Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MANUEL RIBEIRO MARQUES | ||
Descritores: | PENHORA LIMITES BANCO RESPONSABILIDADE | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/11/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | N | ||
Texto Parcial: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
Sumário: | 1.– O Banco réu, ao desrespeitar os limites legais de penhorabilidade, que excedeu, em prejuízo do executado, seu cliente, não agiu com a diligência profissional que lhe era exigível. 2.– Decorrendo dessa violação danos de natureza não patrimonial para aquele, o Banco é responsável pelo ressarcimento dos mesmos. | ||
Decisão Texto Parcial: | Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: I.– Relatório (elaborado com base no constante da sentença) A. e B. intentaram a presente acção declarativa de condenação, na forma comum, contra C., S.A., pedindo a condenação da Ré no pagamento aos Autores do montante de € 309 451,98, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescido de juros moratórios contados à taxa legal em vigor, desde a data de citação até efectivo e integral pagamento. Embora sem formulação final, pediram a condenação acrescida da Ré a permitir que o Autor proceda ao levantamento mensal da sua conta bancária do montante relativo à retribuição mensal mínima garantida, e a Autora ao levantamento da sua quota-parte relativa ao valor remanescente, com efeito a partir da data de instauração da presente acção judicial (cfr. artigo 23.º da petição inicial). Alegaram factos tendentes a sustentar a responsabilidade civil extracontratual da Ré (por facto ilícito), por desatender aos limites legais de penhorabilidade aquando da concretização da penhora sobre a pensão mensal auferida pelo aqui Autor em conta bancária aberta na entidade Ré, não permitindo esta, ainda, que a Autora – como mulher do Autor – procedesse ao levantamento da metade correspondente à sua quota-parte. Alegaram ainda que tal conduta lhes causou prejuízos de índole patrimonial e imaterial que, na sua globalidade, vão estimados no montante pecuniário de €309 451,98, incumbindo à Ré o ressarcimento dessa quantia, ao abrigo das disposições legais invocadas no petitório. A Ré contestou com vista à total improcedência da presente acção e sua consequente absolvição dos pedidos. Alegou factos tendentes a sustentar a regularidade da sua questionada actuação, a sua irresponsabilização quanto à alegada carência económica vivenciada pelos Autores e, ainda, a circunstância de não se ter apropriado de qualquer quantia relativamente à conta bancária em apreço, sendo que os valores não levantados por parte dos demandantes foram entregues aos credores do Autor para o pagamento dos correspondentes créditos. Mais referiu que, atendendo a que o montante creditado na conta bancária era apenas oriundo do depósito da pensão mensal auferida pelo Autor, a Autora não era proprietária de quantia alguma respeitante à mesma conta bancária, não tendo direito a receber metade do correspondente saldo. O Tribunal convidou os Autores a apresentarem petição inicial aperfeiçoada, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 590.º, n.º 2, als. b) e c), e n.º 4, do Código de Processo Civil. Os Autores juntaram aos autos o referido articulado, a que se seguiu uma nova contestação com enfoque para as partes objecto de aperfeiçoamento. Após foi dispensada a realização da audiência prévia e proferido despacho saneador. Foi fixado o objecto do litígio e elaborados os temas da prova. Realizado o julgamento, foi proferida sentença na qual se decidiu julgar a acção improcedente e absolver a ré dos pedidos. Inconformados, vieram os autores interpor recurso de apelação e apresentaram alegações, nas quais formularam as seguintes conclusões: (...) A ré apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões: (...) Colhidos os vistos, cumpre decidir. * (...) *** Em face das alterações operadas na matéria de facto, são os seguintes os factos que se mostram provados (devidamente ordenados): 1.