Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10909/17.7T8LSB.L1-6
Relator: MANUEL RODRIGUES
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
CADUCIDADE
NRAU
MICROEMPRESA
INTERPRETAÇÃO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - Para efeitos do n.º 5 do artigo 51.º do NRAU, na redacção dada pela Lei n.º 79/2014, de 19 de Dezembro, o conceito de «microempresa» tem de ser interpretado no sentido de entidade que exerce actividade económica, isoladamente ou em grupo, independentemente da sua forma jurídica.
II - A jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia tem precisado que “o conceito de empresa designa uma unidade económica, mesmo que, do ponto de vista jurídico, essa unidade económica seja constituída por várias pessoas singulares ou colectivas” [v., neste sentido acórdãos: Schindler Holding Ltd./Comissão, de 18/07/2013 (proc. C-501/11P); Akzo Nobel NV/Comissão, de 10/09/2009; e Elf Aquitaine/Comissão].
III - O Dec.-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, que criou a «certificação por via electrónica de micro, pequena e média empresas» que designa por PME, no seu artigo 2.º estabeleceu que “a definição de PME, bem como os conceitos e critérios a utilizar para aferir o respectivo estatuto, constam do seu anexo, que dele faz parte integrante, e correspondem aos previstos na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão Europeia, de 6 de Maio.”
IV - Tendo em conta o conceito de empresa densificado pela jurisprudência comunitária e constante do Dec.-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, havendo relações de domínio entre sociedades, os dados [balanço, volume de negócios e número de trabalhadores] das sociedades dominantes e dominadas devem ser agregados e considerados globalmente para se aferir se uma entidade económica [arrendatária] tem o estatuto de «microempresa», nos termos e para os efeitos do artigo 51.º, n.ºs 4, alínea a) e 5 e 54.º, n.º 1, do NRAU.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - Relatório:
           
1.1. AA. e Outros intentaram a presente acção de processo comum de declaração contra BB, S.A, pedindo:
a) seja a Ré condenada a reconhecer que o contrato de arrendamento caduca no próximo dia 30 de Novembro de 2018 e a restituir o imóvel nessa data, devendo a restituição ser acompanhada da entrega dos bens móveis descritos no artigo 14.º da petição inicial e no anexo ao referido contrato;
b) seja a Ré condenada a permitir a colocação no locado de escritos e a mostrar a coisa locada a outrem, no período temporal que se iniciará no próximo dia 1 de Setembro de 2018, a pedido dos Autores, no período que decorre ente as 9:00 horas e as 20:00 horas;
c) a condenação da Ré, caso a entrega não ocorra no termo do contrato [30 de Novembro de 2018], a pagar aos Autores a importância mensal de € 115.000,00 (cento e quinze mil euros) por cada fracção de um mês correspondente a que o uso da coisa se mantenha.
Alegam, para tanto e em síntese, que pelo decurso do prazo de 5 anos estabelecido nos termos da alínea b) do n.º 4) do artigo 33º, aplicável por força do artigo 52º da Lei 6/2006 de 27 de Fevereiro, verificar-se-á a caducidade do contrato de arrendamento em vigor entre as partes no próximo dia 30 de Novembro de 2018.
Na eventualidade de a ora Ré não restituir a coisa locada no termo do prazo referido, têm os Autores direito a uma indemnização a título de privação de uso.
Juntaram vasto acervo documental.
1.2. Citada, contestou a Ré, nos termos constantes de fls. 955-995, invocando a “ineptidão do pedido” e a falta de interesse em agir, concluindo pela sua absolvição da instância ou do pedido, e deduziu pedido reconvencional de condenação dos Autores no pagamento da quantia de € 6.204.125,92, acrescida de juros de mora, a título de indemnização por danos (lucros cessantes) alegadamente sofridos pela conduta (omissiva) dos mesmos ao longo dos vários anos de vigência do contrato, em termos de cumprimento defeituoso do mesmo.
1.3. Os Autores replicaram, nos termos de fls. 1144-1177, pugnando pela improcedência das exceções invocadas e concluindo pela improcedência do pedido reconvencional.
1.4. Foi realizada audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador que julgou improcedentes as exceções dilatórias invocadas, despacho de não admissão da reconvenção, por incompatibilidade substantiva entre o pedido reconvencional e a acção, e despacho a identificar o objecto do litígio e de enunciação dos temas da prova – cfr. fls. 1362-1367 [ref.ª Citius 373073604, de 20/01/2018].
1.5. Procedeu-se a julgamento, que decorreu numa única sessão e com observância de todo o formalismo legal,
1.6. A audiência de julgamento decorreu numa única sessão, com registo da prova e respeito pelas demais formalidades legais, como resulta da respectiva acta, constante de fls. 1462-1464 [ref.ª Citius 375603291, de 17/04/2018].
1.7. Na sequência, em 23/05/2018 foi proferida sentença, [ref.ª Citius 375720687], cuja parte dispositiva é do seguinte teor:
«Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a presente ação e, consequentemente, condeno a Ré a:
- reconhecer que o contrato de arrendamento relativo ao imóvel sito na Rua… de Lisboa, atinge o seu termo em 30 de novembro de 2018;
- a partir dessa data, entregar aos Autores o locado, devoluto de pessoas e (apenas) com os bens descritos no Anexo ao contrato;
- a partir de 1 de setembro de 2018, a permitir a colocação no locado de escritos e a mostrar a coisa locada a outrem, em horário a acordar ou, na falta de acordo, nos dias úteis, das 17.30 às 19.30, e aos sábados e domingos, das 15.00 às 19.00;
- pagar a quantia de € 60.972,66 (€ 30.486,33 x 2) por cada mês ou fração em que se encontre na posse do locado, a partir de dezembro de 2018 até à entrega efetiva do mesmo.
Custas pela Ré».
1.8. Inconformada com a referida decisão, dela apelou a Ré, extraindo das alegações de recurso as seguintes Conclusões:
«A) Foi dado como provado que a recorrente juntou, na sua carta de 13/02/2015, Declaração de Rendimentos IRC Modelo 22 referente ao exercício de 2014;
B) Como se pode verificar a fls. 145, a Declaração de Rendimentos IRC Modelo 22 junto àquela carta respeita ao período de tributação de 2013/01/01 a 2013/12/31, ou seja, ao exercício de 2013;
C) Aliás, em 13/02/2015, não podia ser apresentada a Declaração de Rendimentos IRC Modelo 22 relativa ao exercício de 2014 pois esta só estaria disponível após assembleia geral a realizar até ao final de maio de 2015;
D) Tem, por isso, de ser alterado o facto provado no ponto 12 por forma a dele constar que a Declaração de Rendimentos IRC Modelo 22 junta com a carta de 13/02/2015 respeita ao exercício de 2013;
E) A Meritíssima Juiz “a quo” fundamentou a resposta dada ao ponto 19 na “Prestação de Contas Individual, Declaração de Substituição, refente ao ano de 2014”;
F) Esta Prestação de Contas Individual, Declaração de Substituição, só ficou disponível em 27/09/2016, como resulta de fls. 221 a 250, pelo que, não podia ser utilizada em 13/02/2015;
G) A matéria de facto terá sempre de se reportar à carta de 13/02/2015, pelo que, não pode ter como fundamento um documento que, nessa data, não existia, nem podia existir, até porque, conforme resulta, inclusive, do Doc. 1 junto com estas alegações, a Declaração Modelo 22 IRC referente ao exercício de 2014 apenas foi entregue em 29/05/2015;
H) Tem, por isso, de ser dada nova redação ao ponto 19 da matéria assente por forma a constar que “A Ré, conforme atestado em 27/09/2016, tinha, em 2014, 31 trabalhadores e um balanço no valor total de € 2.041.676,34.”;
I) Diz-se na sentença ora sob recurso que “Invocou a Ré em fevereiro de 2015, por referência ao exercício de 2014, ter um balanço e um volume líquido de negócios inferiores a 2 milhões de euros, sendo certo que o seu número de trabalhadores sempre se mostrou bastante superior ao limite legal em referência.”;
J) De acordo com os factos provados o balanço e o volume de negócios referidos reportavam-se ao exercício de 2013 e não ao de 2014;
K) Reitera-se, aliás, que, na data da carta da Ré, 13/02/2015, não podia ser apresentado o balanço e o volume de negócios relativo ao exercício de 2014;
L) E os próprios recorridos nunca puseram em causa a qualificação da recorrente como “microempresa” com base no balanço e volume de negócios apresentados;
M) A integração da recorrente no Grupo VIP Hotel não lhe retira autonomia nem independência jurídica e comercial e não impede a sua qualificação como “microempresa”;
N) Com efeito, nos termos do nº 5 do art. 51º da Lei nº 6/2006, de 27/02, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 79/2014, de 19/12, a classificação de “microempresa” ali prevista está apenas dependente dos requisitos ali previstos;
O) Sendo, outrossim, verdade que os requisitos de classificação de “microempresa”, ao abrigo do Decreto-Lei nº 372/2007,de 06/11, são-no, também, apenas para efeitos desta lei e não são coincidentes com os previstos no nº 5 do art. 51º da Lei nº 6/2006, de 27/02, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 79/2014, de 19/12;
P) Note-se, designadamente, que, pode existir uma empresa ou estabelecimento com mais de 10 trabalhadores e, ainda assim, classificada como “microempresa” da lei do arrendamento o que nunca poderá ocorrer no âmbito da aplicação do Decreto-Lei nº 372/2007,de 06/11 (a propósito Parecer do Senhor Professor Januário da Costa Gomes junto aos autos);
Q) A Meritíssima Juiz “a quo” fundamentou a sua decisão na Prestação de Contas Individual referente ao ano de 2014, documento que não podia invocar por não estar disponível em 13/02/2015 e, ao fazê-lo, pronunciou-se sobre facto não alegado e que não podia ser considerado sem, previamente, ser exercido o contraditório;
R) Logo, a sentença é nula nos termos da al. d) do nº 1 do art. 615º do C.P.C. por conhecer de questão de que não podia conhecer;
S) Mesmo que assim não se entenda, a sentença terá de ser revogada porque ficou provado que, à data de 13/02/2015, a recorrente reunia os requisitos dos nºs 4 e 5 do art.º 51º da Lei nº 6/2006, de 27/02, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 79/2014, de 19/12;
T) Efetivamente, ficou demonstrado que a recorrente, nos três anos anteriores à entrada em vigor da Lei 31/2014, de 14/08, efetuou investimento no locado;
U) Ficou, igualmente, provado que, à data de 13/02/2015, a recorrente não podia deixar de ser qualificada como “microempresa”, porquanto, tinha um balanço e um volume de negócios inferiores a € 2.000.000,00.
