Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2603/10.6TVLSB.L1-2
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: PROVA PERICIAL
VALOR PROBATÓRIO
INCAPACIDADE PARA O TRABALHO
EQUIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Um exame pericial, dada a razão de ciência que lhe subjaz, por regra, apenas pode ser contrariado por outro meio de prova de idêntica natureza.
II. O juiz cumpre, com adequação, o dever de cognição, quando se pronuncia sobre o pedido e causa de pedir expressos na ação.
III. A decisão, constante da sentença, deve corresponder ao corolário lógico dos fundamentos de facto e de direito especificados, num juízo de integral coerência, próprio de um silogismo.
IV. Não sendo possível averiguar o valor exato do dano resultante da incapacidade permanente para o trabalho, pois as diferentes variáveis a considerar, repercutindo-se no futuro, são incertas, cabe ao tribunal fixar equitativamente a indemnização.
V. A indemnização por dano não patrimonial deve corresponder uma indemnização justa e equitativa, com a consideração ainda dos padrões médios de vida da sociedade portuguesa, onde a lesada se insere.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:


I – RELATÓRIO:


Maria ...instaurou, em 29 de novembro de 2010, na então 14.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa (Instância Central de Lisboa – Secção Cível da Comarca de Lisboa), contra Companhia de Seguros ... Portugal, S. A., ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, pedindo que a Ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 35 743,54, acrescida do valor dos salários vincendos, incluindo os descontos para a Segurança Social, dos danos futuros relativos à incapacidade que viesse a ser atribuída e das despesas que tivesse de efetuar com assistência médica, medicamentosa, tratamentos e transportes, tudo a liquidar ulteriormente.

Para tanto, alegou em síntese, que, no dia 18 de junho de 2010, pelas 7:35 horas, na Azinhaga da Cidade, na Ameixoeira, em Lisboa, ao atravessar a passadeira para peões, foi projetada, vários metros para a frente, pelo veículo de matrícula ..., propriedade de Virgílio ...e conduzido por Tiago ..., o qual não parou no sinal; em consequência desse embate, sofreu lesões corporais, que a obrigaram a intervenções cirúrgicas e foram causa direta e necessária de danos patrimoniais e não patrimoniais.

Contestou o R., reconhecendo a obrigação de indemnizar, mas em consonância com os critérios legal e jurisprudencial em vigor.

Em 20 de agosto de 2014, a A. ampliou o pedido para a quantia de € 347 197,13.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, com gravação, foi proferida, em 24 de fevereiro de 2015, a sentença que, julgando a ação parcialmente procedente, condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de € 124 564,71, acrescida dos juros de mora, à taxa legal 4 %, desde a citação (€ 99 564,71) ou desde a sentença (€ 25 000,00), com a dedução dos adiantamentos atribuídos em sede de procedimento cautelar, e ainda a suportar os danos decorrentes das intervenções cirúrgicas que a Autora venha a suportar por virtude das lesões sofridas, a liquidar posteriormente.

Inconformada com a decisão, recorreu a Autora e, tendo alegado, formulou essencialmente as seguintes conclusões:

a) O Tribunal deixou de se pronunciar sobre certos pedidos ou de os remeter para liquidação.
b) A sentença, quanto às intervenções cirúrgicas a que venha a ser submetida, enferma da nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 668.º do CPC.
c) O dano pela incapacidade para prosseguir a sua atividade deve ser fixado em valor não inferior a € 157 014,00.
d) A A. irá ter danos patrimoniais decorrentes de não efetuar descontos para a Segurança Social, num valor não inferior a € 50 000,00.
e) Os danos não patrimoniais devem ser fixados em € 50 000,00.
f) A sentença violou, por erro de interpretação e aplicação, entre outros, o disposto nos artigos 495.º, n.º 2, 496.º, n.º 1, e 562.º do Código Civil.

Pretende a Autora, com o provimento do recurso, a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que altere, em conformidade, o valor da indemnização.

Também inconformada, recorreu a Ré e, tendo alegado, formulou, em resumo, as seguintes conclusões:

a) A sentença padece de erro na contagem dos juros desde a citação.
b) De outro modo, há nulidade da sentença, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, por contradição com a fundamentação constante da sentença.
c) Deve ser alterado, de acordo com o relatório pericial, o ponto 28 da matéria de facto, no sentido de incluir “() sendo embora compatíveis com outras na área da preparação técnico profissional da examinada”.
d)Discordando do cálculo, a indemnização por danos patrimoniais não deve ultrapassar a quantia de € 45 000,00.
e) A sentença violou os artigos 564.º e 566.º do CC.

