Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANA PAULA GRANDVAUX | ||
Descritores: | PESSOA COLECTIVA MORTE DE SÓCIO RESPONSABILIDADE CRIMINAL RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/08/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Sumário: | I-A regra ínsita no art.º 11º do Código Penal, de que as pessoas colectivas não podem em regra ser susceptíveis de responsabilidade criminal, admite excepções, como sucede em relação aos crimes fiscais (cf. artº 7º do REJFNA). II-A responsabilidade da pessoa colectiva pressupõe sempre que o titular de um seu órgão ou o seu representante actuou por ela com culpa, pois a culpa da pessoa colectiva resulta da culpa da pessoa física que actuou em seu nome e no seu interesse. III-Porém, a extinção do procedimento criminal por morte do arguido não se estende à arguida pessoa colectiva, porquanto o facto determinante daquela extinção não apaga a culpa do agente, pessoa física, que só não será julgado e punido ou absolvido porque faleceu. IV-Também a responsabilidade civil da pessoa colectiva apreciada em processo penal não se extingue com a morte do agente pessoa singular que agiu em seu nome e no seu interesse, como não se extingue com a prescrição do procedimento criminal em relação a este agente. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa I – RELATÓRIO 1 – O arguido pessoa singular PSS... e a empresa C... de Estudos e Planeamento Lda. por aquele representada foram acusados pelo M.P da prática de factos entre Abril de 2001 e Fevereiro de 2006 que integram um crime de abuso de confiança à segurança social na forma continuada p.p no artº 30º/2 do C.P e no artº 27º B do RJIFNA e artº 107º/1 do RGIT (Regime Geral das Infracções Tributárias) com referência ao artº 105ºnº 2, 4 e 5 do mesmo diploma. A fls 334 e segs veio o ofendido e lesado Instituto da Segurança Social I.P deduzir pedido de indemnização cível contra o C... de Estudos e Planeamento Lda e contra o PSS... Foi recebida a acusação bem como o pedido de indemnização cível e designada data para julgamento (fls 347, 348 e 480). Tendo entretanto o Tribunal tomado conhecimento do óbito do arguido PSS..., sócio gerente da sociedade arguida (cfr certidão de óbito de fls 520), foi proferido em 15.12.2010 pelo Sr. Juiz no 3º Juízo Criminal da Comarca de Lisboa decisão de extinção da responsabilidade criminal instaurado contra o arguido pessoa singular ao abrigo do artº 127º e artº 128º do C.P (fls 525). Posteriormente, constatando-se que a sociedade também arguida neste processo, apenas tinha mais uma sócia de nome BS..., também já falecida (cfr fls 208, 209 e 530), o Sr. Juiz, considerando que a responsabilidade criminal da sociedade arguida só existe na medida em que existir também a responsabilidade criminal da pessoa singular que a representa, veio a proferir igualmente em 21.3.2011 decisão de arquivamento dos autos no que respeita à apreciação da responsabilidade criminal e civil da pessoa colectiva, (fls 561 a 563). 2 – Inconformado com tal decisão dela recorreu o Instituto da Segurança Social I.P constituído assistente nos autos (fls 613 vº). A motivação apresentada termina com a formulação das seguintes (transcritas) conclusões: “1 – O objecto do presente recurso prende-se com a seguinte questão: No caso de crime de abuso de confiança contra a segurança social, a extinção do procedimento criminal relativamente à pessoa física, por uma causa pessoal, como a morte, comunica-se ou não à pessoa colectiva demandada igualmente nos autos tendo por base responsabilidade extracontratual ou aquiliana prevista no artigo 483.º do Código Civil? 2 – A extinção do procedimento criminal relativamente à pessoa física, por uma causa pessoal, como a morte, não se comunica à pessoa colectiva porquanto tal facto não apaga a culpa do agente pessoa física, que só não será julgado, punido ou absolvido porque faleceu. 3 – Assinalamos que a responsabilidade da pessoa colectiva se verifica independentemente das vicissitudes, de índole processual-substantiva, com que cada sujeito se depara ( Verbi gratia em matéria de prescrição de que beneficie a pessoa física; ou de amnistia da infracção imputada a esta; ou de dispensa de pena relativamente à pessoa singular; ou em consequência de morte da pessoa singular como é o caso sob recurso ). 