TERMOS EM QUE deve o presente recurso ser provido e, consequentemente:
- ser alterada a redação dos pontos 12 e 19 da matéria de facto assente;
- ser declarada nula a sentença nos termos al. d) do nº 1 do art. 615º do C.P.C.; e/ou
- declarar-se que, em 13/02/2015, a recorrente era “microempresa” e que realizou investimentos no locado nos três anteriores à entrada em vigor da Lei 31/2012, de 14/08; e,
- declarar-se que, nos termos do n.º 3 do art.º 6º da Lei nº 79/2014, 19/12, o arrendamento, em 01/12/2018, se renova por 3 anos;
com as legais consequências dai decorrentes, com o que se fará JUSTIÇA!»
1.9. Os Autores apresentaram prolixas contra-alegações [cf. fls. 1509 a 1534], sustentando, em síntese:
- que a decisão sobre a matéria de facto impugnada não merece qualquer censura, pelos seguintes motivos: (i) a prova dos factos constantes dos pontos 12 e 19 fundamentou-se exclusivamente em documentos, particulares e autênticos, elaborados pela Recorrente e juntos aos autos pelas partes, sendo que em nenhum caso foram impugnados por nenhuma das partes, pelo que fazem prova plena nos termos do art.º 376.º do Cód. Civil; (ii) o documento agora junto pela Recorrente, correspondente ao modelo 22 do IRC de 2014 é inábil para demonstrar a verificação dos requisitos de uma microempresa, uma vez que do mesmo apenas consta o volume de negócios; (iii) sendo inadmissível o uso da prova testemunhal, a qual, alias, confirma o teor de tais documentos;
- que a sentença recorrida não padece da nulidade invocada, pois o Tribunal a quo podia conhecer, como conheceu, do documento junto como Doc. 17 da PI, por respeitar a matéria alegada pelos Autores, ora Recorridos, que o Tribunal podia e devia conhecer.
- que não é admissível a junção do documento [modelo 22 do IRC de 2014] apresentado pela Recorrente com as alegações de recurso e elaborado em Maio de 2016, antes da apresentação da PI;
- que os dados económicos correspondentes ao exercício de 2014 da Recorrente, individualmente considerados, não a permitem sequer qualificar como microempresa.
Termos em que pugnam pelo desentranhamento do documento junto pela Recorrente com as alegações e improcedência da apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
1.10. Foram colhidos os vistos legais.

II – Delimitação do objecto do recurso
De acordo com o disposto nos artigos 635º, nº 4 e 639º, n.º 1, do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal “ad quem” possa ou deva conhecer oficiosamente, estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, contanto que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, n.º 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas[1].
Dentro destes parâmetros e decidida que se mostra, por despacho de 12/04/2018 (ref.ª Ctius 12914141, a fls. 273), a questão prévia de saber se foi incumprido pela Recorrente o ónus estabelecido na alínea c) do n.º 1 do art.º 640º do CPC[[2]], as questões submetidas à nossa apreciação e decisão são as seguintes:
1.ª Questão prévia: Da inadmissibilidade da junção de documento às alegações da Recorrente.
2.ª Da suposta nulidade da sentença, por excesso de pronúncia;
3.ª- Saber se houve erro na apreciação dos meios de prova que imponha a alteração da decisão da matéria de facto, na parte impugnada pela Recorrente;
4.ª- Saber se a sentença recorrida ostenta erro de julgamento que imponha a sua revogação e consequente substituição por outra que declare que, em 13/02/2015, a recorrente era “microempresa” e que realizou investimentos no locado nos três anteriores à entrada em vigor da Lei 31/2012, de 14/08 e que, nos termos do n.º 3 do art.º 6º da Lei nº 79/2014, 19/12, o arrendamento, em 01/12/2018, se renova por 3 anos, com as legais consequências daí decorrentes.
III – Fundamentação:
3.1. Motivação de facto
A 1.ª instância considerou provados e não provados os seguintes factos:
A) Factos Provados:
«1. Os ora Autores são proprietários no prédio sito na Rua … freguesia de Santo António, concelho de Lisboa.
2. O referido prédio foi dado em arrendamento à Ré, por escritura pública celebrada no dia 12 de Março de 1969.
3. Nos termos do referido contrato, o prazo de arrendamento foi de um ano, com início em 1 de Fevereiro de 1969, renovando-se findo tal prazo inicial por sucessivos períodos de um ano, “nos termos da lei”.
4. Nos termos da cláusula sexta do referido contrato:
“Um – Do anexo a esta escritura (…) consta a relação de todas as coisas que, não constituído parte integrante do imóvel, são seus acessórios ou pertenças e passam a ser utilizados pela inquilina.
Dois – A inquilina obriga-se a manter em bom estado de funcionamento todas as coisas a que se refere no número anterior, nomeadamente as instalações de água, gás, electricidade, canalizações, elevadores, sistemas de condicionamento de ar, rede privativa de telefones e condutas automáticas, salvo se o mau funcionamento resultar de defeito das mesmas coisas ou da sua instalação, pois neste caso incumbirá a respectiva reparação ou substituição aos senhorios.”
5. Nos termos do referido anexo:
“Relação de material e equipamento posta pelo senhorio ao dispor da inquilina à data da celebração da escritura de arrendamento. Prédio situado em Lisboa, na Rua (…).
Primeiro – ao nível dos depósitos de água, na cobertura do edifício:
a) Uma torre de refrigeração da marca Baltimore Aircoil Company, Limited.
b) Motor elétrico de quinze cavalos e mil quatrocentos e cinquenta rpm (rotações por minuto), com o numero quarenta e seis mil setecentos e setenta e quatro.
c) Um permutador.
d) Duas bombas de circulação, da marca Allweiller AG, com os números quatro milhões seiscentos e quarenta e oito mil, quatrocentos e dezasseis e quatro milhões seiscentos e quarenta e oito mil quatrocentos e quinze, e respectivos motores elétricos números trinta e dois mil cento e vinte e quatro e quarenta e seis mil e trinta.
e) Central de ar primário, da marca Clipper (AIR HANDLING UNITS LIMITED) número duzentos e trinta e quatro e respectivo motor de acionamento da marca Crompton Parkinson, número sessenta e cinco D quatro e respectivas condutas de ligação.
f) Aparelho de tratamento contra incrustações, da marca Aquastra. Segundo - Na sala das caldeira e depósitos de combustível:
a) Duas caldeiras de quatrocentos e cinquenta mil calorias cada, de origem Belga, da marca Cerac, em chapa de aço.
b) Dois queimadores, da marca Thermex, para funcionamento das caldeiras.
c) Dois depósitos de áqua quente, de fabrico nacional.
d) Um aparelho Aquastat, intercalando no circuito de aquecimento de água.
e) Um aparelho Aquastat, intercalando no circuito de condicionamento de ar (refrigeração)
f) Um permutador.
g) Cinco motores eléctricos da marca Rabor, para acionamento e cinco bombas de circulação, intercalados nos circuitos de águas quentes e fritas.
h) Um quadro eléctrico, para funcionamento da sala das caldeiras.
i) Dois depósitos de combustível de cerca de quatro mil litros e capacidade cada, e respectivos acessórios.
Terceiro – Posto de transformação:
a) Um transformador de duzentos e cinquenta quilovátios,
b) Sistemas de contactos e respectivos acessórios.
Quarto – sala do quadro geral:
a) Um quarto geral, com quatro blocos destinados uns a iluminação e outros a aquecimento e força matriz.
Quinto – sala de condicionadores de ar, para as zonas públicas:
a) Dois motores eléctricos para acionamento de duas bombas de circulação, do circuito de refrigeração, e respectivos acessórios.
Sexto - Um motor elétricos, com bomba de elevação, na casa destinada a drogas:
Sétimo – Ao nível do rés-do-chão e junto à fachada anterior, um grupo de extracção de ar das casas de banho do público e do pessoal, composto por um motor eléctrico e um extractor.
Oitavo – No estacionamento, em cada apropriada, encontram-se três extractores, do tipo compacto, para estracção respectivamente da sala do restaurante, banquetes e zonas de serviço.
Nono – Sistema electrónico instalado nas diversas copas de andar para automatização do sistema de ar condicionado dos quatros.
Todos estes equipamentos, encontram-se instalados nos diversos circuitos de canalizações, condutas de condicionamento de ar, rede eléctrica geral e esgotos.”
6. Nos termos da clausula nona do referido contrato, “Em qualquer caso, a inquilina não terá direito de retenção ou indemnização por quaisquer obras ou benfeitorias que, em alguma ocasião venha a fazer, as quais, uma vez efectuadas, ficarão parte integrante do imóvel e a pertencer aos senhorios.”
7. Em 14/11/2012, os Autores enviaram uma carta à Ré iniciando o processo de atualização da renda.
8. Em resposta a uma carta dos Autores de 6 de agosto de 2013, a Ré, através do seu mandatário, por carta datada de 03/09/2013, comunicou opor-se ao valor de renda proposto e contrapropôs o valor de € 20.000,00 de renda mensal e a duração do contrato por 10 anos.
9. Por carta datada de 09/09/2013, a Autora, através do seu mandatário, declarou não aceitar o valor proposto de € 20.000,00 para atualização da renda, informando que “de acordo com o disposto nos art.ºs. 35. n.º 5 al. b), por remissão do artigo 52.º, conjugado com o art.º 35 n.º 2 al. a) e b) todos constantes na Lei 6/2006 de 27 de Fevereiro na redação dada pela Lei 31/2012, de 14 de Agosto, a renda mensal referente ao imóvel sito na Rua Castilho, n.º 74, é atualizada para o valor de 30.486,33€ (trinta mil, quatrocentos e oitenta e seis euros e trinta e três cêntimos), mensais o valor referido será devido, e portanto produzirá os seus efeitos no 1.º dia do segundo mês seguinte, ao da receção da presente comunicação”.
10. A Ré respondeu, por carta datada de 20/09/2013, dando nota de que pretendia proceder ao pagamento das rendas devidas no próximo mês de novembro, pelo montante de € 30.486,33.