Pretende a Ré, com o provimento do recurso, a revogação da decisão recorrida, nos termos alegados.

Contra-alegou apenas a Ré, nomeadamente no sentido da improcedência da apelação da Autora.

Depois, em 25 de maio de 2015, foi proferido o despacho de fls. 395/396, declarando-se nada haver a suprir ou a retificar.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Nos recursos interpostos, para além da impugnação da decisão relativa à matéria de facto e da nulidade da sentença, está em discussão o valor da indemnização tanto do dano patrimonial como do dano não patrimonial.

II – FUNDAMENTAÇÃO :

2.1. Foram dados como provados os seguintes factos:

1. A A. nasceu em 22 de março de 1963.

2. Em 18 de junho de 2010, a A. trabalhava para o Centro Social Paroquial da ..., enquanto ajudante de ação direta, auferindo mensalmente € 528, 00 ilíquidos, acrescidos de subsídio de alimentação mensal de € 66,00 e de subsídio de transporte mensal de € 27,50.

3. Em 18 de junho de 2010, cerca das 7:55 horas, na Azinhaga da Cidade, na Ameixoeira, em Lisboa, ocorreu um embate entre o veículo de matrícula ..., pertença de Virgílio ..., conduzido por ..., e a A., que procedia à travessia da faixa de rodagem na passadeira para peões.

4. A responsabilidade civil pelos danos causados pelo referido veículo encontrava-se transferida para a R., através da apólice n.º 5070/8482454/50, até ao limite de capital de € 1 800 000, 00.

5. A A. foi projetada para a frente do local onde foi colhida pelo veículo automóvel.

6. A A. ficou no solo, tendo sido assistida no local e transportada por ambulância do INEM para o Hospital de Santa Maria.

7. A A. sofreu fratura diafisária do 1/3 médio do úmero esquerdo, fratura 1/3 proximal do peróneo esquerdo, TCE sem perda de conhecimento, escoriações do abdómen, do tórax esquerdo e do cotovelo direito e paresia do nervo radial esquerdo.

8. A A. foi operada às fraturas em 19 de junho 2010, com redução cruenta e osteossíntese com placa LPC da fratura do úmero e Robert Jones para a fratura do peróneo.

9. A A. esteve internada entre 18 de junho e 25 de junho de 2010.

10.A A. teve indicação médica para iniciar programa de reabilitação.

11.A A. tem sido seguida pelos serviços clínicos da R., com indicação para se deslocar em táxi.

12. A R. efetuou pagamento de despesas apresentadas e adiantou dinheiro relativamente aos vencimentos que a A. deixou de auferir, no montante de  € 839,64 (€ 350, 00 + € 489, 64).

13. Foi prescrita fisioterapia à A.

14. A A. desde a data do acidente manteve-se com défice funcional temporário total fixado em 11 dias e défice funcional temporário parcial fixado em 1185 dias, com repercussão temporária na atividade profissional total por um período de 1196 dias.

15. A A. foi sujeita a anestesia geral.

16. A partir de 18 de junho de 2010, a entidade empregadora da A. deixou de lhe pagar os salários e de efetuar descontos para a Segurança Social, tendo pago o subsídio de férias e o 13.º mês do ano de 2010, bem como outras quantias, a título de acertos de dias de baixa e de calendário, no montante ilíquido de   €1 001,70 e líquido de €  899,83.

17. Pela Segurança Social foi remetida carta à A., em 27 de julho de 2010, da qual consta: “Assunto: Subsídio de doença – Acidente de viação (…) De posse de um questionário de doença direta, referente a um acidente que sofreu no dia 18-06-2010, que lhe originou a incapacidade temporária para o trabalho a partir de 18/06/2010, e no pressuposto de que vai ser indemnizado pela Companhia de Seguros, é intenção deste Centro Distrital não lhe atribuir o subsídio de doença do período referido.”

18. Pela Segurança Social não foi processado o subsídio de doença à A.

19.A A., na sequência do acidente, efetuou despesas com medicamentos e transporte de táxi, tendo a R. pago, em 24/08/2010, a quantia de € 139,64, a título de adiantamento sobre indemnização a terceiro e € 300,00 de despesas médicas e diversas.

20. A A. sofreu e continua a sofrer de dores.

21.Por força do embate, a A. vive angustiada e afetada com a impossibilidade de efetuar qualquer trabalho, com a sua dependência e sem saber como será o futuro.

