própria vida, para ter a certeza de que a família gosta dela.
(…)
da concatenação da informação médica supra referenciada nada faz depender os danos alegados pela menor da conduta criminosa da recorrente, nem o Tribunal a quo estabelece tal correlação, pese embora, utilize tais meios de prova para julgar procedente o PIC e condenar a recorrente no pagamento à ofendida de uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, servindo-se apenas das passagens dos documentos referidos supra que referem que a menor tentou suicídio e que necessita de acompanhamento, razão pela qual os factos que compõem o PIC não se podiam dar como provados, pelo que, vêm impugnados, dispondo, V. Exas. Venerandos Desembargadores, de todos os elementos para alterar a matéria de facto nos termos do art. 431º, do CPP, o que ora se reclama.”
No mesmo sentido alegam os arguidos recorrentes B e D, praticamente em ipsis verbis neste ponto.
Entendemos que não existe qualquer razão aos recorrentes e que, pelo contrário, a douta decisão recorrida estabeleceu perfeitamente o nexo causal entre a conduta dos arguidos e os danos causados na pessoa da vítima.
Vejamos, na douta decisão recorrida:
“Nos presentes autos estão provados todos os pressupostos da responsabilidade civil derivada dos crimes de violação, abuso sexual de criança e lenocínio de menor, agravados, praticados, pelo que se verifica que, “in casu” o Tribunal dispõe de elementos bastantes para fixar a indemnização. (…) E o facto de a ofendida em consequência directa e necessária da conduta dos arguidos e arguida ter tido de beneficiar de acompanhamento pedopsiquiátrico e psicológico durante o período de cerca de cinco anos e ainda  hoje não querer falar sobre o assunto acima mencionado, em suma os supra apurados padecimentos, é passível de reparação pecuniária”.
Assim, em parte alguma da douta decisão recorrida se vislumbra como atribuída à conduta dos arguidos as situações registadas nos elementos clínicos relativas a automutilação ou tentativas de suicídio da vítima. Contudo, aquela documentação clínica e o exame pericial, conjugados com as declarações da  vítima, permitem demonstrar que as condutas dos arguidos afectaram a vítima de forma negativa na sua estabilidade emocional e psicológica, permitindo a atribuição da indemnização, conforme decidiu o Tribunal a quo.
iv. Questões de Direito
a) Valoração do silêncio dos recorrentes em julgamento
Alegam os recorrentes A  e B que a posição assumida pelos arguidos em sede de audiência de julgamento, não prestando declarações, os desfavoreceu, contrariando o disposto nos artigos 343.º, n.º 1 e 345.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
Contudo, perscrutado o douto acórdão condenatório, não vislumbramos de que forma é que o silêncio dos arguidos foi ponderado de molde a desfavorecê-los.
Pelo contrário, aquele silêncio é constatado e colocado por contraponto às declarações da vítima mas em parte alguma da douta decisão recorrida vislumbramos quaisquer considerações negativas ou que possam ser ponderadas contra a situação ou sequer na medida da pena dos arguidos.
Todavia, sempre destacaremos neste ponto, por relevante, e relativamente aos três arguidos, as alegações da Exma. Colega Magistrada Ministério Público no final do julgamento, referindo uma postura altiva e pouco empática dos arguidos, perfeitamente indiferentes à gravidade e sem demonstrarem qualquer repugno pelos factos que foram sendo relatados ao longo da audiência de julgamento, não obstante o seu silêncio.
b) Do crime de coacção
Alega a recorrente A  que: “Nos autos não vem por qualquer meio provado, e nem resulta dos factos dados como provados que a recorrente tenha praticado, ou tentado praticar, qualquer acto susceptível de preencher o elemento objectivo do crime de coacção.
Acresce que, também a ofendida não traz aos autos indícios de, após a prática dos factos, a recorrente a ter coagido seja a que for.”
O arguido B alega do mesmo exacto sentido no recurso por si interposto.
Todavia, já transcrevemos supra a passagem das declarações para memória futura da vítima que contradizem o pretendido pelos recorrentes A  e B, nesta parte, referindo-se em particular aos dois arguidos, os seus tios.
Vejamos mais uma vez, ao minuto 0:10:45.0 da gravação: ”Os meus tios, no dia seguinte parece que não tinha acontecido nada. Não sei se eles são malucos, sinceramente!
Parece que não tinha acontecido nada, eu dormi no sofá. Chorava baba e ranho e eles continuavam-me a bater, eu sofri isto durante uns dois, três anos porque era ameaçada, todos os dias eu recebia chamadas, todos os dias se eu contasse matavam a minha família… e eu não consegui contar.”
Assim, o preenchimento do tipo de ilícito criminal em causa foi, e, bem tido como verificado e imputado à arguida, bem condenada nesta parte.
c) Do crime de lenocínio de menores agravado
“Baseia-se mais uma vez o Colectivo para dar como provado o nº 27 e dar como consubstanciado a prática do crime em apreço apenas e só nas declarações prestadas para memória futura pela ofendida C.
Ora, Em nenhuma das suas declarações a ofendida refere :
- nem o montante de €150,00 supostamente recebido pela recorrente,
- nem a que título, porque razão, o arguido D estaria, alegadamente, a entregar qualquer montante de dinheiro à recorrente.
Independentemente da credibilidade que merecem as declarações da ofendida- e que questionámos supra! - , como se pode dar como preenchido apenas por tal o elemento objectivo do tipo em causa? Bem podia o arguido D estar a pagar um montante de dinheiro- que não se sabe quanto- a um qualquer outro título.
Como concluiu o tribunal que este dinheiro entregue foi entregue para “fomentar, favorecer ou facilitar o exercício da prostituição de menor” ?
(…)
O arguido B é excluído, pelas declarações da ofendida, do preenchimento dos pressupostos objectivos, desde logo, o fomento, favorecimento ou facilitismo para o exercício da prostituição, e nesta medida, não deveria vir condenado por este crime.
Mas também
Não se verificam os elementos objectivos e subjectivos do tipo do crime em causa que a conduta da recorrente possa ter preenchido com a sua conduta.”
O recorrente B vai também ao encontro destes argumentos em sede de alegações de recurso.
Todavia, a prova foi devidamente interpretada pelo Tribunal a quo. Muito embora não resulte directamente do depoimento da vítima qual a concreta quantia transaccionada entre o arguido D e a arguida A , certo é que o concreto montante afigura-se indiferente perante a entrega de uma determinada quantia em dinheiro à arguida em pagamento do acto de prostituição de uma menor, como sucedeu.
E neste ponto, o depoimento da vítima foi bem esclarecedor, até porque explica que a transacção monetária sucede em momento imediatamente subsequente ao acto sexual praticado com a menor: “0:10:30.0 Juiz(a): E o outro homem, o tal D, saiu, entretanto? 0:10:33.0 Testemunha: O D ficou a dar dinheiro à minha tia. 0:10:35.0 Juiz(a): Hum. 0:10:35.0 Testemunha: Não sei quanto dinheiro é que era, não faço a mínima. Eu só vi ele a dar dinheiro à minha tia.”
d) Do crime de violação agravada
Neste ponto alega o recorrente B:
“Discorrendo sobre todo o teor das transcrições, a verdade é que em momento algum, a ofendida de forma cabal diz que o arguido B a penetrou.
Tal imputação, resulta apensas da discorrência promovida pela Sr. Meritíssima JIC, à qual a ofendida apenas foi aderindo sem acrescentar pormenores, detalhar a situação ou apontar algum circunstancialismo concreto do preenchimento do tipo deste crime quanto ao arguido B.”
O arguido D vai no mesmo sentido nas suas alegações de recurso.
Vimos já supra que assim não foi. Desta feita daremos aqui por reproduzidas as transcrições a que já aludimos supra e em que a menor refere que “foi violada” pelos arguidos B e D. E assim mais uma vez andou bem o Tribunal a quo na douta decisão recorrida.
E ainda quanto à agravação do artigo 177.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, continua o recorrente B: “Defende o tribunal a quo que a relação familiar se encontra cabalmente demonstrada, mas não no que se refere ao arguido B, sendo que tal pressuposto não se encontra preenchido quanto ao mesmo.”
Muito embora do teor do relatório social possa resultar que já não residem juntos actualmente, certo é que resulta inequívoco das declarações para memória futura da menor, logo no início do seu depoimento, que os seus tios A e B residiam juntos, assim se preenchendo os pressupostos daquela agravação, mantendo-se a relação familiar da menor com os seus tios.
e) Do dolo dos arguidos B e D
Alega ainda o recorrente B, procurando eximir-se a que seja dado como provado o seu dolo, isto é que o arguido sabia que a vítima tinha 12 anos de idade e ainda assim quis praticar como praticou, os factos que lhe foram imputados:
“Já à data dos factos, a ofendida aparentava ser bastante mais velha do que os 12 anos biológicos.
O mesmo se infere do início das transcrições quando a Sr.ª JIC comenta a maquilhagem da ofendida, sendo corroborado quer pelos relatórios médicos dos hospitais onde a menor foi acompanhada quer da perícia médica elaborada pelo IML junto aos autos em 28.04.2021 com a refª citius 18699041 Trata-se de uma jovem com idade aparente superior à real, vestida e maquilhada de forma ostensiva, mas adequada ao género, idade e estação do Ano.
Donde presumir que o arguido B sabia a idade da ofendida, com quem privava ocasionalmente no decurso do período em que se relacionou amorosamente com a arguida A, é uma presunção que fica ilidida as constantes observações anotadas em todos os relatórios médicos que foram juntos aos autos, inclusive na perícia do IML.”
Neste ponto, entendemos que resulta perfeitamente inglório o esforço do recorrente, salvo o devido respeito, uma vez que resulta desde logo das declarações para memória futura da menor que conhecia e convivia com os tios há vários anos.
Veja-se:
“0:03:50.0 Testemunha: Ela nunca me fez mal, nunca. Sempre me deu prendas, a… parecia que me comprava.
0:03:57.0 Juiz(a): Portanto, não tinhas razão para desconfiar que ela te faria algum mal?
0:03:59.0 Testemunha: Nunca, nunca.
(…)
0:04:28.0 Testemunha: Até a minha mãe até disse “se o B estiver lá…”, a minha mãe nunca gostou do senhor B…
0:04:33.0 Juiz(a): Hum, hum.
0:04:33.0 Testemunha: …a minha mãe disse, “se o B estiver lá, eu não quero que a minha filha esteja ali”.
Assim, ainda que a idade biológica da menor não correspondesse à sua aparência, certo é que o arguido B conhecia a vítima desde a sua infância e por isso o seu argumento não colhe.
Uma nota mais para referir que mal se compreende, salvo o devido respeito, que a circunstância de uma adolescente se maquilhar para comparecer numa diligência em Tribunal aos 16 anos de idade (e não aos 12 em que os factos foram praticados!)- como é aliás apanágio de qualquer adolescência perfeitamente normal – possa servir de argumento para “confundir” a sua idade biológica e afastar o dolo do arguido.
Já o arguido D alega acerca desta matéria: “O Recorrente não só desconhecia a menor, como a sua idade, sendo certo que, da documentação clínica resulta que a menor aparenta uma idade superior, cfr., por exemplo, logo a primeira Nota de Alta do Centro Hospitalar de Lisboa Central, Serviço de HDE-Pedopsiqiatria5, de 27.11. 2019, junta aos autos em 29.12.2020, em ofício com a referência nº 18044445 , destacando-se a informação constante da página 1, “Observação á entrada no internamento: Vigil, calma, colaborante. Idade aparente superior á real (..)”.
Ora, não se olvide que os factos ocorreram quando a vítima contava cerca de 12 anos de idade e que a observação da menor em Pedopsiquiatria anos mais tarde não permite demonstrar que também à data dos factos a sua idade aparente não coincidisse com a sua idade biológica. Mais ainda, ainda que a  idade de uma menor de 12 anos seja superior à biológica, dizem as regras de experiência comum que dificilmente aparentará ainda assim ser uma adulta: quanto muito, uma adolescente um pouco mais velha, mas sempre uma menor, do que o arguido estava portanto perfeitamente ciente. Assim, bem andou mais uma vez a decisão recorrida.
v. Medida da Pena
No que concerne à redução da medida da pena pretendida pelos recorrentes, alegam nas suas conclusões, com relevância para a presente resposta, que:
A arguida A : “Donde se extrai, necessariamente, que deverá ser corrigida o Douto Acórdão, pelo menos, e sem conceder no demais, nesse segmento e, naturalmente realizado nova operação de cúmulo jurídico, que cremos deverá ser sempre inferior ao ora apresentado.
