Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10025/16.9T8SNT.L1-6
Relator: GABRIELA DE FÁTIMA MARQUES
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
INDEFERIMENTO LIMINAR
TITULARIDADE DO DIREITO
CASO JULGADO
ACESSÃO INDUSTRIAL IMOBILIÁRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I . O indeferimento liminar dos embargos de terceiro não constitui caso julgado quanto à existência da titularidade do direito invocado pelo embargante, pelo que não se encontra precludida a possibilidade de o interessado instaurar acção de reivindicação ou de declaração da titularidade do direito de fundo.

II. Não constitui caso julgado a apreciação da junção de um documento em sede de alegações de recurso da decisão de indeferimento de embargos de terceiro e a sua junção na petição inicial na acção onde se pretende o reconhecimento do direito.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório:
S… e mulher, M…, vieram interpor a presente ação declarativa de condenação com processo comum, contra B…S.A., pedindo que seja declarado e reconhecido aos Autores o direito de propriedade por acessão industrial imobiliária sobre parte do logradouro do prédio urbano, sito na Rua dos L…, nº 28, freguesia de A…, concelho de S…,descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o nº …, com a área de 220,04 m2 onde estes aí construíram e incorporaram a sua casa de habitação, com telheiro anexo e zona exterior privativa com jardim, e que seja o Réu condenado a reconhecer tal direito e a abster-se da prática de quaisquer actos que atentem contra o direito de propriedade dos Autores.
Para tanto alegam os AA., em síntese, que o Autor vive, desde 1974, no prédio dos autos, primeiro com o seu filho e, desde 1986, com a ora Autora, com quem veio a casar em 2000 e para deixar maior privacidade a seu filho P… e para criar mais condições no prédio objeto dos autos, os Autores, com o conhecimento e autorização dos então proprietários do imóvel - o filho do Autor, P… e a mãe desta, M… A… construíram no logradouro de tal prédio, a expensas suas, a sua casa de habitação, onde residem, com telheiro anexo e zona exterior privativa com jardim, com a área de 220, 04 m2, e desde 2006, que tal construção se mostra finda. Mais alegam que tal determinou o valor de 78 000€ à área ocupada pela construção, que, então, não tinha qualquer valor; termos em que defendem que esta construção constitui uma unidade independente e que, assim, adquiriram o direito de propriedade sobre tal parcela de 220, 04 m2, por acessão industrial imobiliária.
O Réu veio contestar invocando, em suma, a exceção de caso julgado, e dizendo que apenas sabe que adquiriu o imóvel em apreço nos autos, alegando que desconhece/é falsa a matéria de facto alegada pelos Autores, sendo que os mesmos apenas alegam ter requerido, à Câmara Municipal, o destaque da parcela que reivindicam; não se encontrando, tal destaque, autorizado, o que, desde logo, leva ao fracasso da ação.
Em sede de saneador foi julgada improcedente a exceção dilatória de caso julgado.
Seguindo a acção os seus normais trâmites processuais veio a ser proferida sentença que julgou a ação procedente e, em consequência decidiu-se: -declarar a aquisição, pelos Autores, do direito de propriedade por acessão industrial imobiliária sobre parte do logradouro do prédio urbano, sito na Rua dos L…, nº 28, freguesia de A…, concelho de S…, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o nº …, com a área de 220,04 m2 onde aqueles construíram e incorporaram a sua casa de habitação, com telheiro anexo e zona exterior privativa com jardim; - Condenar o Réu  reconhecer tal direito; e – Condenar o Réu a abster-se da prática de quaisquer actos que atentem contra o direito de propriedade dos Autores, condicionando-se o reconhecimento do direito acima identificado ao pagamento ao Réu, a realizar no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da presente sentença, da quantia de 3 686,10 euros (três mil seiscentos e oitenta e seis euros e dez cêntimos), devidamente atualizada, em função da inflação (Índice de Preços do Consumidor publicado pelo Instituto Nacional de Estatística) verificada e contada a partir do ano de 2006, exclusive, até ao momento do efetivo pagamento dessa quantia.
Inconformado quer quanto à decisão proferida em sede de saneador, quanto à improcedência da excepção dilatória de caso julgado, bem como da procedência da ação veio o réu recorrer apresentando as seguintes conclusões:
«A) Pela acção em apreço, os AA. peticionam que seja declarado o seu direito de propriedade, fundado em acessão industrial imobiliária, sobre parte do logradouro, com a área de 220,04m2, do prédio urbano, sito na Rua dos L…, nº 28, freguesia de A…, concelho de S….
B) Invocando, como causa de pedir, o terem construído e incorporado no referido logradouro “a sua casa de habitação, com telheiro, anexo e zona privativa de jardim”.
C) Sucede que, anteriormente, já os AA. haviam interposto acção idêntica à presente quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
D) Acção essa que foi julgada desfavoravelmente à pretensão dos AA.
E) Tendo a respectiva decisão já transitado em julgado. Mas vejamos:
F) Em 2013, o BST deduziu, para cobrança de crédito hipotecário, processo executivo contra os anteriores proprietários do referido prédio urbano sito na Rua dos L…, nº 28, P… e M… A….
G) Os ora AA. apresentaram embargos de terceiro em tal processo executivo contra o BST.
H) E, nos mesmos, os ora AA. também peticionaram que lhes fosse reconhecida a aquisição por acessão industrial imobiliária, do direito de propriedade sobre parte do logradouro, com a área de 220,04m2, do prédio urbano acima indicado.
I) Sendo que, a causa de pedir invocada pelos ora AA. na sua petição de embargos foi igualmente a circunstância de terem construído e incorporado no referido logradouro “a sua casa de habitação, com telheiro, anexo e zona privativa de jardim”.
J) Por outro lado, nota-se que o referido processo de embargos de terceiro foi já decidido por sentença que não admite recurso ordinário.
K) O indeferimento da pretensão dos AA. assentou na circunstância de os mesmos não terem feito prova de um dos pressupostos legais essenciais da aquisição por acessão industrial imobiliária (o estarem de boa fé – vd. artº 1340º do CC).
L) A referida sentença foi confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06.10.2015, e por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.02.2016, já transitado em julgado.
M) Face ao exposto, julga-se inequívoco que a presente acção é uma repetição de uma acção anterior, já decidida em termos que não admitem recurso ordinário.
