Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
219/21.0YUSTR.L1-PICRS
Relator: PAULA POTT
Descritores: TESTE COVID-19
COMPANHIA DE AVIAÇÃO
VÍCIO DECISÓRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/01/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: DECLARADA NULA A DECISÃO
Sumário: Embarque sem apresentação de comprovativo da realização de teste à COVID-19 – Contraordenação prevista nos artigos 2.º - i) e 3.º n.º 2 - a) e n.º 3 do DL 28-B/2020 – Viagens essenciais – Passageiros nacionais de um Estado da União Europeia ou aí residentes e seus familiares – Causas de justificação – Vício decisório devido a insuficiência dos factos provados para a decisão – Nulidade da sentença
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência, na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão, do Tribunal da Relação de Lisboa

1. A recorrente, veio interpor o presente recurso da sentença proferida em 28.01.22 (referência citius 338154), pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (doravante também Tribunal de primeira instância ou Tribunal a quo), que julgou improcedente o recurso de impugnação judicial da decisão administrativa proferida pela ANAC, que condenou a arguida pela prática de catorze contraordenações, previstas e punidas no artigo 2.º - i) do DL 28-B/2020 de 28 de Junho, na coima única de 3.700 euros.
2. A recorrente pede que seja anulada a sentença proferida pelo Tribunal a quo devendo, em consequência, ser absolvida a arguida ou, caso assim não se entenda, ser-lhe aplicada a sanção de admoestação.
3. Invoca, em síntese, os seguintes fundamentos vertidos nas conclusões de recurso:
- Dos factos provados não resulta que os passageiros não apresentaram teste no momento do embarque;
- A sentença recorrida não indagou se os passageiros estavam ao abrigo das isenções legais por serem passageiros nacionais ou com residência legal em Portugal, informação que consta do sistema de reserva da arguida e não é controvertida, mas que o Tribunal a quo não levou em conta;
- Na falta de indagação desses factos o Tribunal a quo devia ter concluído que não é possível fazer a imputação objectiva [do resultado à acção da arguida, segundo este Tribunal julga perceber] por força do princípio in dubio pro reo;
- Ao divulgar aos operadores uma instrução segundo a qual os passageiros nacionais ou estrangeiros com residência autorizada em Portugal, estavam isentos da obrigação de apresentar o teste no embarque, a ANAC induziu a arguida em erro, emitindo um modelo de informação – o NOTAM previsto na Circular de informação aeronáutica 29/13 da ANAC – desconforme aos requisitos de qualidade e clareza da informação, constantes da Convenção de Chicago de 1944, sobre aviação civil internacional, em particular do capítulo 2 do Anexo 15 dessa Convenção;
- A arguida esforçou-se por agir em conformidade com as indicações dadas no NOTAM, tendo assumido que o seu incumprimento e, portanto, a recusa de embarque neste caso, a faria incorrer numa contraordenação prevista no artigo 7º nº1 do DL nº 10/2004 (Regime aplicável às contraordenações aeronáuticas civis);
- Tendo agido em cumprimento de uma ordem legítima da autoridade portuguesa, isso excluí a ilicitude da sua conduta, nos termos do artigo 31.º n.º 2 – c) do Código Penal (CP);
- A arguida não pode conservar os dados pessoais respeitantes aos testes à Covid-19 dos passageiros;
- Para recusar o embarque, a arguida só poderia invocar os motivos previstos no Regulamento 261/2004 (sobre indemnização e assistência a passageiros de transportes aéreos em caso de recusa de embarque, cancelamento ou atraso considerável dos voos), que aqui não ocorriam;
- Dos factos provados não é possível concluir pela imputação subjectiva das contraordenações à arguida;
- O limite máximo da moldura abstracta da coima única, neste caso, não pode ultrapassar o valor de 2000 euros por força do artigo 19.º do RGCO;
- Os juízos sobre a motivação de lucro que norteou a conduta da arguida e o risco de propagação da doença, feitos pelo Tribunal a quo, são conclusivos e infundados, sendo, a mera admoestação adequada caso o Tribunal não absolva a arguida.
4. A recorrida respondeu, pedindo que seja negado provimento ao recurso, alegando e concluindo, em síntese que:
- O dever de verificar se os passageiros tinham o documento comprovativo do teste à COVID-19 não implica a conservação do teor dos testes;
- Não merece credibilidade a argumentação segundo a qual entre o embarque e o desembarque os testes se teriam extraviado;
- O NOTAM era conforme aos normativos legais em vigor, que a arguida devia conhecer e cumprir, não sendo ele mesmo uma norma legal, mas um mero aviso à navegação;
- Nos termos legais, todos os passageiros tinham de apresentar teste à COVID-19 com resultado negativo nas 72 horas antes do embarque;
- A possibilidade de realizar teste à chegada, conferida aos passageiros nacionais ou residentes em Portugal, é uma excepção aplicável aos passageiros que não isenta a companhia aérea de coima;
- As contraordenações aqui em causa são infracções de perigo abstracto pelo que existe prova suficiente para a fazer a imputação objectiva e subjectiva dessas contraordenações à arguida;
- O Regulamento 261/2004 prevê que, a recusa de embarque pode ter lugar por motivos de saúde sem que a arguida tenha, nesse caso, de indemnizar ou prestar assistência aos passageiros;
- A expressão “por cada passageiro” usada pelo artigo 3.º DL 28-B/2000 afasta a aplicação do artigo 19.º do Regulamento Geral das Contraordenações (RGCO), pelo que a moldura abstracta do concurso é de 28 000 euros.
