Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4042/16.6T8LSB.L1-7
Relator: CARLOS OLIVEIRA
Descritores: INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO
DEVER DE INFORMAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
UNIÃO DE FACTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/10/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1.–A invocação da existência duma relação de união de facto pode ser relevante para o conhecimento do mérito da causa em função do contexto em que foi invocado o direito pretendido fazer valer, sendo que a demonstração de que a Autora é a companheira do Autor, traduz uma realidade sociológica concreta, comummente aceite e identificável, que pode ser afirmada como um facto.
2.–Verificado que o R., agindo como intermediário financeiro, violou deveres de informação de forma dolosa, determinando que o lesado tenha adquirido um produto financeiro que, não fora o logro de que foi alvo, nunca teria querido, existe um prejuízo suscetível de indemnização correspondente pelo menos ao valor do capital investido do qual o investidor foi privado.

3.–Em caso de comportamento doloso do intermediário financeiro, o prazo prescricional da obrigação de indemnização é de 20 anos (Art. 309º do C.C.), considerando a ressalva prevista na primeira parte do Art. 324º n.º 2 do CVM

Sumário (art.º 663º nº 7 do CPC) – Da responsabilidade exclusiva do relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


IRELATÓRIO:


... ... de Sá e Manuel ... do ..., vieram intentar a presente ação de condenação, em processo declarativo comum, contra o Banco BIC Português, S.A., pedindo que o R. fosse condenado a restituir aos A.A. a quantia de €105.639,99, acrescida de juros à taxa legal supletiva estabelecida para as obrigações comerciais, contados sobre €100.000,00, desde a citação até integral pagamento.
Para tanto alegam que o 2.º A. tinha na sua conta de depósitos aberta no banco R. o resultado da sua poupança no valor de €100.000,00 e subscreveu, em 18/4/2006, o boletim de subscrição de duas obrigações “SNL2006”, no valor nominal de €50.000,00, cada. O que fez com base na confiança que tinha na relação bancária estabelecida com o funcionário do R., que lhe garantiu que se tratava de um sucedâneo de um depósito a prazo, mas com melhor remuneração. Sendo que, se soubesse que perdia a possibilidade de controlo do dinheiro, que só poderia ser reembolsado a partir de 8 de maio de 2016 e se tivesse sido informado das características do produto, nomeadamente dos capítulos relativos ao “reeembolso antecipado”, “liquidez” e “subordinação”, bem como da ausência de garantia do banco à subscrição, nunca teria aceitado efetuar essa operação.

Entretanto, em 9/9/2010, o 2.º A. transferiu a titularidade das obrigações “SNL 2006” para a sua companheira, a 1.ª A., os quais ainda continuam depositados na sua carteira de títulos junto do R..
Consideram agora os A.A. que ter duas obrigações “SNL 2006” é o mesmo que dar por perdidos os €100.000,00, tendo em atenção o “buraco do BPN” que levou à sua nacionalização, sendo evidente que o 1.º A. foi vítima duma “refinada burla”, pois aproveitaram-se da sua inexperiência e ignorância nestes assuntos.

Pretendem assim ser ressarcidos dos prejuízos sofridos por força da atividade do R. como entidade bancária e intermediário financeiro (Art.s 73º, 74º, 75º e 78º do R.G.I.F.F.S. e Art.s 304º-A, 110º-A, 317-C e 317-D do CVM.

Citado o R. veio invocar a ineptidão da petição e a prescrição da obrigação de indemnização, porquanto interveio nas transações alegadas na petição como intermediário financeiro e teria decorrido o prazo de 2 anos estabelecido no Art. 324.º n.º 2 do C.V.M..

Sustentou igualmente a ilegitimidade dos A.A., porquanto não negociou com a 1.ª A. qualquer contrato de intermediação mobiliária, nem realizou relativamente à mesma qualquer ato no processo de comercialização dos títulos, sendo que o 2.º A. já não é titular dessas obrigações e deixou por isso de ter interesse em agir.

No mais impugnou os factos alegados na petição inicial e sustentou que cumpriu a obrigação de dar a conhecer as características do produto ao 2.º A., o qual tinha por hábito fazer esse tipo de investimentos junto do R.. Concluindo, a final, pela sua absolvição do pedido.

Realizada audiência prévia, na mesma foi proferido despacho saneador, que julgou improcedente a alegada ineptidão da petição inicial, relegando para final a apreciação da exceção de ilegitimidade processual.

Foi ordenado o prosseguimento dos autos para produção de prova, após a fixação do objeto do litígio e dos temas de prova.

Realizado o julgamento, veio a ser proferida sentença que julgou as partes legítimas, mas absolveu o R. do pedido.