– Em 11 de Outubro de 2004, o Banco Z., S.A., instaurou processo executivo para pagamento de quantia certa contra os Autores, apresentando como título executivo uma livrança subscrita pelos Autores, o qual correu sob o n.º 35351/04.6YYLSB pela 12.ª Vara, 1.ª Secção, posteriormente pelo 2.º Juízo de Execução de Lisboa, 1.ª Secção, e actualmente 1.ª Secção de Execução do Juízo Central de Lisboa, J4; 2.– Em 2 de Abril de 2008 entrou uma oposição (ao processo executivo mencionado no ponto 1) que foi liminarmente indeferida (cfr. documento de fls. 160); 3.– O primeiro desconto da pensão, no âmbito do processo referido em 1, ocorreu a 20 de Abril de 2010 e o segundo a 20 de Maio de 2010 (cfr. documento de fls. 160); 4.– Depois, tais descontos ficaram suspensos, tendo sido retomados em 19 de Agosto de 2011 (cfr. documento de fls. 160); 5.– Nesses autos de execução foi solicitada à Caixa Geral de Aposentações (CGA), em 6 de junho de 2011, a penhora de 1/3 da pensão do Autor (cfr. documento de fls. 13); 6.– A CGA comunicou à Sr.ª Solicitadora de Execução que o desconto de 1/3 na pensão de € 1 457,41 do Autor teria início em agosto de 2011 (cfr. documento de fls. 14); 7.– O Autor recebe a sua pensão paga pela CGA através da sua conta bancária domiciliada na Ré (agência de Odivelas) com o número 0... .0..... .7.., conta solidária, da qual é igualmente titular a Autora; 8.– Sobre a referida conta bancária foi efetuada uma penhora, em 2008, pelo Serviço de Finanças de Loures – 1, à ordem dos Processos de Execução Fiscal números 1520200801013513, 1520200801109073, 1520200901070606 e 1520200801018493, nos quais o Autor era executado, até ao montante de € 30 562,24; 9.– Na sequência da notificação da penhora referente aos processos de execução fiscal da Autoridade Tributária, a Ré bloqueou a conta bancária dos Autores a partir de Outubro de 2010 (cfr. documento de fls. 16); 10.– A Ré informou o Autor que a conta estava bloqueada até informação em contrário (cfr. documento de fls. 16); 11.– A partir de agosto de 2011 a pensão do Autor, depositada na conta bancária, passou a ser de € 864,00 (após dedução da penhora de 1/3); 12.– O valor da pensão mensal do Autor era, no final do ano de 2012, de € 847,59 (após dedução da penhora de 1/3 sobre ela incidente) – cfr. documento de fls. 122 a 124; 13.– (…) Passando a ser levantado pelos Autores metade dessa quantia (= € 432,00) até Fevereiro de 2014 (cfr. documento de fls. 68 a 73); 14.– (…) E ficando o restante à ordem dos processos judiciais que haviam ordenado a penhora; 15.– Após reclamação do autor, a partir de Fevereiro de 2011 e até Janeiro de 2014, a agência da Ré de Odivelas passou a permitir o levantamento, apenas pela autora, de uma quantia de cerca de metade do montante mensalmente depositado pela CGA, não permitindo ao autor o levantamento de qualquer quantia da sua conta bancária, sendo esses valores no período de Agosto de 2011 a Janeiro de 2014, dos seguintes montantes: - Em Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2011, €430,00, €432,00, €432,00, €891,03 e €432,00, respectivamente; - Em Janeiro e Fevereiro de 2012, €431,00 em cada mês; - Em Março de 2012, €415,00; - Nos meses de Abril a Dezembro de 2012, €423,00 em cada mês; - Nos meses de Janeiro e Fevereiro de 2013, €423,00 e €390,00 em cada mês; - Nos meses de Março, Abril, Maio e Junho, €406,98 em cada mês, - Nos meses de Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2013 e Janeiro de 2014, €477,30, €406,98, €395,00, € 401,00, €840,00, €393,56 e €392,08, respectivamente. 16.