Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
17/16.3PAAMD.L1-9
Relator: FILIPA COSTA LOURENÇO
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTE
DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
MEDIDA DA PENA
OBJECTO DO CRIME
PERDIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/24/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Sumário:
O recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso

A intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada

São declarados perdidos a favor do Estado os instrumentos de facto ilícito típico, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos, considerando-se instrumentos de facto ilícito típico todos os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a sua prática

Não se exarando no acórdão recorrido, qualquer facto, ou ordem de razões que pudessem fazer concluir que o telemóvel apreendido ao arguido, tivesse sido utilizado para a prática de algum crime, que de “per si” constitua um perigo para a segurança das pessoas, da moral ou a ordem públicas, ou oferecer um sério risco de ser utilizado para o cometimento de novos factos ilícitos típicos, tal decisão terá de ser revogada

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:

ACORDAM EM CONFERÊNCIA, NA 9ª SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

RELATÓRIO

O arguido A... devidamente identificado nos autos, foi condenado (e absolvido) através de acórdão proferido nestes autos em 5 de Abril de 2017, pela prática dos seguintes crimes e nas seguintes penas, nos termos seguintes:

Nestes termos e, em face do exposto, julga este Tribunal Colectivo a acusação procedente por provada e, em consequência, decide:

A.Condenar o arguido A... pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. E p. Pelo artigo 21º nº 1 do Dec. Lei nº 15/93 de 22.01, por referência às tabelas I-C anexa àquele diploma legal, como reincidente, na pena resultante de tal circunstância agravante de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

B.Condenar o arguido A... pela prática, em autoria material, de um crime detenção de arma proibida, p. E p. Pelo artigo 86º, nº 1, alíneas c) e d) conjugado com os artigos 2º, nº 3, al. P), e alínea az) do nº 1, ambos da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 2 (dois) anos de prisão.

C.Absolver o arguido A... da circunstância modificativa agravante da reincidência quanto ao crime de detenção de arma proibida.

D.Em cúmulo jurídico condenar o arguido A... na pena única de 6 (seis) anos de prisão.

E.Absolver o arguido A... da prática de duas contra-ordenações p. E p. Pelo artigo 97º da Lei 5/2006, de 23.2.

F Tendo em conta a gravidade do crime cometido pelo arguido A... e a pena em, que foi condenado, ordenar a recolha de amostra de ADN ao arguido, para criação de base de dados de perfis de ADN, nos termos do disposto no artigo 8.º, n.º 2 da Lei 5/2008 de 12.02.

G.Declarar perdidas a favor do Estado todas as substâncias estupefacientes apreendidas nos autos – cannabis em todas as suas formas -, ordenando-se a respectiva destruição.

H.Declarar perdidos a favor do Estado, os moinhos, as facas e a tesoura porque detêm vestígios de cannabis e, bem assim a balança e o telemóvel, ordenando-se a respectiva destruição.

I.Declarar perdidas a favor do Estado a pistola 6,35 mm, as munições e as armas de alarme apreendidas, e determinar a sua afectação à PSP, nos termos do disposto no art.º 78.º da Lei 5/2006 de 23.02.

Não se conformando com o acórdão proferido, veio o arguido interpor recurso daquela sentença a folhas 863 até 873, apresentando entre o mais as seguintes:

CONCLUSÕES:

a) Da medida concreta da pena

1ª.O arguido foi condenado pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes na pena de 5 anos e 6 meses de prisão, e pela prática de um crime de detenção de arma proibida na pena de 2 anos de prisão;

2ª. Porém a pena parcelar de 2 (dois) anos concretamente aplicada ao arguido pelo crime de detenção de arma proibida apresenta-se excessivamente severa e desajustada porquanto o Tribunal a quo não relevou as circunstâncias atenuantes para a determinação da medida concreta da pena segundo o nº 2 do artº 71º do C.P.;

3ª.O Tribunal a quo na aplicação da pena parcial de 2 (dois) anos pelo crime de detenção de arma proibida, apenas revelou a reincidência material do arguido e o elevado grau de ilicitude;

4ª.Olvidando a todas as outras circunstâncias de facto atenuantes que depuseram a favor do arguido, nomeadamente o facto de aa arma semiautomática Beretta, se encontrar dentro da sua habitação e não estar a ser utilizada pelo arguido diminuindo assim a susceptibilidade de lesar o bem jurídico e de o tipo de arma pertencer ao terceiro grau de perigosidade numa escala que de A,B,B1,C, D, E, F, G.

5ª.Por outro lado, também não foram valoradas as condutas e as condições do arguido mormente o arrependimento, as condições pessoais do agente e a sua situação económica e ainda nas condutas posteriores aos factos nos termos das alíneas c), d) e c) do nº 2 do artº 71º do C.P.

6ª. Para além da desvalorização de todas a factualidade supra alegada sobre as condições favoráveis ao arguido, o Tribunal a quo depreciou também as declarações confessórias do arguido.

7ª.O Tribunal a quo na determinação da medida concreta da pena descurou as motivações de prevenção especial do arguido em detrimento do fim reintegrativo e integrativo da sociedade.

8ª.O que realmente se procura com as penas- a verdadeira reintegração do agente-, o arguido detém as condições subjectivas necessárias (familiares, sociais e comportamentais) para ver a sua pena parcelar estabelecida dentro do primeiro quarto da moldura legal aplicável ao crime de detenção de arma proibida;

9ª. A medida da pena parcial viola o disposto dos artigos 40º e 71º do C.P.;

10ª. Da conjugação de todos os factores pugna-se pela redução da pena parcelar aplicada estabelecendo-a em um quarto dentro da moldura penal.

11ª. E em consequência, deve assim diminuir a pena única aplicada para o limite mínimo do conjunto das penas parcelares do crime de tráfico de estupefacientes e do crime de detenção de arma proibida nos termos do nº 1 do artº 77º do Código penal.

B) Da Declaração de perda do Telemóvel a favor do Estado

12ª O tribunal a quo decidiu declarar perdido a favor do Estado o telemóvel do arguido por alegadamente ter servido para a prática do crime de tráfico de estupefacientes.

13ª.Porem não ficou demonstrado a existência de um nexo de causalidade entre o telemóvel e a prática do facto ilícito.

14ª.Em primeiro lugar o telemóvel é um bem pessoal do arguido; em segundo lugar apesar de ter sido encontrado junto do produto estupefaciente a dose encontrada destinava-se ao seu consumo diário; e em terceiro lugar por não se considerar como um objecto susceptível de por em perigo a segurança, moral e a ordem pública de acordo com o nº 1 do artº 109º do Código Penal.

Pelo exposto o arguido A..., ora recorrente, pede a Vªs Exªs venerandos senhores juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa, se dignem:

A) A reduzir a pena parcial aplicada pelo crime de detenção de arma proibida fixando-a próxima num quarto da pena aplicável e, consequentemente, a reduzir a pena única de 6 ( seis ) anos fixando-a no limite mínimo do cumulo jurídico.

B) A restituir o telemóvel XIAOMI nos termos do artigo nº 1 do artº 186 do CPP.

Porquanto

Só assim se farão a costumada justiça!

O MºPº junto da primeira instância respondeu á motivação do recurso apresentado pelo arguido, pugnando a final dever ser mantido na íntegra a decisão recorrida.

Remetidos os autos para o Tribunal da Relação de Lisboa, a Digna Procuradora Geral Adjunta nele apôs o seu visto em 4.07.2017.

Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o presente recurso fosse julgado em conferência.

Colhidos os vistos legais foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do mesmo diploma, cumprindo agora apreciar e decidir.

Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso:

FUNDAMENTAÇÃO

De acordo com o disposto no artigo 412° do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro de 1995, o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n.º 1 do artigo 379° do mesmo diploma legal.

Por outro lado, e como é sobejamente conhecido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação (art. 412.º, n.º 1 do CPP).

O objecto do recurso interposto pelo arguido, o qual é delimitado pelo teor das suas conclusões, suscita o conhecimento das seguintes questões:

A) A redução da pena parcial aplicada pelo crime de detenção de arma proibida fixando-a próxima num quarto da pena aplicável e, consequentemente, a reduzir a pena única de 6 (seis) anos fixando-a no limite mínimo do cúmulo jurídico, tendo sido violado os artºs 40º e 71º do CP, a quando da ponderação em concreto desta pena.

B) A restituição do telemóvel XIAOMI nos termos do artigo nº 1 do artº 186 do CPP.

Vejamos então:

A sentença sob censura tem o seguinte teor, nos segmentos que ora nos interessam ( e de acordo com o suporte informático enviado pelo tribunal “ a quo”):

(…)

Fundamentação:

Os factos:

Da produção de prova e discussão da causa resultaram provados os seguintes factos, com relevo para o conhecimento da causa:

1. No dia 21 de Janeiro de 2016 pelas 19.55 horas, o arguido circulava na Rua da Ladeira, local conotado com a venda de estupefacientes, conduzindo a viatura de matrícula xx-xx-xx, quando foi mandado parar por agentes da PSP.

2. O arguido não obedeceu imediatamente à ordem de paragem, tendo sido preciso atravessar a viatura policial na via, o que obrigou o arguido a travar e a parar.

3. Nessa altura o arguido lançou da janela uma placa de haxixe que submetida a exame pericial veio a revelar-se ser canábis resina com o peso líquido de 97,415 gramas líquido, com o grau de pureza de 8,8THC, quantidade que corresponde a cerca de 172 doses individuais.

4. Ao sair da viatura foi o arguido submetido a revista tendo sido apreendido na sua posse uma embalagem contendo folhas de cannabis, que submetidas a exame vieram a apresentar o peso líquido de 1,605 gramas, com o grau de pureza de 7,7THC, quantidade que corresponde a cerca de duas doses individuais.

5. Foi ainda apreendido na posse do arguido um moinho, com resíduos de canábis, usado para moer o produto estupefaciente.

6. No dia 21 de Junho de 2016, pelas 10.30 horas foram cumpridos os mandados de busca e apreensão, para a residência do arguido, sita na (…), sendo localizado e apreendido ao arguido, o seguinte de sua pertença:

7. No hall de entrada, na sua mochila: 1 (um) guardanapo com vários pedaços de estupefaciente liamba; 1 (um) pedaço de estupefaciente haxixe; 1 (um) moinho com resíduos de haxixe; - 1 telemóvel de marca XIAOMI.

8. Na garagem, no lugar pertencente ao estacionamento do carro do arguido, dentro de sacos plástico pretos: Vários pés de produto estupefaciente, canábis plantas em estado verdejante; Vários pedaços de haxixe; 19 (dezanove) placas de haxixe; 3 (três) facas com resíduos de haxixe; 1 (uma) tesoura de poda com resíduos de liamba; 1 (uma) balança de marca Philips; 7 (sete) embalagens, Kannabia Kritikal fêmea, cada uma com 1 (uma) semente de Canábis no seu interior; 1 (uma) embalagem Granadina fêmea, com 1 (uma) semente de Canábis no seu interior; 1 (uma) embalagem Jackplant fêmea, com 1 (uma) semente de Canábis no seu interior; 1 (uma) embalagem Critical fêmea, com 1 (uma) semente de Canábis no seu interior; 2 (dois) frascos com vários pedaços de liamba; 1 (uma) caixa com vários pedaços de liamba; 1 (um) moinho com resíduos; 1 arma de fogo marca Pietro Beretta, calibre 6.35mm, com carregador; 39 munições calibre 6.35mm; 1 arma de alarme, marca BBM, com características em tudo semelhantes a uma arma de fogo, com carregador; 1 arma de alarme marca Blow Magnum, sem carregador; e 14 munições calibre .25m;

9. Na posse do arguido após revista foi-lhe apreendido no bolso traseiro um guardanapo contendo 10,18 gramas de Liamba.

10. Foram apreendidos os objectos supra descritos utilizados para a preparação e embalamento de estupefacientes, nomeadamente as facas, pois apresentavam resíduos de estupefacientes.