N) Ou seja, verifica-se in casu a excepção do caso julgado – vd. artºs 580º e 581º do CPC.
O) O BST deduziu a referida excepção na sua contestação, a qual foi julgada improcedente pelo despacho com a refª Citius 104816257, que ora se impugna.
P) No essencial, a argumentação do referido despacho foi a seguinte: “Nestes termos, inexistindo sentença que haja conhecido do mérito dos embargos, conforme prevenido pelo supra citado art.349º, do Código de Processo Civil, não se vislumbra fundamento para que se invoque o caso julgado; ao que acresce a expressa previsão legal quanto à possibilidade de interposição da presente ação (cfr. o já citado art. 346º, do Código de Processo Civil) na sequência do indeferimento liminar de tais embargos”.
Q) Ora, salvo o devido respeito, julga-se que o aludido despacho carece de fundamento legal, uma vez que, reitera-se, a sentença proferida nos aludidos embargos assentou na circunstância de os ora AA. não terem feito prova de um dos pressupostos legais essenciais da aquisição por acessão industrial imobiliária (o estarem de boa fé).
R) Pelo que se julga inequívoco que tal sentença conheceu do mérito dos embargos.
S) Com efeito, os embargos fundaram-se em “direito de fundo” dos AA (a invocada acessão imobiliária), direito esse que a sentença decidiu não existir.
T) Face ao exposto, julga-se patente que se verifica no caso em apreço a excepção do caso julgado.
U) Pelo que, ao decidir diversamente, o despacho recorrido incorreu em violação dos artºs 580º e 581º do CPC, o que impõe a respectiva revogação, como se requer.
V) Subsidiariamente, nota-se que se impunha-se aos AA., para obterem a procedência da presente acção, fazerem prova dos pressupostos legais de que depende a acessão industrial imobiliária, fixados no artº 1340º do CC.
W) Sucede que, no entender do BST, os AA. não lograram fazer prova de um desses pressupostos essenciais, a saber: a boa fé do autor da incorporação.
X) Sucede que, apenas ficou provada nos autos a autorização para a construção por parte de P…, não tendo os AA. feito prova idónea e cabal de que tal autorização foi igualmente concedida pela outra proprietária, M… A….
Y) De facto, a prova produzida quanto a tal matéria resume-se ao referido pela testemunha G…, que viveu com P… até 2003, o qual, no entender do BST, se revelou manifestamente insuficiente para levar o Tribunal a quo a considerar (como fez no ponto 9 da Factualidade Provada), que a obra em causa foi efectuada “com o conhecimento e autorização” de M… A….
Z) Aliás, nota-se que a mesma G…, em depoimento prestado no processo de embargos que antecedeu estes autos (o referido Processo nº 26369/13.9T2SNT-vd. doc. junto à contestação sob o nº 2) afirmou “não saber se foi pedida autorização” a M… A…, e ainda que esta e P… não se relacionavam bem.
AA) Assim, e em primeiro lugar, nota-se que a mesma afirmou que viveu com P… entre Agosto de 1998 e Março de 2003, e que, aquando da separação, o imóvel em causa “não existia sequer”, nunca tendo, assim, aí vivido.
BB) Por outro lado, no que respeita à alegada autorização de M… A… para a construção, G… afirmou não saber se essa autorização existiu, tendo apenas referido que M… A… tinha “conhecimento” da construção.
CC) Como ressalta do exposto, em sede de prova testemunhal não foi feita prova bastante da autorização para a obra por parte da comproprietária M… A…
DD) Sendo que, na sequência do entendido pelo Tribunal da Relação de Lisboa (vd. o acórdão junto como doc. 3 à contestação), o documento junto sob o nº 25 à p.i. (uma pretensa declaração escrita de M… A…) não é idóneo para prova da autorização em causa.
EE) Com efeito, tal documento não passa de um depoimento prestado por escrito, o que, para ser válido, teria que ter sido autorizado previamente pelo juiz, e obedecer aos requisitos impostos pelo artº 519º do CPC, o que não sucedeu.
FF) Face ao exposto, julga-se claro que os AA. não fizeram prova da autorização para a construção por parte de um dos proprietários do imóvel.
GG) Devendo, por conseguinte, ser considerado como não provado que a obra em causa foi efectuada “com o conhecimento e autorização” de M… A….
HH) Com a consequente alteração do ponto 9 da Factualidade Provada, a qual, nos termos do artº 640º do CPC, se requer.
II) A referida alteração impõe que se conclua que os AA. não demonstraram o cumprimento do pressuposto essencial da boa fé, nos termos do artº 1340º do CC.
JJ) Tal circunstância implica, face ao disposto no mesmo artº 1340º do CC, a improcedência da presente acção.
KK) Ao decidir diversamente, a sentença recorrida efectuou uma errada interpretação e aplicação da lei, tendo violado o dito artº 1340º do CC.»
Não foram apresentadas contra alegações.
O recurso foi admitido.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
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Questões a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Tendo em conta as conclusões de recurso formuladas que delimitam o respectivo âmbito de cognição, as questões que importa apreciar são as seguintes:
1ª A verificação da exceção dilatória de caso julgado face à decisão proferida no âmbito de um incidente de embargos de terceiro, objecto de indeferimento liminar;
2ª A alteração das respostas contidas na sentença, com a reapreciação da prova, devendo considerar-se alterada a matéria factual contida no ponto 9. dos provados;
3ª A inexistência dos pressupostos que determinam a aquisição de parte do imóvel a favor dos AA. por acessão imobiliária, dada a alteração de facto nos termos pretendidos.          
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II. Fundamentação:
 Os elementos fácticos que foram considerados provados na sentença são os seguintes:
1. O prédio urbano sito na Rua dos L…, nº 28, freguesia de A…, concelho de S…, com a área total de 500 m2, composto de casa de cave e rés-do-chão com a área coberta de 48 m2 e logradouro com a área descoberta de 452 m2, inscrito na matriz sob o nº …, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o nº …, da freguesia de A…, mostra-se inscrito em nome de B…, S.A., por este o ter adquirido por compra em processo de execução (processo executivo n.º 26369/13.9T2SNT, da Comarca de Lisboa-Oeste - Sintra, Instância Central, 1ª Secção de Execução, Juiz 3) conforme Ap. 1917, de 2016/04/26.