5. O Ministério Público respondeu, pedindo que seja negado provimento ao recurso, alegando, em síntese, que:
- Cingindo-se o presente recurso à matéria de direito, sem prejuízo de o Tribunal da Relação poder conhecer das nulidades previstas no artigo 410.º do CPP, a arguida não procedeu às indicações previstas no artigo 412.º n.º 2 do Código de Processo Penal (CPP), o que viola os princípios da lealdade e da cooperação, dando lugar ao aperfeiçoamento;
- A questão da imputação subjectiva das contraordenações à responsabilidade da arguida é uma questão de facto e está excluída do âmbito do recurso;
- A sentença recorrida não incorre em erro na apreciação da matéria de facto;
- Não se verifica nenhuma causa de exclusão da ilicitude;
- A fixação do limite máximo da coima em 28.000 euros é uma interpretação que atende à natureza pessoal do bem jurídico tutelado e o resultado acaba por ser benéfico para a infractora;
- A gravidade da situação de saúde pública e a aptidão da conduta da arguida para aumentar o risco de contágio da doença, tornam inadequada a aplicação da sanção de admoestação;
- A sentença não enferma de erro na apreciação dos factos nem na aplicação do direito.
6. Na segunda instância, o digno magistrado do Ministério Público emitiu parecer acompanhando a resposta ao recurso em primeira instância.
7. Foi cumprido o disposto no artigo 417.º do Código de Processo Penal (CPP), tendo a arguida respondido pugnando pela improcedência dos argumentos constantes do parecer do Ministério Público.
8. Admitido o recurso e mantido o seu efeito, foi nesse despacho apreciada a questão prévia do cumprimento do artigo 412.º n.º 2 do CPP. Corridos os vistos, cumpre apreciar o recurso.
Questão preliminar: junção de parecer de jurisconsulto
9. A arguida veio juntar parecer de jurisconsulto em 21.4.2022 (referência citius 574064) do qual foram notificados a recorrida (por iniciativa da arguida) e o digno magistrado do Ministério Público.
10. Cumprido o disposto no artigo 417.º n.ºs 1 e 2 do CPP, aplicável por forçado artigo 74.º n.º 4 do RGCO e devendo o recurso ser julgado em conferência (artigo 417.º n.º 9 do CPP), afigura-se ser extemporânea a junção de parecer de jurisconsulto após o termo do prazo previsto no artigo 417.º n.º 2 do CPP. Com efeito, a mesma teve lugar após o limite temporal previsto, quer no artigo 165.º n.º 3 do CPP, quer no artigo 651.º do Código de Processo Civil (aplicável por força do artigo 4.º do CPP).
11. Pelo exposto, o parecer de jurisconsulto não será levado em conta no presente acórdão, sem prejuízo de, em resultado da anulação da sentença recorrida e da devolução do processo à primeira instância, a arguida poder vir a indicar atempadamente, que renova o interesse em que seja tomado em consideração.
Delimitação do âmbito do recurso
12. São as seguintes, as questões suscitadas, com relevo para a decisão do recurso:
A. Vícios decisórios: erro na apreciação da prova, princípio in dúbio pro reo e Insuficiência da matéria de facto para a decisão
B. Causas de justificação
C. Responsabilidade da arguida: imputação objectiva e subjectiva D. Escolha da sanção: admoestação
Factos provados constantes da decisão recorrida
Nota preliminar: A numeração dos factos, constante da sentença recorrida, será a seguir indicada no início de cada facto, para facilitar a leitura.
13. 1. Através de e-mail do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), de 17 de Setembro de 2020 complementado por email de 26 de Abril de 2021, foi transmitido à Recorrida, ANAC, que a transportadora aérea Wizz Air, no voo W6 6851, proveniente de Lviv, Ucrânia, de 16 de setembro de 2020, transportou 14 (catorze) passageiros, os quais chegaram ao Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, sem teste molecular RT-PCR com resultado negativo à Covid-19, nas 72 horas que antecederam o voo.
14. 2. Todos os passageiros que se apresentem a embarque, com destino a território nacional devem ser possuidores de teste molecular RT-PCR com resultado negativo à Covid-19, nas 72 horas que antecedem o voo, sob pena de não poderem ser embarcados.
15. 3. Trata[m]-se dos passageiros:
- 16/09/2020 E…
- 16/09/2020 A…
- 16/09/2020 D…
- 16/09/2020 J…
- 16/09/2020 V…
- 16/09/2020 DM…
- 16/09/2020 F…
- 16/09/2020 M…
- 16/09/2020 T…
- 16/09/2020 TE…
- 16/09/2020 VA…
- 16/09/2020 VALE…
- 16/09/2020 Y…
- 16/09/2020 YU…
16. 4. Os cinco primeiros passageiros acima identificados recusaram-se a efetuar teste em território nacional.
17. 5.Os NOTAM’s em vigor não isentam os passageiros de ser detentores de teste molecular RT-PCR com resultado negativo à Covid-19, nas 72 horas que antecederam o voo.
18. 6. Atento o contexto de pandemia em que se vive, a transportadora devia ter assegurado que todos os passageiros são possuidores de comprovativo de realização de teste laboratorial para despiste da doença COVID-19 com resultado negativo, realizado nas 72 horas anteriores ao embarque, o que não fez.
19. 7. A Recorrente permitiu o embarque dos referidos passageiros no voo em causa e transportou-os, sem teste molecular RT-PCR com resultado negativo à Covid-19, nas 72 que antecederam o voo, até território nacional.