11. Em 13 de Fevereiro de 2015, os Autores receberam da Ré uma carta, nos termos da qual veio esta invocar: “a circunstância prevista na al. a) do n.º 4 e n.º 5 do art.º 51, ou seja, que existe no locado um estabelecimento comercial aberto ao público e que é uma microempresa – cfr. Declaração de Rendimentos IRC Modelo 22 (Doc. 1) e Balanço Individual (Doc. 2) que ora se juntam, documentos que comprovam que o total do balanço e o volume de negócios líquido da sociedade são inferiores a € 2.000.000,00.
Mais vem comprovar que realizou investimentos no locado, para ele especificamente vocacionados, efectuados nos três anos anteriores à data da entrada em vigor da Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, designadamente, instalação de elevadores novos – cfr. documentos que se juntam (Doc. 3) – e que, por isso, o contrato de arrendamento agora em vigor renovar-se-á por um período de três anos.”
12. A Declaração de Rendimentos IRC “Modelo 22” junta era referente ao exercício de 2014, atestando um volume de negócios de € 1.033.251,75 e o Balanço junto era referente ao exercício de 2013, no valor total de € 1.959.823,99.
13. À referida comunicação opuseram-se os Autores, por carta datada de 23/03/2015, referindo que havendo relações de domínio com outras sociedades, a ora Ré não podia invocar tal qualidade.
14. Por carta datada de 2 de Março de 2017, os Autores declararam a caducidade do contrato, pelo decurso do prazo, com efeitos a partir do dia 30 de Novembro de 2018 e que se opunham “a qualquer renovação do mesmo, por qualquer período nos termos do disposto nos art.ºs 1096º e 1097º, todos do Código Civil”.
15. O capital social da ora Ré pertence na totalidade à firma “Sociedade …, Lda.” que faz parte de um grupo económico cuja principal atividade é a hotelaria, denominado “Grupo …”, composto por várias unidades hoteleiras.
16. O bem locado destina-se ao uso hoteleiro e nele encontra-se instalado um hotel denominado “Hotel ….”.
17. O valor do imóvel no seu todo, no estado atual, não será inferior a € 16.500.000,00.
*
18. A Ré, nos anos de 2010 e 2011, procedeu à instalação de elevadores novos no locado.
19. A Ré, tinha, em 2014, 31 trabalhadores e um balanço no valor total de € 2.041.676,34.
B) Factos não provados:
Não se provou que:
a) o valor do imóvel no seu todo, no estado atual, nunca será inferior a € 23.000.000,00;
b) a taxa de rentabilidade oferecida na cidade de Lisboa para imóveis deste uso nunca é inferior a 6% ao ano, o que corresponderá ao valor anual de € 1.380.000,00;
c) a Ré tinha, em 2014, um balanço num valor total inferior a € 2.000.000,00».
3.2. Motivação de Direito
3.2.1. Questão prévia:
Como questão prévia há que decidir se é admissível a junção aos autos do documento que a Recorrente apresentou juntamente com as suas alegações de recurso.
Com efeito, com as alegações recursórias a sociedade Recorrente juntou cópia da Declaração de Rendimentos [modelo 22 do IRC] respeitante ao exercício de 2014, a qual foi recepcionada pela Autoridade Tributária em 29/05/2015, conforme resulta de fls. 1502 verso a 1506 verso.
Decorre do disposto nos artigos 410.º e 423.º a 425.º do CPC que a instrução dos processos se faz na 1ª instância e aí devem ser produzidos os meios de prova, designadamente a documental.
Como ensina o Conselheiro Rodrigues Bastos[[3]], com as alegações só é permitido juntar: a) os documentos supervenientes; b) documentos destinados a provar factos supervenientes; c) os documentos que só se tornou necessário exibir em consequência do julgamento da 1ª instância.
Nos termos do n.º 1 do artigo 651.º do CPC, “as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”.
Este último segmento da estatuição pretende apenas abranger os casos em que pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida [cfr., sobre a interpretação do anterior artigo 524.º, ANTUNES VARELA, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 115.º, págs. 91 a 96].
No artigo 425.º do CPC estão contempladas, quer as hipóteses de superveniência objectiva [fundada na data do facto a provar ou do documento comprovante], quer as hipóteses de superveniência subjectiva [baseada no desconhecimento da existência do documento, na indisponibilidade dele por parte do interessado ou na necessidade de alegação e prova do facto].
Ora, nenhuma destas hipóteses se verifica no caso concreto.
Em primeiro lugar, não se pode dizer que a Recorrente, não podia razoavelmente contar com o objecto da sentença recorrida e respectiva fundamentação porquanto era expectável, que o Tribunal a quo se pronunciasse sobre a verificação da circunstância prevista na alínea a) d n.º 4 do artigo 51.º do NRAU, na redacção dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto [“Que existe no locado um estabelecimento comercial aberto ao público e que é uma microempresa”], a qual foi, aliás, invocada pela própria Recorrente.
E, como decorre dos artigos 51.º, n.º 4 e 54.º, n.º 1, do NRAU, na redacção dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto [versão em vigor e a que respeitam as posteriores referencias ao NRAU, sem outra menção], e da regra geral do art.º 342.º do Cód. Civil, era sobre a Recorrente que incumbia o ónus da prova relativo ao número médio de pessoas empregues durante o exercício «critério de efectivos» e dos limites máximos de volume de negócios ou dos limites máximos do balanço no exercício contabilístico encerrado imediatamente anterior «critério de volume de negócios ou de balanço total» ao da comunicação do senhorio a que alude o art.º 50.º do NRAU.
Tal invocação e prova tinha de ser feita no prazo de 30 dias a contar da recepção da comunicação do senhorio para actualização da renda [art.º 51.º, n.º 1, do RAU], que, no caso, processo que no caso se iniciou em Agosto de 2013 [ponto 8 dos factos provados].
E, em caso de desacordo e litígio entre as partes contratantes, sob pena de violação dos princípios do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes, a actividade do Tribunal tem de incidir sobre as circunstâncias alegadas pelo senhorio como fundamento da caducidade do contrato de arrendamento e as circunstâncias que, em resposta, forem invocadas pelo arrendatário como obstativas da caducidade.
Em segundo lugar, não ocorre uma situação de superveniência objectiva, uma vez que o facto a comprovar [efectivo de pessoas empregues e limites máximos de volume de negócio e do balanço total], refere-se ao exercício contabilístico da Recorrente no ano de 2014 e o documento alegadamente comprovante foi elaborado e submetido à Autoridade Tributária em 29 de Maio de 2015, sendo que a presente acção foi proposta em 9 de Maio de 2017, isto é, cerca de dois anos depois da emissão do documento comprovante apresentado apenas com as alegações de recurso.

Em terceiro lugar, não se verifica uma situação de superveniência subjectiva, pois não vem alegado o desconhecimento da existência do documento ou a sua indisponibilidade por parte do interessado e tão pouco se reconhece que “a necessidade de alegação e prova do facto”, isto é, surgiu apenas com a notificação de sentença em crise. Com efeito, como se disse, o momento processual idóneo a tal alegação e prova documental era o da fase não contenciosa e, na pendência da acção, o da fase da instrução [artigos 410.º e 425.º do CPC].
Em quarto lugar e como derradeiro argumento, dir-se-á que já constando dos autos uma cópia do modelo 22 de IRC de 2014 da sociedade Recorrente, constituindo o Doc. 10 junto pelos Recorridos com a PI [cf. ref.ª Citius 14978610, de 11/05/2017], a apresentação de novo documento do mesmo teor consubstancia prática no processo de acto inútil e proibido por lei (art.º 130.º do CPC).
Em face do exposto, tem de concluir-se pela inadmissibilidade legal da junção do documento [modelo 22 de IRC de 2014] apresentado pela Recorrente com a sua alegação de recurso.

3.2.2. Primeira Questão: Da suposta nulidade da sentença, por excesso de pronúncia
Nas conclusões recursórias, a Recorrente invoca a nulidade da sentença, por excesso de pronúncia (art.º 615.º, n.º 1, alínea d), 2.ª parte, do CPC), ou seja, por a Exma. Senhora Juíza a quo ter, alegadamente, conhecido de questão de que não podia conhecer.
Isto porque “fundamentou a sua decisão na Prestação de Contas Individual referente ao ano de 2014, documento que não podia invocar por não estar disponível em 13/02/2015 e, ao fazê-lo, pronunciou-se sobre facto não alegado e que não podia ser considerado sem, previamente, ser exercido o contraditório” [conclusão Q)].
Vejamos então,
O artigo 615º do CPC, sob a epígrafe «Causas de nulidade da sentença», dispõe:
“1. É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.”
As nulidades previstas nas alíneas b) e c) reconduzem-se a vícios formais que respeitam à estrutura da sentença e as previstas nas alíneas d) e e) referem-se aos seus limites.
Ao juiz cabe especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão que profere, nos termos do disposto no art.º 607 n.ºs 3 e 4, do CPC, para que a decisão que profere seja perceptível para os seus destinatários, cabendo-lhe nessa tarefa analisar criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos param a sua convenção.
→Atribui a Recorrente à sentença impugnada o vício da nulidade, por excesso de pronúncia.
A sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devia devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (artigos 615º, n.º 1, alínea d), do CPC).
O juiz deve, com efeito, resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (artigo 608º, nº 2, do CPC).
Importa, porém, ter em linha de conta que uma coisa são os argumentos ou as razões de facto e ou de direito e outra, essencialmente diversa, as questões de facto ou de direito.
As questões a que se reporta a alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil são os pontos de facto e ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções.
A Recorrentes afirma que a Exma. Senhora Juíza não podia fundamentar a sua decisão na Prestação de Contas Individual referente ao ano de 2014, por não estar disponível em 13/02/2015 [data em que se iniciou o prazo de resposta e de invocação da qualidade de microempresa, nos termos do artigo 51.º, n.ºs 1, 3 e 4 do NRAU] e que ao fazê-lo pronunciou-se sobre facto não alegado, o que não podia fazer sem que sobre ele fosse exercido o contraditório.
Ora tal afirmação não é totalmente correcta, na medida em que o documento em causa foi junto como Doc. n.º 17 da PI e notificado à Recorrente em 11/05/2017 [ref.,ª Citius 25686828].
Por outro lado, se atentarmos ao alegado no art.º 90.º da PI verifica-se que aí se remete para o quadro constante do Doc. n.º 21 da mesma PI o qual, por sua vez, remete para os Docs. n.ºs 16 a 20, também da mesma peça processual.
Além de ter sido notificado à Recorrente, que teve a oportunidade de sobre ele se pronunciar, o documento em questão foi elaborado pela própria Recorrente, daí que nem sequer se tenha pronunciado sobre o respectivo teor.