– O Autor remeteu, em 26 de Dezembro de 2013, uma carta ao conselho de administração da Ré, através da sua Mandatária (cfr. documento de fls. 17); 17.– A Ré enviou ao Autor carta, datada de 14 de Fevereiro de 2014, informando-o que poderia levantar o montante referente à retribuição mínima nacional, no valor de € 485,00, e que a co-titular poderia efectuar o levantamento da quota-parte que lhe pertence relativamente a saldos atuais e futuros (cfr. documento de fls. 17); 18.– A Ré enviou ao Autor carta, datada de 20 de Março de 2014, reiterando que a co-titular podia efectuar o levantamento de metade do montante creditado na conta DO (cfr. documento de fls. 21); 19.– O Autor, em 20 de Março de 2014, apresentou nova reclamação junto da ora Ré (cfr. documento de fls. 176 e 177); 20.– O Gabinete de Apoio ao Cliente da Ré, por carta datada de 23 de abril de 2014, reiterou o teor da carta datada de 14 de Fevereiro de 2014 (cfr. documento de fls. 24); 21.– A partir de Fevereiro de 2014 até ao final desse ano, a agência da ré de Odivelas não permitiu à autora levantar qualquer quantia da conta bancária, apesar desta o ter tentado fazer, e apenas permitiu ao autor o levantamento das seguintes quantias: - em Fevereiro de 2014: €392,08, €20,00, €20,00 e €445,00; - em Março de 2014: €485,00; - em Abril de 2014: €485,00; - em Maio de 2014: €485,00; - em Junho de 2014: €485,00 e €20,00; - em Julho de 2014: €485,00; - em Agosto de 2014: €485,00; - em Setembro de 2014: €485,00; - em Outubro de 2014: €505,00; - em Novembro de 2014: €150,00, €300,00, €300,00 e €120,00. 22.– O valor da pensão auferida pelo autor que foi depositada na conta bancária dos autores n.º 0... .0..... .7.., nos meses de Janeiro a Novembro de 2014, foi o seguinte: €784,16, €784,16, €784,16, €879,31, €879,31, €869,38, €2025,77, €868,38, €868,38, €868,38 e €870,05, respectivamente. 23.– Os Autores não possuem quaisquer créditos bancários ou rendimentos, à excepção da pensão do Autor; 24.– Os Autores são casados entre si desde 27 de Outubro de 1962, sem escritura antenupcial (cfr. documentos de fls. 247, 248 e 285 a 287). 25.– A Ré remeteu os valores objecto de penhora às entidades com direito aos mesmos (cfr. documentos de fls. 68 a 73 e 183 a 190); 26.– Por o banco réu apenas permitir os levantamentos da conta acima referenciados, os autores necessitaram do auxílio económico dos seus dois filhos, os quais, por vezes, suportaram as despesas relativas aos consumos mensais de água e energia eléctrica da casa daqueles, tendo ainda um dos filhos dado algum dinheiro à autora para adquirir alimentos. 27.– Esta situação causou aos autores ansiedade, angústia, incerteza, desespero, preocupações e aborrecimentos. 28.– A Autora sofreu, em 28 de Fevereiro de 2014, um enfarte agudo do miocárdio, correndo risco de vida e tendo permanecido internada até dia 6 de Março de 2014. 29.– Vê-se agora obrigada a acompanhamento médico regular, a efectuar diversos tratamentos e exames, os quais acarretam despesas, bem como a alterar o seu modo de vida, uma vez que não pode fazer esforços acrescidos e sujeitar-se a stress ou preocupação. *** V.–Da questão de direito Entendeu-se na sentença recorrida que: “Dos (…) factos apurados deflui que nenhuma responsabilidade civil é imputável à entidade bancária demandada por, alegadamente, não haver atendido aos limites legais de penhorabilidade aquando da realização do ato de apreensão em análise. Com efeito, no atinente à circunstância de ter sido penhorado o saldo da conta bancária número 0... .0..... .7.., à ordem dos processos de execução fiscal, na qual se depositava a pensão do Autor, não se compreende a relevância da mesma para efeitos de qualquer ilicitude comportamental da Ré, ou quanto à “verificação” de conduta culposa, porquanto a – anterior – penhora de depósito bancário foi