20. 8. A Recorrente tem o dever de proceder com o cuidado a que, atenta a sua cerificação está obrigada e de que é capaz, o que não sucedeu, permitindo o embarque de 14 passageiros sem teste RT-PCR, com resultado negativo à covid 19, nas 72 horas que antecederam o voo, até território nacional, atuando sem se conformar com essa realização.
21. 9. A Wizz Air agiu com negligência pelo facto de não ter observado o dever de cuidado a que estava adstrita e de que era capaz.
22. 10. A Wizz Air tem sede em Laurus Offices, Kőér street 2/A, Building B, H-1103, Budapest, Hungary.
Factos provados do recurso de impugnação judicial
23. 11. Em Setembro de 2020, a Wizz Air recebeu um pedido da ANA – Aeroportos de Portugal solicitando que, para cada voo, lhe fosse remetida a informação sobre o número total de passageiros a bordo e a lista de passageiros que havia embarcado sem teste PCR, com indicação do respetivo lugar.
24. 12. Esse procedimento foi implementado pela arguida, que transmitiu essa informação às equipas responsáveis.
25. 13. Com reporte a um voo que realizou em 29 de Agosto de 2020, com destino a Lisboa, a Recorrente recusou, no check-in, o embarque a um passageiro, com o seguinte fundamento: «did not have valid document (missing test Covid-19) to travel to Portugal».
26. 14. Em 30 de Setembro de 2020, a ANAC apresentou, para validação, a seguinte Proposta de NOTAM (notice to Ai[r]men), baseada no despacho n.º 9373-A/2020: prorrogação de medidas aplicáveis ao tráfego aéreo com destino e a partir de Portugal
« Após análise técnica do despacho nº 9373 traço a barra 2020, publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 191 de 30 de Setembro 2020, verifica-se protege publicavél em NOTAM, concessão das alíneas 16, que seguidamente se descreve "16 - o presente despacho produz efeitos a partir das 10:00 horas do dia 1 de outubro de 2020 e até às 23:59 do dia 14 de outubro 2020", não contêm alterações relativamente ao anteriormente publicado com base no despacho 8777 [t]raços e barra 2020 de 11 de Setembro 2020.
Verifica-se no preâmbulo do novo despacho nº 9383 traço a barra 2020, no quarto parágrafo, foi incluída uma informação que refere a expressão " Portugal continental", O que pode transmitir a ideia que informação apenas se aplica essa parte do território ponto no entanto no próprio título e no restante despacho, refere sempre expressão Portugal, pelo que se entende que informação a publicar em NOTAM se continua[s] a aplicar às duas regiões de informação de voo (LPPC. FIR de Lisboa e LPPO - FIR Santa Maria).
Deste modo remete-se o texto proposto dos NOTAM para aprovação superior, com novas datas finais de validade. (…)».
27. 15. À data do embarque e transporte aqui em causa, era o seguinte o teor do NOTAM disponibilizado às companhias áreas, entre as quais a Recorrente:
COVID-19: PASSENGER RESTRICTIONS IN ACCORDANCE WITH PORTUGUESE GOVERNMENT INSTRUCTIONS AIMING TO IMPROVE APPROPRIATE INFECTION PREVENTION AND SPREAD MITIGATION, ALL BOARDING PASSENGERS EXCLUSIVELY FOR ESSENTIAL TRAVEL FROM/TO NON-EU AND NON SCHENGEN AGREEMENT COUNTRIES, SHALL HOLD A NEGATIVE COVID-19 RT-PCR TEST, DONE WITHIN 72 HOURS BEFORE DEPARTURE, WITHOUT WHICH WILL NOT BE PERMITTED TO BOARD.
EXEMPTIONS:
1) TRANSIT PASSENGERS WHO DO NOT HAVE TO ABANDON AIRPORT FACILITIES.
2) NATIONAL CITIZENS AND FOREIGN CITIZENS AND THEIR FAMILY MEMBERS WITH LEGAL RESIDENCE IN NATIONAL TERRITORY AND DIPLOMATIC PERSONNEL PLACED IN PORTUGAL, ON FLIGHTS EXCLUSIVELY FOR ESSENTIAL TRAVEL, REPATRIATION FLIGHTS OF NATIONAL CITIZENS OR HOLDERS OF A PORTUGUESE RESIDENCE PERMIT, HUMANITARIAN OR REPATRIATION FLIGHTS OF FOREIGN CITIZENS PROMOTED BY THE COMPETENT AUTHORITIES OF THEIR HOME STATES AND SUBJECT TO PREVIOUS REQUEST AND AGREEMENT, WITH RESPECT TO RECIPROCITY PRINCIPLES, THAT EXCEPTIONALLY DO NOT HOLD A NEGATIVE COVID-19 RT-PCR TEST, WILL BE IMMEDIATELY FORWARDED TO THE COMPETENT AUTHORITIES TO CARRY OUT THE TEST AT THEIR OWN EXPENSES.
28. 16. Em 2 de Janeiro de 2021, a recorrente divulgou, junto dos seus colaboradores, comunicação electrónica com o título «Portugal – Additional Clarification regarding RT- PCR- test», com reporte a uma comunicação da ANAC.
29. 17. Em 24 de Março de 2021, a arguida remeteu comunicação interna, alertando que o embarque sem teste PCR seria considerado uma infracção à Lei.
30. 18. Nesta data, não são conhecidos antecedentes contraordenacionais da Recorrente.