2. Este mesmo imóvel mostrou-se inscrito em nome de S…e de M…, por o terem adquirido por Divisão de Coisa Comum, conforme Ap. 45 de 1978/08/21.
3. Conforme Ap. 3 de 1997/08/25, o mesmo imóvel foi adquirido por doação, por P…, tendo como sujeito passivo, S… (transmissão do direito à meação de S…, limitado por usufruto, a favor de P…).
4. Em parte do logradouro do imóvel acima identificado, com a área de 220,04 m2, mostra-se implantada casa de habitação com telheiro anexo e zona exterior privativa que inclui jardim.
5. O Autor, S…, é pai de P… e foi casado com a M… A…, tendo, o casamento, sido dissolvido por divórcio em 24.04.1986.
6. Pelo menos, desde o ano de 1998, os Autores residiam, algumas temporadas no imóvel acima identificado, juntamente com o filho do Autor, P…, a esposa deste e depois a filha do casal
7. Os Autores celebraram, entre si, casamento, em 28.09.2000.
8. Para criar mais condições no prédio, por forma a que o filho P… e a sua família nuclear, tivessem mais privacidade e espaço, os Autores e P… acordaram em que se construísse no logradouro do prédio, uma casa para habitação e utilização exclusiva dos Autores.
9. Nessa sequência, em momento não posterior ao ano de 2003, os Autores, com o conhecimento e autorização de P… e da mãe deste, M… A…, construíram no logradouro do identificado prédio a sua casa de habitação, com telheiro anexo e zona exterior privativa com jardim.
10. A construção e a área descoberta dependente que os Autores fizeram e incorporaram no logradouro do prédio tem e ocupa a área total de 220,04 m2.
11. A construção feita pelos Autores é composta por casa de habitação com a área de 124,61 m2, com uma sala, dois quartos, cozinha, casa de banho, despensa e corredor; telheiro anexo à casa de habitação com a área de 34,43 m2; e logradouro próprio com a área descoberta de 61 m2.
12. A construção feita pelos Autores não tem comunicação com a casa já antes existente no referido prédio e é autónoma e independente desta.
13. A construção feita pelos Autores tem instalação elétrica, de telefone e de televisão e contador de água.
14. A construção feita pelos Autores encontra-se toda vedada.
15. Os Autores em 05.01.2015 requereram junto da Câmara Municipal de Sintra, o destaque da parcela do Prédio, com a área de 220,04 m2 onde fizeram e incorporam a sua construção composta por casa de habitação, com telheiro anexo e zona exterior privativa com jardim, a confrontar a Norte com o Prédio, a Sul com a via pública (Praceta R…), a Nascente com A… e a Poente com a via pública.
16. Por despacho de 13-9-2016, do Excelentíssimo Senhor Presidente da Câmara de Sintra, foi autorizado o destaque da parcela de terreno com a área de 220, 04 m2, onde estão implantadas construções a licenciar, do prédio sito na Rua dos L…, nº 28, em M…, freguesia de A…, inscrito na matriz urbana sob o art. nº …, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o nº…, da freguesia de A….
17. O custo da citada construção foi integralmente suportado pelos Autores.
18. Desde 2006 que a construção feita pelos Autores está concluída e implantada em parte do Prédio, mais concretamente em parte do logradouro daquele prédio.
19. A obra realizada pelos Autores está implantada e ocupa a área de 220,04 m2 do logradouro do Prédio.
20. A parte do prédio onde os Autores realizaram e incorporaram a sua construção, em 2006, tinha o valor de 3 686, 10 euros; e fruto daquela construção, essa parcela do imóvel passou a ter o valor de 16 432, 77 euros.
21. A construção que os Autores realizaram e incorporaram no prédio, valia, em 2006, 80 475, 46 €; ascendendo, na presente data, o valor da parcela do imóvel tal como se encontra, a 94 205, 70 euros
22. Depois de concluída a construção, os Autores passaram a viver nessa edificação; aí tendo residência; e aí recebendo os seus familiares, amigos e visitas; além da sua correspondência.
23. Desde que foi concluída a construção, por volta do na de 2006, que os Autores a ocupam, fruindo em exclusividade de todas as suas utilidades e habitando-a à vista e com o conhecimento de todas as pessoas, sem oposição de ninguém, na convicção de não prejudicaram direitos de terceiros e com a intenção e consciência de exercerem um direito de propriedade próprio.
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Não tendo sido dados como não provados quaisquer factos.
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Da exceção dilatória de Caso Julgado:
Para a decisão quanto à exceção dilatória de caso julgado importará ter presente os seguintes factos:
1. Na presente ação, os aqui Autores, S… e mulher, M… demandar o B…, S.A. formulando o seguinte pedido:
a) Ser declarado e reconhecido aos Autores o direito de propriedade por acessão industrial imobiliária sobre parte do logradouro do prédio urbano, sito na Rua dos L…, nº 28, freguesia de A…, concelho de Sintra, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o nº …, com a área de 220,04 m2 onde estes aí construíram e incorporaram a sua casa de habitação, com telheiro anexo e zona exterior privativa com jardim;
b) Ser o Réu condenado a reconhecer tal direito;
c) Ser o Réu condenado a abster-se da prática de quaisquer actos que atentem contra o direito de propriedade dos Autores.
2. Conforme revelam as cópias que o Réu fez juntar aos autos a fls. 48 (verso) a 69 M…, com o consentimento de seu marido, o, aqui, Autor, S…, por apenso à execução sumária que B… SA moveu a M… A… e P…, distribuída sob o nº 26369/13.9T2SNT, apresentou-se a deduzir embargos de terceiro, pedindo que estes fossem recebidos e julgados procedentes e que fosse ordenado o levantamento da penhora incidente sobre o imóvel prédio urbano, sito na Rua dos L…, nº 28, freguesia de Algueirão-Mem Martins, concelho de Sintra, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o nº … e inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia de Algueirão-Mem Martins, sendo reconhecida aos embargantes a aquisição por acessão imobiliária industrial do direito de propriedade sobre parte do logradouro do prédio penhorado, com a área de 241 m2, onde estes aí construíram e incorporaram a sua casa de habitação, com telheiro anexo e zona exterior privativa com jardim e garagem.