(…)
A determinação da medida concreta das penas aplicada à ora recorrente e da respectiva pena aplicada, não se encontra devidamente fundamentada pela sentença recorrida nos critérios definidos nos artigos 40º e 71º do CP (…)
(…)
Entendemos que a pena em concreto aplicada à ora recorrente é desajustada à culpa.
(…)
Ainda assim, por mera cautela de patrocínio, caso se julgue provada a restante matéria factual dada como provada, o que não se concede, sempre se pugna por uma pena em cúmulo a aplicar à recorrente próxima do limite mínimo e que possa ser condicente com a sua culpa.”
O arguido D: “A favor do Recorrente, destaca-se a ausência de antecedentes criminais e a sua inserção familiar, social e profissional, factores que, salvo melhor opinião, ainda que referenciados no acórdão recorrido, acabaram por não pesar na decisão final, que condenou o Recorrente numa pena de prisão efectiva de 5 (cinco) anos, tendo em atenção apenas e só os fins de prevenção geral em detrimento dos fins de prevenção especial, o que deu lugar a uma pena desajustada, inadequada e incorrectamente fixada.
Tendo subjacente o supra exposto, que, com o devido respeito, não foi tido em consideração no acórdão recorrido, parece-nos que a pena de prisão efectiva de cinco anos fixada ao Recorrente, quando em abstracto o crime que lhe é imputado admitia uma pena entre um ano e seis meses a nove anos de prisão, é desajustada e viola, por isso, o disposto nos artigos, 40º, 70º e 71º, do CP.
Repare-se que a pena de prisão fixada está acima do ponto médio, sendo que, o Recorrente é primário, tem 65 (sessenta e cinco) anos, está bem integrado na comunidade, não se reconhece no Arguido D uma tendência para a prática de crimes de idêntica natureza, nem tão pouco se demonstrou que ele faça destas práticas sexuais um modo de vida.”
(…)
Ora, resulta claramente da decisão recorrida a ponderação de todos estes factores, balizando-se, com recurso aos critérios constantes do artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, a medida da culpa do arguido de uma forma objectiva e segura. (…)
E, nos termos do artº.50º., do CPenal, atendendo também a todos os supra mencionados factores, entende-se agora que a censura do facto e a ameaça de prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que nunca se suspenderia a execução das mencionadas penas de prisão aplicadas a cada arguido, nem mesmo ao 3º, que se encontra no limite legal de tal possibilidade, nem se aplicaria qualquer outra pena de substituição.” (…)
Assim sendo, concordamos em pleno com a decisão ora em crise, porquanto nos parece ter aplicado de forma correcta, bem fundamentada e justa os artigos 40.º e 71.º, do Código Penal, não merecendo, por isso, qualquer censura antes, pelo contrário, integral confirmação.
Igualmente do que concerne à fundamentação da decisão acerca da não suspensão da pena de prisão, verificamos que o douto acórdão condenatório se mostra bem fundamentado também nesta parte.
À semelhança do douto Tribunal a quo, em face dos elementos tidos como (bem) provados, não se nos afigura possível realizar este juízo de prognose favorável pelo que o douto acórdão condenatório também não merece reparos nesta parte – nem sequer quanto ao terceiro arguido, atenta a pena única que lhe foi aplicada, e bem aplicada.
 Existem razões sérias para duvidar da capacidade do arguido de não cometer novos crimes se ficar em liberdade pelo que a pena de prisão deverá ser mantida como efectiva.
III. CONCLUSÕES
Em face do exposto formulam-se as seguintes conclusões:
1. Analisado o teor dos recursos apresentados pelos arguidos B, A  e D  constata-se que as questões centrais suscitadas naquelas peças processuais de sindicância do douto acórdão condenatório repetem-se entre si, havendo assim interesse, até por facilidade de compreensão, em responder a todas em simultâneo –tanto mais que alguns dos argumentos invocados são mesmo ipsis verbis idênticos entre os três recursos apresentados, o que assim faremos.
2. Diversamente do que entendem os recorrentes, temos por líquido que da conjugação das declarações para memória futura da vítima, depoimentos prestados, elementos clínicos e relatório pericial, não é o que o recorrente pretende mas o que foi dado como provado na decisão recorrida que corresponde à verdadeira versão dos factos, correctamente dada como provada, acompanhando-se a motivação da decisão da matéria de facto, tal como a mesma vem fundamentada no douto acórdão condenatório.
3. O douto acórdão recorrido não merece reparos e não se vislumbra qualquer erro de julgamento ou violação do princípio livre apreciação da prova, como pretendem os recorrentes (cfr. artigo 127.º, do Código de Processo Penal).
4. A vítima menor prestou declarações de uma forma espontânea, mantendo um relato coerente, com algumas imprecisões de memória que aliás só reforçam a sua credibilidade - pois se nem a um adulto se exige precisão milimétrica a situar-se no tempo, muito menos se poderá exigir a uma adolescente quando se reporta a factos, aliás traumáticos, que ocorreram pelos seus 12 anos.
5. Assim, o facto de a menor confundir se foi deixada junto da sua mãe pelos arguidos num domingo, reportando-se os factos a uma sexta feira, é perfeitamente indiferente, contrariamente ao que alegam os recorrentes.
6. Só a credibiliza, aliás, a mínima imprecisão temporal com que relata este circunstancialismo, sem fazer qualquer esforço artificial para balizar os factos numa lógica temporal perfeita. A menor não se esquece que os factos ocorreram num fim-de-semana em que ficou na casa dos seus tios; mas acontecendo um evento traumático desta natureza a uma menina de 12 anos de idade, é exigível que a menor mantenha consigo um calendário mental e temporalmente lógico de todos os acontecimentos? Não nos parece; aliás, seria mesmo, como dissemos, artificial, à luz das regras de experiência comum, até porque a menor prestou declarações para memória futura vários anos depois, já com 16 anos de idade.
7. Por outro lado, também o argumento de que a menor foi deixada com acesso a um telemóvel e contactou a sua mãe, não tendo logo pedido socorro, parece-nos, à luz das regras de experiência comum e do conhecimento actual acerca da gestão de acontecimentos traumáticos pelas vítimas, perfeitamente inatendível.
8. Em primeiro lugar, porque este argumento parece colocar o ónus da sua salvação na própria vítima, para assim desculpabilizar os seus agressores, descredibilizando-a. Salvo o devido respeito, parece-nos que se percorreu um caminho bem mais evolutivo quer no nosso ordenamento jurídico, quer nos valores culturais e sociais actuais, que pautam aquilo que, isso sim, é hoje a nossa experiência comum.
A vítima sofreu a agressão e logo após, do alto da maturidade dos seus 12 anos de idade (!), não cuidou de se recompor e de reunir naquele momento – recorde-se, imediatamente após ser abusada sexualmente por três adultos, pelo menos um deles (a sua tia) da sua confiança – a presença de espírito suficiente para pedir socorro à sua mãe. Era-lhe exigível, sob pena de perda da sua credibilidade?
Entendemos que não e que outra não poderá ser a leitura, sob pena de retrocesso civilizacional no tratamento destas questões.
 E o mesmo argumento serve para rebater também a circunstância de a vítima apenas ter relatado os factos à sua mãe cerca de dois anos depois, momento em que se sentiu mais preparada para o fazer.
9.  Por outro lado, no seguimento das suas declarações para memória futura, constata-se que a vítima ficou toldada pelo receio dos arguidos e do mal que lhe podiam fazer no futuro, a si e à sua mãe – razão pela qual também guardou os acontecimentos para si e não os relatou de imediato. Isso mesmo resulta do depoimento da vítima, minuto 0:10:45.0 da gravação.
10. Quanto ao argumento invocado pela arguida A  de que as “declarações para memória futura da menor ofendida não foram ouvidas (a sua gravação/ vídeo) e nem lidas a sua transcrição em sede de Audiência de Julgamento” diremos ainda que não o foram nem tinham que o ser.
Nesse sentido limitar-nos-emos a mencionar o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 11.10.2017, Rel. Cons. Manuel Augusto de Matos, P. n.º 895/14.0PGLRS.L1-A.S1.
11. Quanto aos argumentos aportados pelos arguidos B e D de que nunca praticaram coito anal/cópula vaginal com a menor vítima e não foi isso que a mesma referiu em sede de declarações para memória futura, verificamos que a leitura atenta da transcrição das declarações e audição da respectiva gravação demonstra o contrário (vide transcrição constante da motivação da presente resposta a recurso).
12. Assim, daquela transcrição, bem como da gravação, resulta que os dois arguidos do sexo masculino B e D praticaram coito anal ou pelo menos cópula vaginal com as duas pessoas do sexo feminino ali presentes no momento e local dos factos, a arguida A  e a vítima.
13. E muito embora a dado passo das suas alegações de recurso o arguido B também mencione que a vítima nunca mencionou que o masturbou, certo é que a menor explicou ao minuto 0:08:59.0 “Ele também mandou segurar no pénis”, referindo-se ao arguido B.
14. A decisão recorrida mostra-se bem fundamentada e indica de forma explícita as razões pelas quais foi conferida credibilidade ao depoimento (referindo, além do mais, o próprio estado emocional da menor patente na gravação das declarações para memória futura), quer da vítima, quer das testemunhas, sendo perfeitamente perceptível o raciocínio lógico subjacente à formação da convicção do Tribunal acerca da matéria factual tida como provada.
15. Ademais, esse raciocínio encontra-se de acordo com as regras de experiência comum, nos moldes a que também já aludimos supra, pelo que não nos merece qualquer censura.
16. Em detalhe, contrariamente ao que alegam os recorrentes A  e D quanto à valoração do depoimento da testemunha E, mãe da vítima, diremos que nada obstava à valoração deste depoimento enquanto depoimento indirecto, uma vez que corroborou o prestado pela própria vítima, mostrando-se assim cumpridos os requisitos previstos no artigo 129.º, n.º 1, do Código de Processo Penal
17. A douta decisão recorrida estabeleceu perfeitamente o nexo causal entre a conduta dos arguidos e os danos causados na pessoa da vítima.
18. Em parte alguma da douta decisão recorrida se vislumbra como atribuídas à conduta dos arguidos as situações registadas nos elementos clínicos relativas a automutilação ou tentativas de suicídio da vítima.
Contudo, aquela documentação clínica e o exame pericial, conjugados com as declarações da vítima, permitem demonstrar que as condutas dos arguidos afectaram a vítima de forma negativa na sua estabilidade emocional e psicológica, permitindo a atribuição da indemnização, conforme decidiu o Tribunal a quo.
19. Perscrutado o teor do douto acórdão condenatório, não vislumbramos de que forma é que o silêncio dos arguidos foi ponderado de molde a desfavorecê-los. Pelo contrário, aquele silêncio é constatado e colocado por contraponto às declarações da vítima, mas em parte alguma da douta decisão recorrida vislumbramos quaisquer considerações negativas ou que possam ser ponderadas contra a situação ou sequer na medida da pena dos arguidos.
20. Muito embora não resulte directamente do depoimento da vítima qual a concreta quantia transaccionada entre o arguido D e a arguida A , certo é que o concreto montante afigura-se indiferente perante a entrega de uma determinada quantia em dinheiro à arguida em pagamento do acto de prostituição de uma menor, como sucedeu.
21. E neste ponto, o depoimento da vítima foi bem esclarecedor, até porque explica que a transacção monetária sucede em momento imediatamente subsequente ao acto sexual praticado com a menor.
22. Muito embora do teor do relatório social possa resultar que já não residem juntos actualmente, certo é que resulta inequívoco das declarações para memória futura da menor, logo no início do seu depoimento, que os seus tios A e B residiam juntos, assim se preenchendo os pressupostos da agravação prevista no artigo 177.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, mantendo-se à data dos factos a relação familiar da menor com os seus tios.
23. Ainda que a idade biológica da menor não correspondesse à sua aparência, certo é que o arguido B conhecia a vítima desde a sua infância e por isso o seu argumento de que desconhecia a sua idade e não actuou dolosamente, nessa parte, não colhe.
24. Uma nota mais para referir que mal se compreende, salvo o devido respeito, que a circunstância de uma adolescente se maquilhar para comparecer na diligência de declarações para memória futura em Tribunal aos 16 anos de idade (e não aos 12 anos, idade em que os factos foram praticados!)- como é aliás apanágio de qualquer adolescência perfeitamente normal – possa servir de argumento para “confundir” a sua idade biológica e afastar o dolo do arguido.