Não se conformando com essa decisão, dela apelaram os A.A., formulando no final as seguintes conclusões:
A.–A atividade de recolha e difusão de informação, essencial ao sistema bancário, é uma atividade que pode ser lesiva para outrem, nomeadamente para o cliente, se a informação prestada for falsa ou deficiente, e tiver levado o seu destinatário a tomar decisões que, a final, se revelam danosas para si.
B.–É, por isso, evidente o nexo de causalidade entre a violação dos deveres resultantes da lei, nomeadamente os deveres de informação, a que o BIC estava adstrito e os danos que os autores reclamam nesta ação (Art. 563º do C.C.).
C.–Com efeito o que resulta da matéria de facto provada é que o BIC, ao invés de informar o 1º autor do risco inerente à aquisição das "Obrigações 2006", emitidas pela SLN:
D.–Não mostrou ao 1º autor a “nota informativa” daquele produto financeiro;
E.–Através dos seus quadros superiores deu indicações os funcionários das suas agências para apenas mostrarem a “nota informativa” aos clientes potenciais ou efetivos subscritores das “Obrigações 2006”, no caso de estes a solicitarem;
F.–Para convencerem os clientes a adquirirem aquele produto financeiro como se fosse um sucedâneo de um depósito a prazo;
G.–Convenceu o autor através dos seus funcionários da agência a adquirir duas “Obrigações 2006”;
H.–Convenceu os seus funcionários assim como os seus demais funcionários das outras agências que as “Obrigações 2006”, emitidas pela SLN, constituíam um produto financeiro seguro e que não oferecia risco para os subscritores;
I.–Através dos seus funcionários da agência da Gândara, Leiria, assegurou ao autor que as “Obrigações 2006” eram um mero sucedâneo de um depósito a prazo, sem qualquer risco e melhor remunerado;
J.–Não obstante se tratar de uma aplicação a 10 anos, poderia ser por eles resgatada a qualquer altura, tal como sucedia com os depósitos a prazo;
K.–Que o BIC recolocaria na sua conta a quantia despendida com a aquisição daquele produto, assim que o autor lho solicitasse e que isso apenas implicaria a perda dos respetivos juros;
L.–Não informou o autor que ao adquirir as “Obrigações 2006” perdia o controlo sobre o dinheiro investido;
M.–Não podia, após tal aquisição, movimentar, levantar ou gastar, até 9 de Maio de 2006 data do termo da maturidade daquele produto financeiro, o dinheiro investido;
N.–O empréstimo do autor à SLN, consubstanciado na aquisição das “Obrigações 2006”, só poderia ser reembolsado a partir daquela data.
O.–O autor era aforrador conservador, avesso a investimentos financeiros de risco, pelo que só adquiriu as duas “Obrigações 2004” por ter sido convencidos pelos funcionários da agência da do BIC, que o retorno da quantia investida na sua aquisição, era garantida pelo próprio Banco, e que se tratava de um sucedâneo de depósitos a prazo, com características semelhantes a estes, mas melhor remunerado, o que era do conhecimento dos funcionários da agência da do BIC que com ele lidavam e nos quais o autor confiava plenamente.
P.–O autor nunca teve intenção de adquirir aquele produto financeiro, nem o teria adquirido se os funcionários do BIC o tivesse previamente informado acerca das suas características, ou se lhe tivessem mostrado e explicado conteúdo da “nota informativa” respeitante a tal produto, nomeadamente o teor dos capítulos “Reembolso antecipado” e “Garantias e subordinação”;
Q.–O dano corresponde ao valor do montante investido e não reembolsado na data do vencimento da aplicação.
R.–É, assim, evidente, o direito dos autores a serem indemnizados pelo réu.
S.–Estamos perante um caso de culpa grave consubstanciado na violação do dever de informação por parte do banco Réu pelo que não tem aplicação ao caso vertente do preceituado nos Art.s 323.º, n.º 2 do Código Civil nem no Art. 324.º do CVM.
T.–Antes estando perante uma causa de responsabilidade obrigacional tem aplicação ao caso vertente o prazo de prescrição ordinário de 20 anos previsto no Art. 309.º do Código Civil.
U.–Consideram os recorrentes que a douta decisão recorrida contem em si mesma factualidade que demonstra que não foram cumpridos, in casu, os deveres de informação impendentes sobre o Banco Réu relativamente ao produto vendido.
V.–No caso vertente não foram rigorosamente observados os deveres de informação a que supra nos referimos, e com os contornos delimitados pela doutrina e jurisprudência mais autorizada.
W.–Deveria ter ficado provado que os autores vivem em união de facto, em condições análogas ás dos cônjuges.
X.–A transmissão de uma obrigação não é uma forma de extinguir as vinculações da mesma.
Y.–O princípio geral é o de que são efeitos da transmissão da titularidade a transmissão da legitimidade, do risco e das situações inerentes e a transmissão da legitimação passiva nas situações sobreconstituídas.
Z.–Como bem se escreveu na douta sentença recorrida, “os requisitos gerais da responsabilidade contratual constam dos Art.s 798º-799 do Código Civil, devendo reconduzir-se a três: tipicidade, ilicitude e culpa. (…) em regra, a tipicidade encontra-se associada á ilicitude”.
AA.–Resultou demonstrada a prática de factos tipicamente ilícitos, relativamente á 1ª e ao 2º dos autores.
BB.–A transmissão das obrigações dos autos configura seguramente uma cessão de créditos.
CC.–A douta sentença enferma, pois de vício de contradição profunda entre a factualidade dada como provada e a decisão de direito que tais factos mereceram, devendo por isso ser revogada a douta sentença nos autos prolatada.
DD. E por tal deverá a mesma ser revogada e substituída por decisão que condene o Banco Réu a pagar aos Autores a quantia inicialmente peticionada.
EE.–A douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 73.º; 74.º; 75.º, n.º 1 e 76.º do R.G.I.C.S.F.; nos artigos 408.º, n.º 1, 563.º, 577.º, n.º 1, 582.º, 798.º, 799.º, 879.º, al. a) e 954.º, al. a) do Código Civil; nos artigos 607.º, n.º 4 e n.º 5 e 615.º, n.º 2, alíneas b) e c) do C.P.C. e nos artigos 1.º, n.º 1, al. a); 7.º; 30.º; 289.º; 290.º; 292.º; 293.º, n.º 1, al. a); 304.º; 304.º-A; 305.º; 309.º-A; 309.º-B; 310.º; 312.º; 314.º; 324.º, n.º 2 e 325.º a 334.º do C.V.M..

Em conformidade, sustentam os apelantes a procedência do recurso, devendo ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que julgue a ação totalmente procedente, por provada.

Por seu turno, o R. apresentou contra-alegações para realçar que não foi feita prova suficiente do facto dos A.A. vierem em economia comum e união de facto e que a sentença recorrida deveria ser confirmada, uma vez que não se provaram factos ilícitos praticados pelo R. relativamente à 1.ª A. e não se provou a verificação de qualquer dano ou prejuízo na esfera jurídica do 2.º A..

II–QUESTÕES A DECIDIR.
Nos termos dos Art.s 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106). Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. Art. 5º n.º 3 do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Vide: Abrantes Geral, Ob. Loc. Cit., pág. 107).
Assim, em termos sucintos as questões essenciais a decidir são as seguintes:
a)-Saber se deve ser considerada por provado que os A.A. vivem em união de facto, em condições análogas às dos cônjuges;
b)-Saber se a violação dos deveres de intermediário financeiro, que poderiam determinar a responsabilidade civil do R. relativamente ao 2.º A., podem ser invocados em benefício da 1.ª A., a favor de quem aquele veio a transmitir os títulos a que se reportou a intermediação financeira do banco e, assim, se se verificam todos os pressupostos da responsabilidade civil de intermediário financeiro que obrigariam ao pagamento da indemnização peticionada pelos A.A..

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.

III–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1.-Pela Ap. 47/19930531, foi inscrita na competente Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, a sociedade anónima denominada Banco Português de Negócios, S.A. (BPN), tendo por objeto o exercício de atividades consentidas por lei aos Bancos, entre as quais a de intermediação financeira em instrumentos financeiros;
2.-No dia 12 de Novembro de 2008 foram nacionalizadas todas as ações representativas do capital social do BPN e aprovado o regime da sua apropriação pública por via de nacionalização;
3.-Até essa data, o capital social do BPN era detido, na sua totalidade, pela sociedade SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A. (SNL), atualmente denominada Galilei, SGPS, S.A. (Galilei):
4.-Após a referida nacionalização, o capital social do BPN foi adquirido pelo Banco BIC Português, S.A., e em seguida incorporado, por fusão, neste Banco;
5.-A 1ª autora tornou-se, há cerca de cinco anos e meio, cliente do BPN;
6.-Por sua vez, o 2º autor tornou-se cliente do mesmo banco há mais de 10 anos;
7.-O Banco de Portugal, através do Aviso nº 12/92, autorizou as instituições sujeitas à sua supervisão a realizarem fundos próprios mediante «empréstimos subordinados», cujas condições fossem por si aprovadas;
8.-Ao abrigo dessa autorização, em maio de 2006 a SLN emitiu 1.000 obrigações subordinadas ao portador e escriturais, denominadas «SLN 2006» (Obrigações 2006), com o valor nominal de € 50.000,00, cada uma, perfazendo o montante global de € 50.000.000,00:
9.-Nessa altura a presidência do conselho de administração do BPN e da SLN era exercida pela mesma pessoa:
10.-A SLN emitiu a “nota informativa” que constitui o documento de fls. 66vº a 82vº, referente às “Obrigações 2006”, da qual consta, além do mais, o seguinte:

«1 – ADVERTÊNCIA AOS INVESTIDORES

A presente oferta publica de subscrição não está sujeita ao registo prévio junto da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, nos termos do disposto na alínea e) do artigo 111º do Código de Valores Mobiliários (...). Consequentemente, a presente nota informativa não foi objeto de qualquer apreciação pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários.
A presente oferta pública de subscrição não foi objeto de notação por qualquer sociedade de prestação de serviços de notação de risco (rating) registada na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários.
As condições da emissão obrigacionista objeto desta nota informativa foram aprovadas pelo Banco de Portugal, em 6 de Abril de 2006, pelo que o presente empréstimo obrigacionista é considerado, para efeitos de cálculo dos fundos próprios da EMITENTE, como empréstimo subordinado. Assim, as condições do empréstimo obrigacionista preveem que:
Em caso de falência ou liquidação da EMITENTE, o reembolso das obrigações fica subordinado ao prévio reembolso de todos os demais credores não subordinados da EMITENTE;
O prazo inicial de reembolso das obrigações é de 10 anos;
Os obrigacionistas não poderão solicitar o reembolso antecipado da emissão (inexistência de “put option”);
O eventual reembolso antecipado da emissão por iniciativa da EMITENTE (“cal option”) terá de ser precedido do acordo prévio do Banco de Portugal.
(...)

2 – ADVERTÊNCIA AOS INVESTIDORES

Emitente  SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.
Montante e natureza: Emissão de até 1.000 obrigações subordinadas, em forma escritural e ao portador, com o valor nominal de €50.000 cada perfazendo um montante global de até €50.000.000.
Finalidade
do empréstimo:Consolidação da dívida da emitente, potenciando um melhor equilíbrio entre as maturidades do seu passivo e o seu ativo.
Modalidade de
subscrição: Pública e direta.
(...)
Forma de emissão: A emissão será efetuada em uma ou mais séries de acordo com as necessidades do Emitente e com a procura de aforradores. As séries serão fungíveis a partir do pagamento do primeiro cupão de juros.
(...)
Período de
subscrição
da primeira série:De 10 de Abril de 2006 a 5 de Maio de 2006.
Datas de liquidação
financeira:Dia útil imediatamente seguinte ao final do período de subscrição de cada série.
Valor nominal:€50.000 por obrigação.
Preço de subscrição
e modo de realização:€50.000 por obrigação. O pagamento será integralmente efetuado na data da liquidação financeira.
Representação:As obrigações serão ao portador e escriturais, registando-se a sua colocação e movimentação em contas abertas em nome dos respetivos titulares, de acordo com o estipulado na Legislação aplicável.
Pagamento de juros: Semestral e postecipadamente.
(...)
Reembolso e prazo: O prazo máximo do presente empréstimo é de 10 anos, sendo amortizado ao par, de uma só vez, em 9 de Maio de 2016, salvo se houver reembolso antecipado, nos termos previsto no ponto “CALL OPTION” abaixo.
Reembolso antecipado:Não é permitido o reembolso antecipado de emissão por iniciativa dos obrigacionistas.
(...)
Garantias e
subordinação:As receitas da EMITENTE, respondem integralmente pelo serviço da dívida do presente empréstimo obrigacionista.
Em caso de falência, liquidação ou processo análogo da EMITENTE, os pagamentos dos juros e o reembolso das obrigações representativas da presente emissão ficam subordinadas ao prévio reembolso de todos os credores não subordinados, tendo, contudo, os detentores das obrigações, prioridade sobre os acionistas da EMITENTE.
Colocação e
agente pagador:BPN – Banco Português de Negócios, S.A..
(...)»
11.–O BPN emitiu a nota interna BPN/DCIM, datada de março de 2006, subordinada ao assunto «SLN 2006 Obrigações Subordinadas a 10 Anos», que se encontra a fls. 83 a 87 (Nota interna), da qual consta, além do mais, o seguinte:
«(...)
4)–ARGUMENTÁRIO
- Capital garantido
- Elevadas taxas de remuneração
OBJECÇÃO … prazo demasiado longo e sem qualquer liquidez…
CONTRA-ARGUMENTAÇÃO
- Garantia de elevadas taxas de remuneração por um longo prazo (10 anos)
- Pagamento de juros periódico
-Taxa indexada, garantindo sempre condições acima do mercado, facilitando a sua venda.»;