3. Nesse apenso de “Embargos de Terceiro”, o Tribunal ouviu as testemunhas oferecidas pelos aí Embargantes, proferiu decisão de facto e de direito e culminou a decisão cuja cópia foi junta aos autos pelo Réu (a fls. 59 a 63) com o seguinte trecho: “DECISÃO: Em face do exposto, não admito os presentes embargos de terceiro.”.
Apreciando.
Resulta de tal facticidade que naqueles autos de Embargos de Terceiro nº 26369/13.9T2SNT-A, do Juiz 3 da 1ª Secção de Execução desta Comarca, não chegou a ser proferida sentença de mérito nos embargos de terceiro, pois os embargos de terceiro não chegaram, sequer, a ser recebidos, tendo sido proferida decisão liminar de não admissão de tais embargos de terceiro.
Sob a epígrafe “Fase introdutória dos embargos” no artº 345º do CPC estabelece-se que “Sendo apresentada em tempo e não havendo outras razões para o imediato indeferimento da petição de embargos, realizam-se as diligências probatórias necessárias, sendo os embargos recebidos ou rejeitados conforme haja ou não probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante”.
Quanto aos efeitos da rejeição dos embargos dispõe o artº 346.º do mesmo diploma que: “A rejeição dos embargos, nos termos do disposto no artigo anterior, não obsta a que o embargante proponha ação em que peça a declaração da titularidade do direito que obsta à realização ou ao âmbito da diligência, ou reivindique a coisa apreendida.”.
Por outro lado só no prosseguimento subsequente ao recebimento dos embargos de terceiro nos termos do artº 348º, é que será proferida sentença de mérito e, tal sentença é que constituirá, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência da titularidade do direito invocado pelo embargante, tal como preconiza o artº 349º do CPC.
Na fase liminar dos embargos e com base na prova informatória, o juiz formula um juízo valorativo sumário, de simples probabilidade ou verosimilhança, sobre a existência do direito invocado pelo embargante ( cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol I, pág. 401 ). Logo, o despacho de rejeição dos embargos não gera caso julgado formal, não ficando precludida a possibilidade de o interessado instaurar acção de reivindicação ou de declaração da titularidade do direito de fundo.
Na situação vertente a petição de embargos foi liminarmente rejeitada pelo que não se entrou na apreciação do mérito da causa, ou seja, não se chegou a proferir sentença de mérito que constituísse caso julgado quanto à existência e titularidade do direito invocado pelos embargantes, nos termos gerais.
Se tal tivesse acontecido, em face do disposto no artigo 349.º do CPC, a sentença de mérito proferida no âmbito do processo de embargos impediria a discussão em acção posterior da titularidade do direito invocado pelo embargante.
Lopes do Rego (in “Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. I, 2.ª edição, 2004, pág. 331) esclarece a respeito do caso julgado nos embargos de terceiro que «como consequência da ampliação do âmbito dos embargos, de modo a facultar a discussão – por iniciativa inclusivamente do próprio embargante – da titularidade de um direito de fundo, incompatível com o acto de apreensão de bens, e do reforço das garantias das partes – traduzido em se seguirem os termos do processo declaratório, ordinário ou sumário – forma-se caso julgado sobre o “thema decidendum”, nos termos gerais.
Tal solução era, aliás, a já sustentada pela doutrina nos casos em que, por iniciativa do embargado, houvesse sido suscitada e decidida a questão do “direito de propriedade” sobre os bens apreendidos nos termos da alínea b) do artigo 1042.º do Código de Processo Civil; e é a que se afigura consentânea e coerente com a subsunção do instituto dos embargos de terceiros ao quadro normativo da oposição espontânea».
Porém, não tendo existido apreciação do mérito da causa e sendo os embargos liminarmente rejeitados, diz-nos o artigo 346.º do CPC, que a rejeição dos embargos, neste caso, não obsta a que o embargante proponha acção em que peça a declaração da titularidade do direito invocado ou mesmo que reivindique a propriedade da coisa apreendida.
Compreende-se bem a diferença de regimes, expressamente consagrada no âmbito da alteração do CPC de 95/96 pelo artigo 355.º do CPC.
Como se alude no Ac. da Relação de Évora de 23/03/2017 ( in www.dgsi.pt/jre): « A rejeição liminar dos embargos - à semelhança do indeferimento liminar da petição inicial por vício que não seja a manifesta improcedência do pedido -, não tem qualquer repercussão sobre o mérito do direito que o embargante pretendia fazer valer na causa, implicando apenas o normal prosseguimento dos termos da execução de que aqueles eram dependência quanto aos bens cuja titularidade ou direito incompatível com a respectiva apreensão o embargante invocara, daí não ter eficácia preclusiva relativamente ao exercício daquele direito numa outra acção.
Porém, para que dúvidas não se suscitassem quanto à inexistência de qualquer preclusão desse direito de ação quando os embargos deduzidos com tal finalidade tivessem sido rejeitados, afirmou-se expressamente no indicado preceito o direito do embargante propor nova acção em que peça a declaração do direito que não viu declarado em consequência da rejeição liminar dos embargos.».
Assim, tendo ocorrido rejeição liminar dos embargos, a expressa afirmação no artigo 346.º do CPC da possibilidade de o terceiro que embargou de propor acção para reconhecimento do direito que não viu apreciado em sede de embargos, significa apenas e tão só que tal rejeição dos embargos não tem eficácia preclusiva relativamente ao direito de fundo oposto pelo embargante, o que sempre decorreria naturalmente do alcance do caso julgado previsto no artigo 621.º do CPC que se refere à decisão do mérito, mas que o legislador entendeu assim esclarecer.
Deste modo conclui-se que os efeitos da rejeição de embargos declarados no artigo 346.º do CPC significam apenas que o embargante «poderá perfeitamente vir a propor ação autónoma em que se reconheça e efective a titularidade do direito de fundo que esteve na base da dedução de embargos» ( Cfr. Lopes do Rego, ob. cit., pág. 328 ).
Nestes termos, inexistindo sentença que haja conhecido do mérito dos embargos, conforme prevenido pelo supra citado art. 349º, do Código de Processo Civil, não se vislumbra fundamento para que se invoque o caso julgado; ao que acresce a expressa previsão legal quanto à possibilidade de interposição da presente ação (cfr. o já citado art. 346º, do Código de Processo Civil) na sequência do indeferimento liminar de tais embargos.