11. Submetido o produto estupefaciente e os objectos apreendidos a exame no LPC apresentava o mesmo as seguintes características e valores: 1 papel contendo produto vegetal folhas de canábis, com o peso líquido de 5,338 gramas, com o grau de pureza de 11,9 THC, dando tal quantidade/qualidade para fazer 12 doses individuais; 1 papel contendo produto vegetal folhas de canábis, com o peso líquido de 1,183 gramas, com o grau de pureza de 14,5 THC, dando tal quantidade/qualidade para fazer 3 doses individuais; vários pedaços de canábis resina, com o peso líquido de 1,576 gramas, com o grau de pureza de 7,2 THC, dando tal quantidade/qualidade para fazer 2 doses individuais; 1 saco contendo produto vegetal folhas de canábis, com o peso líquido de 537,300 gramas, com o grau de pureza de 12,7 THC, dando tal quantidade/qualidade para fazer 1364 doses individuais; vários pedaços de canábis resina, com o peso líquido de 64,923 gramas, com o grau de pureza de 16,4 THC, dando tal quantidade/qualidade para fazer 212 doses individuais; vários pedaços de canábis resina, com o peso líquido de 7,927 gramas, com o grau de pureza de 28,3 THC, dando tal quantidade/qualidade para fazer 44 doses individuais; 19 placas de canábis resina, com o peso líquido de 1799,900 gramas, com o grau de pureza de 7,3 THC, dando tal quantidade/qualidade para fazer 2627 doses individuais; 10 embalagens contendo sementes de canábis Sativa L, com o peso bruto de 27,749 gramas; 2 frascos contendo produto vegetal folhas de canábis, com o peso líquido de 55,800 gramas, com o grau de pureza de 13,9 THC, dando tal quantidade/qualidade para fazer 155 doses individuais; 1 caixa contendo produto vegetal folhas de canábis, com o peso líquido de 32,900 gramas, com o grau de pureza de 6,2 THC, dando tal quantidade/qualidade para fazer 40 doses individuais; as duas facas, um moinho e a tesoura apresentavam resíduos de canábis.

12. Submetida a pistola semi-automática de marca Beretta a exame pericial apresentava as seguintes características: Modelo 950 B, com o nº M40728, calibre 6,35 mm, percussão central, com o comprimento de cano de 6 cm, com o comprimento total de 12 cm, com capacidade para oito munições, encontrando-se em condições de efectuar disparos.

13. Submetida a arma de alarme de marca Bruni Gap a exame pericial apresentava as seguintes características: Modelo 9mm Pak, com o nº N019743, calibre 9 mm, percussão central, com o comprimento de cano de 18,5 cm, com o comprimento total de 12 cm, com capacidade para onze munições, encontrando-se em condições de funcionamento, mas não de efectuar disparos.

14. Submetida a arma de alarme de marca Blow a exame pericial apresentava as seguintes características: Modelo F92, com o nº 7-01656, calibre 9 mm, percussão central, com o comprimento de cano de 13 cm, com o comprimento total de 22 cm, encontrando-se em condições de funcionamento, mas não de efectuar disparos.

15. Sabia o arguido que é proibido comprar, transportar, guardar, deter a qualquer título, consumir, embalar e vender o referido produto e, não obstante tal conhecimento, quis o arguido agir, como agiu do modo descrito, detendo e guardando pelo menos 18 das placas de cannabis para entregar a terceiros, sendo todo o restante cananbis seu.

16. O arguido não tem licença de uso e porte de arma e bem sabia que a detenção das armas e munições apreendidas é proibida e punida por lei penal ainda assim quis e conseguiu agir do modo descrito.

17. O arguido não possui qualquer declaração da aquisição das referidas armas de alarme.

18. O arguido agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a aquisição e detenção das duas armas de alarme que lhe foram apreendidas careciam de uma declaração aquisitiva ou de aquisição.

19. Por decisão proferida no âmbito do processo comum colectivo 1015/07.3PULSB, da extinta 5ª Vara de Lisboa, actual J14, do Juízo Central Criminal de Lisboa, Comarca de Lisboa, datado de 28.5.2010 e transitado em julgado em 28.10.2011, foi o arguido condenado na pena de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão pela prática em 28.8.2008 de um crime de tráfico de estupefacientes e na pena de 6 (seis) meses de prisão, pela pratica de um crime de detenção de arma proibida e, em cúmulo jurídico na pena única de 5 (cinco) anos e 5 (cinco) meses.

20. O arguido esteve em reclusão desde 18.11.2008 e foi libertado a 3.12.2012.

21. Assim, quando praticou os factos pelos quais vem agora acusado, ainda não tinha decorrido mais de 5 anos sobre a prática dos factos julgados no referido processo descontado o período de reclusão, e pelos quais foi condenado em pena superior a seis meses de prisão no respeita ao crime de tráfico de estupefacientes, mostrando uma clara indiferença ao aviso de que lhe deveria ter servido as anteriores condenações, mantendo a mesma prática e estilo de vinda, sendo que nem uma condenação posterior pelo mesmo tipo de ilícito cuja execução da pena foi suspensa lhe serviu para que cessasse a sua actividade e alterasse o modo de vida.

22. O arguido agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que as condutas acima descritas eram proibidas por lei penal e mera ordenação social.

Provou-se ainda que:

23. O processo de desenvolvimento e socialização do arguido decorreu junto do seu agregado de origem, composto pelos progenitores e por uma irmã, S… actualmente a residir em França, sendo o primeiro filho do casal.

24. O agregado é descrito como afectivo, estruturado e economicamente estável, sendo o progenitor técnico de contabilidade da EDP, actualmente em situação de pré-reforma e prestando assessoria ao Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, e a mãe educadora infantil, actualmente desempregada.

25. Com a idade regulamentada integrou o sistema de ensino, o que decorreu com normalidade e sem retenções. No entanto com 16 anos de idade sofreu um assalto, tendo sido esfaqueado várias vezes, de onde resultou a perfuração do pulmão direito em dois sítios diferentes e tendo ficado em estado critico, o que o obrigou a um período de convalescença prolongado.

26. Tal acontecimento afectou o arguido, que começou a manifestar ataques de pânico, pelo que teve necessidade de ser acompanhado em consultas da especialidade no Hospital Júlio de Matos e em consultas de terapia familiar com o Dr. Daniel Sampaio.

27. Retomou a escola com 17 anos de idade, data em que iniciou o consumo de produtos estupefacientes (haxixe).

28. Nessa altura conheceu a sua actual namorada, Cátia Almeida, com quem se relaciona há cerca de quinze anos.

29. Aos18 anos de idade abandonou a escola sem completar os 11.º e 12.º anos e iniciou o seu percurso laboral como empregado de mesa e balcão no Bar Havai, nas Docas de Lisboa, onde se manteve durante dois anos, tendo posteriormente desempenhado funções em sectores de diferentes actividades, até começar a trabalhar com o pai na empresa de construção civil “Sociocooper”, na qual o progenitor desempenhava as funções de presidente dessa sociedade cooperativa.

30. Nesta fase de sua vida residia sozinho na Buraca, numa habitação dos pais que entretanto se tinham mudado para a Venda do Pinheiro (Mafra), ficando o arguido encarregue de suportar as despesas com o crédito bancário utilizado para aquisição dessa propriedade.

31. Completou o 12º ano no decurso do anterior processo no qual esteve recluso.

32. Em Dezembro de 2012, depois restituído à liberdade, iniciou trabalho como operador de logística na firma “L…” e passou a residir em casa dos progenitores, que entretanto tiveram que entregar a propriedade que possuíam na Buraca devido às dificuldades económicas, decorrentes da conjectura económica que Portugal atravessava no momento.

33. O arguido sempre se terá mantido ocupado, transitando de local de trabalho após o termo dos respectivos contratos, inscrevendo-se em centros de emprego e em empresas de trabalho temporário, conseguindo assim manter-se sempre activo.

34. Em Janeiro de 2016 iniciou trabalho para a empresa “S…”, como chefe de logística, auferindo cerca de € 1.100,00 mensais, com perspectivas de entrar para os quadros dessa empresa.

35. No período que antecedeu a sua prisão, o arguido residia com os progenitores, mantendo com estes um relacionamento saudável e afectuoso, beneficiando do apoio incondicional dos mesmos, assim como do da namorada.

36. O arguido é visto pelos progenitores como uma pessoa muito responsável, capaz de assumir os seus erros, empreendedor, determinado, liberal, amigo e honesto, no entanto também ingénuo nas relações interpessoais.

37. A namorada considera-o muito inteligente, leal e sensível, fora do comum.

38. Em meio prisional mantém uma postura consentânea com as regras e normas vigentes na Instituição, não registando medidas disciplinares.

39. O relacionamento familiar não foi afectado pela presente situação jurídico-penal, uma vez que continua a beneficiar do apoio incondicional dos progenitores, traduzido nas visitas regulares que recebe por parte destes, disponibilizando-se em acolhê-lo após a sua libertação.

40. O seu relacionamento afectivo também não sofreu qualquer contrariedade, continuando a receber o apoio da sua namorada, que o visita.

41. O arguido revela consciência da gravidade da situação em que se encontra envolvido, assumindo que se encontrava em fase activa de consumo de canábis.

42. Aquando da entrada no E.P. foi visto nos serviços clínicos na valência de psicologia clínica na data de 24.06.2016 e em 23.01.2017 em consulta semestral.

43. Na consulta apresentou-se estável, sem problemas em comer ou dormir, sem isolamento social, com boa adaptação no quotidiano do E.P..

44. O arguido padece de esclerose múltipla, asma e alergias ao poliéster e a detergentes.

45. No E.P. efectuou pedido para usufruir de dieta baseada em produtos vegetarianos, o que lhe foi autorizado.

46. Desde a sua entrada no E.P. tem medicação habitual de cloreto de magnésio (1 vez por dia) e Symbicort (2 vezes por dia).

47. O arguido esteve bem de saúde até ao dia 14.12.2016, data em que apresentou queixas de dormência e formigueiro no membro inferior, tendo sido encaminhado para as Urgências do Hospital São Francisco Xavier.

48. Nesta unidade hospitalar efectuou análises clinicas, exames de imagiologia e ECG e foi assistido na especialidade de neurologia e à observação não revelou alterações no exame neurológico, nem quaisquer outras alterações com agravamento.

49. Consta averbado no certificado de registo criminal do arguido que o mesmo já foi julgado e condenado no âmbito do:

I. Processo n.º 1015/07.3PULSB, da extinta 5ª Vara de Lisboa, actual J14, do Juízo Central Criminal de Lisboa, Comarca de Lisboa, por acórdão transitado em julgado em 28.10.2011, na pena de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão pela prática em 28.8.2008 de um crime de tráfico de estupefacientes e na pena de 6 (seis) meses de prisão, pela prática na mesma data, de um crime de detenção de arma proibida e, em cúmulo jurídico na pena única de 5 (cinco) anos e 5 (cinco) meses.

II. Processo n.º 153/14.0SCLSB, do J3, do Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa, Comarca de Lisboa, por decisão transitada em julgado na data de 13.04.2015, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.

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Factos não provados:

1. Que desde pelo menos o início do mês de Janeiro de 2016 que o arguido A... procede diariamente à venda de cannabis a diversos consumidores.

2. Que para o efeito fez uma plantação de cannabis em casa, procedeu à secagem das plantas, preparou-as, pesou-as e dividiu-as em embalagens individuais.

3. Que adquiria também o arguido cannabis sob a forma de resina a terceiros não identificados, e que depois preparava em casa, pesando-o, dividindo-o e embalando-o para posterior venda.

4. Que a balança apreendida em casa do arguido tivesse resíduos de haxixe.

5. Que o arguido vendia o haxixe a diversos consumidores.

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Motivação:

O Tribunal firmou a sua convicção na ponderação, à luz das regras da experiência comum e na livre convicção do julgador, da análise crítica e conjugada do conjunto da prova produzida, nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, excepto quanto aos exames periciais juntos aos autos, concretamente a fls. 247 a 249 (às armas semi-automáticas, munições e armas de alarme apreendidas) e a fls. 61 a 62 e 364 a 365 (quanto ao tipo, qualidade e quantidade dos produtos estupefacientes apreendidos – cannabis em folhas ou cannabis sob a forma de resina e vestígios de tais substâncias existentes nos moinhos, facas e tesoura), cujo juízo científico se presume subtraído à livre convicção, nos termos do disposto no artigo 163.º, n.º 1 do mesmo diploma legal, uma vez que não se vislumbram razões para, no caso concreto, divergir daquele juízo.

A livre apreciação da prova não se confunde com apreciação arbitrária da prova, pois que tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios de experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.

Sendo que a convicção do tribunal é formada, através dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas produzidas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e, ainda, das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, ansiedade, embaraço, desamparo, serenidade, olhares para alguns dos presentes, “linguagem silenciosa e do comportamento”, coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência, de tais declarações e depoimentos.

Com efeito, é ponto assente que a comunicação não se estabelece apenas por palavras mas também pelo tom de voz e postura corporal dos interlocutores e que estas devem ser apreciadas no contexto da mensagem em que se integram. Trata-se de um acervo de informação não-verbal e dificilmente documentável face aos meios disponíveis mas imprescindível e incidível para a valoração da prova produzida e apreciada, segundo as regras de experiência comum. Foi assim, à luz de tais princípios, que se formou a convicção deste Tribunal e consequentemente se procedeu à selecção da matéria de facto positiva e negativa relevante.