25. Quanto ao mesmo argumento invocado pelo arguido D, não se olvide que os factos ocorreram quando a vítima contava cerca de 12 anos de idade e que a observação da menor em Pedopsiquiatria anos mais tarde (conforme documentos clínicos invocados pelo recorrente) não permite demonstrar que também à data dos factos a sua idade aparente não coincidisse com a sua idade biológica.
26. Mais ainda, ainda que a idade aparente de uma menor de 12 anos seja superior à biológica, dizem as regras de experiência comum que dificilmente aparentará ainda assim ser uma adulta: quanto muito, uma adolescente um pouco mais velha, mas sempre uma menor, do que o arguido estava portanto perfeitamente ciente. Assim, bem andou mais uma vez a decisão recorrida.
27. No que concerne às medidas das penas dos arguidos A  e D as palavras da douta decisão recorrida afiguram-se esclarecedoras e ajustadas, sendo a medida da pena adequada à justeza do caso, em função do tipo legal de crime preenchido pela conduta de cada um dos arguidos.
28. Verificamos que a pena foi ajustada quer à gravidade dos actos praticados, quer à intensidade do dolo com que actuaram, bem como pela ausência de antecedentes criminais registados à data da prática dos factos quanto ao arguido D, mas ponderando negativamente o antecedente criminal por crime da mesma natureza pela arguida A , que se constata devidamente ponderada no douto acórdão condenatório, contrariamente ao alegado pelo recorrente.
29. Não se olvide que cada um dos arguidos, juntamente com os co-arguidos, praticou, num espaço de tempo consideravelmente curto, diversos factos integradores de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de uma criança de apenas 12 anos, com gravosas e nefastas consequências psicológicas para o resto da vida da mesma. O grau de ilicitude das suas condutas foi gritante, pelo que muito difícil seria concluir como os recorrentes pretendiam que se concDse, pela formulação de um juízo de prognose favorável sobre a capacidade de ressocialização e diminuição da medida da pena.
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Já nesta Relação o Ex. Sr. Procurador Geral adjunto emitiu Parecer, dizendo:
O arguido  B  interpõe recurso, levantando as seguintes questões:
- Da nulidade da sentença (artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal), por falta de fundamentação e do exame crítico;
- Do erro notório na apreciação da prova (artigo 410.º, n.º 2, alí-nea c), do Código de Processo Penal):
- Errónea apreciação da prova por parte do Tribunal “a quo”, impugnando, de forma genérica, a matéria de facto provada,  preconizando, de  acordo com a sua interpretação subjectiva da prova produzida, sentido de decisão diversa da tomada;
- Da qualificação jurídica da factualidade apurada, mormente na perspectiva do crime de violação agravado; do preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do crime de lenocínio de menor agravado, bem como da verificação da agravante a que se reporta o artigo 177.º, n.º 1, al. b), do Código Penal;
- A impugnação da decisão recorrida em sede de medida da pena, por considerar exagerada a pena unitária de prisão que lhe foi aplicada.
 A arguida A  no recurso levanta as seguintes questões:
- Da nulidade da sentença (artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal), por insuficiente fundamentação;
- Da contradição insanável a que se reporta o disposto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal;
- Utilização imprudente de presunções judiciais;
- Da valoração do silêncio da arguida /recorrente em sede de julgamento;
- Errónea apreciação da prova por parte do Tribunal “a quo”, impugnando, nomeadamente os factos dados como assente sob nºs 5, 6, 7, 9, 10, 11, 12, 14, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 24, 26, 27,28, 29, 30, 32, 38, 39, 40 e 43, preconizando, de acordo com a sua interpretação subjectiva da prova produzida, sentido de decisão diversa da tomada;
- Da errónea qualificação jurídica da factualidade apurada no acórdão condenatório, mormente na perspectiva do preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos dos crimes de coacção e de lenocínio de menor agravado;
- A impugnação da decisão recorrida em sede de medida da pena, mormente no que tange ao quantum da parcelar de sete anos e três meses de prisão, efectiva, pela co-autoria material de um crime de lenocínio de menores agravado, consumado, p. e p. pelos artigos 175.º, n.ºs 1 e 2 alíneas, a) e d) e 177.º, n.ºs 4 e 7, do Código Penal, por considerar exagerada a pena unitária prisão que lhe foi aplicada.

O arguido D levanta no recurso as seguintes questões:
- Da nulidade da sentença (artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal), por falta de exame crítico da prova e fundamentação;
- Da contradição insanável a que se reporta o disposto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal;
- Errónea apreciação da prova por parte do Tribunal “a quo”, impugnando, nomeadamente os factos dados como assentes sob nºs 25, 27 28, 41, 42, 43 e 44, preconizando, de acordo com a sua  interpretação subjectiva da prova produzida, sentido de decisão diversa da tomada;
- Da errónea qualificação jurídica da factualidade apurada no acórdão condenatório, mormente na perspectiva do preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos dos crimes de coacção e de lenocínio de menor agravado;
- Da medida pena – violação do artigo 40.º, 70.º e 71.º, todos do Código Penal - e a perspectiva da suspensão de execução da pena de prisão que lhe foi aplicada – cfr. o disposto no artigo 50.º do mesmo compêndio legal.
(…)
 Como transparece da fundamentação e do exame crítico da prova efectuado no acórdão impugnado, para cujo teor, por economia processual, se dão aqui por integralmente reproduzidos, o tribunal “ a quo” ponderou todos os elementos de prova produzidos em sede de audiência aquando da formação do sentido da sua convicção quanto à matéria de facto, onde sobressaem a conjugação das declarações para memória futura prestadas pela ofendida menor com os depoimentos ali enunciados e a prova pericial e documental, tendo sido desconsiderado todas as afirmações de pendor conclusivo e de matéria de direito, analisando dialecticamente os meios de prova ao seu alcance, procurando harmonizá-los entre si de acordo com os princípios da experiência comum, sem critérios pré-definidores de valor a atribuir aos diferentes elementos probatórios, salvo quando a lei diversamente o disponha, bem como a conjugação global deste acervo probatório com a lógica e regras da normalidade da vida.
Acompanhando bem de perto o teor da fundamentação da decisão em crise, diremos que o Tribunal “a quo” formou a respectiva convicção alicerçado, primordialmente, nos depoimentos das testemunhas produzidos em sede de julgamento, as quais corroboraram o teor das declarações para memória futura concretizada nos autos ao abrigo do disposto no artigo 271.º do Código de Processo Penal -, conjugando-os em ordem a ser atingida a verossimilhança da factualidade apurada, com o restante acervo probatório disponível, do qual ressalta, entre outros meios de prova com maior relevância no indispensável processo da sua análise crítica e dialéctica: documentação clínica; exames periciais e relatórios sociais.
De facto, da leitura atenta do acórdão recorrido imediatamente se conclui que o Tribunal “a quo” ali plasmou o raciocínio subjacente à convicção por si formada. Para tanto, relatou o modo como alcançou essa convicção, descreveu o processo racional seguido e objectivou a análise conjugada das diversas provas produzidas, indicando, ainda, o peso que determinados meios probatórios tiveram no processo decisório.
Fundamentação que, de resto, se acha também muito bem alicerçada nas regras da experiência e em adequados juízos de normalidade, não se perfilando a violação de qualquer regra da lógica ou ensinamento da experiência comum.
Enfim, a matéria dada como provada (e não provada) é a que resulta da análise da prova produzida, temperada com os princípios de processo penal convergentes na área, com destaque – inevitável e desejável sob o ponto de vista da captação psicológica – para o da imediação e da livre apreciação da prova nos termos plasmados no artigo 127.º em conjugação com o disposto nos artigos 355.º, 356.º e 357.º, n.º 1, alínea b), todos do Código de Processo Penal.
Assim sendo, conclui-se que os factos dados como provados são suficientes, correspondem ao resultado da discussão da causa e não enfermam de obscuridade ou contradição, não padecendo a decisão recorrida de qualquer erro na apreciação da prova, sendo manifesto que o Tribunal “a quo” jamais valorou o exercício do direito ao silêncio a que se remetam os arguidos no decurso das discussão e audiência de julgamento do caso concreto.
Numa outra vertente, a nosso ver e da incursão feita no texto do acórdão proferido nos autos não se detecta qualquer erro intrínseco de julgamento a que se reporta o disposto no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, estando, a nosso ver, a decisão bem fundamentada e com suficiente força lapidar estão explanadas as razões da condenação dos arguidos/recorrentes, razões que aliás assentam em elementos de prova suficientes, mostrando-se o exame crítico da prova feito adequadamente.
(…)
Remete para as conclusões apresentadas pela Digna Magistrada do MP:
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Cumprido o art. 417º, n.º, do C.P.P. não houve resposta ao Parecer.
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Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art. 419º, nº3, al. c), do diploma citado.
1. Fundamentação
A) Delimitação do Objecto do Recurso
Como tem sido entendimento unânime, o objecto do recurso e os poderes de cognição do tribunal da Relação definem-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, onde deve sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir as razões do pedido - artigos 402º, 403.º e 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, naturalmente que sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso (cfr. Silva, Germano Marques da, Curso de Processo Penal, Vol. III, 1994, p. 320; Albuquerque, Pinto de, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª ed. 2009, pag 1027 e 1122, Santos, Simas, Recursos em Processo Penal, 7.ª ed., 2008, p. 103; entre outros os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, p. 196).
No caso vertente, em face das conclusões do recurso são as seguintes as questões que cumpre apreciar:
I- Da nulidade da sentença (artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP, por falta de exame crítico da prova e fundamentação;
II- vícios do art. 410º CPP
III-  impugnação da matéria de facto ao abrigo do disposto no art. 412º CPP
IV. Ausência de nexo causal entre os danos sofridos pela vítima e a conduta dos arguidos
V. Questões de Direito – valoração do silêncio dos arguidos em julgamento, inexistência do crime de coacção, da inexistência de crime de lenocínio, da inexistência do crime de violação, inexistência do dolo dos arguidos B e D no que respeita à idade da menor.
VI. Medida da Pena     
B) Decisão Recorrida
Com vista à apreciação das questões supra enunciadas, importa ter presente o seguinte teor da decisão recorrida.
Comecemos pela motivação da decisão de facto constante do Acórdão.
“MOTIVAÇÃO:
A convicção do tribunal assentou na concatenação ponderada do silêncio em audiência dos arguidos e arguida quanto ao imputado, com as declarações para memória futura prestadas pela ofendida menor, com o depoimento das testemunhas ouvidas e os documentos e prova pericial dos autos nomeadamente de fls.2 a 5, 16 a 20, 23 a 25, 28, 28v, 33 a 49, 54 a 63, 67, 78, 79, 82, 83, 89, 90, 115, 128, 144 a 7, 150, 156 a 64v, 167, 172 e 3, 184 a 5, 204, 206 a 11, 214 a 19, 221 a 6, 229 a 34, 236, 241 a 55, 259, 260, 271 a 80, 285 e 6, 290 a 580, 583, 585 a 7, 607, 610 a 94, 701v, 703 a 6, 711v a 14, 715v a 21, 729 a 40, 760 a 66, 814 e 15, 821, 822, 831 a 45v, 850v, 908v a 10, 918 a 21, 925 a 71, 975 a 1009, 1012 a 16 e 1019 a 23, dos autos principais; Fls.2 a 4v, 15, 15v e 17, do apensado 5261/19.5T9AMD; e Fls.115 a 122, 139 a 44 e 152 a 155, do apensado 5293/19.7T9SNT, e bem ainda vertidos no citius, (onde se incluem CRCs, comunicação de notícia de crime, autos de notícia, aditamentos, fotografias, elementos clínicos, relatório de Perícia e relatórios sociais), todos analisados em audiência, face a um juízo de experiência comum, sendo que a prova produzida em audiência se encontra gravada.
Com efeito, os arguidos e arguida usaram em audiência do seu direito ao silêncio quanto ao imputado e confirmaram o vertido nos seus relatórios sociais, no que contribuíram para os factos dados como provados (nessa estrita medida).
Todavia, desde logo do mencionado acervo documental e pericial dos autos se constatava automutilação da menor, tratamento da mesma em pedopsiquiatria face a tentativas de suicídio, ameaças à menor, Perícia à menor no INML, no sentido da credibilidade do declarado pela mesma, a fls.760 a 765, e bem ainda declarações para memória futura da menor, a fls.821 e 822, transcritas nos autos, de onde se afere a exactidão do imputado, no que a concatenação dos mencionados elementos probatórios contribuíu para os factos dados como provados.