4 – Consequentemente, a responsabilidade da pessoa colectiva não depende da responsabilização cumulativa de pessoa física, bastando que a conduta seja praticada ou determinada em seu nome por pessoa juridicamente vinculante da vontade colectiva. 5 – Esta autonomia da representação judiciária da pessoa colectiva, encontra apoio no disposto no artigo 11.º, n.º 7 do CP quando ali se faz referência que a responsabilização da pessoa colectiva “ não depende da responsabilização dos agentes” do crime. 6 – Acresce que, não traçando o artigo 7.º do RGIT, um regime especial quanto à representação judiciária das pessoas colectivas e equiparadas, é no artigo 11.º, n.º 7 do Código Penal que se tem de encontrar necessariamente a regra geral aplicável ao crime de abuso de confiança contra a segurança social. 7 – Por outro lado, e salvo o devido respeito, o tribunal "a quo" violou o princípio da adesão consagrado no artigo 71.º do CPP, nomeadamente na vertente da economia processual e na frustração do direito do demandante civil e recorrente de ser ressarcido dos prejuízos causados pela conduta ilícita dos arguidos/demandados e cuja causa de pedir integra os mesmos pressupostos do crime que lhes foi imputado. 8 – O douto despacho impugnado tem a natureza jurídica de sentença uma vez que põe termo à causa. Assim sendo, apesar do tribunal ter determinando a extinção do procedimento criminal, não estaria arredada a possibilidade de ressarcimento dos danos no processo penal, bastando atentar-se no preceituado no artigo 377.º, n.º 1, do CPP, no qual se prevê que «a sentença, ainda que absolutória, condena o arguido em indemnização civil, sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado». É isto que nos diz a lei. 9 – No caso vertente, não pode argumentar-se com a extinção do procedimento criminal contra a sociedade demandada, ou com o princípio da adesão para, de algum modo, considerar prejudicada a apreciação do pedido civil. A questão é de direito substantivo. 10– Nos casos em que se verifique a extinção do procedimento criminal, cremos que o tribunal deve conhecer do pedido de indemnização civil, já que, em tais hipóteses, a obrigação civil de indemnização derivou do facto então considerado ilícito e integrante de crime, produtor, portanto, de efeitos civis que a posterior alteração da lei não prejudica (Cfr artigo 12º número 1 e 2, do Código Civil ). 11 – Sublinhe-se ainda que o douto despacho impugnado não observa o assento 7/99 do STJ, onde se fixou a seguinte jurisprudência: “ Se em processo penal for deduzido pedido cível, tendo o mesmo por fundamento um facto ilícito criminal, verificando-se o caso previsto no artigo 377.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ou seja, a absolvição do arguido, este só poderá ser condenado em indemnização civil se o pedido se fundar em responsabilidade extracontratual ou aquiliana, com exclusão da responsabilidade civil contratual “- D.R. I-A, n.º 179, de 03-08-99. 12 – Portanto, a responsabilidade civil por factos ilícitos tem de ser reportada ao momento da prática dos factos integrantes do ilícito penal, e que constituíram a causa de pedir do pedido civil deduzido na acção penal. 13 – O despacho sob censura também viola nitidamente o acórdão de fixação de jurisprudência n.º 3/2002 do STJ, onde se decidiu que: “ Extinto o procedimento criminal, por prescrição, depois de proferido o despacho a que se refere o artigo 311.º do Código de Processo Penal mas antes de realizado o julgamento, o processo em que tiver sido deduzido pedido de indemnização civil prossegue para conhecimento deste”. 14 – É inelutável também que o tribunal a quo não fundamenta a razão pela qual diverge do STJ na jurisprudência fixada nos arestos n.º 7/99, e 3/2002, - como vimos na nossa motivação. 15 – Ou seja, no despacho recorrido não se atendeu ao comando do artigo 445.º n.º 3 do CPP que reza assim:…” A decisão que resolver o conflito não constitui jurisprudência obrigatória para ao tribunais judiciais, mas estes devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada naquela decisão”. 16 – Ressalvando sempre o devido respeito, é entendimento da Segurança Social portuguesa que estão inobservados por inadequada interpretação e aplicação da lei os seguintes preceitos legais: 11.º n.º 7 do CP, 7.º, n.º 1 do RGIT, 12.º n.ºs 1 e 2, e 483.º n.º 1 do Código Civil, 71.º, 73.º n.º 1, 74.