No que respeita aos factos provados aos pontos 1 a 14, considerou este Tribunal colectivo em primeiro, o conteúdo dos exames periciais laboratoriais às substâncias estupefacientes apreendidas constantes a fls. 61 a 62 e 364 a 365, no que respeita à prova da quantidade, natureza e grau de pureza de cada um dos pedaços de cannabis sob a forma de resina, de cannabis em folhas e ainda sementes de cannabis apreendidos ao arguido quer na data de 21.01.2016, quer posteriormente na data de 21.06.2016 em sua casa e que permitem concluir, através da aplicação do critério legal, o número de doses individuais para que daria a quantidade de cada um dos produtos de cannabis apreendidos e, em consequência e, por aproximação, as centenas de euros que a cannabis apreendida valeria (por referência aqui, ao conhecimento geral do valor do cannabis na rua em especial sob a forma de resina). Tais exames periciais foram ainda essenciais na prova dos vestígios de cannabis existentes em cada um dos moinhos, na tesoura e nas facas apreendidas ao arguido (e não existentes na balança apreendida, como vinha descrito na acusação). A par e, no que se reporta à detenção e apreensão ao arguido de cada uma das substâncias estupefacientes e demais objectos apreendidos de sua propriedade considerou o Tribunal, no que se reporta aos factos de 21.01.2016 o auto de notícia por detenção de fls. 3 a 4 (porque confirmado em depoimento pela testemunha R…), quanto à data e local dos factos e, bem assim, o auto de apreensão de fls. 7 - da cannabis sob a forma de resina e da cannabis em folhas e do moinho – e, no que se reporta aos factos ocorridos na data de 21.06.2016 e às apreensões efectuadas em casa do arguido (nas diferentes divisões) em tal data, valorou o Tribunal positivamente o conteúdo do auto de busca e apreensão de fls. 96 a 103 e as fotografias de fls. 106 a 107 (porque confirmados em depoimento pela testemunha R…), quanto à data, local e descrição de cada um dos objectos/substâncias apreendidos e locais onde os mesmos foram encontrados. Nesta parte igualmente foram essenciais na convicção do Tribunal os exames periciais efectuados à arma de fogo Beretta de calibre 6,35 mm e às duas armas de alarme, constantes a fls. 247 a 249, para prova das características de cada uma das armas apreendidas ao arguido e, bem assim, o conteúdo dos autos de exame e avaliação às munições apreendidas, constantes a fls. 113 a 116.

Ainda no que se reporta a tais factos e, em consonância com tais elementos periciais e documentais, foi atendido e valorado positivamente pelo Tribunal o depoimento da testemunha R..., agente da PSP, presente e em exercício de funções em cada uma das duas situações provadas nos autos. Que relatou, no que respeita à situação de 21.01.2016, as razões da abordagem ao arguido no local e data dos factos, explicou que o mesmo não imobilizou a viatura à sua ordem de paragem e por isso a necessidade de o colega, que se encontrava na carrinha policial ter atravessado esta na via obrigando o arguido a imobilizar a viatura (o que ocorreu após o arguido ter embatido com a viatura no passeio). Nessa situação, esclareceu que foi a correr atrás do veículo do arguido (porque este não obedeceu à sua ordem de paragem) tendo-o visto atirar pela janela do veículo um objecto castanho que foi apreendido e veio a revelar-se ser cannabis sob a forma de resina. Explicou ainda que o arguido tinha ainda na sua posse cannabis em folhas e um moinho (este que se veio a revelar ter vestígios de cannabis, por naturalmente ter sido usado para moer a cannabis sob a forma de folhas). No que respeita à situação ocorrido na data de 21.06.2016, tal testemunha relatou as razões pelas quais se dirigiu (com os colegas) a casa do arguido naquela data, o modo como confirmaram que o arguido ainda se encontrava em casa quando ali chegaram, tendo ficado à porta do prédio a vigiar a saída daquele o que ocorreu cerca das 08H30 e originou que iniciassem a abordagem, sendo que o arguido, percebendo quem eram e que a ele se dirigiam, não parou a viatura e fugiu, subindo dois passeios. Explicou as demais diligências encetadas (entre inicialmente o terem perseguido, depois o terem perdido, terem-se dirigido ao local de trabalho do arguido e terem regressado ao prédio deste) até conseguirem (pela saída de um vizinho do prédio que abriu a porta) entrar no prédio, já cerca das 10H00. Nesse momento, viram o arguido sair do elevador vindo da garagem (pelo que o mesmo, sem que o tivessem visto, teria voltado a entrar em casa), momento em que deram início à busca. Explicou o modo como decorreu a busca e os locais onde encontraram cada uma das substâncias e objectos apreendidos, tendo relatado que no terraço existia uma casa de madeira (vulgares de jardim) que parecia uma estufa que estava a ser montada ou que estava a ser desmontada (pois tinha muitos vasos com terras, sem plantas e lâmpadas). Referiu ainda que, por cheirar a planta de cannabis no hall do prédio, resolveram ir também à garagem e foi aí, no lugar de estacionamento do arguido, que encontraram quer as armas e munições, quer as placas de cannabis, quer as plantas de cannabis – algumas em ramagem e com porte que coincidia com os vasos vistos na casinha de madeira no terraço -, as sementes de cannabis e todos os demais objectos que não os encontrados no interior da mochila do arguido (encontrando-se todos os objectos, armas e substancias colocados em sacos pretos usados para o lixo). Por último explicou que na arrecadação, no piso da garagem também havia alguns vasos mas todos, com plantas pequenas. Assim, tal depoimento foi valorado positivamente pelo Tribunal, não apenas porque consonante com a demais prova produzida e analisada mas também porque o depoimento foi prestado de forma segura, clara e pormenorizada e apenas tendo sido relatado o visionado e presenciado na data dos factos provados.

A par, o Tribunal valorou as declarações do arguido, que confirmou a detenção de cada um das substâncias e objectos apreendidos em cada uma das datas e relatou no essencial os factos que resultaram provados e do modo como os mesmos resultaram provados. O arguido explicou que a plantação que tinha era toda para seu consumo, e que guardava as placas para as entregar a terceiro, o que ía ocorrer no dia seguinte à sua detenção. Referiu que lhe tinham sido entregues 20 placas de cannabis resina e que faria a entrega de 18, sendo que duas seriam o seu pagamento e que as destinava ao seu consumo e que essa foi a razão porque aceitou a guarda da cannabis. No que respeita às armas e demais objectos, o arguido também confirmou que eram suas e explicou (ainda que de forma pouco consistente) as razões porque as detinha.

Relativamente ao dolo e consciência da ilicitude, sendo o dolo um elemento de índole subjectiva que pertence ao foro íntimo do sujeito, o seu apuramento (com exclusão da situação em que os agentes admitam a intenção directa) ter-se-á de apreender do contexto da acção desenvolvida, cabendo ao julgador – socorrendo-se, nomeadamente, de indícios objectivos, das regras de experiência comum e daquilo que constitui o princípio da normalidade – retirar desse contexto a intenção por ele revelada. Assim, o Tribunal no que respeita à prova do dolo e da consciência da ilicitude o Tribunal conjugou os meios de prova acima identificados, com as regras da experiência comum, e desde logo valorou as declarações prestadas pelo próprio arguido e a assunção do conhecimento dos factos.

No que respeita às condições pessoais, socias, familiares e de saúde actuais e à data dos factos do arguido, foi atendido o relatório social de fls. 798 a 806, confirmado pelo arguido nas suas declarações e ainda, os elementos clínicos de fls. 761 a 764, no que se reporta à situação de assistência médica recebida pelo arguido, em episódio de urgência hospitalar na data de 14.12.2016 (e razões porque foi assistido) e, quanto à situação de saúde no interior do estabelecimento prisional, medicamentos tomados pelo arguido e tipo de alimentação que lhe é proporcionada, considerou o Tribunal o conteúdo do relatório médico (elaborado pelos serviços clínicos do E.P.) de fls. 817 a 818.

Quanto aos antecedentes criminais do arguidos e à sua anterior reclusão (datas de início e de libertação) teve o Tribunal em consideração o conteúdo do C.R.C. junto aos autos a fls. 456 a 760, conjugado com a certidão do acórdão condenatório e demais elementos de reclusão/libertação do arguido e concessão de liberdade definitiva no âmbito do processo n.º 1015/07.3PULSB, constante dos autos a fls. 467 a 739.

Quanto aos factos considerados como não provados, tal juízo probatório estribou-se na circunstância de, em audiência de julgamento, não ter sido efectuada qualquer prova sobre os mesmos, nos termos supra expostos (desde logo porque o arguido os negou, a testemunha não os relatou e não resultam de qualquer outro elemento de prova pericial ou documental analisado e valorado).

Foi em consequência do exposto que foram dados como não provados os factos assim expostos.

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Enquadramento Jurídico-legal:

Importa agora averiguar do enquadramento jurídico-penal decorrente das condutas do arguido que resultaram provadas.

O arguido encontra-se acusado da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo artigo 21.º do DL 15/93, com referência à Tabela I-C, anexa ao mesmo diploma legal em concurso real com um crime de detenção de arma proibida p. p. pelo artigo 86º, nº 1, al. c) d) conjugado com os artigos 2º, nº 3, al. p), e alínea az) e ae) do nº 1, ambos da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro e ainda, da prática, como autor, na forma consumada, de duas contra-ordenações p. e p. pelo Artigo 97º da Lei 5/2006, de 23.2.

Foi ainda requerida pelo Ministério Público a condenação do arguido como reincidente nos termos do disposto nos art.ºs 75 e 76º do C. Penal.

Do crime de tráfico de estupefacientes:

Estabelece o tipo base, ínsito no supra citado artigo 21º do DL 15/93 em causa que: «Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos».

O crime de tráfico de estupefacientes apresenta-se como um crime de acção múltipla e de perigo abstracto ou comum, não exigindo o legislador para a respectiva consumação, a efectiva lesão dos bens jurídicos tutelados com a incriminação e que são designadamente, a vida, a integridade física, a liberdade de determinação dos consumidores e a saúde pública (neste sentido se pronunciaram por todos o Tribunal da Relação de Lisboa em Acórdão de 04/12/2002, C.J., 2002, Tomo V, p. 137 e Supremo Tribunal de Justiça em Acórdão de 01/03/2001, C.J.S.T.J., 2001, I, p. 234).

Não se exige assim, a existência de um dano, nem a colocação em perigo de qualquer dos concretos bens jurídicos protegidos pela incriminação bastando, para o preenchimento do tipo, a perigosidade inerente a tal acção.

Note-se, que o crime de tráfico abarca uma pluralidade de acções e, nem sequer exige, que a detenção de droga se destine à venda, bastando a simples detenção ilícita, salvo se tiver por fim, na totalidade, o consumo próprio do agente.

Não é, pois, necessário que se prove que a substância era destinada à sua cedência a terceiros mediante contrapartida económica embora esta, a existir, não seja indiferente, nomeadamente, a considerar em termos de medida da pena.

O crime de tráfico de estupefacientes é doloso bastando-se com o dolo genérico, que consiste na vontade de praticar qualquer dos actos descritos na previsão normativa (elemento volitivo) e no conhecimento ou representação, por parte do agente, do facto ilícito que realiza (elemento cognitivo ou intelectual).

Dos factos que resultaram provados inexistem dúvidas que o arguido detinha para além do mais, a cannabis sob a forma de resina em 19 placas e em vários pedaços, detinha ainda a cannabis em folhas e as plantas de cannabis e as sementes de cannabis, sendo que, desde logo, pelo menos 18 das placas que guardava eram para entregar a terceiro (pelo que recebeu 2 placas para si) e o demais era seu, também para o seu consumo.

Ficou assim de facto assente a intenção concretizada do arguido, em deter, guardar e de entregar parte da cannabis que tinha na sua posse.

Assim, em termos de vertente objectiva do tipo, não existe qualquer dúvida de que o arguido realizou condutas subsumíveis ao crime de tráfico de estupefacientes, sendo certo que o crime de tráfico de estupefacientes, enquanto crime de perigo, prevê, em qualquer uma das suas modalidades, a protecção do bem jurídico recuada a momentos iniciais da acção, independentemente da produção de qualquer resultado (como já se enunciou). No que se refere à componente subjectiva do tipo em análise, é exigido o dolo para que o tipo seja plenamente preenchido. É o ensinamento que se retira do disposto no artigo 13º do Código Penal (subsidiariamente aplicável aos diplomas penais avulsos, como é o caso da vulgarmente designada Lei da Droga), segundo o qual só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.