No que respeita aos factos dados como provados, para os mesmos contribuíram decisivamente as declarações para memória futura prestadas pela menor e transcritas nos autos. Nas mesmas a menor revelou-se integralmente credível (por ademais corroborada pelas testemunhas depois ouvidas em juízo e pela prova pericial feita no INML junta aos autos). No que contribuiu para os factos dados como provados.
Das mesmas declarações para memória futura destacam-se, com especial pertinência, as seguintes, com referência a hora, minuto, segundo e décima de segundo (separados por pontos): de 0:01:44.0 a 0:01:58.0; de 0:02:23.0 a 0:03:02.0; de 0:03:13.0 a 0:02:23.0; de 0:04:16.0 a 0:04:23.0; de 0:05:11.0 a 0:07:14.0; de 0:07:33.0 a 0:08:59.0; de 0:09:02.0 a 0:09:12.0; de 0:09:58.0 a 0:10:02.0; de 0:10:30.0 a 0:11:18.0; de 0:11:49.0 a 0:12:11.0. No que as mesma contribuíram para os factos dados como provados (note-se que embora em sede de alegações defesa tenha aventado que toque na vagina da menor não resulta das declarações para memória futura, a verdade é que, compulsadas as mesmas, resulta).
Neste juízo sobre a credibilidade da menor, note-se que nas declarações para memória futura afere-se com segurança estado emocional da menor, patente na gravação e transcrição, o que lhe confere a credibilidade mencionada. Que é reafirmada pela perícia feita à menor pelo INML. O que contribuiu ainda, em conjunto com a prova testemunhal infra, para a prova dos danos sofridos pela menor. Mais se constatando da aludida transcrição e audição que inexistiu qualquer indução ou sugestão de respostas por parte da Mmª. JIC (contrariamente ao aventado por defesa em sede de alegações), pelo que se teve o declarado pela menor como espontâneo, obviamente dentro da contingência emocional que sempre afecta as vítimas deste tipo de crime. O que em nada mitiga a sua credibilidade, pelo contrário.
E  foi integralmente credível (por corroborada) ao mencionar que é mãe da menor ofendida C Andrade; ao mencionar que é sobrinha da arguida; que a arguida é irmã do pai desta E; que menor é sobrinha-neta da arguida; ao mencionar que soube do sucedido pela sua filha, em Março de 2019; que a menor demorou a ganhar coragem para contar o que lhe tinham feito; que só veio a identificar o 3º arguido pela mencionada alcunha mais tarde; ao mencionar que a menor nasceu em 3/2/2005, tendo actualmente 17 anos de idade; que na data dos factos a menor tinha 12 anos de idade; ao mencionar que a menor lhe contou que a arguida apareceu toda nua junto dela e a obrigou a ver ter relações sexuais com o 1º arguido (note-se que, como noutros pontos infra, é depoimento indirecto, mas pode ser, como foi, valorado, por ser conforme às declarações para memória futura mencionadas, conformidade que contribuiu também para o juízo de credibilidade sobre o declarado, tanto por filha, como por mãe); que a arguida tocou na menor nas mamas e disse para tocar no pénis do 1º arguido e o 1º arguido obrigou a menor a tocar nele, no pénis; ao mencionar que a filha relatou que foi penetrada analmente pelo arguido B; que também o foi pelo 3º arguido; que o 1º ou 2ª arguidos ligaram para o 3º também participar; que a menor viu o 3º arguido entregar dinheiro aos primeiros; ao mencionar que a menor desabafou consigo, com um primo e com irmã da mãe; que houve troca de mensagens; ao mencionar o teor das mesmas; que não era comum a menor ir sozinha para casa da arguida e 1º arguido, mas sim em família; que os factos ocorreram no Verão de 2017, quando a menor tinha 12 anos; ao mencionar que a menor começou a ser acompanhada em Dezembro de 2018, meses antes de contar o sucedido; ao confirmar os apurados padecimentos da menor depois dos factos; que antes era amorosa; que foi com a menor à PJ no dia seguinte a esta lhe ter contado; ao mencionar que a arguida dizia muitas vezes que estava sozinha, que o 1º arguido se ausentava; que aquando dos factos foi dito “tem de ser anal senão engravidamos a miúda”; ao mencionar que a menor lhe contou que lhe bateram com panelas para a levar a cabo com ela os actos mencionados; ao mencionar que o 3º arguido foi ao local a troco de dinheiro; ao mencionar que a menor referia que não gostava do 1º arguido, até porque a arguida estava sempre a dizer mal dele; ao mencionar que a menor antes dos factos era boa aluna, sempre tinha passado de ano e nunca tinha tido nenhum acompanhamento psicológico; as actuais habilitações e estado da menor, com tentativas de suicídio e respectivas assistências hospitalares, pedopsiquiátricas e psicológicas; ao mencionar que quando a menor esteve em casa da arguida falou várias vezes com a mesma durante o dia, daí ter ficado surpresa quando a menor lhe contou o sucedido (note-se que, conforme apurado, na data dos factos a menor foi constrangida a fazer o último telefonema do dia antes da prática dos factos); ao mencionar que não era suposto os 1º e 2ª arguidos levarem a menor depois ao trabalho da mãe da menor, como fizeram; que estava combinado a mãe ir buscar a menor a casa deles; ao mencionar que não soube de problema nenhum da arguida com crianças; ao mencionar que pedopsiquiatra e psicóloga fizeram a ligação entre os danos patentes na menor e os factos apurados cometidos na mesma; ao mencionar que até março de 2019 a menor não contava o porquê de se tentar matar; ao mencionar que a menor não voltou a ir para casa dos 1º e 2ª arguidos sozinha; ao mencionar que o aludido primo da menor com quem esta desabafou se chama I e é filho da arguida; ao mencionar que a menor disse que tinha vergonha do sucedido e que os 1º e 2ª arguidos a ameaçavam quando a menor ia a casa deles, de que lhe faziam mal se contasse o sucedido; que a menor aí viu arma e viu os 1º e 2ª arguidos fazer gestos como de cortar o pescoço em direcção à menor, no mesmo sentido de que lhe faziam mal se contasse o sucedido; ao mencionar que a menor tinha telemóvel mas não lhe ligou porque os arguidos lhe bateram e ameaçaram aquando dos factos; ao mencionar que a menor não consegue ultrapassar o sucedido e ser feliz; ao infirmar efabulação por parte da menor; ao mencionar que acreditou na veracidade do que lhe foi relatado pela menor; que a menor foi acompanhada pela CPCJ e, depois, em PPP em Tribunal, pela EMAT, pelas mencionadas tentativas de suicídio e subsequentes faltas à escola; ao mencionar que viu o 3º arguido em casa da arguida, em ocasião que não consegue precisar; que a menor não fala com a arguida desde o sucedido, no que contribuiu para os factos provados e para a mencionada formação da convicção do Tribunal.
A testemunha L, Inspector da Polícia Judiciária, foi integralmente credível (por corroborado) ao mencionar que fez diligências investigatórias nos presentes autos; que os mesmos se reportavam inicialmente a actos de tia-avó e companheiro desta na menor; que ouvida a menor veio depois a ser identificado o 3º arguido; que os factos se reportam a 2017; que foi feita diligência quanto a telemóvel que se mostra documentada nos autos; que foi feita impressão de mensagens; ao confirmar o teor das mesmas vertido a fls.57 a 62; que a mãe fez queixa na PSP; que foi feito reconhecimento pessoal do 3º arguido, como o 3º interveniente nos factos; ao mencionar que aquando das declarações perante si a menor se expressou com muita dificuldade; que é difícil falar sobre a matéria em apreço; ao mencionar que a menor chorou aquando de tais declarações, ao que teve de interromper a audição várias vezes e socorrer-se do auxílio de uma colega do sexo feminino; que a menor evidenciava estar em sofrimento; que teve a percepção de que a mesma estava a ter um depoimento genuíno e espontâneo; ao mencionar que depois a menor foi novamente ouvida e a audição já não foi tão difícil porque já se tinha criado uma relação mais forte entre a declarante e o inquiridor (esta testemunha), no que contribuiu para os factos provados e para a mencionada formação da convicção do Tribunal. Os factos não provados resultaram em síntese da ausência de prova tida por credível e susceptível de os dar como provados.”
O que deve constar da motivação da decisão de facto?
Não podemos deixar de citar um acórdão proferido no processo nº 375/21.8PGLRS.L1 pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo Central Criminal de Loures onde se escreveu o seguinte: “ A convicção do Tribunal formou-se com base na análise crítica da prova adiante descrita, tendo em conta as regras de experiência comum e da normalidade das coisas, sobretudo face à tipologia habitual dos casos como o dos autos.
Dito, no momento que se julga pertinente, o que se dirá quanto à valoração da prova efectuada pelo Colectivo, importa, desde já, concretizar as regras probatórias que sustentaram tal análise e concluir.
A apreciação da prova, ao nível do julgamento de facto, faz-se segundo as regras da experiência e a livre convicção do Juiz, nos termos do disposto no artigo 127, do Código de Processo Penal. No entanto, não se confunde esta, de modo algum, com apreciação arbitrária de prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova. É dentro dos tais pressupostos valorativos da obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio, suposto pela ordem jurídica, que o julgador se deve colocar ao apreciar livremente a prova, reflectindo sobre os factos, utilizando a sua capacidade de raciocínio, a sua compreensão das coisas, o seu saber de experiência feito.
É a partir desses factores que se estabelece, realmente, uma tarefa (ainda que árdua) que se desempenha de acordo com o dever de prosseguir a verdade material.
Em conformidade com o disposto no n.º 2, do artigo 374, do Código de Processo Penal, é nosso dever, para além da enumeração dos factos provados e não provados e a indicação das provas que serviram para formar a nossa convicção, fazer uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentaram a decisão sobre esta matéria, impondo-se ao tribunal, sob pena de incorrer em nulidade (cfr. alínea a), do artigo 379, do Código de Processo Penal), o dever de explicar porque decidiu de um modo e não de outro.
Os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos que constituem o substrato racional que conduzem à formação da convicção do tribunal em determinado sentido e não noutro, devem ser revelados aos destinatários da decisão que são, não apenas os sujeitos processuais, mas também a própria sociedade, o conjunto dos cidadãos.
O Tribunal tem de esclarecer porque é que valorou de determinada forma e não de outra os diversos meios de prova carreados para a audiência de julgamento.
Só assim se permite aos sujeitos processuais e ao Tribunal Superior o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, pela via de recurso, conforme impõe, inequivocamente, o artigo 410, do Código de Processo Penal.
Deve, assim, a decisão sobre a matéria de facto assegurar pelo conteúdo um respeito efectivo pelo Princípio da Legalidade, pela independência e imparcialidade dos juízes. Foi à luz deste exacto sentido e alcance da Lei, que se procedeu à apreciação das provas constantes dos autos e examinadas em audiência, afinal, as únicas que podem valer para a formação da convicção do tribunal, nos precisos termos do n.º 1, do artigo 355, do Código de Processo Penal.(…) “
Apreciando.
A motivação efectuada pelo Tribunal a quo não se pode considerar exemplar.
Não obstante  a maior parte do despacho consistir numa súmula de declarações e depoimentos prestados em audiência e declarações para memória futura, como dizem os recorrentes , o facto é que, olhando apenas para o despacho (ou seja,  sem uso de outros elementos) um leitor comum consegue perceber que o tribunal se baseou para a prova dos factos dados como provados nas declarações para memória futura prestadas pela menor, que achou que foram credíveis (porque corroboradas pelas testemunhas depois ouvidas em juízo e pela prova pericial feita no INML junta aos autos ) pois no seu depoimento verificou-se um estado emocional que tornou ainda mais forte essa credibilidade. Lendo o referido despacho, conclui-se que o depoimento de E Margarida foi credível e foi corroborado pelo que disse a filha.
Assim, pese embora aquele despacho não estar aprofundado, o certo é que, ainda que de forma ligeira, percebe-se onde o tribunal se baseou para considerar aqueles factos como provados.
Concluindo, entendemos que o acórdão cumpre o nº 2 do art. 374º do CPP, pelo que julgamos improcedente a invocada nulidade da sentença /acórdão por violação do art. 379º nº 1 al. a ) CPP.