31. 19. Instada, a Recorrente não juntou documentação sobre a sua situação económico-financeira.
Factos não provados (menção constante da decisão recorrida)
32. Inexistem com relevo.
Apreciação das questões suscitadas pelo recurso
33. Quadro legal relevante:
Constituição da República Portuguesa ou CRP
Artigo 32.º n.º 2
Garantias de processo criminal
(...)
2. Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.
(...)
DL 28-B/2020 de 26 de Junho (versão em vigor em 16.9.2020, data dos factos)
Artigo 1.º n.º 1
Objecto
1 - O presente decreto-lei estabelece o regime sancionatório aplicável ao incumprimento dos deveres estabelecidos por declaração da situação de alerta, contingência ou calamidade adotada ao abrigo da Lei n.º 27/2006, de 3 de julho, na sua redação atual, que aprova a Lei de Bases da Proteção Civil, e da Lei n.º 81/2009, de 21 de agosto, que estabelece o Sistema de Vigilância em Saúde Pública.
(...).
Artigo 2.º - i)
Deveres
Durante a situação de alerta, contingência ou calamidade, declarada no âmbito da situação epidemiológica originada pela doença COVID-19, determinada nos termos da Lei de Bases da Proteção Civil, constituem deveres das pessoas singulares e coletivas:
(...)
i) O cumprimento das regras aplicáveis ao tráfego aéreo e aos aeroportos, nos termos das declarações das respetivas situações de alerta, contingência ou calamidade;
(...)
Artigo 3.º
Contraordenações
1 - O incumprimento dos deveres estabelecidos nas alíneas a) a h) e j) do artigo anterior constitui contraordenação, sancionada com coima de (euro) 100,00 a (euro) 500,00, no caso de pessoas singulares, e de (euro) 1 000,00 a (euro) 10 000,00, no caso de pessoas coletivas.
2 - O incumprimento dos deveres estabelecidos na alínea i) do artigo anterior, pelas companhias aéreas ou pelas entidades responsáveis pela gestão dos respetivos aeroportos, consoante aplicável, constitui contraordenação, sancionada:
a) Com coima de (euro) 500,00 a (euro) 2 000,00, por cada passageiro que embarque sem apresentação de comprovativo de realização de teste laboratorial para despiste da doença COVID-19 com resultado negativo, realizado nas 72 horas anteriores ao momento do embarque, exceto nos casos em que a apresentação desse comprovativo seja dispensada;
b) Com coima de (euro) 2 000,00 a (euro) 3 000,00, no caso de incumprimento da obrigação de disponibilização do teste laboratorial para despiste da doença COVID-19, da obrigação de rastreio de temperatura corporal por infravermelhos a todos os passageiros que chegam a território nacional ou da obrigação de repetição da medição da temperatura corporal quando seja detetada uma temperatura corporal relevante na sequência daquele rastreio.
3 - A negligência é punível, sendo, neste caso, os montantes referidos nos números anteriores reduzidos em 50 %.
4 - Se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contraordenação, será o infrator sempre punido a título de crime, sem prejuízo da aplicação das sanções acessórias previstas para a contraordenação.
5 - O disposto no presente decreto-lei não prejudica a responsabilidade civil do infrator, nos termos gerais de direito.
(Sublinhado nosso).
Artigo 9.º
Direito subsidiário
Em tudo o que se não se encontre previsto no presente decreto-lei aplica-se subsidiariamente o regime geral do ilícito de mera ordenação social, constante do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, na sua redação atual.
Despacho ministerial n.º 8777-C/2020 de 11.9
Sumário: Prorrogação das medidas aplicáveis ao tráfego aéreo com destino e a partir de Portugal.
Prorrogação das medidas aplicáveis ao tráfego aéreo com destino e a partir de Portugal
No contexto da situação epidemiológica provocada pelo vírus SARS-CoV-2 e das medidas excecionais adotadas para fazer face à doença COVID-19, foi determinada a interdição, até 17 de abril de 2020, do tráfego aéreo com destino e a partir de Portugal de todos os voos de e para países que não integram a União Europeia, com determinadas exceções, através do Despacho n.º 3427-A/2020, publicado no Diário da República, 2.ª série, 1.º suplemento, n.º 55, de 18 de março de 2020, prorrogado sucessivamente até às 23h59 do dia 14 de setembro, atendendo à avaliação da situação epidemiológica em Portugal e na União Europeia e às orientações da Comissão Europeia.
Tendo em conta a Recomendação (UE) 2020/1186 do Conselho, de 7 de agosto de 2020, relativa à restrição temporária das viagens não indispensáveis para a UE e ao eventual levantamento de tal restrição, mantém-se a necessidade de prorrogação das medidas restritivas do tráfego aéreo, devidamente alinhadas com as preocupações de saúde pública do momento atual.
Com efeito, tendo em consideração a tendência de crescimento do número de casos ativos nas últimas semanas de contágio da doença COVID-19 em Portugal e a evolução epidemiológica verificada no presente, o Conselho de Ministros determinou novo período de contingência em todo o território nacional continental desde as 00h do dia 15 de setembro de 2020 até às 23h59 m do dia 30 de setembro de 2020.
Importa assim assegurar o regime adequado do tráfego aéreo autorizado em Portugal continental, em face do contexto atual epidemiológico verificado.