Ora, não se encontrando na letra da lei qualquer referência à actuação na forma negligente, só será típico o tráfico de estupefacientes que seja praticado com dolo.

No caso em apreço, e tendo presente o preceituado no artigo 14.º do Código Penal – quanto às modalidades de dolo -, ficou assente que o arguido agiu livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei e conheciam ambos os elemento objectivos do tipo do crime de tráfico de estupefacientes, tendo actuado com intenção de o realizar – através da detenção e guarda da cannabis que quis fazer -, donde resulta que agiram com dolo directo – art. 14º, nº 1, do Código Penal.

Em face do todo o expendido não restam dúvidas pela verificação e preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do crime de tráfico de estupefacientes relativamente ao arguido e pela inexistência de qualquer causa de justificação ou de exculpação, concluindo-se que as condutas do arguido, para além de típicas, são ilícitas e culposas, devendo o mesmo ser condenado, pela prática, de tal ilícito penal.

Do crime de detenção e arma proibida:

O arguido encontra-se ainda acusado da prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 86.º, n.º 1, alíneas c) e d), por referência ao artigo 2.º, n.º 3, alínea p), e n.º 1, alíneas az) e ae)) da Lei 5/2006 de 23 de Agosto.

O crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c) da Lei 5/2006 de 23 de Agosto, é punido com pena de multa até 600 dias ou com pena de prisão de 1 a 5 anos.

E o crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea d) da Lei 5/2006 de 23 de Agosto, é punido com pena de multa até 480 dias ou com pena de prisão de até 4 anos

O bem jurídico protegido pelas incriminações legais em apreço é a segurança da comunidade face aos riscos da circulação e detenção de armas de defesa sem o seu controlo adequado do Estado (neste sentido Paula Ribeiro Faria Comentário Conimbricense., pág. 891). Estamos, pois, perante crimes de perigo comum abstracto, que não lesando de forma directa e imediata qualquer bem jurídico, representam um perigo para bens jurídicos indeterminados, constituído contudo, um risco sério para a vida e integridade física das pessoas e para a segurança e protecção e tranquilidade pública dos cidadãos. São ainda crimes de realização permanente, cujo preenchimento se mantém enquanto durar a forma de actuação.

Ao nível do tipo objectivo, pune-se a detenção, abrangendo a simples disponibilidade da arma e o porte de arma, que se refere à disponibilidade consciente e voluntária de detenção de uma arma, com a possibilidade da sua utilização imediata, tratando-se de um "trazer consigo", que pressupõe uma ideia de movimento (ou de disponibilidade e/ ou utilização imediata) por parte do detentor da arma.

Quanto ao elemento subjectivo, o tipo legal exige o dolo, conforme dispõe o artigo 14º do Código Penal, consistindo o mesmo na consciência de deter (transportar, usar, etc.) a arma ilegalmente.

A tais disposições legais acresce, em face dos instrumentos e armas de que o arguido eram detentor, o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alíneas p) e az) – arma de fogo e pistola – e n.º 3 p) (munições), e artigo 3.º, n.º 4, alínea a) – relativo á classe B1 da pistola semi-automática de calibre 6.35mm, todos da Lei 5/2006 de 23 de Agosto.

O bem jurídico protegido pela incriminação legal em apreço é a segurança da comunidade face aos riscos da circulação e detenção de armas de defesa sem o seu controlo adequado do Estado (neste sentido Paula Ribeiro Faria Comentário Conimbricense., pág. 891).

Estamos, pois, perante crime de perigo comum abstracto, que não lesando de forma directa e imediata qualquer bem jurídico, representa um perigo para bens jurídicos indeterminados, constituído contudo, um risco sério para a vida e integridade física das pessoas e para a segurança e protecção e tranquilidade pública dos cidadãos. São ainda crimes de realização permanente, cujo preenchimento se mantém enquanto durar a forma de actuação.

Ao nível do tipo objectivo, pune-se a detenção, abrangendo a simples disponibilidade da arma e o porte de arma, que se refere à disponibilidade consciente e voluntária de detenção de uma arma ou das munições, com a possibilidade da sua utilização imediata, tratando-se de um "trazer consigo", que pressupõe uma ideia de movimento (ou de disponibilidade e/ ou utilização imediata) por parte do detentor de tais objectos e arma.

Quanto ao elemento subjectivo, o tipo legal exige o dolo, conforme dispõe o artigo 14º do Código Penal, consistindo o mesmo na consciência de deter (transportar, usar, etc.) a arma ilegalmente.

Anote-se ainda que, pese embora a conduta do arguido de detenção da arma de fogo 6,35 e das munições, preencha duas alíneas do crime de detenção de arma proibida (artigo 86.º, n.º 1, alíneas c) e d) da Lei 5/2006), entende-se, como se entendeu na acusação que estamos apenas perante a prática de um crime e não de dois crimes de detenção de arma proibida (pois outro raciocínio teria que valer também para o número de munições detidas em concreto),pois que, perante os factos provados, presidiu à conduta do arguido uma única resolução criminosa, ou seja, verifica-se estarmos perante um caso de concurso legal de normas, aparente ou impuro, uma vez que, embora o comportamento do arguido se subsuma a várias previsões normativas, apenas uma delas é aplicável ao facto, por esgotar inteiramente o conteúdo da sua ilicitude e dos juízos de censura (a este propósito Eduardo Correia, in Direito Criminal, II, reimpressão, Coimbra Editora, 1971, p. 203 a 212).

Cabe assim salientar que, perante as normas concorrentes aparentemente aplicáveis, verifica-se uma relação de consunção impura, uma vez que, o crime previsto no artigo 86.º, n.º 1, alínea c) da Lei supra referida inclui a protecção visada pelo crime previsto no mesmo normativo na alínea d) e aqui, independentemente do número de munições detidas pelo arguido no mesmo momento temporal . Daí que, com fundamento na regra “ne bis idem” se tenha de concluir que “lex consumens derogat legi consumtae”.

Razão pela qual conclui este tribunal que, atenta a conduta do arguido e as regras supra enunciadas, será o mesmo apenas condenado pela prática de um crime de detenção de arma proibida previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c) da lei 5/2006.

Não se verifica no caso qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, não restando dúvidas que o arguido praticou o crime de detenção de arma proibida, pelo que se impõe decidir pela sua condenação pela prática de tal ilícito.

Das contra-ordenações de detenção ilegal de arma para as armas de alarme :

Ora, o arguido encontra-se ainda acusado da prática duas contra-ordenações pela detenção de duas armas de alarme, prevista e punível nos termos do art. 97º da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro.

Ora, se é verdade que tal resultou provado, uma vez que o arguido detinha de sua propriedade também duas armas de alarme, o certo é que o raciocínio que acima se fez, para a sua condenação apenas pela prática de um crime de detenção ilegal de arma, quanto à detenção da pistola 6,35 e das munições, terá igualmente aqui de ser efectuado, pelo que, se verifica igualmente uma relação de consunção impura, uma vez que, o crime previsto no artigo 86.º, n.º 1, alínea c) da Lei supra referida inclui a protecção visada pelas contra-ordenações enunciadas no artigo 97.º da referida Lei.

Pelo que se impõe, sem necessidade de quaisquer outras considerações, a absolvição do arguido no que a tais contra-ordenações importa, o que se decide.

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Determinação e medida concreta da pena:

Enquadrada a conduta do arguido da forma supra descrita, cumpre proceder à determinação das penas a aplicar em concreto, pela prática de cada um dos crimes que resultaram provados.

A moldura penal abstracta prevista na lei para o crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, corresponde uma pena abstracta de prisão entre 4 a 12 anos e,

Ao crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c) da Lei 5/2006, é abstractamente aplicável uma pena de prisão de 1 a 5 anos ou pena de multa até 600 dias.

No que concerne ao crime de tráfico de estupefacientes delimitada que está assim pela lei, a modalidade de pena a aplicar ao arguido, importa aferir apenas da medida concreta da mesma.

No que se reporta ao crime de detenção de arma proibida, à luz do preceituado no artigo 70.º do Código Penal, sempre que sejam, em alternativa, aplicáveis pena privativa e pena não privativa da liberdade, importa que o Tribunal exerça um juízo de preferência à segunda, quando entenda que esta realiza, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.

Este preceito espelha o princípio da subsidiariedade do direito penal e o carácter nocivo das penas detentivas da liberdade, como uma das ideias fundamentais subjacente ao sistema punitivo do nosso Código Penal: a «reacção contra as penas institucionalizadas ou detentivas, por sua própria natureza lesivas do sentido ressocializador que deve presidir à execução das reacções penais» (Robalo Cordeiro, in «Escolha e Medida da Pena», Jornadas de Direito Criminal, CEJ, p. 238).

Ora, no caso concreto, verifica-se que o arguido já tem antecedentes criminais e pela prática também de um crime de detenção ilegal de arma, sendo que já lhe foram aplicadas duas penas de prisão (uma das quais suspensa na sua execução), sendo que sequer estas se bastaram bastante para o afastar de voltar a praticar crimes (e da mesma natureza), a que acresce que o crime de detenção de arma proibida foi praticado no contexto em que detinha conjuntamente produto estupefaciente com as armas e as munições, verificando-se um grau de ilicitude muito elevado.

Sopesando as circunstâncias supra descritas, mostram-se assim, elevadíssimas as necessidades de prevenção especial, pelo que a pena de multa não se basta, para exprimir o juízo de censura sobre a conduta do arguido e satisfazer as finalidades de prevenção geral e especial, impondo-se a opção pela pena de prisão.

Delineadas que estão as modalidades de cada uma das penas a aplicar ao arguido, importa aferir da medida concreta das mesmas que, em caso algum, podem ultrapassar a medida da culpa, devendo fazer-se intervir nesta sede a ponderação dos fins de prevenção geral e especial a que se submetem as penas e as medidas de segurança, nos termos do disposto no artigo 40.º, nºs 1 e 2 do Código Penal.

Pois que, a lei «através do requisito que sejam levadas em conta as exigências da prevenção, dá lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena. Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime – ligada ao mandamento incondicional de respeito pela iminente dignidade da pessoa do agente – limita de forma inultrapassável as exigências de prevenção» (Figueiredo Dias, In Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Notícias Editorial, p. 281).

Na ponderação das penas concretamente aplicáveis cumpre atender também aos critérios estabelecidos no artigo 71.º do Código Penal, sendo que as penas devem ser determinadas em função da culpa dos agentes e das exigências de prevenção especial de socialização e geral de integração que ao caso se imponham, tendo-se em conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, deponham a favor ou contra os arguidos.

Pode apelar-se nesta parte ao que se escreveu no Acórdão do STJ de 2 de Março de 1994 que, “Na prevenção geral visa-se proteger as expectativas da comunidade na manutenção ou reforço da validade da norma infringida e reforçar a consciência jurídica da comunidade. Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral devem actuar os pontos de vista de prevenção especial ou de socialização, decisivos para a determinação da medida da pena: esta deve, dentro do possível, servir a reintegração do agente na comunidade” (In BMJ, 435º, p. 499).

Assim, na pena a aplicar, há que ponderar as exigências de prevenção geral, que constituirão o limiar da punição, sob pena de ser posta em risco a função tutelar do direito e as expectativas comunitárias na validade da norma violada. Ainda há que atender, às exigências de culpa do agente, limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas, por respeito ao princípio político-criminal da necessidade da pena e ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (artigos 1º e 18º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa).

Por último, cumpre considerar as exigências de prevenção especial de socialização, sendo elas que irão determinar, em último termo, e dentro dos limites referidos, a medida concreta da pena.

As finalidades de prevenção e de reprovação de cada um dos crimes em apreço são muito elevadas e é igualmente elevado o número de crimes desta natureza pela inusitada frequência com que este ilícito vem sendo praticado e é por demais conhecida a sua danosidade social, desde logo em termos de alarme social e de sentimento de insegurança na comunidade, na vertente de que a entrega e possibilidade com isso de cedência a terceiros de estupefacientes, trata em último lugar de vender a “morte” aos poucos, com a degradação inerente da pessoa humana e da sociedade em geral.