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Como escreve Sérgio Poças, “da Sentença Penal – Fundamentação de facto”, Revista Julgar nº 3, 2007, pag. 22 e 35ss  “da motivação do tribunal a quo não se conclui decisivamente se a prova foi bem ou mal apreciada.
Uma motivação (da sentença) efectuada nos termos legais justifica a convicção formada, mas   não garante que o tribunal não errou na convicção que formou.
Quando o tribunal dá razões para ter dado credibilidade a determinada testemunha, é isso que dá, mas isto não é a garantia firme que o tribunal não se possa ter equivocado ao acreditar naquela testemunha.
A análise da motivação é suficiente quando está em causa a nulidade da sentença por falta ou insuficiência intolerável de motivação, mas é obviamente insuficiente quando está em causa a reapreciação da matéria de facto.
Uma sentença motivada nos termos legais pode ter subjacente um grave erro de julgamento, como uma sentença insuficientemente motivada pode estar bem julgada
*
DOS VÍCIOS DO ART. 410º CPP
Citando o AC RE de 09.01.2018 in www.dgsi.pt.” A impugnação da decisão da matéria de facto pode processar-se por uma de duas vias: através da arguição de vício de texto previsto no art. 410º nº 2 do CPP, dispositivo que consagra um sistema de reexame da matéria de facto por via do que se tem designado de revista alargada, ou por via do recurso amplo ou recurso efectivo da matéria de facto, previsto no art. 412º, nºs 3, 4 e 6 do CPP (é esta última norma que o recorrente invoca na sua impugnação).
O sujeito processual que discorda da “decisão de facto” do acórdão pode, assim, optar pela invocação de um erro notório na apreciação da prova, que será o erro evidente e visível, patente no próprio texto da decisão recorrida (os vícios da sentença poderão ser sempre conhecidos oficiosamente e mesmo que o recurso se encontre limitado a matéria de direito, conforme acórdão uniformizador do STJ, de 19.10.95) ou de um erro não notório que a sentença, por si só, não demonstre.
No primeiro caso, a discordância traduz-se na invocação de um vício da sentença ou acórdão e este recurso é considerado como sendo ainda em matéria de direito; no segundo, o recorrente terá de socorrer-se de provas examinadas em audiência, que deverá então especificar.
Na verdade, impõe o art. 412º, nº3 do CPP que quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto por via do recurso amplo o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da tomada na sentença e/ou as que deviam ser renovadas. Esta especificação deve fazer-se por referência ao consignado na acta, indicando-se concretamente as passagens em que se funda a impugnação (art. 412º, nº4 do CPP). Na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações, bastará “a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas pelo recorrente,” de acordo com a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça em 08.03.2012 (AFJ nº 3/2012).
O incumprimento das formalidades impostas pelo art. 412º, nºs 3 e 4, quer por via da omissão, quer por via da deficiência, inviabiliza o conhecimento do recurso da matéria de facto por esta via ampla. Mais do que uma penalização decorrente do incumprimento de um ónus, trata-se de uma real impossibilidade de conhecimento decorrente da deficiente interposição do recurso.”
Nesta parte concordamos com o que diz o Ex. Sr. Procurador Adjunto quando diz:
Saliente-se, contudo, que o recurso da matéria fáctica dada como assente consubstanciando um duplo grau de jurisdição nesse âmbito não significa no nosso sistema recursivo que se proceda a um segundo julgamento com a nova valoração dos depoimentos prestados. O recurso visa a decisão em concreto e não o julgamento.
Deste modo, a reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação só é possível em dois planos distintos. O primeiro tem por objectivo aferir da existência dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, vícios que têm que resultar do texto da decisão recorrida, por si só conjugadamente com as regras da experiência comum, sem recurso a elementos externos. Trata-se da verificação de erros de julgamento que se infiram do próprio texto da decisão, cujo conhecimento aliás é de conhecimento oficioso, independentemente de haver ou não recurso da matéria de facto. Um segundo plano existe no qual é possível “atacar” os factos dados como provados, procurando convencer o Tribunal da Relação a modificar a matéria de facto, pressupondo naturalmente uma reapreciação dos elementos probatórios, fundamento que tem por base o tal erro na apreciação da prova, determinativo de erro judiciário. Em tal vertente, porém, a lei exige na alínea b) do nº 3 do artigo 412º que sejam apresentadas “prova que imponha decisão diversa da recorrida”.
Ou seja, neste segundo plano, a reapreciação da prova está contida dentro dos limites impostos pelo artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Penal, que mais não constitui do que um ónus de especificação que impende sobre cada um dos recorrentes, sob pena de, não o fazendo, o respectivo recurso fica inviabilizado.
No caso vertente, não se recorta do texto decisório qualquer daqueles vícios, que aliás podem ser conhecidos oficiosamente, nem se mostra minimamente cumprido o procedimento exigido na norma do artigo 412.º do citado compêndio legal.
Acrescente-se que, e como é jurisprudência pacífica do S.T.J. (cfr. por todos o douto Sentença do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 02.03.2016 no Pº 81/12.4GCBNV.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt),
“(…) Os vícios do n.º 2 do artigo 410º do CPP, todos eles relativos ao julgamento da matéria de facto, têm de resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
– Quanto ao vício previsto pela al. a) do n.º 2 do artigo 410º do CPP, o mesmo só ocorrerá quando da factualidade vertida na decisão se concluir faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados ou descritos, impossibilitem, por sua ausência, um juízo seguro (de direito) de condenação ou de absolvição. Trata-se da formulação incorrecta de um juízo: a conclusão extravasa as premissas; a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada.
– Quanto ao vício previsto pela al. b) do n.º 2 do artigo 410º do CPP, verifica-se contradição insanável – a que não possa ser ultrapassada ainda que com recurso ao contexto da decisão no seu todo ou às regras da experiência comum – da fundamentação – quando se dá como provado e não provado determinado facto, quando ao mesmo tempo se afirma ou nega a mesma coisa, quando simultaneamente se dão como assentes factos contraditórios, e ainda quando se estabelece confronto insuperável e contraditório entre a fundamentação probatória da matéria de facto, ou contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, quando a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão.
– Quanto ao vício previsto pela al. c) do n.º 2 do artigo 410º do CPP, o mesmo verifica-se quando, partindo do texto da decisão recorrida, a matéria de facto considerada provada e não provada pelo tribunal a quo, atenta, de forma notória, evidente ou manifesta, contra as regras da experiência comum, avaliadas de acordo com o padrão do homem médio. É um vício intrínseco da sentença, isto é, que há-de resultar do texto da decisão recorrida, de tal forma que, lendo-o, logo o cidadão comum se dê conta que os fundamentos são contraditórios entre si, ou com a decisão tomada.
(…)”
Os vícios decisórios, como vícios da sentença, necessariamente teriam de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sendo certo que, da leitura efectuada do acórdão impugnado, não descortinamos a existência de qualquer vício, mormente nos moldes alvitrados pelos arguidos na sua motivação de recurso.
Assim, em nossa opinião, com a arguição dos vícios decisórios nos moldes assinalados, os Recorrentes pretendem, repetindo-nos, é pôr em causa a convicção do Tribunal através da sua própria interpretação da prova produzida, ensaiando impugnar a decisão sobre a matéria de facto.
Como se vê do Ac. TRL de 18/07/2013, “III – (…) Quando os recorrentes entendem que a prova foi mal apreciada devem proceder à impugnação da decisão sobre a matéria de facto conforme o artigo 412º n.º 3 do Código de Processo Penal (…)”.
Ora, o regime legal estabelecido em matéria de recursos penais prevê que, para que possa ter lugar o reexame da prova, o Recorrente terá de cumprir o formalismo correspondente, designadamente o do n.º 3 do artigo 412º do C.P.P., devendo as conclusões conter a menção aos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados (alínea a), as provas que impõem decisão diversa da recorrida (alínea b) e as que devem ser renovadas (alínea c), com referência aos suportes técnicos (n°4). “
Na decisão em crise, apenas com recurso ao texto da decisão, não conseguimos descortinar a existência de nenhum dos vícios do art. 410º nº 2 CPP
Tal como diz o Ex. Sr. Procurador, os Recorrentes pretendem é pôr em causa a convicção do Tribunal através da sua própria interpretação da prova produzida, ensaiando impugnar a decisão sobre a matéria de facto.
Como se vê do Ac. TRL de 18/07/2013, “III – (…) Quando os recorrentes entendem que a prova foi mal apreciada devem proceder à impugnação da decisão sobre a matéria de facto conforme o artigo 412º n.º 3 do Código de Processo Penal (…)”.
Porém, dizemos nós, ao contrário do Ex. Sr. Procurador que entende que os recorrentes “ não observaram tal procedimento, apresentando, antes, uma apreciação dos factos diferente da do Tribunal, mas fá-lo sem apontar quaisquer factos concludentes que permitam contraditar a apreciação efectuada pelo Tribunal e sem especificar as concretas provas que na sua óptica imporiam decisão diversa, como determina o artigo 412º n.º 3 al. b), do C. de Processo Penal.”, temos que concluir, secundando a posição da Digna Magistrada do Ministério Público, que os recorrentes cumpriram esse normativo.
Como escreveu aquela Magistrada, “os recorrentes, impugnando matéria de facto, deram cumprimento ao  preceituado no artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Penal, pelo que nada obsta à apreciação dos seus recursos nessa parte. Também no que respeita à matéria de direito, deram os recorrentes cumprimento ao disposto no artigo 412.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, pelo que igualmente nada obsta à apreciação desta parte dos recursos.”
Os recorrentes põem em causa os factos provados 5, 6, 7, 9, 10, 11, 12, 14, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 24, 26, 27,28, 29, 30, 32,38, 39, 40, 43 no que toca à arguida A; os factos dados como provados em 6, 7, 12, 14, 15, 17, 19,20, 21, 22 e 29 no que toca ao arguido B; os pontos 25, 27 28, 41, 42, 43 e 44, e toda a matéria do pedido de indemnização civil ( pontos 2 a 32 dos factos provados mas na parte referente ao PIC) no que se refere ao arguido D.      
FACTOS CONSIDERADOS PROVADOS NA 1ª INSTÂNCIA.
FACTOS PROVADOS:
Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos:
1- Desde meados de 2014, os arguidos A e B viviam como se de marido e mulher se tratassem e residiam na X, concelho de Oeiras.
2- A arguida A  é tia-avó materna da menor C, nascida em 3/2/2005, e mantinha com a mesma e com a progenitora desta uma relação de grande proximidade.
3- Em data que não foi possível concretizar, mas que se situa no Verão de 2017, a arguida A  convidou a sobrinha C para ir passar um fim-de-semana a sua casa, dizendo-lhe que estaria sozinha, o que a progenitora da menor consentiu, vindo a menor a pernoitar na referida residência.
4- Já após a menor se encontrar em casa dos arguidos, o arguido B surgiu no local.
5- Então, em hora não concretamente apurada, mas depois do jantar, sem que nada o fizesse prever, a arguida A  dirigiu-se para a casa de banho e, no regresso à sala de jantar, surgiu nua perante a menor.
6- De seguida, o arguido B puxou no braço da menor e levou-a para o quarto.
7- Aí chegados, o arguido B disse à menor para se despir, o que esta recusou.
8 - Então, o arguido B tirou a roupa que a menor trazia despida e de seguida despiu-se também, ficando totalmente nu.
9- Nessa altura, os arguidos A  e B dirigiram-se para a cama e ordenaram à menor que permanecesse junto ao local e que olhasse para eles.
10- Acto contínuo, a arguida A  colocou-se de joelhos, com as mãos apoiadas na cama, enquanto o arguido B se colocou por detrás e introduziu o seu pénis erecto na vagina daquela, fazendo movimentos de vai e vem, assim mantendo relações sexuais de cópula completa na presença da menor.
11- De seguida, o arguido B aproximou-se da menor, que permanecia despida, e com uma das mãos, tocou na vagina desta, acariciando-a.
12- Após, o arguido B agarrou na mão da menor, colocou-a no seu pénis erecto e efectuou movimentos de cima para baixo e de baixo para cima até ejacular para a mão desta.
13- Nessa altura, o arguido B disse à menor para colocar o seu pénis na boca, o que a menor recusou, fugindo para a sala.
14- No mesmo dia e local, cerca de duas horas depois, os arguidos B e A  decidiram contactar o arguido D para que este se dirigisse à residência dos arguidos e aí praticasse actos de natureza sexual com a menor C, mediante o pagamento de uma quantia monetária.