independente e autónoma da penhora da pensão do executado, recaindo sobre valores previamente ali existentes, podendo ambas as penhoras coexistir em simultâneo, desde que salvaguardados os correspondentes limites de impenhorabilidade. Poder-se-á rebater ter ficado provado in casu que, a partir de agosto de 2011, a pensão do Autor, depositada na conta bancária, passou a ser de € 864,00 (após dedução da penhora de 1/3), passando a ser levantado pelos Autores metade dessa quantia (= € 432,00) até Fevereiro de 2014 e ficando o restante à ordem dos processos judiciais que haviam ordenado a penhora. E, ainda, que o descrito no ponto 7 (demonstrado) somente veio a suceder desde Fevereiro de 2014, não antes desse mês. Apenas a partir de Fevereiro de 2014 é que os Autores puderam levantar a quantia alusiva ao salário mínimo nacional (demandante marido) e a quota-parte da co-titular de tal depósito (demandante mulher). Contudo, como se referiu, a Ré nunca deixou de remeter os valores objecto de penhora às entidades com direito aos mesmos, não ficando com a sua propriedade. O banco jamais se apropriou dos mencionados montantes pecuniários, que serviram para pagar/amortizar as dívidas do executado, não podendo agora os Autores vir invocar a ocorrência de um dano patrimonial na sua esfera jurídica coincidente, ao fim e ao cabo, com a deslocação do dinheiro com vista ao pagamento/amortização dos seus débitos – débitos necessariamente alheios à actuação da entidade bancária aqui demandada, e a montante dessa mesma actuação. Dentro do acima exposto, é de concluir que aos Autores não assiste direito ao reclamado em juízo, a título de danos patrimoniais, não se mostrando preenchidos os requisitos previstos no n.º 1 do artigo 483.º do Código Civil. O mesmo se afirma quanto aos alegados prejuízos de índole imaterial, cujo pedido final se quantificou no – já de si exorbitante – valor global de € 300 000,00. Relativamente à indemnização peticionada a título de danos não patrimoniais, é também consabido que estes danos abrangem todos os prejuízos que não atingem em si o património, não fazendo diminuir nem frustrando o seu acréscimo. Ofendem-se bens de carácter imaterial, bens desprovidos de conteúdo económico e insusceptíveis de avaliação em dinheiro. A ofensa objectiva desses bens tem, em regra, um reflexo subjectivo na vítima, traduzido na dor ou sofrimento de natureza física ou moral. A indemnização a arbitrar por danos de natureza não patrimonial não visa reconstituir a situação que existiria se o evento não tivesse ocorrido, mas sim compensar, de alguma forma, as dores físicas e/ou morais sofridas e, de igual sorte, sancionar a conduta do lesante. A gravidade do dano moral há-de aferir-se por um padrão objectivo e não à luz de factores subjectivos. O montante indemnizatório correspondente aos danos não patrimoniais deverá ser calculado segundo critérios de equidade, em qualquer circunstância, haja dolo ou mera culpa do lesante: atender-se-á ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular do direito à indemnização, às flutuações do valor da moeda, entre outras condicionantes. E deve ser proporcionado à gravidade do dano, considerando-se, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades concretas da vida. Somente se terão em conta os danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (cfr. artigos 494.º e 496.º, n.ºs 1 e 4, do Código Civil). Entendemos, aliás, que o citado artigo 496.