Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6043/09.1TVLSB.L1-7
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
ASSOCIAÇÃO MUTUALISTA
INVALIDEZ
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/18/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: À semelhança do que ocorre com o contrato de seguro, o beneficiário de associação mutualista com quem foi contratado mútuo de quantia com cobertura do risco de morte e invalidez permanente tem o dever de, na proposta de contrato, fazer declarações verdadeiras sobre o seu estado de saúde.
(A.S.A.G.)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: I – A…,

instaurou acção de condenação com processo comum na forma ordinária contra

B… – ASSOCIAÇÃO MUTUALISTA

pedindo a sua condenação a accionar a Garantia de Pagamento de Encargos dos empréstimos subscritos pelo A. pelo valor existente à data de 1-11-07, a devolver todas as prestações pagas desde 1-11-07, com juros de mora desde aquela data e todas as quotas pagas pela sua esposa desde 1-11-07, com juros de mora.
Alegou que em 25-11-00 foi admitido como associado da R. tendo em vista a concessão de um capital mutuado no valor de € 60.162,33, com cobertura do risco coberto por invalidez e morte até ao montante deste capital. Para o efeito preencheu questionário médico e efectuou todos os exames que foram considerados necessários pela R.
Nas mesmas circunstâncias, celebrou em 10-01-05 outro mútuo no valor de € 32.500,00.
Em Setembro de 2007, face às sintomatologias que começava a sentir, o A. foi submetido a exames que detectaram uma série de patologias determinando que fosse sujeito a uma junta médica que lhe atribuiu a incapacidade de 71%.
Nessa sequência, em Outubro de 2007, requereu junto da R. o accionamento das referidas Garantias de Pagamento de Encargos, tendo esta declinado a pretensão, alegando que o A. omitira informação relevante para a cobertura do risco de invalidez, tendo rescindido os contratos celebrados em 2000 e 2005 com efeitos em relação ao A., realizando novas inscrições para garantia da sua esposa.

A R. contestou, alegando que o A. omitiu informações relevantes relativas ao seu estado de saúde quando preencheu os questionários médicos, tais como os traumatismos sofridos em dois acidentes de viação, limitando-se a mencionar a sua existência, assim como omitiu o quadro clínico de perturbação de sono e alterações de humor e estado de ansiedade verificados desde o primeiro acidente. Tais omissões e respostas inexactas induziram-na a aceitar o risco que não teria aceite, caso soubesse do estado real de saúde do segurado.
Alega ainda que a incapacidade lhe foi atribuída com base em situações de que o A. nunca alegou sequer padecer, impugnando que este sofra de algodistrofias no membro inferior na forma grave e que padeça da aludida incapacidade.

A acção foi julgada parcialmente procedente.

Apelou o R. e concluiu que:
a) As lesões de que o A. padece, dadas como provadas nos autos e constantes de “pequenas protusões hérnias discais medianas D6-D7 e D7-D8 e pequena protusão hérnia discal posteromediana L3-4, bem como degenerescência do disco L4-5”, não são, por si, determinantes da necessidade de obtenção, por parte da R., de novos exames que viessem a determinar a concessão ou não da garantia de pagamento que foi prestada;
b) Tal situação não consubstancia a existência de “algodistrofias do membro inferior, na forma grave” que determine a incapacidade de 71% atribuída com base no nº 6.2.8, al. b) da Tabela Nacional de Incapacidades;
c) O A., à data do preenchimento dos questionários médicos, tinha conhecimento, por tal situação se encontrar instalada há mais de cinco anos, da sua efectiva situação clínica, tendo omitido tal declaração;
d) Alterada a decisão quanto à prova nos termos do que se expõe nas conclusões a) a c) supra, deverá a sentença ser revogada e alterada por outra que absolva a R. do pedido.

Houve contra-alegações.