22.Tendo necessidade de ser medicada com calmantes.

23.A A. ficará impedida de exercer a sua atividade profissional, que implica pegar em acamados e fazer esforços físicos.

24.A A. tem apenas como habilitações a antiga primária.

25.Em consequência do acidente e das lesões sofridas – traumatismo craneoencefálico, torácico-abdominal e dos quatro membros – apresenta as seguintes lesões e/ou sequelas: face: apresenta próteses dentárias removíveis nas arcadas superior e inferior; membro superior esquerdo: cicatriz na face externa do ombro, vertical, medindo 3 cm de comprimento, cicatriz na face posterior do braço e cotovelo, vertical, medindo 24 cm de comprimento, limitação da mobilidade no plano sagital de ombro:

a) antepulsão, quantificada em 90.º (180.º do lado direito);
b) retropulsão, quantificada em 30.º (60.º do lado direito), limitação da mobilidade no plano coronal do ombro:
a) adução, quantificada em 20.º (40.º do lado direito);
b) abdução, quantificada em 90.º (180.º do lado direito); limitação no plano horizontal do ombro:
a) rotação interna, quantificada em 40.º (80.º do lado direito);
b) rotação externa, quantificada em 45.º (90.º do lado direito);
6. limitação da mobilidade (rigidez) do cotovelo na flexão e extensão; limitação da mobilidade (rigidez) de todos os movimentos do punho; limitação da mobilidade (rigidez) de todos os movimentos dos 1.º e 2.º dedos da mão; membro inferior esquerdo, duas cicatrizes vestigiais, arredondadas, situadas nos quadrantes inferointerno e infero-externo do joelho, medindo 0,5 cm de diâmetro cada.

26.A incapacidade permanente genérica (défice funcional permanente de integridade físico-psíquica) da A. é quantificada em 18 (dezoito) pontos, a que, nos termos do relatório médico legal, haverá que adicionar mais cinco pontos a título de dano futuro (correspondente a uma elevada probabilidade de agravamento das sequelas, que se traduzirá num aumento da incapacidade permanente geral), este consubstanciado por possível artrose pós-traumática que agravará a rigidez articular e a sintomatologia dolorosa ao nível da articulação do membro superior esquerdo, podendo vir a implicar a realização de futuras intervenções cirúrgicas.

27. As sequelas apresentadas pela A. são incompatíveis com a sua profissão.

28. A data da consolidação médico – legal das lesões é fixada em 26 de junho de 2013.

29. O período de défice funcional temporário total é fixada em 11 dias.

30. O período de défice funcional temporário parcial é fixado em 1185 dias.

31. A repercussão temporária na atividade profissional total é fixada em 1196 dias.

32. O quantum doloris é fixado no grau 5.

33. O dano estético permanente é fixado no grau 2.

***

2.2. Descrita a matéria de facto declarada provada, expurgada de juízos conclusivos, importa então conhecer do objeto dos dois recursos, definido pelas respetivas conclusões, e cujas questões jurídicas emergentes foram antes especificadas.

Tendo a sentença sido proferida em 24 de fevereiro de 2015, é aplicável ao recurso o regime do Código de Processo Civil (CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho (art. 7.º, n.º 1).

A R. impugnou a decisão relativa à matéria de facto, nomeadamente o facto descrito na sentença de que “as sequelas apresentadas pela A. são incompatíveis com a sua profissão” (facto n.º 27.), pretendendo que se complete no sentido de que “(…)sendo embora compatíveis com outras na área da preparação técnico profissional da A.”., com fundamento no relatório pericial de fls. 247 a 252.

Nos termos da motivação da decisão relativa à matéria de facto, especificou-se que “as incapacidades, seus períodos, pontuação atribuída, sequelas das lesões e necessidade de eventuais intervenções cirúrgicas, também dados como assentes decorreram do relatório do IML, não contraditado por qualquer outro meio de prova” (fls. 345/346).

Nos fundamentos de direito, constantes da sentença, consignou-se que “deste relatório do IML e dos depoimentos prestados neste tribunal decorre que estas sequelas são incompatíveis com a atividade profissional da A., que não mais a poderá prestar.” (fls. 353).

Na verdade, o relatório pericial do Instituto Nacional de Medicina Legal (INML), constante de fls. 247 a 252, refere, a propósito da repercussão permanente na atividade profissional da A., expressamente, que “as sequelas são incompatíveis com a sua profissão, sendo embora compatíveis com outras na área da preparação técnico-profissional da examinada.”