15- Assim, na execução desse propósito, o arguido B telefonou ao arguido D e, cerca de 15 minutos depois, este surgiu na residência sita na X.
16- Aí chegado, o arguido D dirigiu-se ao quarto dos arguidos A e B e manteve relações sexuais com estes.
17- De seguida, o arguido B dirigiu-se à sala, aproximou-se da menor, a qual permanecia despida, e ordenou-lhe que fosse para o quarto dos arguidos, puxando-a pelos cabelos, apesar de a menor lhe dizer que não queria ir.
18- Quando a menor entrou no quarto, a arguida A  estava despida, com os joelhos e as mãos apoiadas na cama, e o arguido D estava atrás da mesma, desnudado, agarrando-a pelas costas, mantendo relações sexuais de cópula completa.
19- Nessa altura, o arguido B empurrou a menor para cima de cama e disse-lhe que se colocasse de joelhos, na mesma posição da arguida A .
20- Como a menor recusou, o arguido B muniu-se de um cinto e, com o mesmo, desferiu várias pancadas nas costas da menor, assim a obrigando a colocar-se na referida posição, o que a menor fez.
21- De seguida, o arguido B colocou-se por detrás da menor C e introduziu o seu pénis erecto no ânus desta, efectuando movimentos de vai e vem.
22- Apesar da menor chorar e pedir ao arguido que parasse, este continuou com tal conduta, agarrando-a e desferindo várias palmadas nas nádegas da menor.
23- Após alguns minutos, o arguido B disse ao arguido D: “agora é a tua vez”.
24- Então, o arguido B colocou-se por detrás da arguida A , iniciando relações sexuais de cópula completa com esta, altura em que o arguido D se colocou por detrás da menor.
25- Acto contínuo, o arguido D introduziu o seu pénis erecto no ânus da menor, efectuando movimentos de vai e vem, enquanto a agarrava com as mãos e lhe dizia “vai sua puta”, pese embora a menor chorasse e lhe pedisse que cessasse com tal conduta.
26- Nessa altura, encontrando-se na cama ao lado da menor C, a arguida A  agarrou os seios desta, acariciando-os.
27- De seguida, quando o arguido D largou a menor C e se afastou da cama, a arguida A  disse a este que lhe  devia entregar a quantia de €-150,00 em contrapartida pelos actos sexuais que o mesmo havia mantido com a menor.
28- De imediato, o arguido D entregou aos arguidos A  e B a quantia de 150,00€ (cento e cinquenta euros) em numerário, que retirou do bolso das suas calças, vestiu-se a abandonou a residência dos arguidos.
29- No dia seguinte, os arguidos B e A  levaram a menor a casa.
30- Desde então, por várias vezes, e em datas na concretamente apuradas, os arguidos B e A  disseram à menor que não contasse a ninguém o sucedido e que se o fizesse, a matavam.
31- Ao actuar da forma descrita, agiram os arguidos B e A  com o propósito concretizado de satisfazer os seus desejos sexuais e lascívia, os quais não souberam nem quiseram refrear, conforme satisfizeram, utilizando para tanto a menor C, indiferente à idade desta e às consequências de tal actuação sobre a mesma, mantendo, na presença desta, actos sexuais de cópula completa.
32- Ao agirem da forma descrita, os arguidos B e A  aproveitaram-se da relação familiar que mantinham com a menor, sobrinha da segunda, com quem conviviam frequentemente, aproveitando-se assim da proximidade e da autoridade que resultava dessa mesma relação.
33- Os arguidos B e A  sabiam a idade de C, bem sabendo que, em função dessa idade, a mesma não tinha suficiente discernimento para se auto-determinar sexualmente, nem para avaliar as condutas levadas a cabo pelos arguidos e não poderia consentir ou anuir nas mesmas.
34- Mais sabiam os arguidos B e A que, ao actuarem da forma supra descrita, perturbavam e prejudicavam, de forma séria, o desenvolvimento da menor e a sua autodeterminação sexual, que ofendiam os seus sentimentos de criança e punham em causa o normal e são desenvolvimento psicológico, afectivo e sexual da mesma, como afectaram.
35- Agiu ainda o arguido B, da forma descrita em 11 a 13 supra, com o propósito concretizado de praticar actos de natureza sexual com a menor C, indiferente à idade desta, e às consequências de tal actuação sobre a mesma, para assim satisfazer os seus impulsos sexuais e de lascívia.
36- Mais agiu o arguido B, da forma descrita em 17, 19 a 23 supra, em conjugação de esforços e intenções, com o propósito concretizado de forçar a menor C à prática de actos sexuais de coito anal, para assim satisfazer o seu instinto sexual, usando de força física e de agressões para vencer a resistência que lhe foi imposta pela menor e imobilizá-la, mediante o recurso à força física, desferindo-lhe várias pancadas no corpo e colocando-a na impossibilidade de resistir, bem sabendo que actuava contra uma menor.
37- Sabia ainda o arguido B que a sua actuação era adequada a molestar sexualmente a menor e causar-lhe lesões na sua integridade física, dores, mal-estar, vergonha e humilhação, como causou, o que quis.
38- Agiu ainda a arguida A , da forma descrita em 26 supra, com o propósito concretizado de sujeitar a menor a actos de natureza sexual, bem sabendo a idade desta e indiferente às consequências de tal actuação sobre a mesma, para assim satisfazer os seus impulsos sexuais e de lascívia.
39- Agiram os arguidos B e A  da forma descrita em 3, 4, 14, 15, 25, 27 e 28 supra, em conjugação de esforços, com o propósito concretizado de atrair a menor para a sua residência e, através da força física, fomentar a prostituição da mesma com um terceiro, para assim obterem para si proventos económicos resultantes das relações de cópula e outros actos de natureza sexuais praticados pela menor, como obtiveram.
40- Agiram os arguidos B e A  da forma descrita em 30 supra, com o propósito de evitar que a menor relatasse a terceiros o sucedido, mediante a ameaça de crime contra a vida, resultado que não atingiram por motivos alheios à sua vontade.
41- Agiu o arguido D, da forma descrita em 15, 16, 24 a 28 supra, em conjugação de esforços e intenções com os arguidos, com o propósito concretizado de forçar a menor C à prática de actos sexuais de coito anal, para assim satisfazer o seu instinto sexual, usando de força física e de agressões para vencer a resistência que lhe foi imposta pela menor e imobilizá-la, mediante o recurso à força física, desferindo-lhe várias pancadas no corpo e colocando-a na impossibilidade de resistir, bem sabendo que actuava contra uma menor.
42- Sabia ainda o arguido D que a sua actuação era adequada a molestar sexualmente a menor e causar-lhe lesões na sua integridade física, dores, mal-estar, vergonha e humilhação, como causou, o que quis.
43- Ao agirem da forma descrita, os arguidos B, A  e D aproveitaram-se sempre da situação de vulnerabilidade  de C, bem sabendo que a mesma tinha, à data, 12 anos de idade.
44- Os arguidos actuaram, de comum acordo, livre, deliberada e conscientemente, com intenção de dar satisfação aos seus instintos lascivos e libidinosos, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas criminalmente.
Mais se provou que (…)
 (Do Pedido de Indemnização Civil:)
2. Os arguidos A  e B, de forma planeada, aproveitando-se da situação de proximidade e da autoridade que resultava da relação familiar, bem como a confiança da progenitora, e pelo grau de parentesco da arguida com a menor para atrair a casa destes.
3. Os arguidos A  e B sabiam que a assistente era menor e não conseguiria oferecer resistência, tampouco conseguiria escapar da emboscada que planearam para ela.
4. Utilizando para tanto o poder que exerciam sobre a menor com a finalidade concretizada de praticar actos de natureza sexual com a assistente, sabedores da idade desta, para assim satisfazerem os seus impulsos sexuais e de lascívia.
5. Sabendo bem os arguidos que a assistente em função da idade não tinha suficiente discernimento para se autodeterminar sexualmente, nem maturidade para avaliar as condutas impostas pelos arguidos e não poderia de qualquer modo consentir ou anuir nas mesmas.
6. Para além do propósito de satisfazerem os seus impulsos sexuais, atraíram a menor a sua residência para aí, com emprego da força física, fomentarem a prostituição da mesma com um terceiro, o arguido D, para assim obterem proventos económicos resultantes das relações de cópula e outros actos de natureza sexuais praticados na menor.
7. O arguido D, na intenção de satisfazer o seu instinto sexual, deslocou-se até a casa dos arguidos A  e B, com o propósito de ter relação sexual com a menor, usando da força física e de agressões para vencer a resistência que lhe foi imposta pela menor e imobilizá-la, mediante o recurso à força física, desferindo- lhe várias pancadas no corpo e colocando-a na impossibilidade resistir.
8. Decorrente da conduta dos arguidos acima mencionada na assistente, logo em 2018 a menor começou a apresentar sinais de instabilidade emocional, tristeza constante e irritabilidade, que resultou em depressão profunda.
9. Em Novembro de 2018, passou por uma crise de ansiedade, na intenção de tirar a própria vida, que a levou a ingerir vários medicamentos, com o propósito de se livrar de todas as perturbações que vinha sofrendo.
10. Perturbações estas também decorrentes de estar a ser coagida/ameaçada pelos arguidos A  e B, para que não contasse à mãe tudo que lhe fizeram.
11. Estes ainda a perseguiam através de mensagens via Instagram/Facebook, em tom ameaçador com as seguintes expressões “amanhã já tens uma surpresa”; “miúda vais morrer”.
12. Depois dos factos imputados, acima apurados, há 3 anos que a menor se encontra em acompanhamento psiquiátrico, toma medicação forte diariamente para ansiedade e stress.
13. Medicação esta que é custeada pela mãe da menor, há cerca de três anos, desde Dezembro do ano de 2018.
14. A vida da assistente ficou arruinada em todos os sentidos: desenvolvimento pessoal, psicológico, comunicação, relação com as demais pessoas, desenvolvimento escolar.
15. Antes do ocorrido a menor era vista como uma criança alegre, feliz, comunicativa, brincalhona, com bom desenvolvimento escolar.
16. Depois do ocorrido, a nível escolar reprovou duas vezes no 7º ano de escolaridade.
17. No actual contexto de desenvolvimento é uma pessoa que faz amizades curtas, não se deixa relacionar por muito tempo com as demais pessoas, de irritabilidade fácil.
18. Por várias vezes já tentou suicídio.
19. A menor viu-se humilhada, desrespeitada perante amigos e familiares.
20. Todos os abusos, ofensas e agressões causaram na assistente perda de auto-estima, depressão reactiva, exaustão emocional, medo, insegurança.
21. Desenvolveu stress pós-traumático, sendo que de Relatório da Perícia Médico-legal, consta o seguinte: “(…) Segundo o diagnostico e estatística das perturbações mentais da associação Americana de psiquiatria (DSM5), de uma perturbação de stress pós-traumático 309.81 (F43.10), sendo os alegados abusos sofridos os eventos estressores e desencadeantes desta patologia. A C apresenta também traços desadaptativos da personalidade tipo Borderline tornando a C uma jovem que se autogere por impulso na procura da sua satisfação pessoal imediata. Este tipo de problemáticas potenciam génese destas problemáticas existe uma falha emocional por parte dos cuidadores primários”.
22. Todos estes factos implicaram enorme dor física e mental na assistente que, nos termos do Relatório da Perícia Médica elaborado no Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I. P., tiveram as seguintes consequências: “i. A menor necessitará de acompanhamento psiquiátrico até a sua estabilização”.
23. A assistente necessitará, para superar tais traumas, de anos de acompanhamento psiquiátrico e sem a certeza de uma total recuperação.
23-A. Restará profundamente marcada pelas violências que sofreu, o que reflectirá em suas possíveis futuras relações na vida adulta.
24. Será este um trauma que carregará para o resto de sua vida, uma adolescência marcada por uma violência cometida pelas pessoas que teriam o dever legal de protegê-la.
25. Os Arguidos violaram de forma consciente e culposa o direito à liberdade/autodeterminação sexual da assistente e, em consequência, esta sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais relevantes.
26. Os aludidos trauma e todo o sofrimento moral mencionados são consequência directa, imediata e necessária dos actos apurados de que foi vítima, cometidas pelos arguidos.