Importa ainda referir que todos os Acórdãos mencionados pelo Recorrente reportam-se a decisões finais de embargos de terceiro e não na sua rejeição liminar, logo, têm na sua génese o artº 349º do CPC e não o previsto no artº 346º do mesmo diploma.
Assim, é de confirmar a decisão que julgou improcedente a exceção de caso julgado, improcedendo nesta parte o recurso.
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Da impugnação da decisão de matéria de facto:
No nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção, face ao qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção firmada acerca de cada facto controvertido, tendo porém presente o princípio a observar em casos de dúvida, consagrado no artigo 414º do C.P.C., de que a «dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita». Conforme é realçado por Ana Luísa Geraldes («Impugnação», in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. I. Coimbra, 2013, pág. 609 e 610), em «caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela 1ª instância, em observância dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte». E mais à frente remata: «O que o controlo de facto em sede de recurso não pode fazer é, sem mais, e infundadamente, aniquilar a livre apreciação da prova do julgador construída dialeticamente na base dos referidos princípios da imediação e da oralidade.»
Assim, apesar de se garantir um duplo grau de jurisdição, tal deve ser enquadrado com o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, previsto no artº 607 nº 5 do C. P. Civil, sendo certo que decorrendo a produção de prova perante o juiz de 1ª instância, este beneficia dos princípios da oralidade e da mediação, a que o tribunal de recurso não pode já recorrer.
De acordo com Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 347, “Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final (…) estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal (…) Esta apreciação baseia-se na prudente convicção do Tribunal sobre a prova produzida (art.º 655.º, n.º1), ou seja, as regras da ciência e do raciocínio e em máximas da experiência”.
 Assim, para que a decisão da 1ª instância seja alterada haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção do julgador de 1ª instância, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos que deu como assentes.
Porém, e apesar da apreciação em primeira instância construída com recurso à imediação e oralidade, tal não impede a «Relação de formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das provas, tal como a 1ª instância, sem estar de modo algum limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida (…) Dito de outra forma, impõe-se à Relação que analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, de modo a apreciar a sua convicção autónoma, que deve ser devidamente fundamentada» (Luís Filipe Sousa, Prova Testemunhal, Alm. 2013, pág. 389).
Vejamos então o facto impugnado no âmbito do recurso tendo por base a reapreciação da prova.
Nas suas conclusões o recorrente conclui que apenas ficou provada nos autos a autorização para a construção por parte de P…, não tendo os AA. feito prova idónea e cabal de que tal autorização foi igualmente concedida pela outra proprietária, M…A…. Mais dizendo que a prova produzida quanto a tal matéria resume-se ao referido pela testemunha G…, que viveu com P… até 2003, o qual, no entender do apelante «(…) se revelou manifestamente insuficiente para levar o Tribunal a quo a considerar (como fez no ponto 9 da Factualidade Provada), que a obra em causa foi efectuada “com o conhecimento e autorização” de M… A…». Também alude que «(…) a mesma G…, em depoimento prestado no processo de embargos que antecedeu estes autos (o referido Processo nº 26369/13.9T2SNT-vd. doc. junto à contestação sob o nº 2) afirmou “não saber se foi pedida autorização” a M… A…, e ainda que esta e P… não se relacionavam bem. Também refere que «(…) na sequência do entendido pelo Tribunal da Relação de Lisboa (vd. o acórdão junto como doc. 3 à contestação), o documento junto sob o nº 25 à p.i. (uma pretensa declaração escrita de M… A…) não é idóneo para prova da autorização em causa» e ainda «Com efeito, tal documento não passa de um depoimento prestado por escrito, o que, para ser válido, teria que ter sido autorizado previamente pelo juiz, e obedecer aos requisitos impostos pelo artº 519º do CPC, o que não sucedeu».
Importa desde já referir que o documento junto a fls. 39 nestes autos, foi no âmbito dos embargos de terceiros alegados nos autos, junto apenas em sede e alegações de recurso, e relativamente a esta junção nessa sede resulta do Acórdão junto a fls. 64 vº a 65 o seguinte:« O relator mandou desentranhar uma "Declaração" de P…, apresentada nos autos com as alegações de recurso, relativa à autorização de sua mãe M… A…, para a construção de uma casa de habitação no logradouro do prédio dos autos. O relator observou que tal Declaração "não passa afinal de um depoimento apresentado por escrito", que não obedece aos requisitos do CPC; e, sendo assim, mandou desentranhá-lo, por não poder ser admitido.
A recorrente reclamou para a conferência, objetando (fls. 218 ss.) que o autor da "Declaração" é parte na ação (executado/embargado) e não testemunha. Que os requisitos dos arts. 518 e 519 do CPC não lhe são aplicáveis, pois apenas se referem aos depoimentos das testemunhas. Que a declaração está assinada com reconhecimento presencial e notarial da assinatura. Que consubstancia confissão judicial com força probatória plena contra o confitente; ou que mesmo não se entendendo que possa valer como declaração confessória, sempre vale como documento probatório a apreciar livremente pelo Tribunal, ou como documento particular com reconhecimento notarial. Que só agora foi possível a junção do documento, pois o autor vive no Brasil e só agora foi possível contactá-lo; e que a junção tornou-se necessária em virtude da inesperada decisão do tribunal recorrido. Finalmente, acrescenta que em qualquer caso a admissão documento sempre seria legalmente possível, considerando o poder/dever do Tribunal da Relação de ordenar a produção de novos meios de prova, em caso de fundada dúvida sobre a prova realizada.
Ora bem: Em primeiro lugar, o CPC só permite a produção pessoal de depoimento de parte na audiência final, ou em caso de urgência, em audiência prévia. Este depoimento tem de ser oral e pessoal e prestado exclusivamente perante o tribunal do julgamento — arts. 452 e 456 do CPC. Em qualquer caso, este depoimento tem de ser previamente autorizado pelo Tribunal — mesmo art. 452. E o depoente tem de prestar juramento prévio, sendo advertido pelo juiz das consequências das falsas declarações — art. 459. Primeiro, é ouvido pelo próprio juiz, e depois há intervenção contraditória dos advogados de ambas as partes — arts. 461-462. A redação do depoimento incumbe ao juiz —art. 463.