º não é privativo da responsabilidade civil extracontratual, sendo extensível à responsabilidade civil contratual. Mas o que realmente importa é que os danos sejam de tal gravidade que mereçam a tutela do direito, sendo irrelevantes os incómodos e contrariedades, aborrecimentos, perdas de tempo e, mesmo, sofrimento e desgostos que resultem de uma sensibilidade mais exigente (cfr. Ac. Rel. Porto de 12.10.1992, relatado por Norman de Mascarenhas; cfr., ainda, Acs. Rel. Porto de 04.02.1992, 21.12.1993 e 01.02.2000, respetivamente relatados por Mário Ribeiro, Gonçalves Vilar e Lemos Jorge, todos disponíveis em www.dgsi.pt). Na situação em apreço, não se demonstrou, entre o mais, que os Autores se viram obrigados a pedir dinheiro a familiares, o que lhes causou ansiedade, depressão, angústia, incerteza, preocupações, aborrecimentos e também desespero, agravando-lhes, ainda, a saúde, as dificuldades de sono e o estado de irritabilidade. Em consequência do referido, a Autora sofreu, em 28 de Fevereiro de 2014, um enfarte agudo do miocárdio, correndo risco de vida e tendo permanecido internada até dia 6 de Março de 2014 (factos não provados). Vê-se agora obrigada a acompanhamento médico regular, a efectuar diversos tratamentos e exames com as despesas daí inerentes, bem como a alterar o seu modo de vida, uma vez que não pode fazer esforços acrescidos e sujeitar-se a stress ou preocupação (factos não provados). A Autora continua a ser seguida em consulta de cardiologia e insuficiência cardíaca, tem de tomar diariamente diversa medicação e já suportou despesas médicas no valor de € 167,79 (factos não provados). De realçar que, ainda que a documentação médica e hospitalar não tivesse sido impugnada, jamais poderíamos estabelecer um nexo causal consistente entre o facto e o dano, bastando, para tanto, atentar nos antecedentes diagnosticados à Autora (a fls. 25). Face ao exposto, também se conclui que aos demandantes não assiste direito ao peticionado a título de danos não patrimoniais, estando assim por reunir, em concreto, todos os requisitos previstos nos artigos 483.º, n.º 1, e 496.º, n.º 1, ambos do Código Civil”. Dissentindo, propugnam os apelantes, com base numa alteração da factualidade provada, que a ré, após ter recepcionado o pedido de penhora por parte da Autoridade Tributária, nunca procedeu aos descontos resultantes da penhora nos termos legalmente estipulados, apesar de ter conhecimento de que o valor mensalmente depositado na conta bancária provinha de pensão de reforma do Apelante, nunca tendo atendido aos limites legais de penhorabilidade, violando claramente as normas a que está obrigada, pelo que, a atitude ilícita e culposa da mesma causou danos na esfera dos autores. Vejamos. Provou-se que os autores eram co-titulares da conta solidária domiciliada na Ré(agência de Odivelas)com o número 0... .0..... .7.., na qual o autor recebia a sua pensão paga pela CGA. E que sobre a referida conta bancária foi efectuada uma penhora, em 2008, pelo Serviço de Finanças de Loures – 1, à ordem dos Processos de Execução Fiscal números 1520200801013513, 1520200801109073, 1520200901070606 e 1520200801018493, nos quais o Autor era executado, até ao montante de € 30 562,24. Deriva ainda do provado que, após a penhora do saldo existente nessa conta, a ora ré continuou a não permitir aos autores o levantamento da totalidade das quantias que mensalmente foram sendo depositadas nessa conta provenientes da pensão de aposentação do autor. Sobre a pensão auferida pelo ora autor da CGA incidia ainda uma outra penhora ordenada nos autos e execução n.º 35351/04.6YYLSB pela 12.ª Vara, 1.ª Secção, posteriormente pelo 2.º Juízo de Execução de Lisboa, 1.ª Secção, e actualmente 1.