12.–Os funcionários das agências do BPN tinham indicações superiores para apenas mostrarem a “nota informativa” aos clientes potenciais ou efetivos subscritores das “Obrigações 2006”, no caso de estes a solicitarem;
13.–(...) e para convenceram os clientes a adquirirem aquele produto financeiro como se fosse um sucedâneo de um depósito a prazo;
14.–No dia 28 de novembro de 2006, o autor tinha em depósito na conta bancária nº 00314775410001, sedeada naquele banco, a quantia de €100.000,00;
15.–Convencido pelo funcionário do BPN, Carlos J...S...R..., então gerente do balcão daquele banco da Gândara dos Olivais, o autor, com a quantia referida em 14., subscreveu duas “Obrigações 2006”, no valor de € 50.000,00, cada uma;
16.–(...) para o que subscreveu o documento cuja cópia se encontra a fls. 88vº;
17.–Nessa ocasião, o autor não foi informado por Carlos R..., ou por qualquer outro funcionário do BPN, do teor da “nota informativa”;
18.–Os funcionários da agência de Gândara dos Olivais do BPN, assim como os seus colegas das demais agências deste Banco, estavam convencidos, de acordo com indicações superiores que lhes foram transmitidas, que as “Obrigações 2006” constituíam um produto financeiro seguro e que não oferecia risco para os subscritores;
19.–(...) razão pela qual Carlos Ri... assegurou ao 2º autor que as “Obrigações 2006” eram um mero sucedâneo de um depósito a prazo, sem qualquer risco e melhor remunerado;
20.–(...) e que, não obstante se tratar de uma aplicação a 10 anos, poderia ser por ele resgatada a qualquer altura, tal como sucedia com os depósitos a prazo;
21.–(...) e que o BPN colocaria numa conta dos autores a quantia despendida com a aquisição daquele produto, assim que este lho solicitasse;
22.–(...) e que isso apenas implicaria a perda dos respetivos juros;
23.–Os autores são aforradores conservadores, avessos a investimentos financeiros de risco;
24.–O 2º autor só subscreveu o documento de fls. 88vº, de aquisição das “Obrigações 2006”, por ter sido convencido por Carlos R..., que o retorno da quantia investida na sua aquisição era garantida pelo próprio BPN;
25.–(...) e que se tratava de um sucedâneo de depósitos a prazo, com características semelhantes a estes, mas melhor remunerado;
26.–(...) o que era do conhecimento de Carlos R... e dos demais funcionários da agência de Ourém do BPN, com os quais os autores lidavam;
27.–(...) nos quais estes confiavam plenamente;
28.–Nem Carlos R..., nem qualquer outro funcionário do BPN, infirmou o 2º autor que ao subscrever o documento de fls. 90vº, de aquisição das “Obrigações 2006”, perdia o controlo sobre o dinheiro investido;
29.–(...) assim como a possibilidade de, após tal aquisição, movimentar, levantar ou gastar, até 9 de maio de 2016, data do termo da maturidade daquele produto financeiro, o dinheiro nele investido;
30.–(…) ou que o empréstimo do 2º autor à SLN, consubstanciado na aquisição das “Obrigações 2006”, só poderia ser reembolsado a partir daquela data;
31.–O 2º autor nunca teve intenção de adquirir aquele produto financeiro;
32.–(...) nem teria subscrito o documento de fls. 88vº, que titula a sua aquisição, se Carlos R... ou qualquer outro funcionário do BPN o tivessem previamente informado acerca das suas características;
33.–(...) ou se lhe tivessem mostrado e explicado o conteúdo da “nota informativa” respeitante a tal produto, nomeadamente o teor dos capítulos “Reembolso antecipado” e “Garantias e subordinação”;
34.–No dia 9 de setembro de 2010 o 2º autor assinou o documento que se encontra a fls. 89vº, com o timbre do BPN, intitulado «COMUNICAÇÃO DE CLIENTE», do qual consta o seguinte:
«Nome  Manuel ... ...
Nº de Conta     3147754.10.001      Agência Batalha
Pela presente solicito(amos) que:
Procedam à transferência dos meus títulos SLNRM2 (SLN 2006) para a minha conta nº 46716309.10.001»;
35.–Na sequência desta comunicação, o BPN associou à referida conta nº 46716309.10.001, as “Obrigações 2006” subscritas pelo 2º autor;
36.–Em 9 de setembro de 2010 a conta nº 46716309.10.001 era titulada pela 1ª autor e pelo 2º autor;
37.–(...) e em 17 de março de 2015 passou a ser titulada apenas pela 1ª autora;
38.–Até ao momento nenhum dos autores foi reembolsados de qualquer quantia correspondente ao capital investido pelo 2º autor na aquisição das “Obrigações 2006”;
39.–(...) as quais continuam a integrar a carteira de títulos associada à conta nº 46716309.10.001;
40.–(...) sem que, no entanto, tenham qualquer valor transacionável.
*

Importa ainda relevar que a decisão recorrida julgou por não provados os seguintes factos:
1.–Os autores são reformados e vivem do montante das respetivas reformas e dos rendimentos proporcionados por uma vida inteira de trabalho;
2.–A 1ª autora é reformada por invalidez e aufere uma pensão de pouco mais de € 200,00;
3.–O 2º autor exerceu, durante toda a vida ativa, a profissão de militar da GNR, auferindo atuam
4.–(...) auferindo ume pensão mensal de pouco mais de € 500,00;

Tudo visto, cumpre apreciar.

IV–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

1.–Da impugnação da matéria de facto.
Estabelece o Art. 662º n.º 1 do C.P.C. que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documentos superveniente, impuserem decisão diversa.
Nos termos do Art. 640º n.º 1 do C.P.C., quando seja impugnada a matéria de facto deve o recorrente especificar, sob pena de rejeição, os concretos factos que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Nos termos do n.º 2 do mesmo preceito concretiza-se que, quanto aos meios probatórios invocados incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o recurso. Para o efeito poderá transcrever os excertos relevantes. Sendo que ao Recorrido caberá o ónus de designar os meios de prova que infirmem essas conclusões do recorrente, indicar as passagens da gravação em que se funda a sua defesa, podendo também transcrever os excertos que considere importantes, isto sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal.
A situação que concretamente é invocada pelos A.A. reporta-se ao facto de terem alegado na petição que “vivem ambos em união de facto, em condições análogas às dos cônjuges, há mais de 10 anos” (Artigo 3º da petição inicial), sendo que a testemunha Carlos J...R..., gerente do balcão com quem os A.A. trabalhavam e que vendeu o produto financeiro em causa nos autos ao 2.º A. veio dizer ao minuto “00.50” do seu depoimento que «a D. ... é a companheira do Sr. ...” e, por isso deveria ser dado por provado que os A.A. vivem em união de facto, em condições análogas às dos cônjuges.
O recorrido não põe em causa que a testemunha tenha dito o que foi mencionado pelos A.A., mas entende que a prova assim produzida é manifestamente insuficiente para retirar a conclusão pretendida, porque não situa esse facto no tempo e trata-se duma opinião ou palpite, resultado duma da mera perceção do funcionário bancário que apenas lida com os A.A. no exercício das suas funções. Acrescentando, a final, que o objetivo dessa impugnação destinar-se-ia somente a beneficiar os Recorrentes do prazo adicional de 10 dias para apresentarem o seu recurso.
De realçar que a decisão recorrida é completamente omissa sobre esse facto, quer no que se refere aos factos provados, quer aos dados por não provados, embora tenha explicitado que: «a matéria alegada que não se mostra enunciada no elenco dos factos provados e não provados constitui matéria conclusiva, repetida, irrelevante ou de direito e, por isso, não foi considerada» (Sic. cfr. fls 163 verso).
Visto isto, só teremos de considerar que o tribunal a quo considerou que “viver união de facto, em condições análogas às dos cônjuges” é matéria conclusiva, irrelevante ou de direito.
Ora, no contexto da petição inicial, considerando que ambos pretendem agir em conjunto no exercício do direito à indemnização que no final peticionam, não se pode considerar que esse facto seja propriamente irrelevante.
Por outro lado, “viver em união de facto”, apesar de ser uma expressão com um certo conteúdo jurídico, por referência ao qual vários preceitos legais fazem decorrer consequências jurídicas diversas e relevantes, em função do direito que concretamente seja invocado, a verdade é que tem também um sentido social comummente aceite, que se traduz numa realidade suscetível de concretização como facto.
É certo que a demonstração duma “união de facto” passa pela especificação duma vivência em comum concreta, de natureza duradoura e estável, que se expressa através duma ligação afetiva e sexual, com algum grau de partilha económica entre as pessoas em causa.
O depoimento testemunhal foi efetivamente muito cru ao limitar-se a informar que a 1.ª A. “é a companheira” do 2.º A.. Sem prejuízo, fê-lo com base nas perceções que o depoente tinha relativamente à vivência dos A.A..
Acresce que, a tal afirmação não há-de ter sido estranho o facto de ambos os A.A. terem conta aberta no banco R., onde a testemunha era funcionário. Aliás, a conta para onde foram transferidos os títulos a que se reporta a presente ação até estava originalmente em nome de ambos os A.A., como também foi dado por provado. O que também indicia alguma vida económica comum.
Julgamos assim que pelo menos deveria ter sido dado por provado que a 1.ª A. é a companheira do 2.º A., sendo certo que a prova foi insuficiente para demonstrar que esse facto ocorresse há mais de 10 anos, como alegado na petição.
Essa circunstância traduz uma realidade social que pode ser afirmada como um facto, não sendo em si conclusiva, nem irrelevante para o conhecimento do mérito da causa, atento ao contexto em que essa realidade foi afirmada na petição inicial, justificando inclusivamente que tenham sido ambos a instaurar a presente ação em conjunto.
Em face do exposto, julgando procedente nesta parte apelação, é aditada à matéria de facto provada o seguinte facto:
«A 1.ª A., ..., é a companheira, do 2.º A..»