De tudo isto resulta que a "Declaração" agora apresentada não é admissível como depoimento de parte. Também não é admissivel como depoimento simples, como resulta do art. 518 do CPC: teria de ser autorizado previamente pelo juiz e obedecer aos requisitos formais do art. 519, além do necessário juramento.
Finalmente, não houve qualquer inesperada decisão do tribunal recorrido que permitisse a apresentação de prova, posterior à audiência de julgamento. A recorrente apenas não produziu, no momento próprio, a prova que lhe incumbia, e por isso decaiu na prova. Nem pode juntar aquela peça com as alegações de recurso, porque o que pretende é um depoimento de parte não permitido e não ocorre a situação excecional dos arts. 651 e 425 do CPC.
Mantemos, assim, a decisão do relator, que não admitiu a peça de fls. 191
 Pretende assim a apelante que se considere que tal documento não pode fazer prova nos autos, porém, ao contrário do ocorrido no âmbito dos embargos, a declaração de M… A… junta a fls. 39, subscrita pela mesma e cuja veracidade não é posta em causa pelo réu na contestação, foi junta em sede de petição inicial, pelo que quanto a esta foi cumprido o princípio da audiência contraditória previsto no artº 415º do CPC. E junto tal documento o réu não impugnou o mesmo, nomeadamente nos termos do artº 444º do CPC.
 Ora, tal documento particular constituiu uma ”Declaração” na qual se diz que M… A… “(…) declara, para os efeitos tidos por convenientes, que enquanto proprietária, autorizou S… e mulher M…, a construírem no logradouro do prédio sito na Rua dos L… nº 28, freguesia de A…, concelho de Sintra, casa de habitação com telheiro anexo e zona exterior privativa com jardim, com a área de 220,04 m2”.
Existindo impugnação de um documento pela parte contra quem é apresentado, a prova da sua veracidade compete ao apresentante nos termos do artº 374º nº 2 do CC, ou seja competiria aos AA. demonstrar a sua autenticidade – coincidência entre o autor real e o autor aparente. Porém, no caso dos autos na contestação – momento próprio da impugnação do réu nos termos do nº 2 do artº 444º do CPC - o réu nada declara sobre a veracidade ou não do documento, limitando-se a impugnar, por desconhecimento, o facto concreto alegado no artº 8º da petição inicial no seu artº 27º da contestação.
Donde, a fundamentação de um facto tendo na sua base tal documento é plenamente válida nos termos do artº 376º do CC.
Acresce que da conjugação do teor de tal documento com o depoimento de G…, testemunha que viveu maritalmente com o filho do A. na casa onde foi erigido o anexo em causa no seu logradouro, ainda que tenha referido que tal imóvel tenha sido posteriormente construído, manteve contacto com a dinâmica familiar e a construção de tal anexo. Com efeito, a testemunha em causa referiu que logo após o nascimento da filha do casal, em 2000, e quando ainda vivia com o filho do A. se falou em construir tal anexo, dada a exiguidade da casa principal para albergar todos os elementos da família. Referindo ainda que aquando da separação do casal, em 2003, já o A. havia iniciado os preparativos iniciais para tal construção, e que a mesma já existia em 2006, descrevendo a mesma com pormenor e conhecimento.
Quanto à questão em concreto e inserta no ponto 9. dos factos provados, ainda que tenha dito que o relacionamento da  M…A… com o seu filho, filho desta e do A. e com quem a testemunha viveu maritalmente e desse relacionamento existe uma filha comum, sempre passou “por altos e baixos”, foi também perentória em afirmar que a mãe tinha conhecimento e concordou com tal construção, limitando-se a dizer que apenas desconhecia se o tinha feito “formalmente”. De resto circunstanciou a forma como o filho lhe falou no assunto e a aquiescência da própria.
Assim, concordamos na íntegra com o referido pela juiz a quo: «No que concerne ao intuito dos Autores ao erigir a construção em apreço, à existência de autorização dos, então, proprietários do imóvel no que concerne a tal construção, ao uso que fazem da casa em questão, à composição interna da dita casa; quanto a quem suportou o custo da construção; e desde quando a construção se mostra finda; e, assim, quanto à matéria de facto constante dos pontos 6, 8, 9, 12, 13, 17, 18, 22 e 23, o Tribunal considerou o depoimento descomprometido e que se revelou razoável e isento da testemunha GSilva, que foi esposa do filho do Autor e que viveu no imóvel onde a construção veio a ser erigida, mais ou menos, entre 1998 e 2003; mantendo, depois algum contacto com o imóvel e com os Autores, por o Autor se tratar do avô paterno da sua filha; e que soube esclarecer quanto a estes pontos.
Saliente-se, do teor deste depoimento, as suas afirmações de que a mãe de seu ex-marido PCoito, MAmélia, tinha conhecimento de que o seu ex-marido (o ora Autor) pretendia construir casa no imóvel em questão; não tendo, a testemunha, conhecimento de que esta senhora tenha dado, quanto a esse assunto, uma autorização formal, mas, sabendo que MAmélia tinha conhecimento de que essa construção estava ser levada a cabo e nunca se opôs, podendo faze-lo; o que a testemunha disse saber das ocasiões em que esta, seu marido, filho de M… A… e esta (sua sogra) se encontravam e conversavam (o que, como disse, não era muito frequente, dado algum mau relacionamento entre mãe e filho, mas, porque tais desentendimentos eram temporários e passageiros); isto, para além, obviamente, da expressa concordância de
P… que, conforme afirmado pela testemunha, colaborou com seu pai, recebendo dinheiro deste e pagando a quem executava a obra em causa. A isto se junta a inequívoca falta de meios financeiros de P…, como afirmado por esta testemunha, para levar a cabo tal obra; que, inequivocamente, como afirmou, foi paga pelos Autores e, não, por P… (e, também, não, pela mãe deste).
Quanto a este aspeto, anota-se, ainda, a falta de qualquer notícia, em qualquer momento, de alguma oposição da aludida M… A… à dita construção pelo seu ex-marido, no imóvel de que era proprietária.
E quanto a esta mesma matéria, não vemos fundamento inequívoco para que não se considere o teor do documento que se mostra junto aos autos a fls. 39; e que se trata de um documento particular com assinatura reconhecida, contendo exarada a declaração que aí consta, subscrita pela referida M… A…; sendo certo que tal documento não se mostra sequer impugnado pelo Réu.