Donde, entender-se que a sentença em crise não padece de nulidade, por excesso de pronúncia, por ter conhecido de questões que não podia conhecer, com violação do princípio do contraditório.
Diga-se, por fim, que, como sucede frequentemente, a Recorrente invoca, sem fundamento atendível, a nulidade da sentença, quando os aspectos de ordem substancial que lhe aponta, a que se reconduz o seu inconformismo quanto ao teor da referida decisão [na lógica argumentativa que se extrai do conjunto das conclusões recursórias] poderão configurar antes erro de julgamento (da matéria de facto e/ou na interpretação e aplicação do direito).
Sobre o eventual erro de julgamento nos debruçaremos em seguida.
Indefere-se, por conseguinte, a invocada nulidade da sentença.

3.2.3. Segunda Questão: Do suposto erro na apreciação dos meios de prova que imponha a alteração da decisão da matéria de facto, na parte impugnada pela Recorrente.
A Recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto, indicando como incorrectamente julgados os factos descritos como provados sob os pontos 12. e 19, cujo teor é o seguinte:
12. A Declaração de Rendimentos IRC “Modelo 22” junta era referente ao exercício de 2014, atestando um volume de negócios de € 1.033.251,75 e o Balanço junto era referente ao exercício de 2013, no valor total de 1.959.823,99.
19. A Ré, tinha em 2014, 31 trabalhadores e um balanço no valor total de € 2.041.676,34”.
Pretende a Recorrente que:
(i) se altere o facto provado no ponto 12 por forma a dele constar que a Declaração de Rendimentos IRC Modelo 22 junta com a carta de 13/02/2015 respeita ao exercício de 2013.
(ii) se dê nova redacção ao ponto 19 da matéria assente por forma a constar que “A Ré, conforme atestado em 27/9/2016, tinha, em 2014, 31 trabalhadores e um balanço no valor total de € 2.041.676,34.”
Vejamos, então, se o Tribunal “a quo” incorreu ou não em erro na apreciação da prova, no segmento da matéria de facto impugnado pela Recorrente.
Nos termos exarados no artigo 607º do CPC vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção, face ao qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção firmada acerca de cada facto controvertido.
Além deste princípio, que só cede perante situações de prova legal - prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares e por presunções legais -, vigoram ainda os princípios da imediação, da oralidade e da concentração, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto, ampliados pela reforma processual operada pelo Dec.-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, e mantidos pela reforma processual operada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados
Perante o disposto no artigo 712º do CPC, a divergência quanto ao decidido pelo Tribunal a quo, na fixação da matéria de facto só assumirá relevância no Tribunal da Relação se for demonstrada, pelos meios de prova indicados pelo recorrente, a verificação de um erro de apreciação do seu valor probatório, sendo necessário, qua tais elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo apelante (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26-06-2003, acessível em www.dgsi.pt).
Não se trata de possibilitar um novo e integral julgamento, mas a atribuição de uma competência residual ao Tribunal da Relação para poder proceder a uma reapreciação da matéria de facto.
A utilização da gravação dos depoimentos em audiência não modela o princípio da prova livre ínsito no direito adjectivo, nem dispensa operações de carácter racional ou psicológico que gerem a convicção do julgador, nem substituem esta convicção por uma fita gravada.
O que há que apurar é da razoabilidade da convicção probatória do primeiro grau de jurisdição face aos elementos agora apresentados, ou seja, a modificação da matéria de facto só se justifica quando haja um erro evidente na sua apreciação.
Porém, uma coisa é a compreensão da fundamentação e outra diferente a concordância ou não com a mesma, já que, há que fazer a destrinça entre a convicção objectiva do julgador e, outra muito diferente, a vontade subjectiva da parte que pretende alcançar a sua própria verdade, sem uso de um espírito crítico.
A este propósito refere-se lapidarmente no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 25.Nov.2005 (proc. 1046/02), disponível in www.dgsi.pt., que “a possibilidade de alteração da matéria de facto deverá ser usada com muita moderação e equilíbrio, ainda que toda a prova esteja gravada em áudio ou vídeo, devendo tao só o erro grosseiro ou clamoroso na apreciação da prova ser sindicado pela Relação com base na gravação dos depoimentos”.
Por erro notório deve entender-se “aquele que é de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores; em que o homem médio facilmente dá conta de que um facto, pela sua natureza ou pelas circunstâncias em que pode ocorrer, em determinado caso, não pode ser dado como provado ou não é dado como provado e devia sê-lo – por erro na apreciação da prova” ([4]).
Ou, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22.Jul.1997 (proc. 97P612), disponível in www.dgsi.pt., “o erro notório na apreciação da prova é um vício de raciocínio na apreciação das provas evidenciado pela simples leitura da decisão. Erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de qualquer exercício mental. As provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica ou excluindo dela algum facto essencial”.
Sem embargo, como afirma Abrantes Geraldes [[5]], “se a Relação, procedendo à reapreciação dos meios de prova postos à disposição do tribunal a quo, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, a convicção acerca da existência de erro deve proceder à correspondente modificação da decisão”.
Revertendo ao caso concreto e antecipando a nossa decisão, diremos que, no essencial, a Recorrente tem razão para discordar do resultado da avaliação que a Senhora Juíza “a quo” fez da prova, relativamente aos pontos da matéria de facto impugnados.
É o que nos propomos demonstrar de seguida.
- Quanto ao facto considerado provado sob 12:A Declaração de Rendimentos IRC “Modelo 22” junta era referente ao exercício de 2014, atestando um volume de negócios de € 1.033.251,75 e o Balanço junto era referente ao exercício de 2013, no valor total de 1.959.823,99.”
Ao expressar a sua motivação acerca da decisão sobre a matéria de facto, no que que aos factos considerados provados releva, referiu a Senhora Juíza a quo:
“A decisão do Tribunal quanto aos factos provados teve por base a análise conjugada e crítica da prova produzida, nomeadamente:
- os documentos juntos aos autos a fls. 97-104 (certidão do registo predial e caderneta predial relativas ao imóvel locado), a fls. 105-118 (cópia do contrato de arrendamento), a fls. 119-122 (“Relação de material e equipamento”), a fls. 124-126, 130-133, 135-136, 137-138, 139-140 e 143-150 (cópia das cartas trocadas entre as partes através dos seus ilustres mandatários), a fls. 151-164, 166-175 (cópias de faturas e cheques à “Celpinta” e à “Otis”, por referência a trabalhos de construção civil e serralharia e a colocação de (novas) caixas de 2 elevadores), a fls. 196-201 (certidão do registo comercial da Ré), a fls. 221-250 (“Prestação de Contas Individual” referente a 2014), a fls. 1178 (carta dirigida ao “Diretor Geral do Turismo”, subscrita por CC …, na qualidade de Presidente do Conselho de Administração, dando conta da pertença da Ré, na totalidade, à firma “Sociedade Hoteleira …., Lda.) e a fls. 1411-1434 (“Relatório de avaliação”);
- o depoimento das testemunhas ouvidas, a saber:
- Ângela …, técnica de contabilidade, deu conta de ter sido quem organizou os documentos juntos pelos Autores, dando conta do número de trabalhadores e do volume de negócios da Ré que, de acordo com o relatório de contas, esta tinha em 2014, 2015 e 2016;
[…]
- António .., “controlador financeiro” da “(…) Gestão Hoteleira, S.A.”, deu conta de ter participado na recolha e entrega da documentação, afirmando que a Ré só detém este estabelecimento (“Hotel…”) que tem mais de 10 trabalhadores mas, em 2013, tinha uma faturação inferior a 2 milhões de euros, esclarecendo que o Modelo 22 entregue não foi referente a 2014 porque na data em causa (janeiro 2015) não estava organizado, confirmando, no entanto, que o balanço desse ano deu um resultado acima de 2 milhões.” (Fim de citação)
Ora, relativamente ao facto dado como provado no ponto 12. ocorre, de facto, notório erro de julgamento, devido a manifesto lapso de escrita ou na valoração dos meios probatórios disponíveis por parte da Exma. Senhora Juíza a quo.
Efectivamente, reapreciada a prova documental e testemunhal em causa, designadamente da Declaração de Rendimentos IRC Modelo 22 constante a fls. 145, que foi junta pela Recorrente com a carta de 13/02/2015, logo se alcança que este documento respeita ao período de tributação de 01/01/2013 a 31/12/2013, ou seja, ao exercício contabilístico de 2013.
Aliás, em 13/02/2015, a Declaração de IRC Modelo 22 relativa ao exercício de 2014 nem sequer estaria disponível para ser apresentada pois, como se deduz das regras de experiência relacionadas com os procedimentos das sociedades comerciais e se resulta do Doc. 17 junto com a PI, a Declaração de IRC Modelo 22 relativa ao exercício de 2014 foi elaborada posteriormente, tendo sido recepcionada pela Autoridade Tributária apenas em 29/05/2015.
Donde, ter de ser alterada a redacção do facto provado no ponto 12, que passa a ser a seguinte:
12. A Declaração de Rendimentos IRC Modelo 22, junta sob Doc. 1, com a carta de 13/02/2015 a que se alude em 11., respeita ao exercício de 2013”.
*
- Quanto ao facto considerado provado sob 19: “A Ré, tinha em 2014, 31 trabalhadores e um balanço no valor total de € 2.041.676,34”.
Pretende a Ré que se dê nova redacção ao ponto 19 da matéria assente por forma a constar que “A Ré, conforme atestado em 27/9/2016, tinha, em 2014, 31 trabalhadores e um balanço no valor total de € 2.041.676,34”.
Nesta particular já não acompanhamos a Recorrente, pois, como dão devida nota os Recorridos, o que a mesma pretende com a presente impugnação não é verdadeiramente alterar o facto dado como provado, mas apenas e somente que nos factos fixados constem conceitos de direito, como seja o conceito de “atestar”. Por outro lado, o acrescento [conclusivo e de direito] que se pretende aditar ao ponto 19. dos factos provados  não tem qualquer relevância para a boa decisão da causa.
Diga-se, por fim, que a prova do facto dado como assente no ponto 19. respaldou-se em documentos juntos aos autos pelas partes, exclusivamente elaborados pela própria Recorrente, e por esta depositados junto de entidades públicas, no âmbito do cumprimento do dever legal de publicitação das contas da sociedade.
Estando reconhecida nos autos, por acordo das partes, a autoria dos referidos documentos particulares, os mesmos fazem prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor (art.º 376.º do Cód. Civil).