Assim, nos termos conjugados do n.º 1 do artigo 18.º, do n.º 1 do artigo 19.º, do n.º 1 do artigo 27.º e do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 169-B/2019, de 3 de dezembro, na sua redação atual, e do n.º 2 do artigo 33.º da Lei n.º 27/2006, de 3 de julho, na sua redação atual, o Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, o Ministro da Defesa Nacional, o Ministro da Administração Interna, a Ministra da Saúde e o Ministro das Infraestruturas e da Habitação determinam o seguinte:
1 - Autorizar o tráfego aéreo com destino e a partir de Portugal de todos os voos de e para os países que integram a União Europeia, dos países associados ao Espaço Schengen (Liechtenstein, Noruega, Islândia e Suíça) e do Reino Unido nos termos do Acordo de Saída entre a União Europeia e o Reino Unido.
2 - Autorizar os voos de e para países cuja situação epidemiológica esteja de acordo com a Recomendação (UE) 2020/1186 do Conselho, de 7 de agosto de 2020, respeitantes a ligações aéreas com Portugal e constantes da lista em anexo ao presente despacho, do qual faz parte integrante, bem como a entrada em Portugal de residentes em países que figuram da lista, sempre que tenham efetuado unicamente trânsitos ou transferências internacionais em aeroportos situados em países que não constem da mesma.
3 - Autorizar o tráfego aéreo com destino e a partir de Portugal de todos os voos de e para países que não integram a União Europeia ou que não sejam países associados ao Espaço Schengen, exclusivamente para viagens essenciais, sem prejuízo do disposto nos números anteriores.
4 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se viagens essenciais, nos termos referidos na Recomendação (UE) 2020/1186 do Conselho, de 7 de agosto de 2020, designadamente as destinadas a permitir o trânsito ou a entrada ou saída de Portugal de:
a) Cidadãos nacionais da União Europeia, nacionais de Estados associados ao Espaço Schengen e membros das respetivas famílias, nos termos da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, e nacionais de países terceiros com residência legal num Estado-Membro da União Europeia;
b) Nacionais de países terceiros em viagem por motivos profissionais, de estudo, de reunião familiar, por razões de saúde ou por razões humanitárias.
5 - Autorizar os voos de apoio ao regresso dos cidadãos nacionais ou titulares de autorização de residência em Portugal, bem como de natureza humanitária, que tenham sido reconhecidos pelos serviços competentes da área governativa dos negócios estrangeiros e pelas autoridades competentes em matéria de aviação civil, e bem assim, os voos destinados a permitir o regresso aos respetivos países de cidadãos estrangeiros que se encontrem em Portugal, desde que tais voos sejam promovidos pelas autoridades competentes de tais países, sujeitos a pedido e acordo prévio, e no respeito pelo princípio da reciprocidade.
6 - Os passageiros dos voos referidos no n.º 3, à exceção dos passageiros em trânsito que não obrigue a abandonar as instalações aeroportuárias, têm de apresentar, antes do embarque, comprovativo de realização de teste laboratorial (RT-PCR) para rastreio da infeção por SARS-CoV-2, com resultado negativo, realizado nas 72 horas anteriores ao momento do embarque, sem o qual não poderão embarcar.
7 - Os cidadãos nacionais e cidadãos estrangeiros com residência legal em território nacional e seus familiares, bem como o pessoal diplomático colocado em Portugal, que sejam passageiros em voos nos termos dos n.os 3 ou 5 e que, excecionalmente, não sejam portadores de comprovativo de realização de teste laboratorial para despiste da infeção por SARS-CoV-2 com resultado negativo, nos termos do número anterior, são encaminhados pelas autoridades competentes, à chegada a território nacional, para a realização do referido teste a expensas próprias, em local próprio no interior do aeroporto em serviço disponibilizado pela ANA - Aeroportos de Portugal, S. A., através de profissionais de saúde habilitados para o efeito, podendo este serviço ser subcontratado.
8 - Os cidadãos que recusem a realização do teste à chegada a território nacional, nos termos do número anterior, são de imediato notificados pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras para a realização do mesmo no prazo de 48 horas, a expensas próprias, e de que podem incorrer nos crimes de desobediência e propagação de doença contagiosa, sendo desta notificação informadas as autoridades de saúde e a força de segurança territorialmente competente da área da sua residência.
9 - As companhias aéreas que permitam o embarque de cidadãos nacionais ou estrangeiros sem o teste referido no n.º 6 incorrem em incumprimento dos deveres estabelecidos na alínea i) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 28-B/2020, de 26 de junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 37-A/2020, de 15 de julho, e são objeto de processo de contraordenação conforme previsto no n.º 2 do artigo 3.º do mesmo diploma.
10 - É excecionada a aplicação das coimas previstas no número anterior, no embarque de cidadãos nacionais e de cidadãos estrangeiros com residência legal em território nacional sem o teste referido no n.º 6 nos voos com origem em países africanos de língua oficial portuguesa e nos voos de apoio ao regresso dos cidadãos nacionais ou titulares de autorização de residência em Portugal ou de natureza humanitária.
11 - Os passageiros referidos nos n.os 7 e 8 devem permanecer na residência ou em alojamento por si indicado até à notificação do resultado negativo, sob pena de incorrerem num crime de propagação de doença contagiosa.
12 - Aos cidadãos estrangeiros que embarquem sem o teste referido no n.º 6, ou cujo trânsito obrigue a abandonar as instalações aeroportuárias, deve ser recusada a entrada em território nacional, sendo a companhia objeto do processo de contraordenação previsto no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 37-A/2020, de 15 de julho.
13 - As medidas sanitárias aplicáveis aos países referidos nos n.os 1 e 2 são reavaliadas em função das decisões tomadas pelos respetivos países.