30. À assistente foi prescrita medicação que toma desde 2018, tendo feito 37 meses de tratamento, no que gastou de 8,57€ por mês, totalizando (37x8,57€) 317,09€ (trezentos e dezassete euros e nove cêntimos), que gastou em medicação nesses 37 meses.
31. A assistente sofreu, em consequência da apurada conduta dos arguidos, sentimentos de vulnerabilidade com isolamento social; pesadelos recorrentes; ansiedade física e psíquica na recolecção de memórias desse evento que ocorriam frequentemente; insónia inicial e intermédia; dificuldade de concentração; irritabilidade; stress pós-traumático; períodos de despersonalização com perda de prazer em várias actividades; e, inclusive a reprovação escolar.
32. Para além do medo, vergonha e humilhação, a assistente também se viu lesada no seu corpo.
33. Em consequência directa da apurada conduta de arguidos e arguida, a menor terá um longo caminho a percorrer de tratamento.
Ouvida a prova produzida em audiência ( que se encontra gravada), compulsada a perícia  e analisada a restante prova documental, o tribunal  chega à seguinte conclusão:
--não se consegue descortinar como foram dados como provados os factos supra.
Explicando:
O tribunal a quo, na motivação à decisão sobre a matéria de facto, diz que a prova fundamental resultou das declarações para memória futura da menor.
Ora, analisadas estas declarações, concluímos que muito pouco disse a menor do que consta como provado, tendo negado factos que o tribunal considerou terem ocorrido.
Depois de ouvirmos a mãe da menor, verificámos que o tribunal deu como provados vários factos de acordo com o depoimento desta em tribunal.
Porém, como a mesma explicou, tudo o que sabe foi a filha que lhe contou e contou-lhe menos do que aquilo que se passou (sic)
Porém, à pergunta do Mmª Juiz Presidente esclareceu que “nas declarações para memória futura a menor contou tudo”.
Ora, nestas declarações temos que concordar com os recorrentes uma vez que as questões que foram colocadas à menor não foram questões abertas, que permitiam todo o tipo de resposta, mas questões de resposta ”sim ou não”, totalmente desaconselhadas, designadamente neste tipo de situações.
O tribunal percebe a preocupação da MMº Juiz de instrução no sentido de “poupar” a menor a uma inquirição mais rigorosa. Porém, o modo como aquela diligência foi efectuada e as respostas que a menor deu às questões efectuadas, não permitem a este tribunal de recurso concluir relativamente ao que, efectivamente, se passou no período em que a menor foi dormir a casa dos dois primeiros arguidos.
Note-se que esta dificuldade nem tem a ver com a credibilidade ou não da menor.  A dificuldade está a montante. Atentas as declarações da menor, o tribunal, mesmo conferindo àquela toda  credibilidade (que também não sabe se a tem), não consegue perceber de que forma o tribunal deu como provados os factos supra.
Não podemos deixar de abrir aqui um parêntesis para dizer que estamos totalmente em desacordo com o Acórdão da Relação de Guimarães citado pela Digna Magistrada do Ministério Público onde se escreveu “em matéria de crimes sexuais as declarações do ofendido têm um especial valor, dado o ambiente de secretismo que rodeia o seu cometimento, em privado, sem testemunhas presenciais e, por vezes, sem vestígios que permitam uma perícia determinante, pelo que não aceitar a validade do depoimento da vítima poderia até conduzir à impunidade de muitos ilícitos perpetrados de forma clandestina, secreta ou encoberta como são os crimes sexuais. A experiência científica nesta área ensina que as vítimas de crimes sexuais tendem a não verbalizar o sucedido remetendo-se a um penoso silêncio, recatando a traumática experiência e quando a revelam fazem-no de forma sentida e muitas das vezes com retalhos de memória selectivos. É neste contexto muito especial, ademais agravado pela idade do menor, pela sua situação de filho do abusador (…) que deve ser apreciado o depoimento da vítima”.
A lei não estabelece diferenças entre os ofendidos, nem estatui que o princípio da presunção da inocência do arguido tem alguns desvios quando estão em causa crimes sexuais.
Esta posição, que a Digna Magistrada do MP entendeu de vanguarda , põe em causa o pilar fundamental do Direito Penal e inverte o ónus da prova de  forma inaceitável.
Continuando,
Relativamente a cada um dos factos dados como provados, este tribunal explicará o motivo das suas dúvidas.
Note-se que relativamente à parte do pedido cível, tendo em conta o depoimento da mãe da menor, mas, igualmente,  o que consta da perícia que lhe foi efectuada, também ficou o tribunal com sérias dúvidas relativamente ao nexo de causalidade entre a actual situação da menor e as condutas imputadas aos arguidos.
Na verdade, depois do depoimento desta, as diligências requeridas pelos arguidos no sentido de serem prestados esclarecimentos pela Sr. Perita que efectuou a peritagem junta aos autos e outros profissionais de saúde que lidaram com a menor e profissionais do ensino que também estiveram perto desta e contribuiriam para esclarecer o percurso de saúde e escolar da C, parecem-nos essenciais.
Façamos, então, uma análise detalhada dos factos:
1- Desde meados de 2014, os arguidos A  e B viviam como se de marido e mulher se tratassem e residiam na X, concelho de Oeiras.
2- A arguida A  é tia-avó materna da menor C, nascida em 3/2/2005, e mantinha com a mesma e com a progenitora desta uma relação de grande proximidade.
3- Em data que não foi possível concretizar, mas que se situa no Verão de 2017, a arguida A  convidou a sobrinha C para ir passar um fim-de-semana a sua casa, dizendo-lhe que estaria sozinha, o que a progenitora da menor consentiu, vindo a menor a pernoitar na referida residência. (trata-se de um facto instrumental, destinado a situar os factos, mas a menor diz que foi passar um fim de semana e a mãe desta afirma que terá ido passar uma semana)
4- Já após a menor se encontrar em casa dos arguidos, o arguido B surgiu no local.  ( A prova deste facto é pacífica, não deixando de estranhar que a mãe da menor não tivesse referido que não queria a filha a dormir lá em casa se o arguido B ali estivesse, facto que foi salientado pela menor aquando das declarações que prestou)
5- Então, em hora não concretamente apurada, mas depois do jantar, sem que nada o fizesse prever, a arguida A  dirigiu-se para a casa de banho e, no regresso à sala de jantar, surgiu nua perante a menor. (Quer a menor, quer a mãe, a quem a primeira contou, referem tal situação)
6- De seguida, o arguido B puxou no braço da menor e levou-a para o quarto (a menor nega. diz “0:05:32.0, pag. 9 da transcrição, referindo-se à tia,  ela disse para ela ir para o quarto)
7- Aí chegados, o arguido B disse à menor para se despir, o que esta recusou. (a menor nega tal facto. Diz-  0:06:08.0 “ela, eles levaram-me para o quarto,  tiraram-me a roupa, bateram-me, chegaram a bater com panelas -fls. 10 da transcrição.)
8 - Então, o arguido B tirou a roupa que a menor trazia despida e de seguida despiu-se também, ficando totalmente nu.  ( A menor nega. Foi a tia e o tio quem lhe tirou a roupa. 0:06:16.0, fls. 11 da  transcrição.)
9- Nessa altura, os arguidos A  e B dirigiram-se para a cama e ordenaram à menor que permanecesse junto ao local e que olhasse para eles. ( não é perguntado à menor e ela não o relata.)
10- Acto contínuo, a arguida A  colocou-se de joelhos, com as mãos apoiadas na cama, enquanto o arguido B se colocou por detrás e introduziu o seu pénis erecto na vagina daquela, fazendo movimentos de vai e vem, assim mantendo relações sexuais de cópula completa na presença da menor. ( a menor nada descreve relativamente à posição dos tios quando estavam a ter relações sexuais.)
11- De seguida, o arguido B aproximou-se da menor, que permanecia despida, e com uma das mãos, tocou na vagina desta, acariciando-a. (a menor diz que o arguido lhe tocou, mas não diz onde (vagina, mamas) – fls. 14 da  transcrição 0:08:33.0 
12- Após, o arguido B agarrou na mão da menor, colocou-a no seu pénis erecto e efectuou movimentos de cima para baixo e de baixo para cima até ejacular para a mão desta.  (a menor diz que o arguido B a mandou segurar no pénis – cfr. fls. 15, 0:08:59.0 e 0:09:01.0)
13- Nessa altura, o arguido B disse à menor para colocar o seu pénis na boca, o que a menor recusou, fugindo para a sala. ( a menor diz que lhe fez sexo oral – cfr. fls. 15 0:08:52.0 foi só sexo oral que tu fizeste a este senhor? Sim. Não diz que fugiu para a sala)
14- No mesmo dia e local, cerca de duas horas depois, os arguidos B e A  decidiram contactar o arguido D para que este se dirigisse à residência dos arguidos e aí praticasse actos de natureza sexual com a menor C, mediante o pagamento de uma quantia monetária. ( A menor diz apenas que a tia ligou ao arguido D quando estavam no quarto.)
15- Assim, na execução desse propósito, o arguido B telefonou ao arguido D e, cerca de 15 minutos depois, este surgiu na residência sita na X. ( A menor diz que quem ligou foi a tia )
16- Aí chegado, o arguido D dirigiu-se ao quarto dos arguidos A  e B e manteve relações sexuais com estes. ( não é perguntado à menor e ela não o relata)
17- De seguida, o arguido B dirigiu-se à sala, aproximou-se da menor, a qual permanecia despida, e ordenou-lhe que fosse para o quarto dos arguidos, puxando-a pelos cabelos, apesar de a menor lhe dizer que não queria ir(Não é perguntado à menor e ela não o relata. A menor nunca diz que depois de estar no quarto voltou à sala e que o arguido B a foi buscar e a levou para o quarto puxada pelos cabelos.)
18- Quando a menor entrou no quarto, a arguida A  estava despida, com os joelhos e as mãos apoiadas na cama, e o arguido D estava atrás da mesma, desnudado, agarrando-a pelas costas, mantendo relações sexuais de cópula completa. (a menor não refere este facto.)
19- Nessa altura, o arguido B empurrou a menor para cima de cama e disse-lhe que se colocasse de joelhos, na mesma posição da arguida A .  (a menor não o diz).
20- Como a menor recusou, o arguido B muniu-se de um cinto e, com o mesmo, desferiu várias pancadas nas costas da menor, assim a obrigando a colocar-se na referida posição, o que a menor fez. (a menor diz que apanhou, mas não com cinto, nem com esta finalidade)
21- De seguida, o arguido B colocou-se por detrás da menor C e introduziu o seu pénis erecto no ânus desta, efectuando movimentos de vai e vem. (a menor não diz nada disto.)
22- Apesar da menor chorar e pedir ao arguido que parasse, este continuou com tal conduta, agarrando-a e desferindo várias palmadas nas nádegas da menor.  (a menor não diz nada disto)
23- Após alguns minutos, o arguido B disse ao arguido D: “agora é a tua vez”. (a menor não diz  nada disto)
24- Então, o arguido B colocou-se por detrás da arguida A , iniciando relações sexuais de cópula completa com esta, altura em que o arguido D se colocou por detrás da menor.
25- Acto contínuo, o arguido D introduziu o seu pénis erecto no ânus da menor, efectuando movimentos de vai e vem, enquanto a agarrava com as mãos e lhe dizia “vai sua puta”, pese embora a menor chorasse e lhe pedisse que cessasse com tal conduta.
(A menor não diz isto. A menor “diz” que um abusou dela no rabinho e outro na boca ao mesmo tempo. Não disse quem é que foi que abusou no rabinho e quem abusou na boca)
26- Nessa altura, encontrando-se na cama ao lado da menor C, a arguida A  agarrou os seios desta, acariciando-os. (A menor refere que antes de chegar o arguido D a tia lhe tocou na vagina e nas maminhas – cfr. Fls. 13 e 14 da transcrição.)
27- De seguida, quando o arguido D largou a menor C e se afastou da cama, a arguida A  disse a este que lhe devia entregar a quantia de €-150,00 em contrapartida pelos actos sexuais que o mesmo havia mantido com a menor.
28- De imediato, o arguido D entregou aos arguidos A  e B a quantia de 150,00€ (cento e cinquenta euros) em numerário, que retirou do bolso das suas calças, vestiu-se a abandonou a residência dos arguidos.