Em suma, a decisão sobre a matéria de facto, relativamente ao ponto 19. dos factos assentes, não merece qualquer censura, devendo antes manter-se.
Pelo exposto, entende-se julgar parcialmente procedente a impugnação da decisão da matéria de facto e, em consequência;
(i) Alterar a redacção do facto provado no ponto 12, que passa a ser a seguinte:
“12. A Declaração de Rendimentos IRC Modelo 22, junta sob Doc. 1, com a carta de 13/02/2015 a que se alude em 11., respeita ao exercício de 2013”.
(ii) Manter a redacção do ponto 19, dos factos assentes.
3.2.4. Terceira Questão: A sentença recorrida ostenta erro de julgamento que imponha a sua revogação e consequente substituição por outra que declare que, em 13/02/2015, a recorrente era “microempresa” e que realizou investimentos no locado nos três anteriores à entrada em vigor da Lei 31/2012, de 14/08 e que, nos termos do n.º 3 do art.º 6º da Lei nº 79/2014, 19/12, o arrendamento, em 01/12/2018, se renova por 3 anos, com as legais consequências daí decorrentes?
A Recorrente mostra-se irresignada com a sentença recorrida, alegando que andou mal a Meritíssima Juiz a quo quando, com base em elementos inexistentes em 13/02/2015 - por ainda não existirem, de facto, nem, legalmente, terem que existir, e, por isso, não disponíveis nessa data - considerou que a Recorrente não era uma “microempresa” em face do previsto nas alíneas a) e b) do n.º 5 do art.º 51.º do NRAU.
Pretende, por isso, a alteração da referida decisão, em conformidade, declarando-se [[6]] que, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º da Lei n.º 79/2014, o arrendamento se renova por 3 anos, com as consequências legais daí recorrentes.
Os Recorridos, por sua vez, contrapõem, em substância, que a Recorrente não fez prova da qualidade de “microempresa”, porque, conforme resulta do ponto 15 dos factos assentes, é uma sociedade totalmente dominada pela “Sociedade Hoteleira…., Lda.” e ainda por constar do ponto 19. da matéria de facto provada que a ora Recorrente tinha, em 2014, 31 trabalhadores e um balanço de € 2.041.676,34.
E que se a Recorrente querida beneficiar da norma transitória do n.º 3 do artigo 6.º da Lei n.º 79/2014, deveria ter apresentado documento correspondente ao exercício anterior, ano de 2014, no qual comprovasse que reunia essas qualidades.
Está em causa nos presentes autos o contrato de arrendamento celebrado entre as partes, em 12 de Março de 1969. Por esse contrato foi dado de arrendamento o prédio urbano sito na Rua …, Lisboa, ficando estabelecido um prazo de 1 ano, renovável por períodos iguais (pontos 1 a 3 dos factos provados). Ficou provado que o imóvel arrendado destina-se ao uso hoteleiro e que nele se encontra instalado o estabelecimento denominado “Hotel …” (ponto 16 dos factos provados).
Pelos elementos descritos, não oferece dúvidas que estamos perante um contrato de arrendamento urbano para fim não habitacional – e que se trata de contrato celebrado em data anterior à vigência do RAU de 1990 (Decreto-Lei nº 321/90, de 15 de Outubro) e também anterior à vigência do Decreto-Lei nº 257/95, de 30 de Setembro, aplicável especificamente aos contratos não habitacionais.
Comece-se por salientar aquilo que é dado pacífico na doutrina e na jurisprudência sobre os contratos de pretérito, inclusive quanto aos contratos de arrendamento para fins não habitacionais. Por força do disposto no primitivo art.º 1095º do Cód. Civil, nos arrendamentos a que se referia a secção em que se integrava essa norma (respeitante aos arrendamentos de prédios urbanos para qualquer fim lícito – fosse a habitação, o comércio ou a indústria, o exercício de profissão liberal ou qualquer outro fim – e aos arrendamentos não rurais de prédios rústicos, como decorria da epígrafe da Secção VIII e da classificação inserta no art.º 1086º), não gozava o senhorio do direito de denúncia, sem prejuízo das excepções do art.º 1096º, operando a renovação automática desses contratos. Por sua vez, o n.º 1 do art.º 1083º estabelecia que a esses arrendamentos apenas se aplicariam as normas das secções I a VI “no que não esteja em oposição com as desta” secção VIII – o que afastava a aplicação do limite máximo de 30 anos previsto em geral para a locação (no art.º 1025º). A esse regime convencionou-se designar de “vinculístico”, assim significando a impossibilidade, em regra, de o senhorio pôr termo ao contrato, por sua livre disposição (proibição de denúncia ad nutum pelo senhorio) – e que se aplicava indistintamente aos contratos habitacionais e não habitacionais. Só com o RAU de 1990 e o Decreto-Lei nº 257/95 é que passou a ser possível a celebração de “contratos de duração limitada” (na expressão do RAU – v. art.º 98º) ou “com prazo certo” (na expressão do NRAU – v. novos artigos 1094º e 1095º do Cód. Civil), pelo que os contratos subsistentes anteriores (pré-RAU e pré-Decreto-Lei nº 257/95) são “contratos vinculísticos” e caem na categoria de “contratos sem duração limitada” (na expressão do NRAU).
Ora, para esses “contratos sem duração limitada” mais antigos (pré-RAU e pré-Decreto-Lei nº 257/95) - como é o caso do contrato em apreço - regem as normas transitórias dos art.ºs 27º a 29º do NRAU, em particular o art.º 28º. E na parte em que esta última disposição remete para a aplicação do regime previsto no art.º 26º, “com as necessárias adaptações” (regime dos contratos pós-RAU e pós-Decreto-Lei nº 257/95, mas pré-NRAU), deve entender-se que tal remissão se reporta apenas ao regime ali previsto para os “contratos sem duração limitada”. Como afirma FRANCISCO DE CASTRO FRAGA, na categoria de contratos sem duração limitada «incluem-se os contratos vinculísticos: muito embora celebrados com prazo certo (normalmente seis meses ou um ano), na prática eram de duração indeterminada, porque sujeitos a renovação obrigatória para o senhorio» [in MENEZES CORDEIRO (Coord.), Leis do Arrendamento Urbano Anotadas, Almedina, Coimbra, 2014, p. 469].
Que decorre então da aplicação do art.º 28º do NRAU? Não obstante a consagração de uma submissão genérica desses contratos de pretérito mais antigos ao NRAU (nos termos do art.º 26º, por remissão do art.º 28º, e em consonância com o já referenciado art.º 59º, nº 1, todos do NRAU), são ressalvadas as “especificidades” expressamente consignadas. E que resulta dessas especificidades para os contratos não habitacionais (como é também o caso do contrato em apreço)?
Num primeiro momento (com a redacção primitiva do NRAU, constante da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro), ficou estabelecido que, a esses contratos mais antigos, habitacionais ou não habitacionais, não se aplicava a al. c) do art.º 1101º do Cód. Civil (na redacção introduzida por essa mesma Lei n.º 6/2006), que veio prever a possibilidade de o senhorio denunciar o contrato “mediante comunicação ao arrendatário com antecedência não inferior a cinco anos sobre a data em que pretenda a cessação” (artº 26º, nº 4, al. c), ex vi do art.º 28, ambos do NRAU). Apenas se excepcionava aquela proibição da denúncia ad nutum do senhorio (e apenas em relação aos arrendamentos não habitacionais) em situações de trespasse ou locação do estabelecimento e de transmissão inter vivos de posições sociais em mais de 50% (art.º 26º, n.º 6, alíneas a) e b), ex vi do art.º 28, ambos do NRAU).
Num segundo momento (com a redacção actual do NRAU, introduzida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto), continua a estabelecer-se que, a esses contratos mais antigos, não se aplica a al. c) do art.º 1101º do Cód. Civil (que, na nova redacção dada pela Lei nº 31/2012, reduziu a antecedência da denúncia do senhorio, admitida por essa disposição legal, de cinco para dois anos), agora por consagração expressa no novo n.º 2 do art.º 28º do NRAU, e renovam-se as excepções à proibição da denúncia ad nutum do senhorio (e apenas para os arrendamentos não habitacionais) quanto às situações já antes previstas, com o aditamento da referência à “cessão do arrendamento para o exercício de profissão liberal” (agora inscritas directamente no novo n.º 3 do art.º 28º do NRAU), com a particularidade de, nessas situações, continuar a antecedência da denúncia a ser, como anteriormente, de cinco anos (e não a de dois anos, da nova al. c) do art.º 1101º do Cód. Civil).
De tudo resulta a manutenção, em regra, da proibição de denúncia ad nutum do senhorio em contratos como aquele que está em causa nos autos. Isto justifica a afirmação de FRANCISCO DE CASTRO FRAGA no sentido de que a «”reforma de 2006” (…) não implicou progresso, e muito menos substancial, na ultrapassagem do vinculismo quanto aos contratos de pretérito, mormente nos mais antigos – habitacionais pré-RAU e não habitacionais pré-DL 257/95 – que mantiveram, quase intocável, essa característica, designadamente quanto ao seu elemento fundamental: a sua duração muito para além do prazo estipulado, sem ou mesmo contra a vontade do senhorio» (ob. cit., p. 466). No mesmo sentido se pronuncia LUÍS MENEZES LEITÃO, ao referir, em relação a esses contratos mais antigos, que «o senhorio continua a não poder efectuar a denúncia mediante comunicação ao arrendatário, ao contrário do que hoje se prevê no art.º 1101º c) (art.º 28º, nº 2, NRAU) (…). Desta forma, é mantido o vinculismo que sempre caracterizou estes contratos, o que limita a faculdade de denúncia pelo senhorio aos casos agora referidos nos art.ºs 1101º a) e b), salvo nas hipóteses hoje previstas no art.º 28º, nº 3, NRAU. A aplicação desta denúncia ocorre assim apenas nos arrendamentos para fins não habitacionais, onde se volta a permitir a denúncia do senhorio com uma antecedência elevada para cinco anos, quando, após a entrada em vigor da Lei 31/2012, de 14 de Agosto, ocorre trespasse, locação do estabelecimento ou cessão do arrendamento para o exercício de profissão liberal (art. 28.º, n.º 3, a) NRAU) ou uma transmissão inter vivos da posição ou posições sociais da sociedade arrendatária que determine a alteração da titularidade em mais de 50% (art. 28.º, n.º 3, b) NRAU)» (Arrendamento Urbano, 7ª edição, Almedina, Coimbra, 2014, pp. 183-184).