E, assim, considera-se tal documento contendo a afirmação expressa, clara e inequívoca de que a construção em causa foi autorizada por M… A…».
Deste modo, mantém-se inalterada a matéria de facto, julgando-se improcedente também nesta parte, o recurso.
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III. O Direito:
Consolidada que está a questão da matéria de facto, questão essencial em que assentava o intuito recursório, inexistindo alteração dos factos a questão jurídica foi devidamente abordada na sentença recorrida.
Como se refere na sentença «Pretendem, os Autores, que o Réu, atual proprietário do imóvel, lhes reconheça que adquiriram a propriedade da parcela de imóvel que identificam, por acessão industrial imobiliária.
Invocam, para tanto, em suma, que, com o conhecimento e autorização dos seus, então, proprietários, decidiram erigir e erigiram em certa parcela do imóvel em apreço, a sua casa de habitação, com inclusão de telheiro e logradouro.
Como é sabido, a acessão industrial imobiliária é modo de aquisição da propriedade – cfr. arts. 1316º, 1317º e 1340º, todos, do Código Civil.
A enunciação dos seus pressupostos não vem merecendo particular controvérsia na jurisprudência. Assim, como pode ler-se, entre outros, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9-2-2012, relatado pelo Conselheiro Gabriel Catarino, acessível em http://dgsi.pt: “Constituem requisitos da acessão industrial imobiliária: a) que a incorporação realizada resulte de um acto voluntário do interventor na feitura de uma obra, sementeira ou plantação; b) que essa incorporação seja efectivada em terreno que não lhe pertença ou seja propriedade de outrem; c) que os materiais utilizados pertençam ao interventor/autor da incorporação; d) que da incorporação resulte a constituição de uma unidade inseparável, permanente, definitiva e individualizada entre o terreno e a obra, sementeira ou plantação; e) que o valor acrescentado pela obra, sementeira ou plantação adicione valor (económico e substantivo) àquele que o prédio possuía antes de ter sofrido a incorporação; f) que o interventor tenha agido de boa fé (psicológica); e, g) que actue potestativamente de modo a formular uma pretensão de adquirir para si o direito de propriedade da coisa que sofreu a sua intervenção.”.
A enunciação destes requisitos é reiterada em mais recente Acórdão (de 2-10-2014) do Tribunal da Relação de Lisboa, relatado pela Desembargadora Ondina Carmo Alves, acessível no mesmo lugar:
“Constituem elementos cumulativos integradores da acessão industrial imobiliária:
a) a construção de uma obra (realizada em prédio rústico ou urbano), sementeira ou plantação resultante de um acto voluntário do interventor;
b) que essa obra haja sido efectuada em terreno que seja propriedade de outrem, ou seja, que ocorra uma implantação em terreno alheio;
c) que os materiais utilizados na obra, sementeira ou plantação pertençam ao interventor/autor da incorporação;
d) que da obra tenha resultado uma incorporação, ou seja, a constituição definitiva.
e) que da incorporação da obra, sementeira ou plantação resulte a constituição de uma unidade inseparável, permanente, definitiva de um todo único entre o terreno e a obra, sementeira ou plantação;
f) que o valor acrescentado pela obra, sementeira ou plantação acrescente valor (económico e substantivo) àquele que o prédio possuía antes de ter sofrido a incorporação da obra, sementeira ou plantação seja superior ao valor que o prédio tinha antes da incorporação;
g) que o autor da obra, sementeira ou plantação tenha agido de boa fé (psicológica).”
Mais se deixa assente neste douto Acórdão da Relação de Lisboa, acerca deste instituto da acessão industrial imobiliária: “Apesar de alguma controvérsia na doutrina e na jurisprudência, sobretudo no que concerne à espécie de acessão consagrada no artigo 1340º do Código Civil, apontando a doutrina clássica para a consagração da tese da aquisição automática com a efectiva incorporação, é hoje preponderante a posição que a acessão industrial imobiliária, em qualquer uma das espécies de acessão, representa uma forma potestativa de aquisição do direito de propriedade, de reconhecimento, necessariamente judicial, em que o pagamento do valor da unidade predial em causa funciona como condição suspensiva da transmissão do direito, embora com efeito retroactivo ao momento da incorporação.”.
A acessão industrial imobiliária, no dizer do Conselheiro Oliveira Barros, em Acórdão do S.T.J., de 22-5-2005, constitui “(…) fundamentalmente, um modo de resolução do conflito de direitos entre o dono da obra e o dono do solo”, de forma que “a acessão industrial imobiliária é, conforme arts.1316º e 1317º, al.d), C. Civ., uma forma potestativa de aquisição originária do direito de propriedade, de reconhecimento necessariamente judicial, em que o pagamento do valor do prédio funciona como condição suspensiva da sua transmissão, embora com efeito retroactivo ao momento da incorporação.”.
Para o preenchimento do conceito da boa-fé, ali referida, deverá recorrer-se ao disposto pelo art. 1340º, nº 4, do mesmo Código Civil:
“Entende-se que houve boa-fé, se o autor da obra, sementeira ou plantação desconhecia que o terreno era alheio, ou se foi autorizada a incorporação pelo dono do terreno.”.
“Portanto, um dos elementos constitutivos desta acessão industrial imobiliária é a boa-fé do autor da incorporação, competindo-lhe, como facto constitutivo do seu direito, a alegação e prova dos factos demonstrativos dessa boa fé - cfr. art. 342º, nº 1 do Cód. Civil.” - cfr. Ac. STJ de 24-04-2003 in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf.
Também, não merece controvérsia da banda da jurisprudência que esta autorização não carece de ser formal ou sequer de assumir a forma escrita; podendo, assim, ser meramente oral; e ser expressa ou tácita – cfr., entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, acessíveis no mesmo lugar, respetivamente, de 12-1-2017, relatado pelo Conselheiro Salazar Casanova; e de 22-6-2005, relatado pelo Conselheiro Oliveira Barros.
No caso dos nossos autos e perante a matéria de facto provada, mostra-se apurado que os ora Autores construíram, entre os anos de 2003 e 2006, casa de habitação em terreno da propriedade de terceiros; o que fizeram, integralmente, a expensas suas, com perfeita integração da obra no terreno, tendo sido constituída uma unidade inseparável entre a construção e a parcela de terreno no qual a obra foi incorporada.