º n.º 1, 377.º, n.º 1, e 445.º n.º 3 - todos do CPP, e ainda por claríssima violação dos acórdãos de fixação de jurisprudência do STJ n.ºs 7/99, e 3/2002. 17 – Desta sorte, à luz da motivação que antecede e das presentes conclusões, a decisão recorrida deve ser substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos para julgamento da acção penal e da instância civil com ela conexa, restringida à sociedade arguida e demandada. V. Exªs, porém, melhor apreciarão, decidindo conforme for de JUSTIÇA” É pacífica a jurisprudência do S.T.J. no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, do conhecimento das questões oficiosas (artº 410º nº 2 e 3 do C.P.Penal). As questões suscitadas pelo recorrente o Instituto da Segurança Social I.P, segundo as conclusões da sua motivação, são as seguintes: III- Fundamentação de Facto A decisão recorrida “Nos presentes autos, o Ministério Publico deduziu acusação contra os arguidos C... , Ldª e PSS.... O arguido PSS..., sócio gerente da sociedade arguida, faleceu. Da informação junta a fls. 533 e segs dos autos consta que, além do arguido PSS... a sociedade arguida tinha apenas mais uma sócia de nome BS... também já falecida. Assim, neste momento a sociedade arguida não tem quem a represente. Estabelece o art. 6° do RGIT: "1- Quem agir voluntariamente como titular de um órgão, membro ou representante de uma pessoa colectiva, sociedade, ainda que irregularmente constituída, ou de mera associação de facto, ou ainda em representação legal ou voluntária de outrem, será punido mesmo quando o tipo legal de crime exija: a) Determinados elementos pessoais e estes só se verifiquem na pessoa do representado; b) Que o agente pratique o facto no seu próprio interesse e o representante actue no interesse do representado." Por sua vez o artigo 7°, nº 1, do mesmo diploma legal estabelece que" as pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são responsáveis pelas infracções previstas na presente lei quando cometidas pelos seus órgãos ou representantes, em seu nome e no interesse colectivo. " Acrescenta o nº 3 que " a responsabilidade criminal das entidades referidas no n°1, não exclui a responsabilidade dos respectivos agentes." Assim, entende-se que só apurando a responsabilidade criminal de uma pessoa singular pode a sociedade arguida ser acusada e, posteriormente, ser sujeita a julgamento. No caso concreto, a sociedade arguida não tem quem legalmente a represente, tendo falecido a pessoa que praticava os actos considerados como crime na acusação. Veio o Ministério Público a 550, requerer que fosse designado representante especial à sociedade arguida nos termos do disposto no artigo 210º nº 2, do CPC. Ora, a responsabilidade criminal da sociedade arguida só existe quando existir a responsabilidade criminal da pessoa singular que a representa conforme se retira do nº3 do artigo 7º do RGIT. A responsabilidade criminal não se pode confundir com a responsabilidade civil sendo certo que na primeira não pode nomear-se um representante especial que nenhuma intervenção tenha tido na prática dos actos que constituem o objecto deste processo criminal. Ou seja, no caso concreto, a pessoa singular criminalmente responsável faleceu. Tendo esta falecido, não há lugar à designação de representante legal à sociedade arguida sob pena de estar a imputar factos crime a uma pessoa completamente alheia à situação. É que a sociedade arguida só pode ser julgada se for acusada uma pessoa singular que tenha actuado em sua representação, sendo assim, e tendo esta falecida, não pode aquela ser julgada em sede criminal. Assim, salvo melhor opinião, a designação de representante legal à sociedade arguida não pode operar-se em sede criminal. Por outro lado, também é irrelevante que existam ou não herdeiros do falecido arguido uma vez que, em sede criminal, não podem os mesmos ser arguidos nem representar a sociedade em matéria criminal pois, como já acima se referiu, a responsabilidade criminal da sociedade arguida só existe na medida em que existir também a responsabilidade criminal da pessoa singular que a representa. Nesta conformidade, tendo falecido o arguido e sendo o procedimento criminal contra a sociedade arguida dependente da existência de um responsável singular e que a sociedade arguida não pode ser julgada sozinha, determino o oportuno se arquivamento