Quanto às exigências de prevenção especial importa considerar:

- a culpa que assenta no dolo directo, relativamente a cada um dos crimes;

- o grau de ilicitude: que quanto ao crime de tráfico de estupefacientes é elevado, atentas as circunstâncias que envolveram a prática dos factos e a razão da sua prática – os lucros fáceis derivados do simples transporte e guarda de produtos estupefacientes e aqui em concreto da cannabis, por correspondência aos avultados lucros que derivam da venda de tal substancia aditiva e o valor que a mesma representa no mercado de rua e assim, por reporte ao lucro fácil que advém da sua guarda e transporte; ainda o grau de pureza que apresentava a cannabis, a diferente natureza da cannabis apreendida – resina, folhas e sementes; as quantidades detidas – num total de 632,521 de cannabis sob a forma de folhas, 1874,326 gramas de cannabis sob a forma de resina e 27,749 gramas sob a forma de sementes, que por aplicação do critério legal daria respectivamente para 1574 doses (folhas de cannabis) e 2885 doses (resina de cannabis) - e bem assim, o fácil lucro que adviria para o arguido (mesmo que sob a forma de duas placas de cannabis resina), sendo aqui de sopesar que o arguido trabalhava e auferia mensalmente quantia superior a € 1.000,00;

- o grau de ilicitude: quanto ao crime de detenção de armas proibidas que é elevado, atento o tipo de armas detidas – uma pistola 6,35 mm, as munições detidas dois calibres distintos e as duas armas de alarme, sendo ainda de sopesar a quantidade munições detidas – 53 munições no total;

- Por outro lado: as condenações anteriores sofridas pelo arguido em crimes de idêntica natureza – pois já foi condenado pelo crime de tráfico de estupefacientes e pelo crime de trafico de menor gravidade e igualmente pelo crime de detenção de arma proibida, já tendo cumprido pena de prisão efectiva, o que se mostra contrabalançado com a personalidade do arguido, revelada nas condutas mantidas em sede de julgamento, ressaltando a assunção dos factos, a inserção familiar com consistência e a ligação afectiva próxima que mantém e que o apoia, o estado de saúde do arguido que sofre de esclerose múltipla e a sua idade – contando com 33 anos de idade.

Assim sendo, atentas as molduras penais aplicáveis ponderando, então, todo o circunstancialismo descrito, sopesando as atenuantes e, globalmente, a culpa do arguido, sendo esta reconduzível a um juízo valorativo que atende a todos os elementos aduzidos e conjugando-os com regras de experiência comum e com apelo, ainda, a elementos relativos à lógica, à moral e ao direito, entende o Tribunal (sem olvidar a jurisprudência dos tribunais superiores nesta matéria e alguma necessidade de encontrar parâmetros igualizadores das penas aplicadas em circunstâncias semelhantes), como justa, adequada a fixação de uma pena de prisão próxima do quarto da pena quanto ao crime de detenção de arma proibida e próxima, mas ainda abaixo do quarto da pena, quanto ao crime de tráfico de estupefacientes, que se situará acima dos 5 (cinco) anos de prisão.

Da reincidência:

Como já se disse, vem imputada ao arguido a prática dos factos com a circunstância modificativa comum, que altera a medida abstracta da pena, agravando-a, por funcionamento da reincidência, p. e p. nos artigos. 75.º e 76.º do Código Penal.

Esta agravação alicerça-se no elevado grau de censura de que o delinquente se mostrou passível, uma vez que o novo facto demonstra que a anterior condenação não lhe serviu de prevenção contra a prática de crimes.

Nos termos do disposto no artigo 75.º do Código Penal constituem pressupostos formais da punição por reincidência a prática, em autoria material ou em comparticipação, de um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a 6 meses e, a ocorrência de anterior condenação transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso, cometido há menos de 5 anos, devendo descontar-se o tempo que o agente cumpriu de medida processual, pena ou medida de segurança privativas de liberdade (cf. nº 2 do art. 75 do Código Penal). Acresce a verificação do referido pressuposto material de que, segundo as circunstâncias do caso concreto, se mostre que a condenação anterior não serviu ao agente como suficiente advertência relativamente à prática de novos crimes.

Tal como escreveu Figueiredo Dias “é no desrespeito ou desatenção do agente por esta advertência que o legislador vê fundamento para uma maior censura e portanto para uma culpa agravada relativa ao facto cometido pelo reincidente. É nele, por conseguinte, que reside o lídimo pressuposto material – no sentido de «substancial», mas também no sentido de pressuposto de funcionamento «não automático» - da reincidência” (Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Reimpressão, Coimbra Editora, 2005, p. 268).

Compulsados os factos provados verifica-se estarem reunidos todos os pressupostos para o funcionamento da instituto da reincidência na pessoa do arguido no que se reporta ao crime de tráfico de estupefacientes, já que o pressuposto formal da ocorrência de uma anterior condenação transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso se mostra verificado (tendo ocorrido uma condenação do arguido em 5 anos e 3 meses de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, crime pelo qual foi condenado no âmbito do processo referido em 19 dos factos provados), o mesmo ocorrendo quanto ao requisito de que o crime anterior tenha sido cometido há menos de 5 anos, por se ter de descontar neste período o tempo que o agente cumpriu de pena privativa da liberdade - pois que o crime anterior foi por factos datados de 28.08.2008 (facto ao ponto 19), os factos praticados nestes autos ocorreram nas datas de 21.01.2016 e de 21.06.2016 e o arguido esteve em situação de reclusão em cumprimento de medida de coacção seguida de cumprimento de pena entre 18.11.2008 e 03.12.2012. Acresce que, se concluiu ainda pela aplicação ao arguido de uma pena de prisão efectiva situada próxima do quarto da pena, mas nunca inferior a 5 anos de prisão, pelo que se encontra também preenchido o pressuposto formal da punição por reincidência, quando impõe que o arguido deva ser punido com prisão efectiva superior a 6 meses.

Acresce que a pena de prisão em que o arguido foi condenado no âmbito do processo n.º 1015/07.3PULSB, reporta-se não apenas a factos anteriores aos em apreciação nestes autos (os factos aqui em apreciação ocorreram nas datas de 21.01.2016 e 21.06.2016 e naqueles autos ocorreram na data de 28.08.2008), a condenação foi proferida e transitou em julgado em data anterior aos factos aqui em apreciação (já que a decisão foi proferida na data de 28.05.2010 e o transito em julgado ocorreu em 28.10.2011), sendo ainda de notar que o arguido ali foi condenado também pelo crime de tráfico de estupefacientes, verificando-se assim igualmente que a condenação anterior não serviu ao arguido como suficiente advertência relativamente à prática de novos crimes.

Assim, dúvidas não restam, em face do raciocínio jurídico que já se deixou exposto, que a acção do arguido nestes autos no que respeita ao crime de tráfico de estupefacientes preenche o pressuposto formal aludido para a sua punição como reincidente, pelo que se condena o mesmo nestes termos, quanto a tal crime.

Diferentemente, quanto ao crime de detenção de arma proibida, pois que não se mostra preenchido um dos pressupostos formais para a sua punição com a agravante da reincidência, já que, o arguido foi condenado no processo n.º 1015/07.3PULSB também pela prática de um crime de detenção de arma proibida, mas na pena de 6 meses de prisão, pelo que não se mostra preenchido o pressuposto formal de que a punição anterior tem de ser em pena de prisão superior a 6 meses.

Assim, decide este Tribunal colectivo condenar o arguido pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes como reincidente e absolvê-lo da reincidência no que se reporta à punição do crime de detenção de arma proibida.

Como efeitos da reincidência deve o juiz elevar o limite mínimo da pena em um terço, mantendo-se inalterado o limite máximo, nos termos dos artigos 75.º e 76.º do C. Penal, de onde resulta que a pena a aplicar se situará entre 5 anos e 4 meses e o limite máximo mantém-se em 12 anos de prisão.

Assim, em face dos critérios supra expendidos nas considerações de prevenção especial do arguido, as molduras penais aplicáveis a cada um dos ilícitos, sopesando as atenuantes e, globalmente, a culpa do arguido, sendo esta reconduzível a um juízo valorativo que atende a todos os elementos aduzidos e conjugando-os com regras de experiência comum e com apelo, ainda, a elementos relativos à lógica, à moral e ao direito, entende este Tribunal colectivo (sem olvidar a jurisprudência dos tribunais superiores nesta matéria e alguma necessidade de encontrar parâmetros igualizadores das penas aplicadas em circunstâncias semelhantes), como justa, adequada e necessária a condenação:

- pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, com a circunstância agravante da reincidência, na pena 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão; e

- pela prática de um crime de detenção de arma proibida na pena 2 (dois) anos de prisão.

*

Nos termos do artigo 77º, n.º 1 do Código Penal os crimes pelos quais o arguido foi condenado encontram-se em relação de concurso, pelo que importa proceder à realização do cúmulo jurídico das penas que lhe foram aplicadas.

O arguido será então condenado numa única pena, resultante de uma avaliação conjunta dos factos e da sua personalidade, num quadro de combinação das penas parcelares à luz do princípio do cúmulo jurídico.

A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas aplicadas aos vários crimes, isto é, in casu 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas, ou seja 5 (cinco) anos e 6 (seis) de prisão.

É de atender, ao facto de, por um lado, os crimes praticados serem muito graves nos termos acima expressos e ao período temporal em que os mesmos foram praticados e persistiu a actuação ilícita do arguido, à idade deste, à existência de antecedentes criminais por factos de idêntica natureza e pelo mesmo tipo de crime aos praticados nestes autos, e à personalidade evidenciada em sede de audiência de julgamento, nos termos acima expressos.

Tudo ponderado, afigura-se a este Tribunal colectivo ajustado, por adequado e suficiente a condenação do arguido na pena única de 6 (seis) anos de prisão.

*

Dos objectos apreendidos:

Nos termos do preceituado no artigo 109.º, n.º 1 do Código Penal, são declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico, ou que por este tiverem sido produzidos, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos.

No que respeita aos produtos estupefacientes, existem normas especiais para fundamentar o respectivo perdimento e destruição, como sejam os arts. 35º, n.º 2 e 62º, n.ºs 5 e 6 do D.L. n.º 15/93, de 22 de Janeiro. Acresce que também no artigo 35.º, n.º 1 supra referido se prevê o perdimento a favor do Estado dos objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infracção prevista naquele diploma.

Assim, declaram-se perdidas a favor do Estado todas as substâncias estupefacientes apreendidas nos autos – cannabis em todas as suas formas -, ordenando-se a respectiva destruição.

Declaram-se igualmente perdidos a favor do Estado, os moinhos, as facas e a tesoura porque detêm vestígios de cannabis e, bem assim a balança e o telemóvel, ordenando-se a respectiva destruição.

No que se reporta à pistola 6,35 mm, às munições e às armas de alarme apreendidas, são declaradas perdida a favor do Estado, na medida em que pela sua própria natureza, são susceptíveis de pôr em perigo a segurança das pessoas.

De resto, no seguimento do decidido no Acórdão da RL de 12-05-1982, BMJ n.º 323, pág. 427, sempre tal solução seria a imposta, na medida em que “A falta de manifesto e registo importa sempre a perda do armamento e munições para o Estado, quer constituam quer não prova, objecto ou instrumento do crime ou contravenção e qualquer que seja a decisão a respeito desta (condenatória ou absolutória)”.

Pelo que se declaram a pistola 6,35 mm, as munições e as armas de alarme apreendidas, perdidas a favor do Estado e, se determina a sua afectação à PSP, nos termos do disposto no art.º 78.º da Lei 5/2006 de 23.02.

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Da recolha de amostra de ADN:

Nos termos do art. 8º, n.º 1 da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro (que aprovou a criação de uma base de dados de perfis de ADN para fins de identificação civil e criminal), “a recolha de amostras em processo-crime é realizada a pedido do arguido ou ordenada, oficiosamente ou a requerimento, por despacho do juiz, a partir da constituição de arguido, ao abrigo do disposto no art. 172º do Código de Processo Penal”.

Por seu turno, dispõe o n.º 2 do preceito citado:

“Quando não se tenha procedido à recolha de amostra nos termos do número anterior, é ordenada, mediante despacho do juiz de julgamento, e após trânsito em julgado, a recolha de amostras em condenado por crime doloso com pena concreta de prisão igual ou superior a 3 anos, ainda que esta tenha sido substituída”.

As entidades competentes para a análise laboratorial em causa são, nos termos do art. 5º, n.º 1, o Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária e o Instituto Nacional de Medicina Legal.

Tendo em conta a gravidade do crime cometido pelo arguido e a pena parcelar (no crime de tráfico de estupefacientes superior a 3 anos de prisão) em que foi condenado, impõe-se ordenar a recolha de amostra de ADN ao arguido, após o trânsito em julgado da presente decisão, para criação de base de dados de perfis de ADN, nos termos do disposto no artigo 8.º, n.º 2 da Lei 5/2008 de 12.02 e ainda para os fins previstos no art. 18º, n.º 3 do mesmo diploma legal.