ª Secção de Execução do Juízo Central de Lisboa, J4, instaurado pelo Z, SA em 11 de Outubro de 2004. Em face dessa penhora, a partir de Agosto de 2011 a pensão do Autor, depositada na conta bancária, passou a ser de € 864,00, sendo que, no final do ano de 2012, era de € 847,59. Acontece que, segundo se apurou, a partir de Fevereiro de 2011 e até Janeiro de 2014, a agência da Ré de Odivelas passou a permitir o levantamento, apenas pela autora, de uma quantia de cerca de metade do montante mensalmente depositado pela CGA, não permitindo ao autor o levantamento de qualquer quantia da sua conta bancária. E, a partir de Fevereiro de 2014 até ao final desse ano, a agência da ré de Odivelas não permitiu à autora levantar qualquer quantia da conta bancária, apesar desta o ter tentado fazer, e apenas permitiu ao autor o levantamento das seguintes quantias: - em Fevereiro de 2014: €392,08, €20,00, €20,00 e €445,00; - em Março de 2014: €485,00; - em Abril de 2014: €485,00; - em Maio de 2014: €485,00; - em Junho de 2014: €485,00 e €20,00; - em Julho de 2014: €485,00; - em Agosto de 2014: €485,00; - em Setembro de 2014: €485,00; - em Outubro de 2014: €505,00; - em Novembro de 2014: €150,00, €300,00, €300,00 e €120,00. Estão em causa nos autos e na apelação as novas entradas de dinheiro na conta solidária dos autores, proveniente da pensão auferida pelo autor, que não a penhora dos saldos bancários efectivada em Outubro de 2010. À data em que foram efectuadas as primeiras penhoras dessas novas entradas, dispunha o art. 223º (Formalidade da penhora de dinheiro ou de valores depositados), do CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO, que: 1– A penhora de dinheiro ou de outros valores depositados será precedida de informação do funcionário competente sobre a identidade do depositário, a quantia ou os objectos depositados e o valor presumível destes. 2– A instituição detentora do depósito penhorado deve comunicar ao órgão da execução fiscal o saldo da conta ou contas objecto de penhora na data em que esta se considere efectuada. 3– Salvo nos casos de depósitos existentes em instituição de crédito competente, em que se aplica o disposto no Código de Processo Civil, a penhora efectua-se por meio de carta registada, com aviso de recepção, dirigida ao depositário, devendo a notificação conter ainda a indicação de que as quantias depositadas nas contas referidas nos números anteriores ficam indisponíveis desde a data da penhora, salvo nos casos previstos na lei. 4– Verificando-se novas entradas, o depositário comunicá-las-á ao órgão da execução fiscal, para que este, imediatamente, ordene a penhora ou o informe da sua desnecessidade. 5– Quando, por culpa do depositário, não for possível cobrar a dívida exequenda e o acrescido, incorrerá ele em responsabilidade subsidiária. 6– Além das coisas que obrigatoriamente são depositadas em instituição de crédito competente, poderão também ser ali guardadas outras, desde que isso se mostre conveniente. Assim, de acordo como citado n.º 4, verificando-se novas entradas, incumbia ao depositário comunicá-las ao órgão da execução fiscal, para que este, imediatamente, ordenasse a penhora ou o informasse da sua desnecessidade. A penhora do saldo bancário era, pois, a penhora do saldo presente e não das novas entradas. Efectivamente, se a penhora efectuada em Outubro de 2010 abrangesse tal conta bancária, enquanto tal, que não apenas o saldo do dinheiro nela existente, então, o legislador não poderia prever esta nova penhora para os valores entretanto entrados nessas contas, porque a anteriormente efectuada já a abrangeria – cfr. Acórdão nº TCAS_05723/12 de 05-02-2013, acessível em www.dgsi.pt. Significa isto que a ora ré C não poderia ter penhorado as novas entradas sem indicação da Autoridade Tributária nesse sentido, o que se não apurou ter existido. Efectivamente, só após a alteração operada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, a qual entrou em vigor dia 1/01/2013, é que os n.ºs 4 e 5 do art. 223º do CPPT passaram a dispor que: 4– Salvo comunicação em contrário do órgão da execução fiscal, verificando-se novas entradas, o depositário deve proceder imediatamente à sua penhora, após consulta do valor em dívida penhorável e apenas até esse montante. 