Um exame pericial, dada a razão de ciência que lhe subjaz, por regra, apenas pode ser contrariado por outro meio de prova de idêntica natureza.

Não é o caso dos presentes autos, porquanto não foi realizada, nomeadamente, qualquer outra perícia médica.

Por outro lado, sendo a resposta resultante, unicamente, do relatório pericial do INML, como se especificou na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, de nada serve o exarado, depois na fundamentação de direito da sentença, a que já se aludiu. Para além de não se identificarem os depoimentos, também se desconhece se algum é da autoria de médico. Não sendo, como é muito provável, não podem tais depoimentos ter o mesmo valor probatório que o relatório pericial, elaborado por especialista da arte médica.

Face ao relatório pericial, nomeadamente ao que consta de fls. 250, não há qualquer dúvida de que a decisão recorrida foi incompleta quanto à prova do facto, justificando-se a sua alteração, nomeadamente no sentido de que “as sequelas são incompatíveis com a sua profissão, sendo embora compatíveis com outras na área da preparação técnico-profissional da A”.

Nestes termos, procede a impugnação da R. relativamente à decisão sobre a matéria de facto.

2.3. Na decorrência da alteração da decisão relativa à matéria de facto, altera-se o facto descrito sob o n.º 27 (sublinhado):

27. As sequelas são incompatíveis com a sua profissão, sendo embora compatíveis com outras na área da preparação técnico-profissional da A.

2.4. Delimitada a matéria de facto, com a modificação ora introduzida, interessa apreciar, prioritariamente, as nulidades da sentença, arguidas em ambos os recursos, começando pela alegação da A.

A A. invocou a nulidade da sentença, com fundamento na omissão de pronúncia, nomeadamente por não ter resolvido a questão das futuras despesas hospitalares, médicas, medicamentosas e de recuperação, nem o dano não patrimonial decorrente das intervenções cirúrgicas e tratamentos.

Tal causa de nulidade, com assento na alínea d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, prende-se com o dever de cognição estabelecido no n.º 2 do art. 608.º do CPC, nos termos do qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação.

Essas questões retiram-se, nomeadamente, do pedido e da causa de pedir, bem como da matéria de exceção.

A sentença, para além do mais, condenou a R., expressamente, a suportar os danos decorrentes das intervenções cirúrgicas que a A. venha a suportar por virtude das lesões sofridas, a liquidar ulteriormente.

Deste modo, é manifesto que a sentença recorrida não omitiu o alegado dever de pronúncia, porquanto resolveu a questão de certos danos futuros, nomeadamente as possíveis intervenções cirúrgicas, cuja amplitude não pode deixar de incluir as despesas hospitalares, médicas, medicamentosas e de recuperação daí resultantes, como consta do segmento condenatório que antes se destacou.

Por outro lado, o dano não patrimonial decorrente das futuras intervenções cirúrgicas e tratamentos, mereceu igualmente a pronúncia da sentença, quando se referiram os “danos não patrimoniais”, em particular “um futuro pouco promissor para a A. devido às sequelas existentes, agravamento das mesmas e das dores que sofre, que se manterão previsivelmente pelo resto da vida”, e, mais adiante, “as incapacidades (…) que acompanharão a A. para toda a vida, com possibilidade de agravamento”.

Ao pronunciar-se nos termos precedentes, o Juiz cumpriu, com adequação, o dever de cognição, tendo em consideração o pedido e causa de pedir expressos na ação de efetivação da responsabilidade civil emergente de acidente de viação.

Por sua vez, a R. alegou a nulidade da sentença, subsidiariamente ao pedido de retificação, baseada na contradição entre, por um lado, a decisão de condenar no pagamento dos juros de mora a partir da citação e, por outro, a fundamentação usada na sentença.
Essa nulidade insere-se na previsão do disposto na alínea c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC.

A decisão, constante da sentença, deve corresponder ao corolário lógico dos fundamentos de facto e de direito especificados, num juízo de integral coerência, próprio de um silogismo.

Relativamente à indemnização pelo dano patrimonial a sentença decidiu condenar no pagamento dos juros de mora a partir da citação.

Essa condenação, porém, não está em oposição com a fundamentação, porquanto nesta remete-se, essencialmente, para a decisão do acórdão de uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de maio de 2002.