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Custas Processuais

Nos termos dos arts. 513º e 514º do Código de Processo Penal, com a redacção introduzida pelo D.L. n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, aplicável ao caso presente por força do disposto no art. 27º, n.º 1 do referido diploma legal, o arguido condenado em primeira instância é responsável pelo pagamento de taxa de justiça, sempre a título individual e dos encargos a que a sua actividade houver dado lugar, sendo a taxa de justiça fixada pelo juiz, a final, nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais, ou seja, em conformidade com o estatuído pelo art. 8º, n.º 9 e com a tabela III anexa ao mesmo diploma. In casu, face à complexidade dos presentes autos, e sem prejuízo da situação económica do arguido, reputa-se como adequada a fixação individual da taxa de justiça em 4 (quatro) Uc´s. Quanto aos encargos, serão os que, individualmente a final vierem a ser contabilizados, em conformidade com o preceituado no art. 16º do Regulamento das Custas Processuais.

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Decisão:

Nestes termos e, em face do exposto, julga este Tribunal Colectivo a acusação procedente por provada e, em consequência, decide:

A. Condenar o arguido A... pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. E p. Pelo artigo 21º nº 1 do Dec. Lei nº 15/93 de 22.01, por referência às tabelas I-C anexa àquele diploma legal, como reincidente, na pena resultante de tal circunstância agravante de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

B. Condenar o arguido A... pela prática, em autoria material, de um crime detenção de arma proibida, p. E p. Pelo artigo 86º, nº 1, alíneas c) e d) conjugado com os artigos 2º, nº 3, al. P), e alínea az) do nº 1, ambos da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 2 (dois) anos de prisão.

C. Absolver o arguido A... da circunstância modificativa agravante da reincidência quanto ao crime de detenção de arma proibida.

D. Em cúmulo jurídico condenar o arguido A... na pena única de 6 (seis) anos de prisão.

E. Absolver o arguido A... da prática de duas contra-ordenações p. E p. Pelo artigo 97º da Lei 5/2006, de 23.2.

F. Tendo em conta a gravidade do crime cometido pelo arguido A... e a pena em, que foi condenado, ordenar a recolha de amostra de ADN ao arguido, para criação de base de dados de perfis de ADN, nos termos do disposto no artigo 8.º, n.º 2 da Lei 5/2008 de 12.02.

G. Declarar perdidas a favor do Estado todas as substâncias estupefacientes apreendidas nos autos – cannabis em todas as suas formas -, ordenando-se a respectiva destruição.

H. Declarar perdidos a favor do Estado, os moinhos, as facas e a tesoura porque detêm vestígios de cannabis e, bem assim a balança e o telemóvel, ordenando-se a respectiva destruição.

I. Declarar perdidas a favor do Estado a pistola 6,35 mm, as munições e as armas de alarme apreendidas, e determinar a sua afectação à PSP, nos termos do disposto no art.º 78.º da Lei 5/2006 de 23.02.

J. Condenar o arguido A... em taxa de justiça que se fixa em 4 (quatro) UC´s e nas demais custas do processo, fixando-se a procuradoria pelo mínimo, tudo nos termos do disposto nos artigos nos termos do disposto nos artigos 513.º, 514.ºdo Código Processo Penal, e artigo 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Judiciais e Tabela III, ao mesmo anexa.

Conhecendo, dir-se-á:

Já acima se delimitou o âmbito do conhecimento do recurso interposto pelo arguido perante este Tribunal.

No entanto e “brevitatis causa, expenderemos a tal propósito, como vestibular, o seguinte:

O recurso é um meio de impugnação de decisão judicial, que tem por finalidade a eliminação dos defeitos da decisão injusta ou inválida ainda não transitada em julgado, submetendo-a a uma nova apreciação por outro órgão jurisdicional hierarquicamente superior, ou a correcção de uma decisão já transitada em julgado.

O recurso pode ser estruturado com uma de duas finalidades: remediar o eventual erro do juiz ou Tribunal ou constituir meio de sindicar a decisão de um órgão judicial por outro, em regra hierarquicamente superior. (…)

No direito Português antigo as decisões finais condenatórias em processo penal não passavam em julgado sem reapreciação da questão em segundo julgamento; ainda que a acusação ou defesa não recorressem, o juiz era obrigado a recorrer “ por parte da justiça” (vide Ordenações Filipinas, Livro V, tit.CXXII).

Reflexo ainda desta orientação, também o CPP de 1929 impunha o recurso obrigatório por parte do MºPº das sentenças condenatórias que impusessem penas graves, submetendo necessariamente a decisão condenatória a uma nova apreciação jurisdicional ainda que não fossem invocados vícios da decisão recorrida.

O recurso no Código de 1929 tinha pois uma ou outra das duas finalidades apontadas: correção de erro da decisão ou sindicância da decisão (vide CPP de 1929, artigo 473 único, O MºPº recorrerá sempre das decisões condenatórias que impuserem qualquer das penas maiores fixadas nos números 1º, 2º, 3º e 4º do artº 55º ou dos nºs 1º, º , 3º e 4º do artigo 57º do código Penal, tendo o recurso efeito suspensivo/ Ainda na redacção dada ao § único do artº 473º pelo DL 402/82 de 23.09 se dispunha: O MºPº recorrerá sempre das decisões condenatórias que impuserem pena de prisão em medida superior a oito anos).

Não é assim hoje no código vigente. O recurso, referindo-nos agora ao recurso ordinário, tem sempre por fim corrigir um vício da decisão recorrida e por isso ele só pode ser interposto por quem se considerar afectado por esse vício e tiver interesse que seja remediado. È isto também que justifica aliás a proibição de reformatio in pejus(…)

Também a questão do duplo grau de jurisdição está hoje ultrapassada porque na 4ª revisão Constitucional foi alterado o nº 1 do artº 32º da constituição acrescentando-se ao texto originário- o processo criminal assegura todas as garantias de defesa- incluindo o recurso.

O direito ao recurso é, pois, a partir da 4ª reforma Constitucional um direito fundamental e como decorrência necessária o Código consagra o direito de recurso em todas as formas de processo (exceptua-se o processo sumaríssimo porque é manifestação de justiça consensual).

Vide, Direito Processual Penal Português, do procedimento (marcha do processo), vol.III, Germano Marques da Silva- UCP.

Considerando-se obviamente, o recurso interposto pelo arguido inexistem questões prévias a decidir e é patente que não foi manifestamente impugnada a matéria de facto que foi dada como assente no acórdão recorrido, nem este padece de vícios de conhecimento oficioso.

Face à matéria submetida no ressente recurso e já acima transcrita, diremos.

Diz-nos o artº 40º do Cod. Penal que a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (nº 1) e que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (nº 2).

A medida da pena será encontrada em função da necessidade de socialização do agente (prevenção especial positiva ou de integração) e de advertência individual.

Como bem referem Leal-Henriques e Simas Santos, “Código Penal anotado”, 3ª ed., 564, o nosso direito penal acolheu as seguintes proposições conclusivas, formuladas por Figueiredo Dias:

“- a finalidade primária da pena é o «restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime» (prevenção geral positiva de integração – artºs 18º, nº 2 da CRP e 40º, nº 1 do CP;

O art. 40.º, do Código Penal, refere, nos seus n.º 1 e 2, que a aplicação de penas e de medidas de segurança visam a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

"...com a inserção deste dispositivo estiveram no pensamento legislativo somente razões pragmáticas. Tratou-se tão só de dar ao intérprete e ao aplicador do direito criminal critérios de escolha e de medidas das penas e das medidas de segurança, em vista de serem atingidos os fins últimos para os quais todos os outros convergem, que são a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do delinquente na sociedade." (Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado, 15.ª ed., fls. 172).

- esta finalidade primária não posterga o efeito, meramente lateral, causado pela pena em termos de prevenção geral negativa ou de intimidação geral;

- dentro dos «limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração» a medida concreta ou inocuização (prevenção especial negativa);

- a culpa não é fundamento da pena, mas tão-somente o seu limite inultrapassável (vd. artº 40º, nº 2 do CP)”.

O Tribunal a quo considerou adequado, no caso em apreço, sancionar o arguido nos seguintes termos:

(…)

Determinação e medida concreta da pena:

Enquadrada a conduta do arguido da forma supra descrita, cumpre proceder à determinação das penas a aplicar em concreto, pela prática de cada um dos crimes que resultaram provados.

A moldura penal abstracta prevista na lei para o crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, corresponde uma pena abstracta de prisão entre 4 a 12 anos e,

Ao crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c) da Lei 5/2006, é abstractamente aplicável uma pena de prisão de 1 a 5 anos ou pena de multa até 600 dias.

No que concerne ao crime de tráfico de estupefacientes delimitada que está assim pela lei, a modalidade de pena a aplicar ao arguido, importa aferir apenas da medida concreta da mesma.

No que se reporta ao crime de detenção de arma proibida, à luz do preceituado no artigo 70.º do Código Penal, sempre que sejam, em alternativa, aplicáveis pena privativa e pena não privativa da liberdade, importa que o Tribunal exerça um juízo de preferência à segunda, quando entenda que esta realiza, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.

Este preceito espelha o princípio da subsidiariedade do direito penal e o carácter nocivo das penas detentivas da liberdade, como uma das ideias fundamentais subjacente ao sistema punitivo do nosso Código Penal: a «reacção contra as penas institucionalizadas ou detentivas, por sua própria natureza lesivas do sentido ressocializador que deve presidir à execução das reacções penais» (Robalo Cordeiro, in «Escolha e Medida da Pena», Jornadas de Direito Criminal, CEJ, p. 238).

Ora, no caso concreto, verifica-se que o arguido já tem antecedentes criminais e pela prática também de um crime de detenção ilegal de arma, sendo que já lhe foram aplicadas duas penas de prisão (uma das quais suspensa na sua execução), sendo que sequer estas se bastaram bastante para o afastar de voltar a praticar crimes (e da mesma natureza), a que acresce que o crime de detenção de arma proibida foi praticado no contexto em que detinha conjuntamente produto estupefaciente com as armas e as munições, verificando-se um grau de ilicitude muito elevado.

Sopesando as circunstâncias supra descritas, mostram-se assim, elevadíssimas as necessidades de prevenção especial, pelo que a pena de multa não se basta, para exprimir o juízo de censura sobre a conduta do arguido e satisfazer as finalidades de prevenção geral e especial, impondo-se a opção pela pena de prisão.

Delineadas que estão as modalidades de cada uma das penas a aplicar ao arguido, importa aferir da medida concreta das mesmas que, em caso algum, podem ultrapassar a medida da culpa, devendo fazer-se intervir nesta sede a ponderação dos fins de prevenção geral e especial a que se submetem as penas e as medidas de segurança, nos termos do disposto no artigo 40.º, nºs 1 e 2 do Código Penal.

Pois que, a lei «através do requisito que sejam levadas em conta as exigências da prevenção, dá lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena. Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime – ligada ao mandamento incondicional de respeito pela iminente dignidade da pessoa do agente – limita de forma inultrapassável as exigências de prevenção» (Figueiredo Dias, In Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Notícias Editorial, p. 281).

Na ponderação das penas concretamente aplicáveis cumpre atender também aos critérios estabelecidos no artigo 71.º do Código Penal, sendo que as penas devem ser determinadas em função da culpa dos agentes e das exigências de prevenção especial de socialização e geral de integração que ao caso se imponham, tendo-se em conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, deponham a favor ou contra os arguidos.

Pode apelar-se nesta parte ao que se escreveu no Acórdão do STJ de 2 de Março de 1994 que, “Na prevenção geral visa-se proteger as expectativas da comunidade na manutenção ou reforço da validade da norma infringida e reforçar a consciência jurídica da comunidade. Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral devem actuar os pontos de vista de prevenção especial ou de socialização, decisivos para a determinação da medida da pena: esta deve, dentro do possível, servir a reintegração do agente na comunidade” (In BMJ, 435º, p. 499).

Assim, na pena a aplicar, há que ponderar as exigências de prevenção geral, que constituirão o limiar da punição, sob pena de ser posta em risco a função tutelar do direito e as expectativas comunitárias na validade da norma violada. Ainda há que atender, às exigências de culpa do agente, limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas, por respeito ao princípio político-criminal da necessidade da pena e ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (artigos 1º e 18º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa).

Por último, cumpre considerar as exigências de prevenção especial de socialização, sendo elas que irão determinar, em último termo, e dentro dos limites referidos, a medida concreta da pena.

As finalidades de prevenção e de reprovação de cada um dos crimes em apreço são muito elevadas e é igualmente elevado o número de crimes desta natureza pela inusitada frequência com que este ilícito vem sendo praticado e é por demais conhecida a sua danosidade social, desde logo em termos de alarme social e de sentimento de insegurança na comunidade, na vertente de que a entrega e possibilidade com isso de cedência a terceiros de estupefacientes, trata em último lugar de vender a “morte” aos poucos, com a degradação inerente da pessoa humana e da sociedade em geral.