Em todo o caso, a Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, veio trazer novos contornos ao regime vinculístico desses antigos contratos, como o dos autos, na medida em que ressalvou ainda, na redacção que deu ao n.º 1 do art.º 28º do NRAU, as “especificidades (…) dos artigos 30º a 37º e 50º a 54º”. Com essa menção procurou-se criar a possibilidade de uma futura “transição para o NRAU”.
Como diz FRANCISCO DE CASTRO FRAGA, segundo «o regime estabelecido pela “Reforma de 2012” (…), por iniciativa do senhorio, os contratos mais antigos poderão passar ao regime não vinculístico, decorrido um prazo que pode variar entre cinco e sete anos» (ob. cit., p. 467). Com efeito, e em relação aos contratos não habitacionais (e conforme art.ºs 50.º a 54.º do NRAU), prevê-se a possibilidade de “transição para o NRAU”, por iniciativa do senhorio, de forma a abranger, nomeadamente, a “duração do contrato” (art.º 50º, al. a), o que pode merecer a invocação pelo arrendatário de circunstâncias obstativas da transição (como será o caso de ter sede no locado uma “associação privada sem fins lucrativos” que se dedique a “actividade recreativa” e seja “declarada de interesse público ou de interesse nacional ou municipal”, situação que poderá eventualmente aplicar-se à requerida – art.º 51º, nº 4, al. b) e, na falta de acordo das partes, fará adiar a transição para o NRAU por um período de cinco anos (art.º 54º, nº 1), só após o qual se poderá considerar o contrato celebrado com prazo certo de dois anos (art.º 54º, n.º 6, al. b). Ou seja, nessa hipótese, só «decorridos sete anos após a iniciativa do senhorio, o contrato, se ele o desejar, cessa por caducidade» (assim, FRANCISCO DE CASTRO FRAGA, ob. cit., p. 501, ex vi p. 516).
No caso, como se refere na sentença recorrida, é pacífico que o NRAU se aplica às relações de arrendamento já constituídas, designadamente à relação estabelecida entre as partes, por via do contrato celebrado entre as mesmas.
E é também incontroverso que os Autores, ora Recorridos, na qualidade de senhorios, tomaram a iniciativa, já na vigência das alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, de iniciar o procedimento com vista à transição do contrato de arrendamento vigente entre as partes para o NRAU.
Assim como é indiscutível que, não tendo havido acordo relativamente quer ao valor da renda quer à duração do contrato, foi a renda actualizada [tendo por limite o valor anual máximo correspondente a 1/15 do valor patrimonial do prédio] e que o contrato ficou, então, sujeito a um prazo certo, pelo período de cinco anos, nos termos conjugados do n.º 7 do art.º 51.º e do n.º 7 do art.º 31.º, ambos da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, na redacção da Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto.
A questão que se discute nos autos é se a Recorrente pode ser qualificada como Microempresa, para efeitos da disposição constante da norma transitória do n.º 3 do artigo 6.º da Lei n.º 79/2014, de 19 de Dezembro, para efeitos de beneficiar de um acréscimo de três anos de prazo de arrendamento.
Na decisão recorrida considerou-se que a Recorrente não reunia as qualidades para que possa ser qualificada como “microempresa”, porquanto no exercício de 2014, não reunia essa qualidade, quer individualmente considerada, muito menos se for englobada no grupo económico a que pertence.
É a seguinte da fundamentação expendida da sentença em crise:
«Com a Lei n.º 79/2014, de 19/12, o legislador veio alterar a redação do art. 51º, preceituando que “Para efeitos da presente lei, “microempresa” é a empresa que, independentemente da sua forma jurídica, não ultrapasse, à data do balanço, dois dos três limites seguintes:
a) Total do balanço: 2 000 000;
b) Volume de negócios líquido: 2 000 000;
c) Número médio de empregados durante o exercício: 10”.
Nessa sequência, veio a arrendatária, em 13 de fevereiro de 2015, invocar a circunstância de ser uma “microempresa” que havia efetuado investimentos nos três anos anteriores à entrada em vigor da Lei nº 31/2012, de 14/08, para os efeitos do art.º 54º do mesmo diploma legal.
Nos termos da norma transitória - art.º 6º, nº 3 - da Lei nº 79/2014 de 19/12, “Nos contratos de arrendamento não habitacional cuja renda já tenha sido atualizada nos termos da alínea b) do n.º 5 do artigo 33.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, aplicável por força do disposto no artigo 52.º do mesmo diploma, o arrendatário pode invocar as circunstâncias previstas no n.º 4 do artigo 51.º, no prazo de 30 dias a contar da entrada em vigor da presente lei, desde que comprove a realização de investimentos no locado ou em equipamentos para ele especificamente vocacionados, efetuados nos três anos anteriores à data da entrada em vigor da Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, não podendo o senhorio opor-se, nestas situações, a uma renovação do contrato por um período de três anos, sem prejuízo da atualização da renda (…)”.
A questão que merece, pois, desde logo, atenção é a de saber se a colocação de dois elevadores novos no locado deve ser vista como um investimento nos termos e para os efeitos da norma transitória invocada pela arrendatária, ou seja, permitir - demonstrada que fique também a qualidade de “microempresa” - a renovação do contrato por três anos sem possibilidade de oposição pelo senhorio.
A ratio do preceito em análise deve relacionar-se com um determinado equilíbrio contratual. Não será justo impor-se ao arrendatário, quando este explora uma “microempresa”, o fim da relação contratual quando por si foram feitos determinados investimentos com relevância em termos de custo e sem dos mesmos poder tirar cabal benefício.
Não está em causa saber se tais investimentos foram feitos no âmbito das suas “obrigações” ou em substituição do senhorio, na medida em que o que está subjacente é a ideia de um investimento que vai beneficiar o proprietário do imóvel (senhorio) à custa do arrendatário, sem que este tenha “tempo” para “amortizar” tal investimento.
Noutra ordem de considerações, vista a questão pelo lado do arrendatário, este poderá/deverá efetuar as obras necessárias à (melhor) adequação do locado ao fim do arrendamento.
Na concreta situação dos autos, a obra em causa, configura, só por si, atento o seu relevo na própria estrutura do edifício, um “investimento”, sendo certo que se trata de prédio arrendado há muitos anos, no qual não é dada nota de ter o senhorio realizado qualquer obra.
Ou seja, quer a realização da obra se revele imprescindível ao prosseguimento da atividade económica no locado quer vise cumprir disposições legais ou regulamentares ou exigências formuladas pelas autoridades administrativas competentes, não deixa de ser um “investimento” custeado pelo arrendatário, justificativo, como tal, da (maior) durabilidade da relação contratual, preenchido que se mostre, naturalmente, o requisito (acrescido) de se tratar de uma “microempresa”.
Neste quadro concreto, parece, face ao princípio da proporcionalidade e às exigências da boa fé, que a colocação de dois novos elevadores no edifício locado podem legitimar a manutenção da relação contratual por mais 3 anos.
Surge então a questão que exige também reflexão nesta sede que é a da interpretação do conceito utilizado: “microempresa”.
A qualificação de uma determinada entidade como “microentidade” e, depois, “microempresa” não foi feita por remissão a qualquer definição já existente, nomeadamente em termos de legislação comunitária, sendo expresso o nº 5 do art. 51º do NRAU quando que diz:
“Para efeitos da presente lei, “microempresa” é a empresa que, independentemente da sua forma jurídica, não ultrapasse, à data do balanço, dois dos três limites seguintes:
a) Total do balanço: 2 000 000;
b) Volume de negócios líquido: 2 000 000;
c) Número médio de empregados durante o exercício: 10.”.
Ou seja, a caracterização como “microempresa” é feita pela negativa: depende do seu balanço, volume de negócios líquido e número médio de trabalhadores durante o exercício, por referência às quantidades expressas no normativo em referência.
É também fora de dúvidas que a norma em referência não prevê qualquer ressalva, nomeadamente no que respeita à relação entre empresas (autónomas; parceiras; associadas) nem faz distinção “entre uma empresa que atua isolada no mercado e uma empresa que é composta por um grupo de sociedades que, mediante relações de domínio entre si, detida por sócios comuns ou detida por outras sociedades, atua em conjunto, de forma coordenada mediante órgãos de gestão comuns”.
Não obstante, também se entende que tal não invalida, naturalmente, que se possa considerar a “razão de ser” da norma em análise em termos de apreciação da função económica pretendida pela mesma, em último caso perante o instituto do abuso de direito, sendo certo que a Ré pertence, efetivamente, a um grupo económico, conhecido pela marca “.”, que, enquanto tal, não encaixa na previsão normativa, em termos da função económica/protecionista que lhe subjaz.
Todavia, antes de tais considerações, importa aferir se se mostra (ou não) verificada a possibilidade de caracterização da Ré, por si só, como “microempresa”.
Invocou a Ré, em fevereiro de 2015, por referência ao exercício de 2014, ter um balanço e um volume líquido de negócios inferiores a 2 milhões de euros, sendo certo que o seu número de trabalhadores sempre se mostrou bastante superior ao limite legal em referência.
Ora, a verdade é que, em 2014, a Ré tinha 31 trabalhadores e um balanço no valor total de € 2.041.676,34, ou seja, resultou demonstrado que a atividade do estabelecimento (hotel) ultrapassou dois dos limites da previsão normativa invocada. Não terá sido inocente a junção do balanço referente a 2013!
Assim, para os efeitos do NRAU, não podia a Ré/arrendatária, quando o fez, prevalecer-se da circunstância invocada, uma vez que não cumpria os pressupostos para ser caracterizada como uma “microempresa”.
Nesta conformidade, não pode deixar de se considerar que o contrato vigente entre as partes ficou com termo certo, o que implica que o senhorio possa opor-se à sua renovação, nos termos do disposto no art. 1097º do Cód. Civil, sendo certo que o envio da carta pelos Autores em 02/03/2017 observa a antecedência legal para o efeito, considerando-se, por isso, eficaz, com referência a 30 de novembro de 2018».
Ora, só podemos sufragar quer a fundamentação transcrita, quer o sentido decisório alcançado pela Exma. Senhora Juíza a quo.
Senão, vejamos:
Do ponto 15 da matéria de facto assente e do teor dos docs. 20, 21 e 22 (certidões do registo comercial), não impugnados, flui que a ora Recorrente é uma sociedade totalmente dominada [detida a 100%] pela sociedade hoteleira do ..., Lda. e que o Conselho de Administração da ora Recorrente [sociedade dominada] é integrado pelos sócios da sociedade dominante [DD e FF].