2.–Do fundo da causa.
Os A.A. não se conformam com a sentença recorrida por entenderem que foram dados por provados todos os factos relevantes donde resulta que o R. não cumpriu os deveres de intermediário financeiro, nomeadamente os deveres de informação sobre as características do produto financeiro adquirido pelo 2.º A. e, nessa medida, não poderia o R. ser absolvido do pedido.
Nestes termos resumem a questão a saber se, transferidos os títulos assim adquiridos duma conta em nome do 2.º A. para uma conta apenas em nome da 1.ª A., tal será ou não suficiente para afastar a responsabilidade do R.?
A resposta, no entendimento dos A.A., é negativa, invocando em seu abono a posição de Alexandre Barão da Veiga (in “Transmissão de Valores Mobiliários”, Almedina, 2010, pág. 161 e 164), nomeadamente porque as situações sobreconstituídas, transmitem-se, por efeito automático, da transmissão da titularidade do direito, como é regra geral do Art. 582º do C.C..
Ao que acresce que a regra da consensualidade tem o mesmo significado para coisas móveis ou imóveis (cfr. Menezes Leitão in “Direito das Obrigações – Contratos em Especial”, Vol. III, pág. 29).
Assim, havendo responsabilidade civil do R. e aplicando-se a figura da cessão de créditos, deveria o R. ser condenado, improcedendo a alegada exceção de prescrição do crédito, porque o comportamento do R. foi doloso e o prazo aplicável seria de 20 anos, nos termos dos Art.s 324º do CVM e 309º do C.C..
O recorrido limita-se a sustentar a posição da sentença recorrida.
De referir que a sentença recorrida sustentou a improcedência da ação com os seguintes fundamentos:
«A causa de pedir que serve de fundamento à presente consiste na violação, pelo BPN relativamente ao 2º autor, aquando da subscrição, por este, das “Obrigações 2006”, dos deveres a que se encontrava adstrito enquanto instituição bancária e intermediário financeiro, nomeadamente, o dever de informação.
«Resulta à evidência dessa peça processual que entre a 1ª autora e o BPN não foi estabelecida qualquer relação de intermediação financeira.
«Logo, o BPN não violou, para com a 1ª autora, no que ao caso concreto diz respeito, qualquer dever contratual, nomeadamente de informação acerca das características das “Obrigações 2006”.»
Segue-se depois um conjunto de citações de natureza doutrinal destinadas a evidenciar os pressupostos da responsabilidade contratual ou obrigacional, que pressupõem a prova da tipicidade da conduta por referência ao facto ilícito, à culpa (que no caso se presume – Art. 799º do C.C.), ao dano e do nexo causal – Art. 798º do C.C..
Nós perfilhamos uma abordagem mais clássica dos pressupostos da responsabilidade civil contratual ou obrigacional, que obrigam à ponderação mais analítica da realidade delitual em causa.
Assim, nos termos do Art. 798º do C.C., os pressupostos da responsabilidade civil em causa são: a) a falta de cumprimento duma obrigação, seja por incumprimento absoluto e definitivo, seja por mora, seja por mero cumprimento defeituoso; b) a ilicitude, que resulta da constatação da desconformidade objetiva entre a conduta devida e o comportamento observado pelo devedor; c) a culpa, que resulta de um juízo de censurabilidade e reprovabilidade, baseado no reconhecimento de que o devedor deveria e poderia agir doutro modo; d) o dano, correspondente ao prejuízo sofrido essencialmente no património do credor; e e) o nexo causal entre o comportamento ilícito e culposo e o dano considerado (Vide: Antunes Varela in “Das Obrigações Em Geral”, Vol. II, 4ª Ed. pág.s 87 e ss).
Esta é a abordagem mais tradicional afigura-se-nos a mais conforme com a letra e o espírito da lei, ainda que reconheçamos que existe uma parte da doutrina, que supomos ser minoritária, que sustenta que a nossa lei consagrou um sistema de responsabilidade contratual semelhante ao estabelecido no direito francês, também conhecido como o sistema da “faute napoleónica”.
Sucintamente, diremos que essa parte da doutrina defende que o Art. 799º do C.C. não se traduz numa mera presunção de culpa, mas sim numa presunção de ilicitude, de culpa e de causalidade, à semelhança da “faute” do direito francês, bastando ao credor invocar um incumprimento e provar que houve danos, pois é ao devedor que depois compete provar o cumprimento e que se verificou qualquer causa de justificação ou de excusa para não cumprir (Vide: Menezes Cordeiro in “Tratado de Direito Civil Português – II Direito das Obrigações – Tomo III Gestão de negócios, enriquecimento sem causa, responsabilidade civil”, ed. 2010, pág. 391 a 392).
Quer nos parecer que o Código Civil português de 1966 terá sido muito mais sensível às influências do BGB alemão e do Código Civil Italiano, tendo preconizado desde logo uma conformação geral em rotura com o anterior Código Civil de 1867, também conhecido por Código de Seabra. Esse sim, mais claramente influenciado pelo Código de Napoleão.
O Código Civil português de 1966 vem na esteira da introdução paulatina em Portugal da “pandectística” alemã pela mão de Guilherme Moreira no início do século XX, sendo o regime da responsabilidade civil claramente influenciado pela evolução doutrinária alemã e seus desenvolvimentos, no que se refere à sistemática e rigor analítico dos comportamentos delituais, nomeadamente distinguindo de forma muito vincada as matérias próprias da ilicitude daquelas que se reportam apenas à culpa, funcionando assim cada uma delas como pressupostos autónomos e distintos da responsabilidade civil (vide, a propósito: Antunes Varela in “Das Obrigações Em Geral”, Vol. I, 5.ª Ed., pág.s 545 e ss).
É com base na evolução desses estudos doutrinários, que alguns apontam ter início em Ihering, que imputam à ilicitude os elementos de natureza mais objetiva dos comportamento delituais, reservando os elementos de natureza mais subjetiva para a culpa, que permitiram chegar à conclusão de que a apreciação da licitude é prévia à consideração da culpa, porque para factos lícitos a questão da censurabilidade nem sequer se coloca. Sendo que existem factos ilícitos que não determinam a obrigação de indemnização, precisamente por se excluir a culpa, nomeadamente pela verificação de uma causa de excusa ou de desculpação.
Portanto, no quadro legal estabelecido no Código Civil vigente continua a fazer sentido, como sempre fez, presumir a culpa, como o Art. 799º do C.C. ou, noutras sedes, os Art.s 491º, 492º e 493º do C.C. fazem, sem que tal implique, lógica e necessariamente, uma presunção simultânea de ilicitude ou da causalidade, que são pressupostos da responsabilidade civil perfeitamente autónomos.
Poderemos admitir que numa simples ação de dívida, a invocação e prova do não pagamento praticamente resume o ónus de prova do credor, para os efeitos do funcionamento da responsabilidade contratual estabelecida no Art. 798º do C.C., dando assim a aparência dum sistema de responsabilidade civil muito simplificado semelhante à “faute napoleónica”. Mas, tal resulta da própria simplicidade da causa, em que a responsabilidade civil quase se confunde com a mera exigência do cumprimento da obrigação que não foi cumprida. Para outros casos, mais complexos, como sejam as situações de responsabilidade contratual por cumprimento defeituoso, esse sistema já não se justifica, podendo levar a soluções injustas de “cripto responsabilidade” que não respeitam as regras gerais do ónus de prova que constam do Art. 342º n.º 1 do C.C., nem o sentido exato com que foi estabelecida a presunção de culpa no Art. 799º do C.C. (vide, entre outros, a este propósito: Menezes Leitão in “Direito das Obrigações - Vol. II – Transmissão e extinção das obrigações, não cumprimento e garantias do crédito”, 3.ª Ed., pág.s 243 a 246 e anotação n.º 480).