II – Matéria de facto.
1. A R., nas suas alegações e mais concretamente nas suas conclusões, parece pretender pôr em causa a decisão da matéria de facto, na parte em que se aceitou o grau de incapacidade atribuído ao A. Porém, sendo seguro que a decisão da matéria de facto assentou em prova documental e também em prova testemunhal, a verdade é que não satisfez minimamente os requisitos de que a lei faz depender a modificação daquela decisão.
Tal impunha, em primeiro lugar, a clara indicação do ponto ou ponto de facto cuja resposta pretendia impugnar. E pressupunha ainda a especificação dos meios de prova que, apreciados criticamente, levassem a uma conclusão diversa daquela que foi assumida pelo tribunal a quo. Implicava ainda que, relativamente aos depoimentos testemunhais gravados indicasse com exactidão as passagens da gravação em que se fundava para suscitar a modificação da decisão de facto.
Tal não foi feito, revelando as alegações que a apelante ora se insurge quanto aos juízos de facto, ora quanto aos juízos de direito.
Por conseguinte, não havendo condições para se proceder à reapreciação da prova produzida com vista a modificar-se a decisão da matéria de facto, resta enunciá-la tal como decorre da Especificação e das respostas aos diversos pontos da base instrutória, ainda que procedendo à sua reordenação lógica e cronológica.