Estas sociedades, pro sua vez, fazem parte de um grupo económico cuja principal actividade é a hotelaria, denominado “Grupo …”, composto por varias unidades hoteleiras.
Em nosso entendimento este facto, só por si, impede a qualificação da Recorrente como Microempresa.
Sem embargo, cabe referir que resulta do Doc. n.º 17 junto com a PI e do ponto 19 dos factos assentes que a ora Recorrente tinha, em 2014, 31 trabalhadores e um balanço no valor total de 2.041.676,34 €.
Neste contexto, sendo detida por outra sociedade a 100%, e apresentando – autonomamente - os referidos valores de balanço e número de empregados no exercício de 2014, período a considerar por ser o do exercício encerrado imediatamente anterior à data da invocação da qualidade de “microempresa” [13/02/2015, cf. ponto 11 dos factos assentes] a conclusão a extrair é que a Recorrente não reunia, em 13/02/2015, os requisitos para ser qualificada como “microempresa”, por ultrapassar dois dos três limites estabelecidos no art.º 51º do NRAU, na redacção dada pela Lei n.º 79/2014, de 19 de Dezembro: o valor do balanço excedia €2.000.000,00 (alínea a) e o número médio de trabalhadores durante o exercício era superior a 10 (alínea c).
Com a resposta de 13/02/2015, a Recorrente juntou declaração Modelo 22 de IRC referente ao ano de 2013 e pretende que se considere este exercício como o relevante para efeitos de aferição da invocada qualidade de “microempresa".
Não tem razão e, outrossim, estão certos os Recorridos quando alegam que basta a leitura o modelo 22 do IRC para se constatar que tal documento, só por si, não é apto para aferir estes critérios, por não conter o valor total do balanço da sociedade, nem o seu número de trabalhadores, mas apenas o volume de negócios do período a que corresponde.
E a prova destes requisitos podia ter sido alcançada por outros documentos idóneos, mas sempre reportados ao exercício imediatamente anterior ao da resposta do arrendatário a que alude o art.º 51.º do NRAU [no caso, teria de ser reportado ano de 2014].
Lidos os artigos 51.º, n.ºs 1 e 4 e 54.º, n.º 1, verificamos que caberia à Recorrente invocar que reunia as qualidades de Microempresa, através de documento comprovativo dessa mesma qualidade.
Tal prova não foi feita nessa oportunidade.
A lei ao nada dizer sobre as qualidades dos documentos a apresentar pelas pessoas colectivas, deixa ao critério dos arrendatários a obrigação de fazerem juntar em documento idóneo a comprovação das referidas qualidades, podendo as declarações deles constantes ser sindicáveis ou escrutinadas jurisdicionalmente.
Sem embargo, como bem a propósito e com amplo e desenvolvimento defendem os Recorridos, o conceito de “microempresa” começou a ser densificado através da Recomendação da Comissão Europeia de 3 de Abril de 1996 relativa à designação de PME e mais tarde com a Recomendação 2003/361/CE, de 6 de Maio, relativa á definição de micro, pequenas e médias empresas [publicada no JOUE, L 124, págs. 36-44].
No considerando 3 desta Recomendação da Comissão de 2003, consta:
“[…] nos termos dos artigos 48.º, 81.º e 82.º do Tratado, segundo a interpretação do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, deve considerar-se como empresa qualquer entidade que, independentemente da sua forma jurídica, exerça uma actividade económica[…]”
No considerando 9, por sua vez, pode-se ler:
“A fim de apreender melhor a realidade económica das PME e de excluir desta qualificação os grupos de empresas cujo poder económico excederia o de uma PME, convém distinguir os diferentes tipos de empresas, consoante sejam autónomas, tenham participações que não impliquem uma posição de controlo (empresas parceiras) ou estejam associadas a outras empresas. O grau de 25 % de participação, previsto na Recomendação 96/280/CE, abaixo do qual uma empresa é considerada autónoma, é mantido”.
Como se vê, foi intenção do legislador comunitário transcrita para ordenamento jurídico português desde 2007 através do Dec.-Lei n.º 327/2007, de 6 de Novembro, alterado e republicado pelo Dec.-Lei n.º 81/2017, de 30 de Junho, interpretar não só o conceito legal de micro, pequena e média empresa, mas igualmente quais os critérios definidores destas empresas, tendo em consideração o conceito de empresa determinado pela jurisprudência comunitário como unidade económica.
O legislador nacional de 2007 no art.º 2.º refere expressamente o seguinte em qualquer das suas redacções:
“Artigo 2.º
Definição de PME Para efeitos do presente decreto-lei, a definição de PME, bem como os conceitos e critérios a utilizar para aferir o respectivo estatuto, constam do seu anexo, que dele faz parte integrante, e correspondem aos previstos na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão Europeia, de 6 de Maio.”
Ao transpor para o direito português esta Recomendação desde 2007, que o direito português acolheu o conceito de empresa associada para efeitos de verificação dos tipos de empresa, previstos neste decreto-lei e da referida recomendação.
Veja-se o Dec.-Lei 81/2017, de 30 de Junho, que altera a certificação por via electrónica de micro, pequena e média empresa:
“Artigo 2.º
Definição de pequena e média empresa e de empresa de média capitalização
1 - Para efeitos do presente decreto -lei, a definição de micro, de pequena ou de média empresa, bem como os conceitos e critérios a utilizar para aferir o respectivo estatuto, constam do seu anexo, que dele faz parte integrante, e correspondem aos previstos na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão Europeia, de 6 de maio”.
Como bem referem os Recorridos nas suas alegações, o designado critério de independência ou autonomia, ou seja, o critério que determina se uma empresa é detida ou não por outra, e qual a sua relevância para a sua qualificação, como micro, pequena ou media empresa, foi reforçado pelo Acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 2004 no Processo C-91/01, na conclusão 50 que transcrevemos:
“50. A este respeito, decorre designadamente, do décimo oitavo, do décimo nono e do vigésimo segundo considerando da recomendação PME, bem como do ponto 3.2 do enquadramento PME, que o objectivo do critério da independência é assegurar que as medidas destinadas às PME beneficiam verdadeiramente as empresas para as quais a dimensão constitui uma desvantagem e não as que pertencem a um grande grupo e que têm, portanto, acesso a meios e apoios de que não dispõem os seus concorrentes de dimensão equivalente. Resulta também dos mesmos que, a fim de apenas seleccionar as empresas que constituem efectivamente PME independentes, há que excluir as construções jurídicas de PME que formam um grupo económico cujo poder é superior ao de uma empresa deste tipo e há que zelar por que a definição de PME não seja iludida por motivos meramente formais”.

O conceito de empresa actualmente não pode deixar de ser aquele que decorre actualmente das decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia e que se encontra consagrado na ordem jurídica da União, com estatuto constitucional.
Enquanto elemento nuclear das regras da concorrência, necessárias ao funcionamento do mercado interno, o conceito de empresa tem de ser interpretado e aplicado uniformemente em toda a União e não pode depender das especificidades do direito nacional das sociedades dos Estados-Membros.
De outra forma não se poderia assegurar às empresas que operam no mercado interno um quadro jurídico uniforme («level playing field»).
O Tribunal de justiça da União Europeia Chamado foi chamado pronunciar-se sobre o conceito de empresa em diversas ocasiões.
No Processo C-501/11P Schindler Holding Ltd e o. Contra Comissão Europeia, o Tribunal de Justiça da União Europeia, em 18 de Julho de 2013, no ponto 103 da decisão pronunciou do seguinte modo:
“103 O conceito de empresa foi precisado pelo juiz da União e designa uma unidade económica, mesmo que, do ponto de vista jurídico, essa unidade económica seja constituída por várias pessoas singulares ou coletivas (v., neste sentido, acórdãos já referidos, Akzo Nobel e o./Comissão, n.º 55, e Elf Aquitaine/Comissão, n.° 53 e jurisprudência referida)”.
No acórdão Akzo Nobel NV e o contra a Comissão Europeia, de 10 de Setembro de 2009, nos pontos 54 e 55, refere-se:
“54 A título preliminar, importa salientar que o direito comunitário da concorrência visa as actividades das empresas (acórdão de 7 de Janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C-204/00 P, C-205/00 P, C-211/00 P, C-213/00 P, C-217/00 P e C-219/00 P, Colect., p. I-123, n.° 59) e que o conceito de empresa abrange qualquer entidade que exerça uma actividade económica, independentemente do estatuto jurídico dessa entidade e do seu modo de financiamento (v., nomeadamente, acórdãos Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido, n.° 112; de 10 de Janeiro de 2006, Cassa di Risparmio di Firenze e o., C-222/04, Colect., p. I-289, n.° 107; e de 11 de Julho de 2006, FENIN/Comissão, C-205/03 P, Colect., p. I-6295, n.° 25).
55 O Tribunal de Justiça precisou igualmente que o conceito de empresa, inserido nesse contexto, deve ser entendido como designando uma unidade económica, mesmo que, do ponto de vista jurídico, essa unidade económica seja constituída por várias pessoas singulares ou colectivas (acórdão de 14 de Dezembro de 2006, Confederación Española de Empresarios de Estaciones de Servicio, C-217/05, Colect., p. I-11987, n.º 40).”
Não se acompanha, assim, saldo o devido respeito, que é muito, o “Breve Parecer”, da autoria do Professor M. Januário Costa Gomes, junto aos autos em 09-04-2018 [ref.ª Citius 18568103], após a realização da audiência e antes da prolação da sentença recorrida, onde se conclui que “A preocupação do legislador arrendatício em criar um conceito próprio de microempresa, data da Lei 6/2006 (n.º 3 do art.º 53.º), na sua primitiva redacção, anterior, portanto, ao Decreto-Lei n.º 372/2007”.
A conclusão do referido Parecer olvida o que em momento anterior afirmou (ponto II do Parecer), o seja, que o Dec.-Lei n.º 372/2007 seguiu, assumidamente os passos da Recomendação 2003/361/CE, de 6 de Maio, bem como os princípios que devem nortear a interpretação da lei, plasmados no art.º 9.º do Código Civil, isto é, que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas “reconstituir o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que alei foi elaborada e as condições específicas do seu tempo” (n.º 1), sendo que nesse trabalho hermenêutico, de fixação do sentido e propósito legislativo, deve o intérprete presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas dentro da unidade do sistema jurídico e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n.º 3).