Nessa medida, importa fazer um esforço analítico dos comportamentos delituais relevantes para efeitos da consideração da responsabilidade civil contratual ou obrigacional, distinguindo a ilicitude da culpa e ponderando o nexo causal, imputando ao credor o ónus de prova de todos os factos constitutivos do seu direito, tal como estabelece o Art. 342º n.º 1 do C.C., com exceção da culpa, que se presume, nos termos do Art. 799º do C.C.. O que é extensivo à responsabilidade civil por factos emergentes de intermediação financeira, nos termos do Art. 304º-A n.º2 do CMV.
Regressando de novo à fundamentação da sentença recorrida, o R. foi absolvido do pedido porque: «da matéria de facto provada não resulta demonstrada a prática, pelo BPN, de qualquer facto “tipicamente ilícito”, relativamente à 1ª autora.»
«Alega-se na petição inicial que «(...) em 09/09/2010, o segundo autor transferiu a titularidade das obrigações “SLN 2006”, para a sua companheira, a primeira autora», acrescentando-se que «os referidos títulos encontram-se, assim, ainda hoje, depositados na carteira de títulos da primeira autora, junto do Banco réu».
«Está provado que no dia 9 de setembro de 2010 o 2º autor assinou o documento que se encontra a fls. 89vº (…) do qual consta (…) [a solicitação da transferência dos títulos].
«Em 9 de setembro de 2010 a conta nº 46716309.10.001 era titulada pela 1ª autor e pelo 2º autor.
«Em 17 de março de 2015 passou a ser titulada apenas pela 1ª autora.
«É evidente que isto:
«- não configura uma cessão de créditos nos termos e para os efeitos dos Arts. 577º, nº 1 e 582, nº 1, do CC, ao contrário do defendido pelos autores no seu articulado de resposta às exceções deduzidas pelo réu;
«- que isso não responsabiliza o réu perante a 1ª autora, uma vez que, reitera-se, em relação a ela não se vislumbra qualquer atuação ilícita por parte daquele.
«Neste contexto, importa ter presente que são os próprios réus quem alega que «(...) em Novembro de 2008, na sequência da “crise do subprime” e da consequente falência do Banco norte-americano “Lehman Brothers”, a qual teve efeitos cataclísmicos sobre os mercados financeiros mundiais, rebentou o “escândalo do BPN”, que culminou numa “corrida aos depósitos” e na sua posterior nacionalização.
«O segundo autor, como os demais depositantes do “BPN”, também participou na “corrida aos depósitos”, mas, como tantos outros, descobriu que tinha sido enganado e vítima de uma refinada burla.(...)
«O segundo autor vive há quase sete anos em contínuo terror, com o receio de ter perdido grande parte do resultado das suas poupanças. (...)
«Para a primeira autora, neste momento, ter 2 obrigações “SLN 2006”, de €50.000,00 cada, é o mesmo que dar por perdidos os €100.000,00 que o segundo autor confiou ao banco réu em 2006.».(...)
«Perante isto, se algum prejuízo a 1ª autora suporta neste momento, ao 2º autor o deve, pois que:
«- tendo descoberto, em 2008, «que tinha sido enganado e vítima de uma refinada burla», ainda está por perceber;
«- vivendo «há quase sete anos em contínuo terror, com o receio de ter perdido grande parte do resultado das suas poupanças», ainda está por perceber o objetivo da alegada transmissão, por si, 2º autor, para a 1ª autora, do objeto do «engano» e da «refinada burla».
«A existir prejuízo da 1ª autora, parece que o responsável pelo ser ressarcimento perante ela sempre teria de ser precisamente o 2º autor.
«Em suma, pois, não se verifica qualquer responsabilidade, seja de que natureza for, do réu para com a 1ª autora.
«E no que respeita ao 2º autor?
«O 2º autor, na petição inicial, não alega sequer qualquer prejuízo, qualquer dano, pelo qual o réu deva ser responsabilizado perante si, pois limita-se a afirmar que «tem interesse em demandar, uma vez que vive em economia com a primeira, em condições análogas às dos cônjuges, pelo que o prejuízo de um é também o prejuízo do outro», chegando ao ponto de afirmar, no art. 31º do articulado de réplica, que «(...) se o valor das obrigações SLN 2006, acrescido dos respetivos juros à taxa legal para as operações comerciais, não for restituído pelo Banco réu, terá o segundo autor de o fazer à primeira autor».
«Termos que, por não se mostrarem verificados, em relação a ambos os autores, os pressupostos da responsabilidade civil contratual (o mesmo sucederia, obviamente, caso nos encontrássemos no âmbito da responsabilidade civil extracontratual), terá a presente ação, necessariamente, de ser julgada totalmente improcedente, mostrando-se prejudicado o conhecimento da exceção de prescrição.»
Portanto, a decisão recorrida considera que a ordem de transferência dos títulos, ocorrida em 9 de setembro de 2010, não constitui uma cessão de créditos; que não estão provados os danos sofridos pelo 2.º A.; que se houver prejuízos para a 1.ª A. eles serão devidos ao 2.º A., pois o R. não violou nenhum dever como intermediário financeiro relativamente àquela.
No entanto, é evidente que estão provados factos donde resulta inequivocamente a responsabilidade civil do R. perante o 2.º A..
Efetivamente, resulta da matéria de facto que o A. foi convencido por funcionário do BPN, a subscrever duas “Obrigações 2006”, no valor de €50.000,00, cada, sem lhe terem dado conta do teor da “nota informativa” donde constavam as advertências devidas aos investidores, tendo sido informado que se tratava de um produto financeiro seguro, que não oferecia risco e era melhor remunerado, sendo um mero sucedâneo de um depósito a prazo, que poderia ser resgatado a qualquer momento.
Aliás, os funcionários do R. tinham instruções específicas para não prestarem as informações devidas aos investidores interessados. Pelo que, o seu comportamento é mais do que meramente negligente. É doloso, porque ostensivamente enganoso e com um propósito claro de prejudicar o cliente.
Em consequência, o 2º A. subscreveu um produto financeiro em que perdia o controlo sobre o dinheiro investido, não o podendo movimentar, levantar ou gastar, até 9 de maio de 2016, data do termo da maturidade.
Também resulta provado que o 2.º A. nunca teve intenção de adquirir aquele produto financeiro, nem o teria subscrito, se o tivessem previamente informado acerca das suas características.
No entanto, a causa de pedir desta ação não é o erro, ainda que fundado em dolo (Art. 253º do C.C.), porquanto não se pretende a anulação do negócio jurídico a que se reporta a aquisição das obrigações “SNL 2006” (Art.s 287º e 289º do C.C.), mas sim exigir a responsabilidade civil do R. como intermediário financeiro.
O R., enquanto instituição financeira, estava obrigado a assegurar aos clientes, em todas as atividades que exercia, elevados níveis de competência técnica, dotando a sua organização empresarial com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência (Art. 73º do RGICFS). E ainda a proceder com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados, em todas as relações que estabeleciam com os seus clientes (Art. 74º do RGICSF).
Também os membros dos órgãos de administração, os administradores e os empregados das instituições de crédito, nas relações com os clientes «devem proceder nas suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição de riscos e da segurança das aplicações, tendo em conta o interesse dos depositantes, dos investidores e dos demais credores» (Art. 76º do RGICSF).
A comercialização de “obrigações”, enquanto valores mobiliários (Art. 1.º n.º 1 al. b) do CVM), tal como levada a cabo pelo R., integra-se na atividade de intermediação mobiliária, que pode exercida por instituições de crédito (Art.s 289º, 290º, 292º e 293º n.º 1 al. a) do CVM).
Nos termos do Art. 304º do CVM: «1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado. 2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência. 3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objetivos que prosseguem através dos serviços a prestar. (...) 5 - Estes princípios e os deveres referidos nos artigos seguintes são aplicáveis aos titulares do órgão de administração do intermediário financeiro e às pessoas que efetivamente dirigem ou fiscalizam cada uma das atividades de intermediação».