2. Factos provados:
1. O A. sofreu dois acidentes de viação em 1995 e 1997, tendo sofrido traumatismos múltiplos em ambos os acidentes, com traumatismo crâneo-encefálico no primeiro acidente e traumatismo cervical e lombar em ambos os acidentes – R);
2. Referindo ainda, desde essa altura, a ocorrência de dor suboccipital, cervicalgias com irradiação às mãos, acompanhadas de parastesias de ambas as mãos, bem como lombalgias altamente incapacitantes, com radiação aos membros inferiores, bem como um quadro clínico de perturbação do sono, alterações do humor e estado de ansiedade – S) e T);
3. O A. tinha conhecimento dos Estatutos da R. e do seu Regulamento de Benefícios – Q);
4. Em 25-11-00, o A. foi admitido como associado da R., tendo-lhe sido atribuído o nº E 000.739-9 – A);
5. A admissão do A. como associado tinha em vista assegurar um capital mutuado pela R. no montante de 12.061.465$00, mediante o pagamento de quotas mensais, então no valor de 2.276$00, pelo prazo de 23 anos, dele constando ainda como “2ª vida” H… – B);
6. O risco coberto era de “Invalidez e Morte” até ao montante do capital mutuado – C);
7. Para o efeito o A. procedeu ao preenchimento do questionário médico, com preenchimento dos diversos quadros, tendo aposto no quadro onde se solicitava que indicasse se “Teve acidente de que resultou alguma lesão”, uma cruz no “Sim” e, por baixo da pergunta “Se sim descreva”, o sinal de interrogação “?” – D);
8. Tendo naquela data efectuado todos os exames médicos que foram considerados necessários pela R. – E);
9. Do questionário referido em 7. não resulta descrita qualquer sintomatologia que pudesse levar os serviços médicos da R. a recusar a subscrição da “Modalidade Garantia de Pagamento de Encargos” ou que tais serviços pudessem solicitar novos exames médicos específicos a essa sintomatologia - 3º e 4º;
10. Em 10-1-05, a R. mutuou ao A. a quantia de € 32.500,00, tendo sido atribuído ao A., com o nº de associado 000.739-9, a inscrição nº 8, em 10-1-05 – F) e G);
11. Contemplando a garantia de pagamento de encargos até ao montante do capital mutuado, com os riscos cobertos de “Invalidez e Morte” seus e de H… – H);
12. Para o efeito procedeu ao preenchimento de novo questionário médico, com preenchimento das diversas quadrículas, tendo aposto no quadro onde se solicitava que indicasse se “Teve acidente de que resultou alguma lesão”, uma cruz no “Sim” e, por baixo da pergunta “Se sim, descreva”, o seguinte: “Acidente de viação - 1995. Moderada radiculopatia, de carácter crónico, CC bilateral” e sujeitou-se a todos os exames médicos que fossem exigidos pela R. – I) e J);
13. A informação do A. de que tinha sofrido um acidente de viação em 1995, com moderada radiculopatia de carácter crónico CC bilateral, por si só, não determinaria a recusa do benefício pela R. - 5º;
14. Aquando do preenchimento dos questionários referidos em 7. e 12. o A. apresentava os sintomas descritos em 2. - 7º;
15. Em 25-9-07, mediante Relatório Médico subscrito pelo Neurocirurgião Dr. VD.., foi-lhe diagnosticado ainda pequenas profusões herniárias discais medianas D6-D7 e D7-D8 e pequena protusão herniária discal postero-mediana L3-4, bem como degenerescência do disco L4-5, alterações do normal padrão de sono caracterizado por aumento de despertares e redução acentuada do sono lento profundo, tendo sido proposta incapacidade permanente com base na TNI – U);
16. Em Setembro de 2007, e face às sintomatologias que o A. então apresentava e descritas em 2., foram-lhe realizados exames médicos, nos quais lhe foram diagnosticadas profusões herniárias discais referidas no Relatório Médico descrito em 15. - 1º e 2º;
17. O A., em Outubro de 2007, sofria de algodistrofias do membro inferior, na forma grave, as quais lhe determinam uma incapacidade permanente global de 71% - 8º e 9º;
18. O A. foi submetido a Junta Médica em Setúbal, a qual lhe conferiu, em 26-10-07, uma incapacidade, nos termos da qual lhe foi atribuída uma incapacidade permanente global de 71%, susceptível de variações futuras, devendo ser avaliado ao fim de 5 anos – K);
19. Em Outubro de 2007, o A. requereu junto da R. o accionamento das Garantias de Pagamento de Encargos – M);
20. A R. por carta datada de 4-12-07, informou o A. que:
“(…) Na ficha clínica preenchida por V. Exª, após análise efectuada pelos serviços competentes, verifica-se que omitiu informação relevante para a cobertura do risco de invalidez, agora solicitado. Por este motivo fica V. Exª abrangido pelo art. 23º das Disposições Gerais do Regulamento das Modalidades que se transcreve:
“Nas modalidades que envolvam benefícios por invalidez ou morte do subscritor, não se consideram cobertas estas eventualidades quando se provar que o subscritor ou os beneficiários produziram declarações falsas ou apresentaram falsos documentos susceptíveis de induzir em erro os serviços do Montepio  Geral na avaliação do risco correspondente e, ainda, as que resultarem de:
…”.
Em face do atrás exposto, informamos que não podemos assumir o pagamento de qualquer benefício por invalidez.
A subscrição na modalidade é anulada e oportunamente serão restituídas, por crédito na conta DO 000-10.004328-7, todas as quotas pagas (Janeiro de 2005 a Dezembro de 2007).
No entanto, encontramo-nos ao dispor de V. Exª para qualquer esclarecimento complementar” – N);
21. Por carta datada de 4-12-07, a R. informou H…..que:
“… não foi aceite o pedido apresentado pelo associado A..., 2ª vida das GPE’s também subscritas por V. Exª como 1ª vida.
Face à indisponibilidade desta Instituição para efectuar o pagamento solicitado, conforme carta remetida oportunamente, a subscrição sobre duas vidas foi alterada para uma vida em nome de V. Exª com início em Janeiro de 2005.
Oportunamente será recebedora de carta informando, das condições e custo de nova subscrição” – O);
22. Com data de 3-1-08, foi emitido atestado médico para condutor de veículos, pelo Ministério da Saúde, DGS, dele constando que o A. tem “aptidão física e mental para a condução de veículos automóveis da categoria B (…) com as seguintes restrições: caixa de velocidades automática” – L);
23. Em 1-11-07, o montante dos empréstimos objecto da garantia era de € 78.788,69 – P);
24. Consta de fls. 48 e segs. o Regulamento de Benefícios do B…–Associação Mutualista, cujo art. 23º tem o seguinte teor:
Nas modalidades que envolvam benefícios por invalidez ou morte do subscritor, não se consideram cobertas estas eventualidades quando se provar que o subscritor ou os beneficiários produziram declarações falsas, apresentaram falsos documentos ou omitiram factos susceptíveis de induzir em erro os serviços do B… na avaliação do risco correspondente …”.
Consta ainda do mesmo Regulamento, além do mais, o art. 2º com o seguinte teor:
1. A aprovação médica é condicionada pela análise das respostas a questionário clínico ou pelos resultados de exames complementares de diagnóstico ou de exame médico presencial.
2. A análise do questionário clínico e dos exames complementares, bem como o exame presencial são efectuados por médicos designados pelo B….
”.
E ainda o art. 4º, com o seguinte teor:
1. Não é aceite risco de invalidez quando, á data da subscrição, o subscritor apresentar qualquer grau de invalidez, ressalvando o disposto nos números seguintes.
2. Pode ser aceite a cobertura de invalidez total e permanente, após parecer médico favorável, quando o subscritor tiver um grau de invalidez não superior a 20%, tendo por base o disposto na TNI, desde que a invalidez não seja progressiva.
3. Pode ser aceite a cobertura de invalidez absoluta e definitiva, após parecer médico favorável, quando o subscritor tiver um grau de invalidez não superior a 30%, tendo por base o disposto na TNI, desde que a invalidez não seja progressiva.
4. Pode ser aceite o risco de invalidez com exclusão de órgãos e doenças.
”.
25. Os docs. de fls. 169 e 170 correspondem aos relatórios realizados por médicos que observaram o A. e que acompanhavam as propostas de celebração das Garantias de Pagamento de Encargos (facto aditado).