Mais resultou apurado da discussão da causa que esta construção foi feita com autorização dos donos do terreno.
Nestes termos, porque a construção de casa de habitação, pelos ora Autores, foi objeto de autorização por parte dos proprietários do terreno, em momento contemporâneo à sua construção, julgamos verificado o supra enunciado requisito da boa-fé.
Quanto ao mais, conforme apurado, mostra-se assente que a construção em causa trouxe ao prédio maior valor do que este tinha antes.
Nestes termos, julgamos estarem verificados os requisitos da acessão industrial imobiliária aqui em causa.»
A sentença aborda ainda a questão de a construção obedecer a condicionantes de origem administrativa. Concluindo: «Conforme pode ler-se em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19-4-2012, relatado pelo Conselheiro Lopes do Rego, acessível em http://dgsi.pt: “Não tendo a acessão de incidir necessariamente sobre a totalidade de certo prédio, podendo reportar-se apenas a uma parcela fundiária na qual a edificação potenciou uma nova unidade económica independente, não pode, todavia, permitir-se que, em fraude à lei e pela via da acessão industrial imobiliária, se obtenha o que por via negocial não seria possível conseguir, por faltarem requisitos essenciais, impostos por normas imperativas, – sendo, deste modo, critério decisivo para aferir da referida possibilidade de autonomização predial o regime e os condicionamentos resultantes das leis administrativas respeitantes aos loteamentos e destaques para fins de edificação e às possibilidades de fraccionamento de prédios rústicos.”.
Ora, na situação em apreço, o que verificamos é que, os Autores em 05.01.2015 requereram junto da Câmara Municipal de Sintra, o destaque da parcela do prédio em causa, com a área de 220,04 m2 onde fizeram e incorporam a sua construção composta por casa de habitação, com telheiro anexo e zona exterior privativa com jardim, a confrontar a Norte com o Prédio, a Sul com a via pública (Praceta Roque Gameiro), a Nascente com Afonso Nunes Coito e a Poente com a via pública; e que, por despacho de 13-9-2016, do Excelentíssimo Senhor Presidente da Câmara de Sintra, foi autorizado o destaque da dita parcela de terreno com a área de 220, 04 m2, onde estão implantadas as construções em causa.
Nestes termos, mostrando-se apurada a existência de autonomização da parcela do terreno em apreço, com revelado cumprimento das exigências legais administrativas sobre essa matéria; verificamos que se encontra em condições de proceder, a pretensão dos Autores, de aquisição, tão só, da parcela da propriedade do terreno dos autos, que identificam, por acessão industrial imobiliária.»
Acresce que também se revela acertada e não é aliás, objecto do recurso a questão atinente ao pagamento da compensação decorrente da incorporação efectuada.
Com efeito, conclui a sentença que: «Para a efectivação do direito dos Autores, resta que estes procedam ao pagamento aos Réus do “valor que o prédio (ou, no caso, a parcela deste) tinha antes da incorporação”; dado que esse momento coincide com o momento da aquisição da propriedade (cfr., sobre este aspeto, o recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 31-1-2017, relatado pela Conselheira Ana Paula Boularot, acessível no lugar sobredito).
Mais se entende, conforme, entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-9-2006, relatado pelo Conselheiro Ribeiro de Almeida, acessível no sobredito lugar, que:
“A aquisição por acessão industrial imobiliária não é de funcionamento automático, antes dependendo da manifestação de vontade do beneficiário, no sentido de pretender exercer o correlativo direito potestativo.
Tal não obsta a que se considere que o momento da manifestação da vontade do exercício do direito se traduz no mero momento revelador de que o direito que assim se afirma já está previamente constituído, existindo desde o momento da incorporação. Logo, o momento da afirmação do mesmo é irrelevante para o momento da respectiva aquisição.
Por isso, o valor a que se tem de atender para efeitos de indemnização é o valor do terreno à data da incorporação, já que é este o momento da aquisição da propriedade.”.
Ademais, conforme toda a jurisprudência vem salientando, “Adquirindo o beneficiário da incorporação a propriedade do prédio pagando o valor que o mesmo tinha antes das obras, na altura do exercício do direito de acessão, a expressão pecuniária daquele valor, havendo inflação, só pode ser encontrada de modo justo se for actualizada com recurso designadamente aos índices de preços ao consumidor publicados pelo INE”, neste caso, conforme expresso pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-1-2012, relatado pelo Conselheiro Sérgio Poças; entendimento que pode ver-se expresso, entre outros, no Acórdão da Relação de Guimarães, de 29-9-2016, acessível no mesmo sítio, com o seguinte texto: “O valor do terreno a considerar para a indemnização fixada é o do terreno à data da incorporação, atualizado de acordo com os índices de preços ao Consumidor (INE) até à data do pagamento.”; ou no Acórdão da Relação de Coimbra, de 8-9-2009, acessível no mesmo lugar, com o seguinte teor: “A indemnização deve ser actualizada, por via da aplicação do índice de aumento de preços no consumidor (taxa de inflação), calculado pelo Instituto Nacional de Estatística (relativamente a cada um dos anos posteriores àquele em que foi determinado o seu «quantum» pecuniário), até à data em que vier a ser paga, como se o terreno tivesse sido objecto de expropriação, pois só assim se atinge a «justa indemnização» devida pela perda patrimonial.”. Assim, como condição de aquisição da propriedade, por acessão industrial imobiliária, pelos Autores, deverão, estes, pagar ao Réu, em 30 dias após o trânsito em julgado desta sentença, o valor de 3 686, 10 euros (três mil seiscentos e oitenta e seis euros e dez cêntimos) devidamente atualizado, em função da inflação (Índice de Preços do Consumidor publicado pelo Instituto Nacional de Estatística) verificada e contada a partir do ano de 2006, exclusive, até ao momento do efetivo pagamento da quantia.»
Deste modo, soçobra na íntegra o recurso interposto, mantendo-se a bem fundamentada sentença a quo.

IV. Decisão:
Por todo o exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, mantêm-se as decisões recorridas.
Custas pela apelante.
Registe e notifique.

                                                                                  Lisboa, 20 de Dezembro de 2018

Gabriela Fátima Marques
Adeodato Brotas
Maria de Deus Correia