Quanto aos deveres de informação, estabelece o Art. 312º do CVM que: «1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a: a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar; b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar; (...) 2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente. 3 - A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral».

Finalmente, o Art. 304º-A do CVM estabelece que: «1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública. 2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.Diga-se ainda que o regime da responsabilidade civil estabelecido no Art. 304º-A da CVM é especial, constituindo uma forma de tutela específica do consumidor de produtos financeiros, que funciona independentemente das regras gerais estabelecidas no Código Civil, nomeadamente as relativas ao erro (Art.s 252º, 253º, 287º e 289º do C.C.) ou à responsabilidade civil contratual ou extracontratual em geral (Art.s 798.ºe ss e 483º e ss do C.C.), ainda que seja uma subespécie de responsabilidade contratual, com algumas características de regime típicas da responsabilidade extracontratual (Vide, a propósito: Paulo Câmara in “Manual de Direito dos Valores Mobiliários”, 2011, pág.s 709 e ss).

É evidente que os factos dados por provados integram a previsão destes normativos, tendo o R. tido um comportamento tipicamente ilícito, violador de deveres legais de intermediário financeiro, tendo agido, para além do mais, de forma dolosa.

A decisão recorrida, no entanto, nega o direito a indemnização ao 2.º A. com fundamento na falta de prova do prejuízo. Mas, o prejuízo é a falta de disponibilidade dos €100.000,00 que desse modo foram investidos, os quais até já deveriam ter sido devolvidos e ainda não o foram, como também resulta da matéria de facto provada.

Portanto, relativamente ao 2.º A. verificavam-se todos os pressupostos legais da responsabilidade civil, tendo o mesmo direito à restituição dos €100.000,00.