III - Decidindo:
1. A sentença recorrida assenta numa construção jurídica em redor da outorga de um contrato de seguro, assim se justificando a alusão feita ao regime que constava do art. 429º do Cód. Comercial para declarações inexactas ou reticentes.
Ainda que existam alguns pontos de contacto entre a concreta situação dos autos (transferência de risco no âmbito de uma relação de mutualismo, pagamento de uma contrapartida e ocorrência de um sinistro) e o contrato de seguro, não é correcto afirmar a existência de um contrato deste tipo ou recorrer ao seu regime jurídico. Na falta de disposições especiais, o litígio deve ser integrado nas regras gerais e nas cláusulas negociais, ainda que com a natureza de cláusulas gerais.
Importa, assim, que se corrija tal opção, já que nenhum contrato de seguro foi outorgado entre o A. e a R., não exercendo esta a actividade seguradora, inscrevendo-se no âmbito da actividade das associações mutualistas.

2. Em lugar do recurso às regras próprias da actividade seguradora, o importante é atentar em que a actividade mutualista é especificamente regulada pelo Cód. das Associações Mutualistas, aprovado pelo Dec. Lei nº 72/90, de 3-3.
Prevê-se no seu art. 1º que “as associações mutualistas são instituições particulares de solidariedade social com um número ilimitado de associados, capital indeterminado e duração indefinida que, essencialmente através da quotização dos seus associados, praticam, no interesse destes e de suas famílias, fins de auxílio recíproco, nos termos previstos neste diploma”. E no art. 2º, nº 1, “constituem fins fundamentais das associações mutualistas a concessão de benefícios de segurança social e de saúde destinados a reparar as consequências da verificação de factos contingentes relativos à vida e à saúde dos associados e seus familiares e a prevenir, na medida do possível, a verificação desses factos”.

3. Questionou a R. a cobertura que o A. veio invocar a partir da situação de invalidez que lhe foi diagnosticada por, na ocasião em que apresentou as propostas de subscrição, alegadamente ter omitido dados relevantes acerca do seu estado de saúde.
Nos termos do art. 23º do Regulamento de Benefícios, “nas modalidades que envolvam benefícios por invalidez ou morte do subscritor, não se consideram cobertas estas eventualidades quando se provar que o subscritor ou os beneficiários produziram declarações falsas, apresentaram falsos documentos ou omitiram factos susceptíveis de induzir em erro os serviços do Montepio Geral na avaliação do risco correspondente …”.
Trata-se de uma norma semelhante à do art. 429º do Cód. Comercial, entretanto revogado, que cominava com a anulabilidade o contrato de seguro quando o segurado ou o tomador do seguro produzissem declarações iniciais falsas ou inexactas, influindo negativamente na assunção do risco por parte da seguradora.
Compreende-se a previsão do dever do aderente de fazer declarações verdadeiras sobre as circunstâncias que, no âmbito do negócio, sejam susceptíveis de agravar o risco assumido pela Associação Mutualista, tal como ocorre com os contratos de seguros de saúde ou seguros de vida.[1]