14 - As interdições que resultem do presente despacho não são aplicáveis a aeronaves de Estado e às Forças Armadas, a aeronaves que integram ou venham a integrar o Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais, a voos para transporte exclusivo de carga e correio, de emergência médica e a escalas técnicas para fins não comerciais.
15 - Os Ministros da Administração Interna e da Saúde podem adotar, através de despacho conjunto, medidas específicas de controlo sanitário que se mostrem necessárias em função da origem dos voos, atenta a Recomendação (UE) 2020/1186 do Conselho de 7 de agosto de 2020, e a avaliação da situação epidemiológica pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças.
16 - O presente despacho produz efeitos a partir das 00 horas do dia 15 de setembro de 2020 e até às 23h59 do dia 30 de setembro de 2020.
11 de setembro de 2020. - O Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Augusto Ernesto Santos Silva. - O Ministro da Defesa Nacional, João Titterington Gomes Cravinho. - O Ministro da Administração Interna, Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita. - A Ministra da Saúde, Marta Alexandra Fartura Braga Temido de Almeida Simões. - O Ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno de Oliveira Santos.
ANEXO
Listagem dos países a que se refere o n.º 2
1 – Austrália 2 – Canadá 3 – China 4 - Coreia do Sul 5 – Geórgia 6 – Japão 7 - Nova Zelândia 8 – Ruanda 9 – Tailândia 10 – Tunísia 11 – Uruguai.
Código Penal ou CP
Artigo 15.º
Negligência
Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz:
a) Representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas actuar sem se conformar com essa realização; ou
b) Não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto.
Artigo 31.º n.º 1 e n.º 2 – c)
Exclusão da ilicitude
1 - O facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade.
2 - Nomeadamente, não é ilícito o facto praticado:
(...)
c) No cumprimento de um dever imposto por lei ou por ordem legítima da autoridade;
(...).
Regime Geral das Contraordenações ou RGCO (DL 433/82 de 27 de Outubro)
Artigo 8.º
(Dolo e negligência)
1 - Só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.
2 - O erro sobre elementos do tipo, sobre a proibição, ou sobre um estado de coisas que, a existir, afastaria a ilicitude do facto ou a culpa do agente, exclui o dolo.
3 - Fica ressalvada a punibilidade da negligência nos termos gerais.
Artigo 32.º
(Do direito subsidiário)
Em tudo o que não for contrário à presente lei aplicar-se-ão subsidiariamente, no que respeita à fixação do regime substantivo das contra-ordenações, as normas do Código Penal.
 Artigo 74.º
Regime do recurso
1 - O recurso deve ser interposto no prazo de 10 dias a partir da sentença ou do despacho, ou da sua notificação ao arguido, caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste.
2 - Nos casos previstos no n.º 2 do artigo 73.º, o requerimento deve seguir junto ao recurso, antecedendo-o.
3 - Neste casos, a decisão sobre o requerimento constitui questão prévia, que será resolvida por despacho fundamentado do tribunal, equivalendo o seu indeferimento à retirada do recurso.
4 - O recurso seguirá a tramitação do recurso em processo penal, tendo em conta as especialidades que resultam deste diploma
Artigo 75.º
Âmbito e efeitos do recurso
1 - Se o contrário não resultar deste diploma, a 2.ª instância apenas conhecerá da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões.
2 - A decisão do recurso poderá:
a) Alterar a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido da decisão recorrida, salvo o disposto no artigo 72.º-A;
b) Anulá-la e devolver o processo ao tribunal recorrido.
DL 10/2004 de 9 de Janeiro (Regime das contraordenações aeronáuticas civis)
Artigo 7.º
Instruções do INAC
1 - Constitui contra-ordenação grave o incumprimento de instruções ou mandados legítimos do INAC, transmitidos por escrito ou verbalmente, desde que posteriormente confirmados por escrito aos seus destinatários.
2 - Se, verificado o incumprimento a que se refere o número anterior, o INAC notificar o destinatário para cumprir a instrução ou o mandado e aquele continuar a não cumprir, é aplicável a coima correspondente às contra-ordenações muito graves, desde que a notificação do INAC contenha a indicação expressa de que ao incumprimento se aplica esta sanção.
Nota: O Instituto Nacional de Aviação Civil I.P. (INAC) referido no DL 10/2004, passou a Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC), devendo as referências constantes da lei considerar-se feitas para esta última entidade
[cf. https://www.sgeconomia.gov.pt/paginas-de-sistema/noticias-mais-noticias/-instituto-nacional-de-aviacao-civil-ip-inac-ip-passa-a-autoridade-nacional-da-aviacao-civil-anac-.aspx].
Código de Processo penal ou CPP
Artigo 410.º
Fundamentos do recurso
1 - Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.
2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
3 - O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.
A. VÍcios decisórios: erro na apreciação da prova, princípio in dubio pro reo e insuficiência da matéria de facto para a decisão
34. Antes de mais, importa recordar que este Tribunal conhece apenas da matéria de direito, nos termos do artigo 75.º do RGCO aplicável por força do artigo 9.º do DL 28-B/2020. Porém, por força do disposto no artigo 74.º, n.º 4 do RGCO, o Tribunal da Relação pode conhecer dos vícios constantes do artigo 410.º n.ºs 2 e 3 e 379.º do CPP, desde que sejam invocados e resultem da análise da sentença recorrida, sem prejuízo das questões das quais o Tribunal deve conhecer oficiosamente.