Sucede que, o 2.º A. já não é titular das obrigações “SNL 2006”. Mas, será que daí resulta a perda do direito à indemnização?
A nosso ver não, porque os factos que determinam a obrigação de indemnização são de ocorrência muito anterior à transferência dos títulos para outra conta, onde agora estão depositados.
O facto que obriga à indemnização não é a titularidade das obrigações “SNL 2006”, mas o prejuízo causado pelo comportamento do R. logo no momento em que induziu o A. em erro, ainda que só posteriormente o mesmo tenha tomado consciência do logro de que foi alvo.
Portanto, o A. é o titular originário (e único) do direito à indemnização peticionada.
E pelo facto de ter colocado as “obrigações” numa conta de depósitos de carteira de títulos que não pertencia exclusivamente a si, determina a conclusão de que deixou de ter um prejuízo?
A nosso ver, a resposta continua a ser negativa.
O efeito de reparação do dano por força do pagamento da indemnização é na prática economicamente semelhante à anulação da operação de investimento na aquisição do produto financeiro.
O A. foi desapossado de €100.000,00 mediante a entrega dum produto financeiro que não queria adquirir e nunca teria adquirido, não fosse ter sido enganado. Em consequência, a obrigação de indemnização deverá corresponder pelo menos à restituição do valor investido, perdendo o A. os direitos correspondentes à titularidade do produto financeiro em causa. É isso que resulta do efeito da reposição do lesado na posição patrimonial que teria caso não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (Art. 562º do C.C.).
Então, e a 1.ª A.? Não é ela a titular das obrigações “SNL 2006”, na medida em que esses títulos estão depositados em conta aberta apenas em seu nome?
Na verdade desconhecemos se a mesma é efetivamente titular dessas obrigações.
Tal como desconhecemos qual o negócio jurídico que possa ter estado na base do facto das obrigações terem passado duma conta em nome do 2.º A. para uma conta em nome de ambos os A.A., sendo que entretanto passou a ser uma conta exclusiva em nome da 1.ª A..
O máximo que podemos dizer é que a titularidade exclusiva da conta de depósitos relativa a essa carteira de títulos faz presumir que a 1.ª A. é a única credora das prestações que a eles correspondem.
No entanto, esta ação tem por causa de pedir a responsabilidade civil do intermediário financeiro e não o exercício dos direitos de crédito emergentes da titularidade dos produtos financeiros em causa.
Assim sendo, o R. não celebrou qualquer contrato de intermediação financeira com a 1.ª A., nem violou qualquer dever de intermediário financeiro relativamente à mesma, sendo que os danos cujo ressarcimento aqui é concretamente peticionado não se verificaram na esfera jurídica da 1.ª A.. Logo, esta não tem direito a qualquer indemnização, com os fundamentos que são invocados na petição inicial e em conformidade com a prova produzida.
Portanto, a sentença recorrida acertou apenas na absolvição do R. relativamente ao pedido formulado pela 1.ª A., porquanto esta não é a lesada no direito de indemnização que concretamente aqui é pretendido fazer ...r.
Não houve violação de deveres legais por parte do R. relativamente à 1.ª A. e não foi na sua esfera jurídica que se verificaram os danos cujo ressarcimento se peticiona.
Também é evidente que a transferência das obrigações “SNL 2006” para outra conta não tem por efeito necessário uma cessão de créditos, no que estritamente se refere à obrigação de indemnização de que o 2.º A. é o único e exclusivo titular.
Nada nos autos nos demonstra que o 2.º A. transmitiu o seu direito a indemnização para a 1.ª A..
É evidente que o exercício do direito a indemnização pelo 1.º A. nos termos peticionados poderá provocar uma situação de enriquecimento sem causa para a 1.ª A., caso esta venha a reclamar autonomamente o cumprimento das obrigações emergentes dos títulos à entidade emissora, com base no argumento formal de que essas obrigações lhe pertencem. Mas tal não faz parte da causa de pedir desta ação e o R. terá certamente à sua disposição os meios processuais adequados a evitar esse efeito pernicioso. Certamente que o direito substantivo fornecerá fortes argumentos para obstar a tal eventualidade.
Há ainda que perguntar se a transferência da carteira de títulos para uma conta que atualmente é da titularidade exclusiva da 1.ª A. não afasta a ilicitude do comportamento do R..
Efetivamente, poderia pensar-se que o 2.º A., ao proceder desse modo, ter-se-ia conformado com o engano de que foi alvo, tanto assim que transmitiu as obrigações para um terceiro. Pelo que, ao proceder desse modo, teria agido no pressuposto de que a compra desses títulos não resultava de facto ilícito, transferindo os eventuais prejuízos decorrentes dessa operação para a nova titular, confirmando ou ratificando desse modo o ilícito de que fora alvo.
A própria sentença recorrida trilha este percurso, quando sustenta a possibilidade do 2.º A. ser o responsável pelos eventuais prejuízos que a 1.ª A. possa vir a sofrer, como se a intenção do 2.º A. fosse a de transferir os prejuízos para a 1.ª A..
Nada nos autos nos pode levar à conclusão de que o 2.º A. agiu de má-fé relativamente à 1.ª A., querendo enganá-la através da transmissão de títulos de que admitia que o respetivo capital não seria reembolsado.
É aqui que releva o facto da A. ser a companheira do A. e que descarateriza por completo esta linha de argumentação.
O A. nunca assumiu em definitivo os prejuízos do engano que resultou da aquisição das obrigações “SNL 2006”.
O A. pode ter tido um comportamento errático. Mas o mesmo é justificado e compreensível em função do que é alegado nos articulados, quer quanto à sua idade, quer quanto à aflição que certamente resultou de todo o processo de nacionalização do BPN, que dificultou inevitavelmente a perceção sobre o modo de reagir e de fazer ...r os seus direitos.
Admitimos que possam ter havido hesitações, mas não houve uma inequívoca conformação com os factos ilícitos de que foi vítima por parte do R..
Nessa medida, não se pode afirmar que o A. agiu em abuso de direito (Art. 334º do C.C.) e, portanto, de forma ilegítima, ao deixar decorrer o tempo ou ao transferir as obrigações da conta onde estavam depositadas (pelo menos no contexto dos factos dados por provados), porque não podem estes factos, em confronto com a posterior instauração da presente ação, ser interpretados como um “verine contra factum proprium”.
Neste sentido, não pode a ilicitude do comportamento do R. ser julgada por excluída por alegado abuso de direito do A..
Resta ainda referir que sendo o comportamento do R. doloso, o prazo prescricional da obrigação de indemnização não é de 2 anos, nos termos do Art. 324º n.º 2 do CVM, mas sim o de 20 anos, tal como estabelecido no Art. 309º do C.C. (Neste sentido: Jorge Alves Morais e Joana Matos Lima in “Código dos Valores Mobiliários Anotado”, Quid Juris, 2015, pág. 546). Pelo que, improcede a exceção perentória correspondente invocada pelo R. na sua contestação.
Quanto à obrigação de juros, assiste razão ao R. quanto sustenta a inaplicabilidade ao caso da taxa legal supletiva de créditos de empresas comerciais, resultante do Art. 102º do Cód. Comercial, porquanto é evidente que estamos perante um crédito de natureza meramente civil, em função da qualidade do credor.
Por outro lado, quanto ao “dies a quo”, tendo em atenção a natureza da obrigação indemnizatória pretendida fazer ...r e por não terem provado a interpelação anterior, os juros serão apenas devidos a contar da citação (Art. 805º n.º 1 do C.C.). No caso ocorrida em 18/2/2016 (cfr. fls 96).
É com esta fundamentação que entendemos julgar parcialmente procedente a apelação.

V–DECISÃO.
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente, nos seguintes termos:

a) Julgamos procedente a impugnação da matéria de facto provada e em consequência julgamos aditar aos factos provados o seguinte:
«A 1.ª A., ..., é a companheira, do 2.º A.»

b) Julgamos revogar a sentença recorrida na parte que absolveu o R. do pedido formulado pelo 1.º A. e, em consequência, condenamos o Banco BIC Português, S.A. a pagar ao A., Manuel ... do ..., a quantia de €100.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados da citação ocorrida em 18/2/2016 até integral pagamento.

No mais mantemos a decisão recorrida, nomeadamente na parte que absolveu o R. do pedido formulado pela 1.ª A..

- Custas por apelantes e apelado, na proporção de 1/6 para os primeiros e 5/6 para o segundo (Art. 527º n.º 1 do C.P.C.).
*



Lisboa, 10 de outubro de 2017


                             
(Carlos Oliveira)
(Maria Amélia Ribeiro)                             
(Dina Monteiro)