Neste contexto, conclui-se que o dano patrimonial foi considerado não atualizado à data da sentença, como aliás se esclareceu no despacho de 25 de maio de 2015 (fls. 395/6), sendo a decisão, quanto aos juros de mora desde a citação, coerente com a fundamentação.

Embora se perceba o critério decisório, tem de se reconhecer que a fundamentação expressa, resultante da simples remissão para o acórdão uniformizador, não foi inteiramente esclarecedora, embora sem chegar a pecar por ambiguidade.

Nestes termos, improcede a arguição da nulidade da sentença, deduzida tanto pela A. como pela R.

2.5. Resolvida a questão de facto e formal da sentença recorrida, resta apreciar o valor da indemnização do dano patrimonial, resultante da incapacidade para o trabalho, impugnado, diversamente, por ambas as partes e ainda o valor da indemnização do dano não patrimonial, impugnado apenas pela A.
A sentença recorrida arbitrou à A. a quantia de € 77 103,04, pela desvalorização sofrida.

Enquanto a A. reclama a quantia de € 207 014,00, incluindo o valor de € 50 000,00, pelo dano resultante de não ter efetuado descontos para a Segurança Social, a R. entende que a indemnização não deve ultrapassar a quantia de € 45 000,00.

Do contexto descrito depreende-se que a controvérsia se limita à indemnização do dano da incapacidade parcial permanente para o trabalho, considerado geralmente um dano de natureza patrimonial e, como tal, sujeito aos critérios fixados nos arts. 562.º, 564.º, n.º 2, e 566.º, todos do Código Civil (CC).

Não sendo possível averiguar o valor exato deste dano, pois as diferentes variáveis a considerar, repercutindo-se no futuro, são incertas, cabe ao tribunal fixar equitativamente a indemnização dentro dos limites tidos por provados – art. 566.º, n.º 3, do CC.

O cálculo realizado na sentença recorrida partiu do pressuposto de uma incapacidade absoluta para o trabalho. Mas esse pressuposto não corresponde inteiramente à realidade factual provada, porquanto ficou provado que as sequelas apresentadas pela A., sendo embora incompatíveis com a profissão que vinha desenvolvendo, são compatíveis com outras na sua área técnico-profissional.

Sendo válidos os restantes pressupostos considerados na sentença recorrida, os quais não foram impugnados, e recorrendo ao auxílio da fórmula matemática seguida, mas temperada ainda por um juízo de equidade, para melhor adequação ao caso concreto (J. SOUSA DINIS, Coletânea de Jurisprudência (STJ), Ano IX, t. 1, págs. 5 a 12) entende-se como adequado fixar o valor de € 63 000,00, pelo dano patrimonial resultante da incapacidade para o trabalho.

Assim, porque o valor alegado pela A. peca, manifestamente, por excesso, e o valor especificado pela R. padece de defeito, nenhum deles pode ser aceite como satisfazendo os critérios legais enunciados.

Por sua vez, a fixação da indemnização por dano não patrimonial está dependente da sua gravidade, que justifique merecer a tutela do direito – art. 496.º, n.º 1, do CC.

É pela gravidade do dano não patrimonial que se afere a sua ressarcibilidade, sendo certo que, desde há muito tempo, está ultrapassada a controvérsia da sua ressarcibilidade, depois de se reconhecer a justa necessidade de uma compensação, reparação ou satisfação adequada, de modo a contribuir para atenuar, minorar e compensar os danos sofridos pelo lesado (ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Volume I, 10.ª edição, 2004, pág. 603/604).

A gravidade do dano não patrimonial é medida por um padrão objetivo e, por outro lado, apreciada em função da tutela do direito (ANTUNES VARELA, Ibidem, pág. 606).

De harmonia com o disposto no n.º 3 do art. 496.º do CC, a indemnização por dano não patrimonial é fixada equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias especificadas no art. 494.º do CC.

Estabelece a lei um critério de mera equidade, no âmbito do qual se deve atender ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e do lesado e às demais circunstâncias do caso, designadamente, a gravidade e a extensão da lesão.

A adoção do critério da equidade, que de modo algum se confunde com um juízo arbitrário, embora revele especial melindre e dificuldade na sua aplicação prática, apresenta-se como adequado, porquanto, como realça VAZ SERRA, “a satisfação ou compensação dos danos não patrimoniais não é uma verdadeira indemnização, visto não ser um equivalente do dano, um valor que reponha as coisas no estado anterior à lesão, tratando-se, antes, de atribuir ao lesado uma satisfação ou compensação do dano, que não é suscetível de equivalente” (Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 113.º, pág.104).