35. Dito isto, o que está em causa nos presentes autos é a condenação da arguida pela prática, negligente, em concurso efectivo e homogéneo, de catorze contraordenações previstas e punidas nos artigos 2.º - i) e 3.º n.º 2 – a) e n.º 3, do DL 28-B/2020, conjugados com o disposto no  Despacho ministerial n.º 8777-C/2020.
36. Assim, por força da acessoriedade administrativa, o tipo contraordenacional aqui em causa, contém, entre os elementos do tipo objectivo de ilícito, a violação de deveres administrativos constantes de um despacho ministerial.
37. A redacção do DL 28-B/2020, em vigor em 16.9.2020, data da prática dos factos, pode ser consultada no seguinte link https://dre.pt/dre/legislacao-consolidada/decreto-lei/2020-136825977-136892276. O despacho ministerial 8777-C/2020 pode ser consultado em https://dre.pt/dre/detalhe/despacho/8777-c-2020-142735578.
38. Feito o enquadramento que antecede, importa então começar por apreciar se, tal como alega a arguida, a decisão recorrida enferma de erro na apreciação da prova, se faltam factos que permitam concluir pela imputação objectiva do resultado à acção e se, o Tribunal a quo violou o princípio in dubio pro reo. Este Tribunal analisará estas questões à luz dos vicios decisórios previstos no artigo 410.º n.º 2 – a) e c) do CPP, aplicável por força dos artigos 74.º n.º 4 do RGCO e 9.º do DL 28-B/2020, por se afigurar ser essa a qualificação jurídica adequada, como a seguir será explicado.
39. A este propósito a arguida defende que:
- Embora se tenha apurado que os passageiros não possuiam teste à COVID-19 à chegada a Portugal, não se provou que não tinham teste no momento do embarque – questão que este Tribunal apreciará à luz do vício decisório do erro na apreciação da prova, previsto no artigo 410.º n.º 2 – c) do CPP;
- A sentença recorrida não indagou se os passageiros tinham nacionalidade portuguesa ou residência legal em Portugal, informação que consta do sistema de reserva da arguida e não é controvertida, mas que o Tribunal a quo não levou em conta, embora a mesma seja necessária para verificar se tais passageiros estavam ao abrigo das isenções legais de efectuar teste à COVID-19 – questão que este Tribunal apreciará à luz do vício decisório da insuficiência, para a decisão, da matéria de facto provada, previsto no artigo 410.º n.º 2 – a) do CPP.
40. Relativamente ao primeiro vício acima mencionado, afigura-se que, se infere do facto de os passageiros terem chegado a Portugal sem teste, nas circunstâncias apuradas (cf. factos provados constantes dos parágrafos 13, 15 e 16), que não dispunham de teste no momento do embarque (facto provado constante do parágrafo 19). Pelo que, nessa parte improcede o vício decisório alegado, previsto no artigo 410.º n.º 2 – c) do CPP, pois através da fundamentação da matéria de facto da sentença recorrida, em particular, constante das páginas 7 e 8 dessa decisão, é possível perceber como é que, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica, se formou a convicção do tribunal. Na verdade, o Tribunal não recorreu a presunções naturais mas a um processo lógico, pelo qual inferiu a realidade dos factos aqui em causa. Por isso, não existe, nesta parte, qualquer dúvida, que devesse ser resolvida a favor da arquida, por força do príncipio in dubio pro reo, previsto no artigo 32.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
41. Quanto ao segundo vício apontado, tem razão a recorrente, pois na verdade existe insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, pelos motivos a seguir indicados. No entanto, sem prejuízo da especificidade da imputação objectiva e subjectiva das contraordenações à responsabilidade do ente colectivo, suscitada no recurso, que este Tribunal identificou como questão C, importa esclarecer que a questão agora em análise não se coloca ao nível da insuficiência da matéria de facto provada para a imputação objectiva do resultado à acção, uma vez que, tendo em conta o modo como o bem jurídico, a saúde, é posto em causa, afigura-se que as contraordenações em crise são infracções de perigo abstracto – ou seja o perigo não é elemento constitutivo do tipo objectivo de ilícito. E, tendo em conta o objecto da acção, afigura-se que são infracções de mera actividade. Ora, nas infracções de perigo abstracto que são de mera actividade, o problema da imputação objectiva do resultado à conduta não se coloca (cf. Jorde de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 3ª Edição, GESTLEGAL, páginas 400 a 402).
42. Dito isto, a Ucrânia, país de origem do voo em questão, à data dos factos (16.9.2020), não estava incluído na lista de países terceiros mencionados no anexo a que se refere o ponto 2 do Despacho ministerial  8777-C/2020, ou seja, não se encontrava incluido na lista de países terceiros cujos residentes não deveriam ser afectados pela restrição temporária das viagens não indispensáveis para a UE, aplicável nas fronteiras externas, prevista pela Recomendação (EU) 2020/1186 de 7 de Agosto de 2020 (relativa à restrição temporária das viagens não indispensáveis para a UE e ao eventual levantamento de tal restrição). Adicionalmente, a Ucrânia não pertence à União Europeia nem é um Estado associado do Espaço Schengen (cf. Acordo de Schengen; Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen de 14 de Junho de 1985; Decisões do Conselho 1999/437/CE e 2011/350/EU).
43. Pelo que, de acordo com o ponto 3 do Despacho ministerial 8777-C/2020, em regra, nessa data, só seriam permitidos voos  provenientes da Ucrânia exclusivamente para viagens essenciais.