Quanto às exigências de prevenção especial importa considerar:

- a culpa que assenta no dolo directo, relativamente a cada um dos crimes;

- o grau de ilicitude: que quanto ao crime de tráfico de estupefacientes é elevado, atentas as circunstâncias que envolveram a prática dos factos e a razão da sua prática – os lucros fáceis derivados do simples transporte e guarda de produtos estupefacientes e aqui em concreto da cannabis, por correspondência aos avultados lucros que derivam da venda de tal substancia aditiva e o valor que a mesma representa no mercado de rua e assim, por reporte ao lucro fácil que advém da sua guarda e transporte; ainda o grau de pureza que apresentava a cannabis, a diferente natureza da cannabis apreendida – resina, folhas e sementes; as quantidades detidas – num total de 632,521 de cannabis sob a forma de folhas, 1874,326 gramas de cannabis sob a forma de resina e 27,749 gramas sob a forma de sementes, que por aplicação do critério legal daria respectivamente para 1574 doses (folhas de cannabis) e 2885 doses (resina de cannabis) - e bem assim, o fácil lucro que adviria para o arguido (mesmo que sob a forma de duas placas de cannabis resina), sendo aqui de sopesar que o arguido trabalhava e auferia mensalmente quantia superior a € 1.000,00;

- o grau de ilicitude: quanto ao crime de detenção de armas proibidas que é elevado, atento o tipo de armas detidas – uma pistola 6,35 mm, as munições detidas dois calibres distintos e as duas armas de alarme, sendo ainda de sopesar a quantidade munições detidas – 53 munições no total;

- Por outro lado: as condenações anteriores sofridas pelo arguido em crimes de idêntica natureza – pois já foi condenado pelo crime de tráfico de estupefacientes e pelo crime de trafico de menor gravidade e igualmente pelo crime de detenção de arma proibida, já tendo cumprido pena de prisão efectiva, o que se mostra contrabalançado com a personalidade do arguido, revelada nas condutas mantidas em sede de julgamento, ressaltando a assunção dos factos, a inserção familiar com consistência e a ligação afectiva próxima que mantém e que o apoia, o estado de saúde do arguido que sofre de esclerose múltipla e a sua idade – contando com 33 anos de idade.

Assim sendo, atentas as molduras penais aplicáveis ponderando, então, todo o circunstancialismo descrito, sopesando as atenuantes e, globalmente, a culpa do arguido, sendo esta reconduzível a um juízo valorativo que atende a todos os elementos aduzidos e conjugando-os com regras de experiência comum e com apelo, ainda, a elementos relativos à lógica, à moral e ao direito, entende o Tribunal (sem olvidar a jurisprudência dos tribunais superiores nesta matéria e alguma necessidade de encontrar parâmetros igualizadores das penas aplicadas em circunstâncias semelhantes), como justa, adequada a fixação de uma pena de prisão próxima do quarto da pena quanto ao crime de detenção de arma proibida e próxima, mas ainda abaixo do quarto da pena, quanto ao crime de tráfico de estupefacientes, que se situará acima dos 5 (cinco) anos de prisão.

Da reincidência:

Como já se disse, vem imputada ao arguido a prática dos factos com a circunstância modificativa comum, que altera a medida abstracta da pena, agravando-a, por funcionamento da reincidência, p. e p. nos artigos. 75.º e 76.º do Código Penal.

Esta agravação alicerça-se no elevado grau de censura de que o delinquente se mostrou passível, uma vez que o novo facto demonstra que a anterior condenação não lhe serviu de prevenção contra a prática de crimes.

Nos termos do disposto no artigo 75.º do Código Penal constituem pressupostos formais da punição por reincidência a prática, em autoria material ou em comparticipação, de um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a 6 meses e, a ocorrência de anterior condenação transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso, cometido há menos de 5 anos, devendo descontar-se o tempo que o agente cumpriu de medida processual, pena ou medida de segurança privativas de liberdade (cf. nº 2 do art. 75 do Código Penal). Acresce a verificação do referido pressuposto material de que, segundo as circunstâncias do caso concreto, se mostre que a condenação anterior não serviu ao agente como suficiente advertência relativamente à prática de novos crimes.

Tal como escreveu Figueiredo Dias “é no desrespeito ou desatenção do agente por esta advertência que o legislador vê fundamento para uma maior censura e portanto para uma culpa agravada relativa ao facto cometido pelo reincidente. É nele, por conseguinte, que reside o lídimo pressuposto material – no sentido de «substancial», mas também no sentido de pressuposto de funcionamento «não automático» - da reincidência” (Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Reimpressão, Coimbra Editora, 2005, p. 268).

Compulsados os factos provados verifica-se estarem reunidos todos os pressupostos para o funcionamento da instituto da reincidência na pessoa do arguido no que se reporta ao crime de tráfico de estupefacientes, já que o pressuposto formal da ocorrência de uma anterior condenação transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso se mostra verificado (tendo ocorrido uma condenação do arguido em 5 anos e 3 meses de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, crime pelo qual foi condenado no âmbito do processo referido em 19 dos factos provados), o mesmo ocorrendo quanto ao requisito de que o crime anterior tenha sido cometido há menos de 5 anos, por se ter de descontar neste período o tempo que o agente cumpriu de pena privativa da liberdade - pois que o crime anterior foi por factos datados de 28.08.2008 (facto ao ponto 19), os factos praticados nestes autos ocorreram nas datas de 21.01.2016 e de 21.06.2016 e o arguido esteve em situação de reclusão em cumprimento de medida de coacção seguida de cumprimento de pena entre 18.11.2008 e 03.12.2012. Acresce que, se concluiu ainda pela aplicação ao arguido de uma pena de prisão efectiva situada próxima do quarto da pena, mas nunca inferior a 5 anos de prisão, pelo que se encontra também preenchido o pressuposto formal da punição por reincidência, quando impõe que o arguido deva ser punido com prisão efectiva superior a 6 meses.

Acresce que a pena de prisão em que o arguido foi condenado no âmbito do processo n.º 1015/07.3PULSB, reporta-se não apenas a factos anteriores aos em apreciação nestes autos (os factos aqui em apreciação ocorreram nas datas de 21.01.2016 e 21.06.2016 e naqueles autos ocorreram na data de 28.08.2008), a condenação foi proferida e transitou em julgado em data anterior aos factos aqui em apreciação (já que a decisão foi proferida na data de 28.05.2010 e o transito em julgado ocorreu em 28.10.2011), sendo ainda de notar que o arguido ali foi condenado também pelo crime de tráfico de estupefacientes, verificando-se assim igualmente que a condenação anterior não serviu ao arguido como suficiente advertência relativamente à prática de novos crimes.

Assim, dúvidas não restam, em face do raciocínio jurídico que já se deixou exposto, que a acção do arguido nestes autos no que respeita ao crime de tráfico de estupefacientes preenche o pressuposto formal aludido para a sua punição como reincidente, pelo que se condena o mesmo nestes termos, quanto a tal crime.

Diferentemente, quanto ao crime de detenção de arma proibida, pois que não se mostra preenchido um dos pressupostos formais para a sua punição com a agravante da reincidência, já que, o arguido foi condenado no processo n.º 1015/07.3PULSB também pela prática de um crime de detenção de arma proibida, mas na pena de 6 meses de prisão, pelo que não se mostra preenchido o pressuposto formal de que a punição anterior tem de ser em pena de prisão superior a 6 meses.

Assim, decide este Tribunal colectivo condenar o arguido pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes como reincidente e absolvê-lo da reincidência no que se reporta à punição do crime de detenção de arma proibida.

Como efeitos da reincidência deve o juiz elevar o limite mínimo da pena em um terço, mantendo-se inalterado o limite máximo, nos termos dos artigos 75.º e 76.º do C. Penal, de onde resulta que a pena a aplicar se situará entre 5 anos e 4 meses e o limite máximo mantém-se em 12 anos de prisão.

Assim, em face dos critérios supra expendidos nas considerações de prevenção especial do arguido, as molduras penais aplicáveis a cada um dos ilícitos, sopesando as atenuantes e, globalmente, a culpa do arguido, sendo esta reconduzível a um juízo valorativo que atende a todos os elementos aduzidos e conjugando-os com regras de experiência comum e com apelo, ainda, a elementos relativos à lógica, à moral e ao direito, entende este Tribunal colectivo (sem olvidar a jurisprudência dos tribunais superiores nesta matéria e alguma necessidade de encontrar parâmetros igualizadores das penas aplicadas em circunstâncias semelhantes), como justa, adequada e necessária a condenação:

- pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, com a circunstância agravante da reincidência, na pena 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão; e

- pela prática de um crime de detenção de arma proibida na pena 2 (dois) anos de prisão.

*

Nos termos do artigo 77º, n.º 1 do Código Penal os crimes pelos quais o arguido foi condenado encontram-se em relação de concurso, pelo que importa proceder à realização do cúmulo jurídico das penas que lhe foram aplicadas.

O arguido será então condenado numa única pena, resultante de uma avaliação conjunta dos factos e da sua personalidade, num quadro de combinação das penas parcelares à luz do princípio do cúmulo jurídico.

A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas aplicadas aos vários crimes, isto é, in casu 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas, ou seja 5 (cinco) anos e 6 (seis) de prisão.

É de atender, ao facto de, por um lado, os crimes praticados serem muito graves nos termos acima expressos e ao período temporal em que os mesmos foram praticados e persistiu a actuação ilícita do arguido, à idade deste, à existência de antecedentes criminais por factos de idêntica natureza e pelo mesmo tipo de crime aos praticados nestes autos, e à personalidade evidenciada em sede de audiência de julgamento, nos termos acima expressos.

Tudo ponderado, afigura-se a este Tribunal colectivo ajustado, por adequado e suficiente a condenação do arguido na pena única de 6 (seis) anos de prisão.

Ora, como explica Taipa de Carvalho, “Direito Penal, Parte Geral”, Publicações Universidade Católica, 87, na determinação da medida e espécie da pena o “critério da prevenção especial não é absoluto, mas antes duplamente condicionado e limitado: pela culpa e pela prevenção geral.

Condicionado pela culpa, no sentido de que nunca o limite máximo da pena pode ser superior à medida da culpa, por maiores que sejam as exigências preventivo-especiais (…). Condicionado pela prevenção geral, no sentido de que nunca o limite mínimo da pena (ou a escolha de uma pena não detentiva) pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores juridíco-penais violados e a correspondente paz jurídico-social, bem como para produzir nos potenciais infractores uma dissuasão mínima.

Em síntese: a prevenção geral constitui o limite mínimo da pena determinada pelo critério da prevenção especial.

Tudo visto é esse limite mínimo que, no caso em apreço, não nos parece ter sido ultrapassado de modo algum no acórdão recorrido.

De facto basta verificar que naquele constam todos os elementos e devidamente ponderados de acordo com as regras legais em vigor do concreto doseamento das penas parcelares que efectivamente foram aplicadas ao arguido, sendo que este só se insurge com a pena relativa ao crime de detenção de arma proibida e depois ao subsequente cumulo jurídico já a efectuar com a pretendida compressão derivada da pretendida diminuição daquela pena de prisão.

Ora quanto à medida da pena, e como ensinava Beleza dos Santos, «a tranquilidade pública só deverá considerar-se convenientemente restabelecida quando a pena for um justo castigo, um adequado meio de intimidação e um conveniente processo de regeneração do delinquente» (R.LJ., 78, 26).

De acordo com o direito vigente, o Tribunal deve partir da teoria da união, a qual exige se chegue a uma relação equilibrada dos diferentes fins de pena. A pena deve determinar-se de modo a que garanta a função retributiva, esta equacionada com o ilícito em si e a culpabilidade, sem pressuposto, limite último, e seja possível, pelo menos, o cumprimento também da revisão ressocializadora, da própria pena com respeito ao próprio arguido, a exemplo, deste modo, o fim da prevenção especial.

Além disso, a defesa do Ordenamento Jurídico exige, por último, que a pena se determine de tal modo que possa alcançar um efeito sócio-pedagógico na comunidade, que sirva ela de exemplo, de contra motivo à prática de idênticos ilícitos pelos demais indivíduos. Foi para fazer ou atingir a possível concordância dos fins das penas no caso concreto, que se desenvolveu na Jurisprudência a teoria da margem da liberdade, teoria segundo a qual a pena adequada à culpabilidade não é uma medida exacta.