Ora, feito o descrito percurso pela jurisprudência comunitária [que o legislador e o juiz nacional não podem descartar], que precisou e densificou, o conceito de empresa, tendo como enfoque primordial a realidade económica e não a realidade ou forma jurídica, e estando adquirido que a Recorrente pertence a um grupo económico e que é detida a 100% por uma sociedade desse grupo hoteleiro, a conclusão que se impõe retirar é a de que a Recorrente não pode invocar, de per si – fora do contexto do grupo económico a que pertence, independentemente da sua autonomia jurídica, a qualidade de Microempresa.
A entender-se de outra forma, como bem sustenta a Recorrente, estava aberto o caminho para o tratamento mais favorável de um grupo económico, diverso de todos os demais, sem qualquer fundamento legal, afrontando-se, aliás, o princípio da igualdade.
Como já se referiu, o legislador nacional, através do Dec.-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, transpôs para a ordem jurídica portuguesa a Recomendação 2003/362CE, de 6 de Maio
No seu anexo 1, seguindo na íntegra a recomendação comunitária consta o seguinte, no seu art.º 1º:
“Artigo 1.º - Empresa
Entende-se por empresa qualquer entidade que, independentemente da sua forma jurídica, exerce uma actividade económica. São, nomeadamente, consideradas como tal as entidades que exercem uma actividade artesanal ou outras actividades a título individual ou familiar, as sociedades de pessoas ou as associações que exercem regularmente uma actividade económica.
No seu art.º 2,º o seguinte pode ler-se:
Artigo 2.º - Efectivos e limiares financeiros que definem as categorias de empresas
1 - A categoria das micro, pequenas e médias empresas (PME) é constituída por empresas que empregam menos de 250 pessoas e cujo volume de negócios anual não excede 50 milhões de euros ou cujo balanço total anual não excede 43 milhões de euros.
2 - Na categoria das PME, uma pequena empresa é definida como uma empresa que emprega menos de 50 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede 10 milhões de euros.
3 - Na categoria das PME, uma micro empresa é definida como uma empresa que emprega menos de 10 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede 2 milhões de euros.
Por sua vez, no seu artigo 3.º, consta o seguinte:
Artigo 3.º - Tipos de empresas tomadas em consideração no que se refere ao cálculo dos efectivos e dos montantes financeiros
1 – Entende-se por «empresa autónoma» qualquer empresa que não é qualificada como empresa parceira na acepção do n.º 2 ou como empresa associada na acepção do n.º 3.
2 - Entende-se por «empresas parceiras» todas as empresas que não são qualificadas como empresas associadas na acepção do n.º 3, e entre as quais existe a seguinte relação: uma empresa (empresa a montante) detém, sozinha ou em conjunto com uma ou várias empresas associadas na acepção do n.º 3, 25 % ou mais do capital ou dos direitos de voto de outra empresa (empresa a jusante).
No entanto, uma empresa pode ser qualificada como autónoma, não tendo, portanto, empresas parceiras, ainda que o limiar de 25 % seja atingido ou ultrapassado, quando se estiver em presença dos seguintes investidores, desde que estes não estejam, a título individual ou em conjunto, associados, na acepção do n.º 3, à empresa em causa:
a) Sociedades públicas de participação, sociedades de capital de risco, pessoas singulares ou grupos de pessoas singulares que tenham uma actividade regular de investimento em capital de risco (business angels) e que invistam fundos próprios em empresas não cotadas na bolsa, desde que o total do investimento dos ditos business angels numa mesma empresa não exceda € 1 250 000;
b) Universidades ou centros de investigação sem fins lucrativos; c) Investidores institucionais, incluindo fundos de desenvolvimento regional;
d) Autoridades locais e autónomas com um orçamento anual inferior a 10 milhões de euros e com menos de 5000 habitantes.
3 - Entende-se por «empresas associadas» as empresas que mantêm entre si uma das seguintes relações:
a) Uma empresa detém a maioria dos direitos de voto dos accionistas ou sócios de outra empresa;
b) Uma empresa tem o direito de nomear ou exonerar a maioria dos membros do órgão de administração, de direcção ou de controlo de outra empresa;
c) Uma empresa tem o direito de exercer influência dominante sobre outra empresa por força de um contrato com ela  celebrado ou por força de uma cláusula dos estatutos desta última empresa;
d) Uma empresa accionista ou associada de outra empresa controla sozinha, por força de um acordo celebrado com outros accionistas ou sócios dessa outra empresa, a maioria dos direitos de voto dos accionistas ou sócios desta última.
Presume -se que não há influência dominante no caso de os investidores indicados no segundo parágrafo do n.º 2 não se imiscuírem directa ou indirectamente na gestão da empresa em causa, sem prejuízo dos direitos que detêm na qualidade de accionistas ou sócios. As empresas que mantenham uma das relações referidas no primeiro parágrafo por intermédio de uma ou várias outras empresas, ou com os investidores visados no n.º 2, são igualmente consideradas associadas. As empresas que mantenham uma das relações acima descritas por intermédio de uma pessoa singular ou de um grupo de pessoas singulares que actuem concertadamente são igualmente consideradas empresas associadas desde que essas empresas exerçam as suas actividades, ou parte delas, no mesmo mercado ou em mercados contíguos. Entende -se por mercado contíguo o mercado de um produto ou serviço situado directamente a montante ou a jusante do mercado relevante.
4 - Excepto nos casos referidos no segundo parágrafo do n.º 2, uma empresa não pode ser considerada PME se 25 % ou mais do seu capital ou dos seus direitos de voto forem controlados, directa ou indirectamente, por uma ou várias colectividades públicas ou organismos públicos, a título individual ou conjuntamente.
5 - As empresas podem formular uma declaração sobre a respectiva qualificação como empresa autónoma, parceira ou associada, assim como sobre os dados relativos aos limiares enunciados no artigo 2.º Esta declaração pode ser elaborada mesmo se a dispersão do capital não permitir determinar precisamente quem o detém, contanto que a empresa declare, de boa fé, que pode legitimamente presumir que não é propriedade, em 25 % ou mais, de uma empresa, ou propriedade conjunta de empresas associadas entre si ou por intermédio de pessoas singulares ou de um grupo de pessoas singulares. As declarações deste tipo são efectuadas sem prejuízo dos controlos ou verificações previstos.
No seu art.º 4º o seguinte reza o seguinte:
Artigo 4.º - Dados a considerar para o cálculo dos efectivos e dos montantes financeiros e período de referência
1 - Os dados considerados para o cálculo dos efectivos e dos montantes financeiros são os do último exercício contabilístico encerrado, calculados numa base anual. Os dados são tidos em conta a partir da data de encerramento das contas. O montante do volume de negócios considerado é calculado com exclusão do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e de outros impostos indirectos.
2 - Se uma empresa verificar, na data de encerramento das contas, que superou ou ficou aquém, numa base anual, do limiar de efectivos ou dos limiares financeiros indicados no artigo 2.º, esta circunstância não a faz adquirir ou perder a qualidade de média, pequena ou micro empresa, salvo se tal se repetir durante dois exercícios consecutivos.
3 - No caso de uma empresa constituída recentemente, cujas contas ainda não tenham sido encerradas, os dados a considerar serão objecto de uma estimativa de boa fé no decorrer do exercício».
Havendo o intérprete de presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art.º 9.º, n.º 3, do Cód. Civil), tem de se entender que o legislador de 2014, através da lei n.º 79/2014, de 19 de Dezembro, ao alterar o conceito de “micoentidade”, para o conceito de microempresa, pretendeu que as normas alteradas passassem a aplicar-se às microempresas, tais como se encontram definidas neste diploma legal, o qual já existia na ordem jurídica portuguesa há pelo menos 6 (seis) anos, atento o período temporal que decorreu entre a publicação do Decreto-Lei 372/2007 de 6 de Novembro, e a Lei n.º 79/2014, de 19 de Dezembro.
À luz de todos estes considerandos, entendemos que a Ré, aqui Recorrente, não logrou demonstrar que reunia as qualidades para ser qualificada como Microempresa, porquanto no exercício de 2014, não reunia essa qualidade individualmente considerada [o valor do balanço e o limite médio de trabalhadores excediam os limites referidos noa artigo 51.º/5-a) e c) do NRAU], muito menor se for englobada no grupo económico a que pertence.
Termos em que se conclui que a sentença em crise fez correcta aplicação e interpretação do direito, não merecendo qualquer censura.
Improcede, portanto, a apelação, devendo ser confirmada a sentença recorrida.
*
Tendo decaído no recurso, é a Recorrente responsável pelo pagamento das custas respectivas – artigo 527.º do CPC.
*
IV - Decisão:
Por tudo o exposto, acordam os Juízes desta Relação;
a) Em rejeitar, por inadmissibilidade legal, a junção do documento [Modelo 22 de IRC de 2014] apresentado pela Recorrente com as alegações de recurso;
b) Em indeferir a invocada nulidade da sentença, por excesso de pronúncia;
c) Em alterar a redacção do ponto 12, dos factos assentes nos termos supra-referido.
c) Em julgar improcedente a apelação, mantendo a sentença recorrida.
*
Custas pela Recorrente – artigo 527º do Cód. Proc. Civil.
*
Notifique.
*
Lisboa, 15 de Novembro de 2018

Manuel Rodrigues

Ana Paula A. A. Carvalho

Gabriela de Fátima Marques

[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil. Almedina, 2017, 4ª edição revista, pág. 109.
[2] É nosso entendimento que a Recorrente nas suas alegações e conclusões recursórias especifica, claramente, a decisão que, no seu entender, pretende seja proferida sobre as concretas questões de facto impugnadas.
[3] Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, pág. 321.
[4] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 3.Dez.1997, proc. 9710990, disponível in www.dgsi.pt.
[5] Obra citada, pp. 287.288.
[6] O sentido do pedido formulado nas conclusões recursórias, entendido na sua globalidade, atendendo designadamente à expressão “com as legais consequências” e aos limites cognitivos impostos pelo princípio do dispositivo, é antes o de se reconhecer que a Recorrente realizou investimentos no locado nos três anteriores à entrada em vigor da Lei 31/2012, de 14 de Agosto e que reunia as qualidades para ser considerada “microempresa” e que, por isso, a sentença deve ser revogada e substituída por outra que julgue a acção improcedente, uma vez que, a provarem-se tais circunstâncias, o senhorio (aqui Recorridos) não podem, opor-se, validamente, à renovação do contrato de arrendamento por três anos.