44. Assim, afigura-se necessário, para apurar quais os pressupostos do tipo objectivo de ilicito que foram preenchidos, saber se as viagens eram essenciais. Consideram-se viagens essenciais, à luz do ponto 4 do Despacho ministerial 8777-C/2020 e da Recomendação (UE) 2020/1186, designadamente, as destinadas a permitir o trânsito ou a entrada ou saída de Portugal de cidadãos que se encontrem nas seguintes ciscunstâncias:  sejam nacionais da União Europeia, nacionais de Estados associados ao Espaço Schengen e membros das respetivas famílias, nos termos da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu; sejam nacionais de países terceiros com residência legal num Estado-Membro da União Europeia; sejam nacionais de países terceiros em viagem por motivos profissionais, de estudo, de reunião familiar, por razões de saúde ou por razões humanitárias.
45. Acresce que, entre as causas de exclusão da ilicitude invocadas pela arguida, a mesma defende, ao abrigo do artigo 31.º n.º 2 – c) do CP, ter, do seu ponto de vista, assumido que o NOTAM continha uma ordem/instrução que a isentava de verificar se os passageiros de nacionalidade portuguesa ou com residência legal em Portugal ou os  seus familiares, dispunham de teste à COVID-19 e, por isso alegou na impugnação judicial da decisão da ANAC que, os passageiros em questão eram todos nacionais, ou residentes em Portugal, ou seus familiares. A arguida alega que foram estes factos, que o Tribunal de primeira instância não indagou, que, aliados ao texto do NOTAM, a induziram  em erro, levando-a a ficar convicta de que esses passageiros estavam isentos de teste à COVID-19 e que, caso não os deixasse embarcar, incorreria em violação do disposto no artigo 7.º do DL 10/2004.
46. Adicionalmente, importa sublinhar que neste caso, sendo as infracções imputadas a título de negligência na decisão recorrida, o artigo 15.º do CP (aplicável por força dos artigos 32.º do RGCO e 9.º do DL 28-B/2020), impõe ao Tribunal o dever de apreciar a imputação negligente “segundo as circunstâncias” do caso.
47. Ora a este propósito é a seguinte a fundamentação constante da decisão recorrida:  “(...) no ponto 5 do articulado de recurso (assim como no ponto 3 das doutas conclusões de recurso) confessa que «os passageiros a quem foi permitido o embarque sem teste são nacionais portugueses      (que viajavam com passaporte português ou respectivo cartão de cidadão) ou residentes em Portugal ou seus familiares», ensaiando a alegação de facto que depois desenvolve, na medida em que propugna que os mesmos estavam isentos da obrigação de apresentação, no embarque, de teste negativo ao covid (realizados nas 72 horas anteriores).”
48. Tendo-se referido aos factos aqui em crise na fundamentação citada no parágrafo anterior, a sentença recorrida não os dá como provados, nem como não provados. Sucede, porém, que tais factos foram alegados pela arguida na impugnação judicial da decisão administrativa, nomeadamente, nos artigos 20, 36, 43 e 45 dessa peça processual junta com a referência citius 315219.
49. Daqui decorre que, para saber quais são os elementos do tipo objectivo de ilícito imputado à arguida que foram concretamente preenchidos, concluir pela imputação a título negligente e apreciar se existe ou não alguma causa de exclusão da ilicitude (ou da culpa), importa  apurar qual a nacionalidade dos passageiros indicados no parágrafo 15 e/ou se têm alguma relação familiar relevante à luz do quadro legal mencionado no parágrafo 44 e/ou se, sendo nacionais de países terceiros  têm residência legal num Estado Membro, indagando tais factos, segundo a prova que se venha a produzir sobre os mesmos, uma vez que, não só foram alegados pela defesa no local indicado no parágrafo 48, como são necessários para apurar se estão preenchidos todos os pressupostos ligados à ilicitude e à culpa nos quais assentou a decisão recorrida.
50. A falta de apuramento destes factos constitui um vício decisório previsto no artigo 410.º n.º 2 – a) do CPP, aplicável por força do disposto nos artigos 74.º n.º 4 do RGCO e 9.º do DL 28-B/ 2020, que torna a decisão recorrida nula por insuficiência da matéria de facto provada. Em consequência, nos termos do artigo 75 n.º 2-b) do RGCO, aplicável por força do artigo 9.º do DL 28-B72020, deve ser anulada a decisão recorrida e ordenada a devolução do processo ao Tribunal de primeira instância  para que repita parcialmente o julgamento a fim de apurar os factos indicados no parágrafo 49, dando-os como provados ou não provados, segundo a prova que venha a produzir e, subsequentemente, profira nova decisão.
B. Causas de justificação
C. Responsabilidade da arguida: imputação objectiva e subjectiva
D. Escolha da sanção: admoestação
51. Atenta a nulidade da decisão recorrida e a devolução do processo à primeira instância nos termos acima expostos, fica prejudicada a apreciação das restantes questões suscitadas pelo recurso – artigo 75.º n.º 2 – b) do RGCO, aplicável por força do artigo 9.º do DL 28-B72020.

Decisão
Acordam as juízes que compõem a presente secção em julgar procedente o recurso e em conformidade
I. Declarar nula a decisão recorrida e ordenar a devolução do processo ao Tribunal de primeira instância para os fins indicados nos parágrafos 49 e 50.
II. Sem custas – artigos 513.º do CPP, aplicável por força dos artigos 92.º n.º 1 do RGCO e 9.º do DL 28-B/2020.

Lisboa, 1 de Junho de 2022
Paula Pott   
Eleonora Viegas        
Ana Pessoa