( a menor só refere que o arguido D ficou a dar dinheiro à tia,  mas não sabe quanto dinheiro era – cfr. fls. 18 da transcrição)
29- No dia seguinte, os arguidos B e A  levaram a menor a casa. ( é um facto instrumental e até inócuo, mas quer a menor, quer a mãe, dizem que os arguidos a foram levar ao trabalho da última)
30- Desde então, por várias  vezes, e em datas na concretamente apuradas, os arguidos B e A  disseram à menor que não contasse a ninguém o sucedido e que se o fizesse, a matavam. (A menor diz que durante uns dois ou três anos era ameaçada. Todos os dias recebia chamadas,  …se eu contasse matavam a minha mãe.  Não diz quem fazia os telefonemas. Se os dois arguidos, ou só um)
(…)
36- Mais agiu o arguido B, da forma descrita em 17, 19 a 23 supra, em conjugação de esforços e intenções, com o propósito concretizado de forçar a menor C à prática de actos sexuais de coito anal, para assim satisfazer o seu instinto sexual, usando de força física e de agressões para vencer a resistência que lhe foi imposta pela menor e imobilizá-la, mediante o recurso à força física, desferindo-lhe várias pancadas no corpo e colocando-a na impossibilidade de resistir, bem sabendo que actuava contra uma menor.  (Não houve prova destes factos. A menor apanhou, mas não diz o motivo de lhe terem batido.  Não refere que o arguido B usou força física para a imobilizar.)
(…)
39- Agiram os arguidos B e A  da forma descrita em 3, 4, 14, 15, 25, 27 e 28 supra, em conjugação de esforços, com o propósito concretizado de atrair a menor para a sua residência e, através da força física, fomentar a prostituição da mesma com um terceiro, para assim obterem para si proventos económicos resultantes das relações de cópula e outros actos de natureza sexuais praticados pela menor, como obtiveram.
40- Agiram os arguidos B e A  da forma descrita em 30 supra, com o propósito de evitar que a menor relatasse a terceiros o sucedido, mediante a ameaça de crime contra a vida, resultado que não atingiram por motivos alheios à sua vontade.
(nestes dois casos não é possível afirmar a autoria por parte dos arguidos B e A, uma vez que não ficou determinada, tal como referido supra)
41- Agiu o arguido D, da forma descrita em 15, 16, 24 a 28 supra, em conjugação de esforços e intenções com os arguidos, com o propósito concretizado de forçar a menor C à prática de actos sexuais de coito anal, para assim satisfazer o seu instinto sexual, usando de força física e de agressões para vencer a resistência que lhe foi imposta pela menor e imobilizá-la, mediante o recurso à força física, desferindo-lhe várias pancadas no corpo e colocando-a na impossibilidade de resistir, bem sabendo que actuava contra uma menor.
( a menor nunca refere que o arguido D a agrediu, que ela ofereceu resistência…)
(…)
43- Ao agirem da forma descrita, os arguidos B, A e D aproveitaram-se sempre da situação de vulnerabilidade de C, bem sabendo que a mesma tinha, à data, 12 anos de idade. ( a menor nunca refere que os arguidos sabiam  sua idade. Relativamente à tia, pela proximidade resultante do parentesco, até podemos presumir que soubesse exactamente que tinha 12 anos, mas que prova foi produzida no sentido do arguido B e, por maioria de razão, o  arguido D, saberem da idade em concreto da C?)
No acórdão, a este propósito, é referido o seguinte “ No que respeita a um eventual erro sobre a idade da vítima, atenta a idade da menor em causa nestes autos, tal erro não é concebível atento o facto de a arguida ser sua tia, o 1º arguido ser companheiro desta e o 3º  arguido ainda ter frequentado a casa da arguida, em  Ocasião em que a mãe da menor aí estava, mais tendo em atenção a não prova nem alegação de qualquer inimputabilidade ou imputabilidade  diminuída…”
Dos autos não decorre que tenha sido levantada a existência de erro quanto à idade da menor.
A circunstância da menor aparentar uma idade superior à real apenas é referida numa fase avançada do processo e não à data dos factos.
A questão do conhecimento da idade da menor à data dos factos é de extrema importância, tanto mais que os crimes foram agravados pelo art. 177º nº 7 do CP que pressupõe uma idade inferior a 14 anos.
Além disso  está em causa a prática de crimes de abuso sexual de criança  que pressupõe que a vítima tenha menos de 14 anos.
Não pode dizer-se, como faz a Digna Magistrada do MP, que independentemente de saberem a idade em concreto, os arguidos nunca podiam pensar que a vítima era maior.
Porém, quando a idade faz parte do tipo legal do crime ou é um dos factores de agravação deste, apenas se considerará verificado o cometimento do crime se o dolo se estender à idade ali constante, o que acontecerá, da mesma forma, com a agravação da moldura penal.
Relativamente aos factos dados como provados e que sustentavam o pedido cível formulado, tal como já referimos supra, não podemos deixar de concordar com os recorrentes quando afirmam que não foi estabelecido um nexo de causalidade entre os factos constantes da acusação e imputados aos arguidos e o estado de saúde e o comportamento social e escolar da menor.
Ficam muitas dúvidas relativamente aos danos sofridos pela menor, tendo em conta o depoimento da mãe (que atribuiu todo o comportamento anómalo da filha aos factos perpetrados pelos arguidos, mas, ao mesmo tempo, diz que nunca sentiu que a filha ficasse constrangida perante os arguidos, na altura em que ainda não sabia de nada e por isso frequentava a casa deles- “entre 2017 a 2019 frequentaram a casa da tia. A C não ia sozinha . Não notou diferenças no comportamento da filha para com o tia e o tio. Nunca a filha disse que não queria ir”- sic.) e o que consta da perícia – da observação efectuada pela Sr. Perita resulta “ a C não revelou nenhum tipo de alteração do comportamento durante a avaliação pericial que sugira ter sido vítima de abuso sexual.”, sendo que a probabilidade do nexo de causalidade entre os dois acontecimentos resulta do “que lhe relataram”.
Chegados aqui, o que fazer ?
A este propósito o tribunal recorrerá ao Relação de Coimbra – Acórdão de 01.06.2008 in www.dgsi.pt.
Neste pode ler-se” O artigo 127.º do CPP. consagra o princípio da livre apreciação da prova, não se encontrando o julgador sujeito às regras rígidas da prova tarifada, o que não significa que a actividade de valoração da prova seja arbitrária, pois está vinculada à busca da verdade, sendo limitada pelas regras da experiência comum e por algumas restrições legais. Tal princípio concede ao julgador uma margem de discricionariedade na formação do seu juízo de valoração, mas que deverá ser capaz de fundamentar de modo lógico e racional.
Porém, nessa tarefa de apreciação da prova, é manifesta a diferença entre a 1.ª instância e o tribunal de recurso, beneficiando aquela da imediação e da oralidade e estando este limitado à prova documental e ao registo de declarações e depoimentos.
A imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova, podendo também ser definida como “a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá que ter como base da sua decisão”, confere ao julgador em 1.ª instância meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal de recurso não dispõe. É essencialmente a esse julgador que compete apreciar a credibilidade das declarações e depoimentos, com fundamento no seu conhecimento das reacções humanas, atendendo a uma vasta multiplicidade de factores: as razões de ciência, a espontaneidade, a linguagem (verbal e não verbal), as hesitações, o tom de voz, as contradições, etc. As razões pelas quais se confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem desse juízo de valoração realizado pelo juiz de 1.ª instância, com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum.
A ausência de imediação determina que o tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º). (…)
Com a alteração do Código de Processo Penal operada pela Lei 48/07 de 29.8, mantém-se actual a jurisprudência supra aludida com a ressalva de que o Tribunal da Relação deve agora proceder ao exame das provas produzidas em audiência pela audição através da audição das passagens indicadas (art. 412º nº 6 do Código de Processo Penal), constantes, no caso dos autos, da gravação magnetofónica efectuada (art. 364º nº 1 do Código de Processo Penal).
Conforme escreve o Professor Manuel Cavaleiro de Ferreira, se a intenção é vontade e esta é acto psíquico, acto interior são, contudo, grandes as dificuldades para dar praticabilidade a conceitos que designam actos internos, de carácter psicológico e espiritual. Por isso se recorre a regras da experiência, que as leis utilizam quando elas podem dar aos conceitos maior precisão...
Importa recorrer a regras de experiência para se aferir ou não da intenção criminosa e para retirar os elementos confirmativos da sua verificação da matéria fáctica dada como provada.
Ora, “a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção. Doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão” No mesmo sentido vai a jurisprudência uniforme deste Tribunal da Relação: “Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear numa opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”. Transcreve-se aqui parte do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.1.08, proc. 07P4198, em www.dgsi.pt], citando Cristina Líbano Monteiro, que explica cabalmente porque é que em casos como o dos autos não ocorre a violação do aludido princípio: “De todo o modo, não haverá, na aplicação da regra processual da «livre apreciação da prova» (art. 127.º do CPP), que lançar mão, limitando-a, do princípio «in dubio pro reo» exigido pela constitucional presunção de inocência do acusado, se a prova produzida [ainda que «indirecta»], depois de avaliada segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, não conduzir – como aqui não conduziu - «à subsistência no espírito do tribunal de uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto». O “in dubio pro reo”, com efeito, «parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador» (cfr. Cristina Líbano Monteiro, «In Dubio Pro Reo», Coimbra, 1997).
Até porque «a prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade» (idem, p 17): «O juiz lança-se à procura do «realmente acontecido» conhecendo, por um lado, os limites que o próprio objecto impõe à sua tentativa de o «agarrar» (idem, p. 13). E, por isso, é que, «nos casos [como este] em que as regras da experiência, a razoabilidade («a prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade») e a liberdade de apreciação da prova convencerem da verdade da acusação (suscitando, a propósito, “uma firme certeza do julgador”, sem que concomitantemente “subsista no espírito do tribunal uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto”), não há lugar à intervenção da «contraface (de que a «face» é a «livre convicção») da intenção de imprimir à prova a marca da razoabilidade ou da racionalidade objectiva» que é o in dubio pro reo (cuja pertinência «partiria da dúvida, suporia a dúvida e se destinaria a permitir uma decisão judicial que visse ameaçada a sua concretização por carência de uma firme certeza do julgador» (idem).
Como dissemos supra, a ausência de imediação determina que o tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º). (…)”
Depois de ouvir toda a prova produzida em audiência, analisada a prova pericial e depois de ter apreciado os documentos o tribunal conclui que a motivação da decisão da matéria de facto efectuada no Acórdão e que, por si só, não nos causava estranheza, não tem qualquer explicação lógica ou razoável .
O julgamento vai ter que ser repetido.
Pese embora termos consciência dos efeitos nefastos que, para uma vítima de abusos sexuais, representa uma ida a tribunal e voltar a falar de um assunto passado, o certo é que o tribunal não encontra outra forma de solucionar as dúvidas existentes.
Note-se que não se trata de uma dúvida que fica depois de ter sido produzida toda a prova.
Aí vigoraria o princípio “in dúbio pro reu”.
No caso que estamos, agora, a decidir, as dúvidas surgem porque a prova não foi efectuada da forma mais correcta ( designadamente no que toca à inquirição da menor).
O castelo de cartas que se pretendia construir ou reconstruir (em recurso), desmoronou.
O tribunal de recurso não tem elementos para alterar a decisão porque faltam elementos de prova e só se pode  ordenar a renovação da prova se, mostrando-se o requerimento devidamente fundamentado, se concluir pela verificação de algum dos vícios do artigo 410.º e se tiver fundadas razões para crer que aquela renovação evitará o reenvio do processo para novo julgamento.
Não é este o caso.
No novo julgamento a efectuar, que abarcará toda a matéria da acusação e pedido cível, além de ter que se ouvir presencialmente a menor (agora já maior), é da maior importância ouvir a Sr. Perita em esclarecimentos e as demais pessoas indicadas no requerimento efectuado ao abrigo do disposto no art. 340º do CPP.
Tendo decidido pela repetição do julgamento ficam prejudicadas as restantes questões levantadas pelos recorrentes relativas ao Direito e à pena.

3.. DECISÃO
Face ao exposto, acordam os Juízes desta 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em :
- Revogar o acórdão proferido nos autos  
- Determinar o reenvio do processo à 1ª instância para novo julgamento que abarcará toda a matéria da acusação e pedido cível, a efectuar por outro Colectivo nos termos do artº 40 al. c) , 426º e 426º A , todos do CPP.
Sem custas.
DN

Lisboa, 12 de Janeiro  de 2023
Raquel Correia Lima
Micaela Pires Rodrigues
Madalena Caldeira