No mesmo sentido seguem também, designadamente, ANTUNES VARELA, anotando que a fixação da indemnização deve ter em conta “todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida”(Ibidem, págs. 605 e 606) e A. MENEZES CORDEIRO (Direito das Obrigações, 2.º, 2001, págs. 285 e segs.).

Interessa ainda observar, neste âmbito, que a doutrina vem entendendo que a indemnização por dano não patrimonial reveste também um “cariz punitivo, assumindo-se como uma pena privada, estabelecida no interesse da vítima, por forma a desagravá-lo do comportamento do lesante” (LUÍS MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, I, 3.ª edição, 2003, pág. 339).

Também a jurisprudência, por sua vez, tem vindo a admitir que a indemnização por dano não patrimonial inclui, também, a ideia de “reprovar ou castigar(…) a conduta do agente”(acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de outubro de 1996, BMJ n.º 460, pág. 444) ou de “função punitiva” (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de janeiro de 2008, acessível em www.dgsi.pt, Processo n.º 07B4538).

No caso sub judice, a indemnização pelo dano não patrimonial foi fixada na quantia de € 25 000,00, tendo sido peticionada, depois da ampliação, a quantia de € 50 000,00.

A A., alegando a insuficiência do montante estabelecido, continuou a insistir na fixação do valor de € 50 000,00.

Todavia, ponderando todo o circunstancialismo de facto descrito nos autos, nomeadamente o grau de culpa na ofensa a um direito fundamental, como o direito à integridade física, as consequências do facto ilícito, aquilo que se depreende ser a situação económica da lesante e da lesada, e ainda os parâmetros concretos seguidos pela jurisprudência portuguesa, considera-se ajustada e proporcionada a indemnização no valor de € 25 000,00, pelo dano não patrimonial, tal como fixado sentença recorrida.

Por estas razões, e especialmente pela relevante proteção legal conferida ao direito de personalidade, nomeadamente o direito à integridade física, a indemnização pelo dano de natureza não patrimonial, não devendo ser meramente simbólica, também não deve pecar por excesso, mas corresponder a uma indemnização justa e equitativa, com a consideração ainda dos padrões médios de vida da sociedade portuguesa, onde a lesada se insere, com expressa rejeição de qualquer miserabilismo, por um lado, ou de megalomania, por outro.

Nestes termos, improcede totalmente a apelação da A. e procede parcialmente a apelação da R., com a consequente alteração da decisão recorrida, nomeadamente quanto ao valor da indemnização emergente da responsabilidade civil, pelo acidente de viação ocorrido a 18 de junho de 2010, e que lesou a A.
 
2.6. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante:

I. Um exame pericial, dada a razão de ciência que lhe subjaz, por regra, apenas pode ser contrariado por outro meio de prova de idêntica natureza.

II. O juiz cumpre, com adequação, o dever de cognição, quando se pronuncia sobre o pedido e causa de pedir expressos na ação.

III. A decisão, constante da sentença, deve corresponder ao corolário lógico dos fundamentos de facto e de direito especificados, num juízo de integral coerência, próprio de um silogismo.

IV. Não sendo possível averiguar o valor exato do dano resultante da incapacidade permanente para o trabalho, pois as diferentes variáveis a considerar, repercutindo-se no futuro, são incertas, cabe ao tribunal fixar equitativamente a indemnização.

V. A indemnização por dano não patrimonial deve corresponder a uma indemnização justa e equitativa, com a consideração ainda dos padrões médios de vida da sociedade portuguesa, onde a lesada se insere.

2.7. A Autora e a Ré, ao ficarem vencidas por decaimento, são responsáveis pelo pagamento proporcional das custas, em ambas as instâncias, em conformidade com a regra da causalidade, consagrada no art. 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário a favor da Autora.

III – DECISÃO:

Pelo exposto, decide-se:

1) Negar provimento ao recurso da Autora.

2) Conceder provimento parcial ao recurso da Ré, revogando a decisão recorrida, nessa parte, e condenando a Ré a pagar à Autora a quantia de € 110 461,67 (cento e dez mil quatrocentos e sessenta e um euros e sessenta e sete cêntimos).

3) Condenar a Autora e a Ré no pagamento proporcional das custas, em ambas as instâncias, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário a favor da Autora.


Lisboa, 2 de julho de 2015

(Olindo dos Santos Geraldes)
(Lúcia Sousa)
(Magda Geraldes)