dos autos. Notifique. DN” IV- Fundamentos de Direito Analisando A) Tal como já foi defendido neste mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, nomeadamente no Acórdão citado pelo recorrente, publicado in DGSI.PT processo nº 6245/2007-5 de 23.10.2007, também nós entendemos que as causas de extinção do procedimento criminal como a prescrição e a morte/liquidação a sociedade verificam-se separadamente, reportando-se a cada arguido isoladamente considerado. Assim sendo, impunha-se nestes autos a extinção do procedimento criminal relativamente ao arguido pessoa singular, PSS..., por força do seu óbito ocorrido em 3.2.2009 já que de acordo com o preceituado no artº 127º e artº 128º do C.P a responsabilidade criminal se extingue pela morte, sendo por isso acertada a decisão proferida nesse sentido a fls 525 pelo Tribunal a quo. Mas já quanto à pessoa colectiva, nunca deveria ter sido decidido o arquivamento dos autos, em virtude do falecimento do arguido pessoa singular e da inexistência de outro sócio que legalmente represente aquela pelo que decidindo nesse sentido, entendemos que o Tribunal a quo fez uma interpretação errónea do artº 7º do RJIFNA. Com efeito, a regra de que as pessoas colectivas não podem em regra ser susceptíveis de responsabilidade criminal, resultante do artº 11º do C.P., admite excepções, como sucede em relação aos crimes fiscais na medida em que o artº 7º do RJIFNA (D.L nº 20-A/90 de 20.1 com as alterações introduzidas pelo D.L nº 394/93 de 24.11), bem como o artº 7º do actual RGIT (aprovado pela Lei nº 15/2001 de 5.6, com as alterações introduzidas pela Lei nº 60-A/2005 de 30.12) estendem a responsabilidade da pessoa física à pessoa colectiva. E nestes termos é verdade como se defende no despacho ora recorrido que a sociedade arguida neste processo, só pode ser responsabilizada na medida em que o agente o seja também, isto é a responsabilidade da pessoa colectiva pressupõe sempre que o titular de um seu órgão ou o seu representante actuou por ela com culpa, pois a culpa da pessoa colectiva resulta da culpa da pessoa física que actuou em seu nome e no seu interesse. Porém a morte da pessoa física não apaga a sua actuação ilícita e culposa, o crime não desaparece com a morte, este apenas determina a inconsequência em termos de reacção penal, relativamente àquela pessoa em concreto. Nestes termos, a extinção do procedimento criminal relativamente ao arguido pessoa singular nestes autos, não se estende à arguida pessoa colectiva C..., Lda, porquanto o facto determinante daquela extinção não apaga a culpa do agente, pessoa física, que só não será julgado e punido ou absolvido porque faleceu. Tal como bem ficou expresso no Acórdão supra mencionado e que agora passamos a transcrever “…se ocorresse a extinção do procedimento criminal por prescrição, relativamente à pessoa física, por hipótese um gerente de facto, mero funcionário que não tem a qualidade de representante legal, mas que actuou em nome e no interesse da sua entidade patronal incorrendo na prática de um crime, a derivada responsabilidade criminal da sociedade por aquela actuação, não se extingue, a não ser que relativamente a ela, enquanto arguida, se verificar também o decurso do prazo prescricional, causa esta apreciada separadamente. Tal situação pode acontecer se houver interrupção da prescrição e suspensão relativamente à sociedade e não quanto ao agente, pessoa individual” Por tudo o acima referido, entende-se que tendo em conta o que consta da acusação já recebida, os factos imputados ao sócio gerente entretanto falecido, PSS..., a serem provados, constituem crime e fazem a pessoa colectiva C..., Lda também acusada, em nome e no interesse de quem aquele actuou, incorrer em responsabilidade criminal que não se extinguiu por força do óbito dos seus dois únicos sócios. Deverá pois essa firma ser sujeita a julgamento para apreciar o mérito da sua actuação, curando a primeira instância de encontrar e aplicar previamente, a solução legal adequada, quanto à representação em juízo dessa pessoa colectiva (C...,Lda) para efeitos de suprir a sua falta de capacidade judiciária (problema este de natureza estritamente processual que não se pode nem deve confundir ou obstar à apreciação de mérito da sua responsabilidade criminal, a partir dos factos descritos na acusação) V. Decisão |