4. Nos termos do art. 26º, nº 1, do Cód. das Associações Mutualistas, “a inscrição nas modalidades que exijam avaliação da situação clínica do candidato é condicionada … a parecer médico, por exame directo ou através do preenchimento de questionário médico”.
Em correspondência com essa disposição legal está o art. 23º do Regulamento de Benefícios aprovado pela R., nos termos do qual “ a aprovação médica é condicionada pela análise das respostas a questionário clínico ou pelos resultados de exames complementares de diagnóstico ou de exame médico presencial”.
Consequentemente, segundo o art. 4º do mesmo Regulamento, não é “aceite risco de invalidez quando, à data da subscrição, o subscritor apresentar qualquer grau de invalidez, ressalvando o disposto nos números seguintes”. Apesar disso, “pode ser aceite a cobertura de invalidez total e permanente, após parecer médico favorável, quando o subscritor tiver um grau de invalidez não superior a 20%, tendo por base o disposto na TNI, desde que a invalidez não seja progressiva”. E, além disso, “pode ser aceite a cobertura de invalidez absoluta e definitiva, após parecer médico favorável, quando o subscritor tiver um grau de invalidez não superior a 30%, tendo por base o disposto na TNI, desde que a invalidez não seja progressiva”. Pode ainda “ser aceite o risco de invalidez com exclusão de órgãos e doenças”.

5. No caso concreto, a Mª Juíza a quo considerou improcedente a defesa da R., solução que é de confirmar, ainda que mediante a aplicação de disposições legais e contratuais não inteiramente correspondentes.
As circunstâncias que emergem da matéria de facto provada e não provada, assim como a análise do leque de alternativas que à R. se colocavam relativamente à aceitação e definição do risco afastam liminarmente a sua defesa apresentada nesta apelação.
Com efeito, ainda que porventura se pudesse afirmar que o A. não foi totalmente inequívoco relativamente às informações que prestou acerca do seu estado de saúde ou dos seus antecedentes clínicos em cada um dos dois momentos em que apresentou à R. uma proposta negocial, a necessária intermediação de médicos designados pela R. e, além disso, a diversidade de possibilidades que o Regulamento previa mesmo em casos em que existisse alguma doença ou incapacidade revelam a manifesta inadequação da reacção da A. que só veio a ocorrer na altura em que foi confrontada com a alegação de uma situação de incapacidade abarcada pelos termos das Garantias de Pagamento de Encargos.[2]