A pena concreta é fixada entre um limite mínimo (já adequado à culpa) e um limite máximo (ainda adequado à culpa) determinada em função da culpa, intervindo os outros fins das penas - prevenção geral e prevenção especial - dentro daqueles limites (cfr. Claus Roxin, in Culpabilidad Y Prevencion en Derecho Penal, pág. 4-113).

Assim, a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, no caso concreto (art. 71º, n.º 1, do C. P.), atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele (n.º 2), designadamente: o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e a gravidade das suas consequências; a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; a conduta anterior e posterior ao facto; a falta de preparação para manter conduta lícita, manifestada no facto; as condições pessoais do agente e a sua situação económica.

A medida da pena não é pura matemática, antes uma operação complexa desenrolada em três fases:

- escolhem-se os fins das penas, pois só a partir deles se podem ajuizar os factos do caso concreto relevantes para a determinação da pena e a valoração que lhes deve ser dada (o n.º 1 indica a culpa do agente em primeiro lugar, mas no mesmo nível situa as exigências de prevenção), lembrando que agora dispõe o art. 40. °, n.° 1 sobre as finalidades da punição - protecção dos bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade;

- fixam-se os factores que influem no doseamento da pena, as circunstâncias concorrentes no caso concreto que, em relação com os fins das penas, têm importância para a determinação do tipo e gravidade da pena (indicados, exemplificativamente, no n.° 2);

- tecem-se os considerandos que fundamentam a determinação efectuada (de acordo com o n.° 3).

(vide neste sentido, Ac Tribunal da Relação de Lisboa, in recurso nº 76/07.0TAVC.L1 da 9ª secção criminal)

E assim foi efectivamente feito pelo tribunal “a quo” que, ao fixar a pena a aplicar ao arguido/recorrente, usou até de extrema moderação e cuidado, tendo plenamente justificado o como e o porquê da escolha daquelas penas em concreto ponderando razões de prevenção geral e especial, bem como as condições pessoais do arguido e voltando a ponderar as circunstâncias agravantes e atenuantes, as quais, bem expressas e explicitas estão no acórdão recorrido para a determinação da pena única, sendo certo que o arguido não impugnou a matéria de facto, pelo que esta se deve considerar definitivamente assente.

Há que castigar e, ao mesmo tempo, (sem postergar a função delimitadora da culpa do agente, fundamento e medida de pena) atentar com alguma acuidade nos fins de prevenção geral e especial, não se podendo optar sistematicamente pela aplicação, perdoe-se-nos o termo, de penas “simbólicas”, sem qualquer projecção na vida e comportamento futuro dos criminosos, ao mesmo tempo que não apazigua as necessidades de prevenção geral.

Os arguidos têm que de alguma forma sentir o desvalor da sua conduta que é sancionado pelo Estado de Direito, pelo simples facto de terem delinquido.

Os Tribunais não podem esquecer o extremo impacto que a situação dos autos, neste caso tem na sociedade e para a população em geral.

Ora, sopesando todos os elementos objectivos e subjectivos considerados pela decisão recorrida, sem perder de vista os bens jurídicos ofendidos nos crimes cometidos pelo arguido e da natureza dos autos, concluímos que o tribunal “ a quo” usou de ponderado cuidado e moderação, pelo que a pena em concreto (acima referida) encontrada para punir a conduta do arguido relativamente ao crime de detenção de arma proibida, se encontra devidamente balizada e justificada, nos termos que atrás se deixaram expostos, os quais diga-se já vinham devidamente explanados no acórdão recorrido quanto á aplicação da medida concreta da pena e também da pena única resultante do cumulo jurídico.

Assim a fixação da pena única mostra-se equilibrada, justa, proporcional e razoável e não deixa ficar comprometida a crença da comunidade na validade das normas incriminadoras violadas, imitindo ainda um certeiro juízo na prevenção e na segurança dos valores que as normas penais visam resguardar a sociedade que o arguido “feriu” com a sua actuação criminosa.

Ora, como é por todos consabido, o recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso (vide Ac. do TRP de 2.10.2013).

A intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada, e tal no ensinamento de Figueiredo Dias, sendo certo que o recorrente pretende ver diminuída a pena parcelar relativa ao crime de detenção de arma proibida e depois pela diminuição da pena única decorrente do cumulo jurídico.

Assim a fixação da pena relativa ao crime atrás referido e posto em causa pelo arguido, mostra-se equilibrada, justa, proporcional e razoável e não deixa ficar comprometida a crença da comunidade na validade das normas incriminadoras violadas, imitindo ainda um certeiro juízo na prevenção e na segurança dos valores que as normas penais visam resguardar a sociedade que o arguido “feriu” com a sua actuação criminosa.

Sufragamos que, nesta matéria, tem plena aplicação aos tribunais de 2ª instância a jurisprudência, relativa à intervenção do STJ na determinação concreta das penas, no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 27/05/2009, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Raul Borges, acessível in www.gde.mj.pt, Proc. 09P0484, que passamos a citar: “… A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada”- cfr. acórdãos de 09-11-2000, processo nº 2693/00-5ª; de 23-11-2000, processo nº 2766/00 - 5ª; de 30-11-2000, processo nº 2808/00 - 5ª; de 28-06-2001, processos nºs 1674/01-5ª, 1169/01-5ª e 1552/01-5ª; de 30-08-2001, processo nº 2806/01 - 5ª; de 15-11-2001, processo nº 2622/01 - 5ª; de 06-12-2001, processo nº 3340/01 - 5ª; de 17-01-2002, processo 2132/01-5ª; de 09-05-2002, processo nº 628/02-5ª, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 193; de 16-05-2002, processo nº 585/02 - 5ª; de 23-05-2002, processo nº 1205/02 - 5ª; de 26-09-2002, processo nº 2360/02 - 5ª; de 14-11-2002, processo nº 3316/02 - 5ª; de 30-10-2003, CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 208; de 11-12-2003, processo nº 3399/03 - 5ª; de 04-03-2004, processo nº 456/04 - 5ª, in CJSTJ 2004, tomo1, pág. 220; de 11-11-2004, processo nº 3182/04 - 5ª; de 23-06-2005, processo nº 2047/05 -5ª; de 12-07-2005, processo nº 2521/05 - 5ª; de 03-11-2005, processo nº 2993/05 - 5ª; de 07-12-2005 e de 15-12-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, págs. 229 e 235; de 29-03-2006, CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 225; de 15-11-2006, processo n.º 2555/06 - 3ª; de 14-02-2007, processo n.º 249/07 - 3ª; de 08-03-2007, processo n.º 4590/06 - 5ª; de 12-04-2007, processo n.º 1228/07 - 5ª; de 19-04-2007, processo n.º 445/07 - 5ª; de 10-05-2007, processo n.º 1500/07 - 5ª; de 04-07-2007, processo n.º 1775/07 - 3ª; de 17-10-2007, processo n.º 3321/07 - 3ª; de 10-01-2008, processo n.º 907/07 - 5ª; de 16-01-2008, processo n.º 4571/07 - 3ª; de 20-02-2008, processos n.ºs 4639/07 - 3ª e 4832/07-3ª; de 05-03-2008, processo n.º 437/08 - 3ª; de 02-04-2008, processo n.º 4730/07 - 3ª; de 03-04-2008, processo n.º 3228/07 - 5ª; de 09-04-2008, processo n.º 1491/07 - 5ª e processo n.º 999/08-3ª; de 17-04-2008, processos n.ºs 677/08 e 1013/08, ambos desta secção; de 30-04-2008, processo n.º 4723/07 - 3ª; de 21-05-2008, processos n.ºs 414/08 e 1224/08, da 5ª secção; de 29-05-2008, processo n.º 1001/08 - 5ª; de 15-07-2008, processo n.º 818/08 - 5.ª; de 03-09-2008 no processo n.º 3982/07-3ª; de 10-09-2008, processo n.º 2506/08 - 3ª; de 08-10-2008, nos processos n.ºs 2878/08, 3068/08 e 3174/08, todos da 3ª secção; de 15-10-2008, processo n.º 1964/08 - 3ª; de 22-10-2008, processo n.º 215/08-3ª (…) .”.

Mas tal, em analepse, e como já enfatizámos, não se verifica no caso em apreço.

Se tivermos em consideração o atrás já referido, a pena encontrada para o crime de detenção de arma proibida e subsequente cumulo jurídico não se mostra desproporcionada nem merece censura nem se pode considerar ser excessiva, não tendo sido violadas as normas indicadas pelo arguido no seu recurso.

Rejeita-se assim nesta parte o recurso apresentado pelo arguido /recorrente, por ser manifestamente improcedente.

Do perdimento do telemóvel de marca XIAOMI, pertença do arguido.

Alega o recorrente que o tribunal a quo decidiu declarar perdido a favor do Estado o telemóvel do arguido por alegadamente ter servido para a prática do crime de tráfico de estupefacientes. Porém não ficou demonstrado a existência de um nexo de causalidade entre o telemóvel e a prática do facto ilícito. Em primeiro lugar o telemóvel é um bem pessoal do arguido; em segundo lugar apesar de ter sido encontrado junto do produto estupefaciente a dose encontrada destinava-se ao seu consumo diário; e em terceiro lugar por não se considerar como um objecto susceptível de por em perigo a segurança, moral e a ordem pública de acordo com o nº 1 do artº 109º do Código Penal.

Ora neste particular desiderato podemos já adiantar que assiste toda a razão ao recorrente.

De facto embora lhe tenha sido apreendido tal telemóvel, não decorre em parte alguma do acórdão sob censura, qualquer facto através do qual se comprove que aquele tenha servido para a pratica de qualquer crime (nomeadamente os dos autos), ou que se tenha exarado expressamente que tal objecto nos termos do artº 109º do CPP, ponha em perigo a segurança das pessoas a moral ou ordem públicas ou oferecer sério risco para o cometimento de novos factos ilícitos típicos, ou ainda que estivesse destinado a servir para a sua pratica (o qual foi recentemente alterado pela Lei n.º 30/2017, de 30/05) que dispõe agora o seguinte (mas divergindo de forma inócua nesta sede em discussão):

Artigo 109.º

Perda de instrumentos

1 - São declarados perdidos a favor do Estado os instrumentos de facto ilícito típico, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos, considerando-se instrumentos de facto ilícito típico todos os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a sua prática.

2 - O disposto no número anterior tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto, incluindo em caso de morte do agente ou quando o agente tenha sido declarado contumaz.

3 - Se os instrumentos referidos no n.º 1 não puderem ser apropriados em espécie, a perda pode ser substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo em fase executiva, com os limites previstos no artigo 112.º-A.

4 - Se a lei não fixar destino especial aos instrumentos perdidos nos termos dos números anteriores, pode o juiz ordenar que sejam total ou parcialmente destruídos ou postos fora do comércio.


Para além do mais, também as normas especiais constantes do DL 15/93 de 22701 e constantes dos artigos 35º e seguintes, delas não resulta que se possa dar “como perdido”, o sobredito telemóvel do arguido e ora recorrente.
Efectivamente não se exarou no acórdão recorrido, qualquer facto, ou ordem de razões que pudessem fazer concluir que o telemóvel apreendido ao arguido, tivesse sido utilizado para a prática de algum crime, que de “ per si” constitua um perigo para a segurança das pessoas, da moral ou a ordem públicas, ou oferecer um sério risco de ser utilizado para o cometimento de novos factos ilícitos típicos.
Assim e considerando-se que a declaração de perdimento de tal objecto se encontra algo “ desgarrado” de factos que pudessem infirmar tal desfecho, mais parecendo que o foi por arrastamento relativamente aos demais objectos, conclui-se sem qualquer sombra de dúvida que tal decisão terá de ser revogada, e ao invés ordenar-se a entrega do telemóvel marca XIAOMI ao ora recorrente, conforme o por si pretendido também pela interposição do presente recurso, o que se declara.
Procede assim parcialmente o recurso apresentado pelo arguido /recorrente, no segmento da sua alínea B) das conclusões do seu recurso.

DISPOSITIVO

Em face do exposto acordam as juízas que compõem a 9ª secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, em:

Julgar parcialmente provido recurso interposto pelo arguido, devidamente identificado nos autos, confirmando-se a decisão recorrida, excepto no que respeita ao perdimento do telemóvel apreendido ao arguido de marca XIAOMI, o qual deverá ser entregue ao arguido nos termos legais.

Notifique-se.

D.N.

Custas e legais acréscimos a cargo do arguido recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UCs (artigos. 513.º, n.ºs 1 e 3, e 514.º, n.º 1, ambos do CPP e 8.º, n.º 5, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III).

Notifique e D.N.

Lisboa, 24-07-2017

(Processado integralmente em computador e revisto pela relatora, artigo 94º nº 2 do Código de Processo Penal)

Filipa Costa Lourenço

Fernando Estrela