6. Porém, a improcedência da apelação e a manutenção da sentença encontra na decisão da matéria de facto outro fundamento.
Quando foi apresentada a primeira proposta de subscrição, o A. procedeu ao preenchimento de um questionário médico no qual indicou que “teve acidente de que resultou alguma lesão”, ainda que não o tenha descrito, limitando-se a colocar um ponto de interrogação (“ ? ”) no lugar. Na ocasião efectuou todos os exames médicos que pela R. foram considerados necessários.
Já aquando da segunda proposta, o A. procedeu ao preenchimento de novo questionário médico, com preenchimento das diversas quadrículas, tendo então indicado que “teve um acidente de que resultou alguma lesão”, descrevendo-o como “Acidente de viação - 1995. Moderada radiculopatia, de carácter crónico, CC bilateral”. Sujeitou-se mais uma vez a todos os exames médicos exigidos pela R.
Como se apurou, nenhuma das informações prestadas motivaria, por si, a recusa dos benefícios. Por outro lado, aquando do preenchimento dos referidos questionários, o A. apresentava os seguintes sintomas: ocorrência de dor suboccipital, cervicalgias com irradiação às mãos, acompanhadas de parastesias de ambas as mãos, bem como lombalgias altamente incapacitantes, com radiação aos membros inferiores, bem como um quadro clínico de perturbação do sono, alterações do humor e estado de ansiedade.
Apesar disso, o teor das informações que o A. espontaneamente prestou e, por outro lado, o facto de a R. estar devidamente assessorada por médicos que, para além do acesso a tais informações, ainda puderam sujeitar o A. aos exames que tivessem por convenientes, sem que suscitassem então qualquer objecção à aceitação das propostas do A., impede que se extraiam do factualismo referido as consequências pretendidas pela R.
Para o efeito importa que se atente devidamente na resposta restritiva que foi dada ao ponto 7º da base instrutória, de onde emerge não se ter provado que o A. tinha conhecimento da sintomatologia já referida, provando-se apenas o facto objectivo de que tal sintomatologia já existia.
Não se provou também a matéria do ponto 10º, ou seja, que a incapacidade permanente global de 71% que em 2007 foi detectada ao A. já se encontrava instalada há mais de 5 anos.
Neste contexto, não se verificam as condições que, nos termos do art. 23º do Regulamento, legitimariam a exclusão do “sinistro” apresentado pelo A. como justificação para o accionamento das Garantias de Pagamento de Encargos, não podendo concluir-se que o A. produziu “declarações falsas” ou que omitiu “factos susceptíveis de induzir em erro a R na avaliação do risco”.[3]
Releva ainda o facto de não se ter provado qualquer interferência na opção da R. advinda do seu desconhecimento das patologias e das sintomatologias que o A. efectivamente apresentada (resposta negativa ao ponto 6º).

IV – Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando, ainda que por fundamento jurídico diverso, a sentença recorrida.
Custas da apelação a cargo da R.
Notifique.

Lisboa, 18 de Outubro de 2011   
                                                                                                               
António Santos Abrantes Geraldes
Manuel Tomé Soares Gomes
Maria do Rosário Oliveira Morgado
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[1] A título exemplificativo a problemática foi apreciada nos seguintes arestos: Ac. da Rel. do Porto, de 9-11-98, CJ, tomo V, pág. 186 (omissão em boletim de adesão a contrato de seguro de grupo do ramo vida de que o aderente sofria de cirrose hepática); Ac. da Rel. de Évora, de 13-2-03, CJ, tomo I, pág. 246 (omissão de que o segurado tinha sido submetido a intervenção cirúrgica de extirpação parcial do estômago); Ac. do STJ, de 11-7-06, CJSTJ, tomo I, pág. 151 (omissão de que o segurado sofria de angina de peito); Ac. da Rel. de Lisboa, de 12-3-09, CJ, tomo II, pág. 74 (omissão de que o segurado fora submetido a uma intervenção cirúrgica de substituição da válvula aórtica); Ac. do STJ, de 2-12-08, CJSTJ, tomo III, pág. 158 (omissão de que o segurado sofria da diabetes)
[2] No âmbito do contrato de seguro, considerou-se que a responsabilidade da seguradora não era afectada com base em alegadas insuficiências nas declarações quando o segurado havia declarado expressamente que não gozava de boa saúde (Ac. do STJ, de 24-2-08, CJSTJ, tomo I, pág. 116).
[3] Segundo os Acs. do STJ, de 4-3-04, CJSTJ, tomo I, pág. 102, e de 17-11-05, CJSTJ, tomo III, pág. 120, cabe à seguradora o ónus da prova de que o segurado, quando subscreveu a proposta de seguro e respondeu ao questionário clínico apresentado, tinha conhecimento de que padecia da doença que o vitimou, ou que exarou nestas respostas declarações falsas ou reticentes de factos ou circunstâncias dele conhecidas, susceptíveis de influir na formação do contrato e suas condições, enquanto relacionadas com a avaliação do risco a assumir. No mesmo sentido cfr. o Ac. da Rel. de Coimbra, de 18-10-05, CJ, tomo IV, pág. 31, o Ac. da Rel. de Guimarães, de 9-3-05, CJ, tomo II, pág. 279.