5– Para efeitos do previsto nos n.ºs 3 e 4, a Autoridade Tributária e Aduaneira disponibiliza ao depositário, para consulta no Portal das Finanças, informação atualizada sobre o valor em dívida. É certo que na acção e na apelação não se equaciona a questão sob este prisma. Mas tratando-se de uma questão de direito, o tribunal pode conhecer da mesma oficiosamente. Seja como for, à penhora aplica-se o disposto no CPC. Ora, à data, dispunha o art. 824º do CPC, na redacção aplicável (a anterior à que foi dada pelo DL n.º 226/2008) que: 1– São impenhoráveis: a)- Dois terços dos vencimentos, salários ou prestações de natureza semelhante, auferidos pelo executado; b)- Dois terços das prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de outra qualquer regalia social, seguro, indemnização por acidente ou renda vitalícia, ou de quaisquer outras pensões de natureza semelhante. 2– A impenhorabilidade prescrita no número anterior tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento e o crédito exequendo não seja de alimentos, o montante equivalente a um salário mínimo nacional. 3– Na penhora de dinheiro ou de saldo bancário de conta à ordem, é impenhorável o valor global correspondente a um salário mínimo nacional. 4– A requerimento do executado, o agente de execução, ouvido o exequente, isenta de penhora os rendimentos daquele, pelo prazo de seis meses, se o agregado familiar do requerente tiver um rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica igual ou inferior a três quartos do valor do Indexante de Apoios Sociais. 5– A requerimento do executado, o agente de execução, ouvido o exequente, reduz para metade a parte penhorável dos rendimentos daquele, pelo prazo de seis meses, se o agregado familiar requerente tiver um rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica superior a três quartos e igual ou inferior a duas vezes e meia do valor do Indexante de Apoios Sociais. 6– Para além das situações previstas nos n.os 4 e 5, a requerimento do executado, pode o agente de execução, ouvido o exequente, propor ao juiz a redução, por período que considere razoável, da parte penhorável dos rendimentos, ponderados o montante e a natureza do crédito exequendo, bem como as necessidades do executado e do seu agregado familiar. 7– O agente de execução pode, a requerimento do exequente e ponderados o montante e a natureza do crédito exequendo e o estilo de vida e as necessidades do executado e do seu agregado familiar, ouvido o executado, propor ao juiz o afastamento do disposto no n.º 3 e reduzir o limite mínimo imposto no n.º 2, salvo no caso de pensão ou regalia social. 8– As decisões do agente de execução previstas nos n.os 4 a 7 são fundamentadas e susceptíveis de reclamação para o juiz. 9– As propostas enviadas pelo agente de execução ao tribunal nos termos dos n.os 6 e 7 contêm um projecto de decisão fundamentada que o juiz pode sustentar. E art. 824º-A do CPC Impenhorabilidade de quantias pecuniárias ou depósitos bancários São impenhoráveis a quantia em dinheiro ou o depósito bancário resultantes da satisfação de crédito impenhorável, nos mesmos termos em que o era o crédito originariamente existente. Assim, e uma vez que as novas entradas, como era do conhecimento de C., eram provenientes da pensão de aposentação do autor, as mesmas eram impenhoráveis em 2/3, não podendo ser inferiores a um montante equivalente a um salário mínimo nacional, nem superiores a um montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão. Deste modo, ainda que C. desconhecesse a penhora de 1/3 que já incidia sobre a pensão auferida pelo executado no âmbito da execução n.º 35351/04.6YYLSB, sempre aquela deveria disponibilizar mensalmente ao executado as seguintes quantias: – Em Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2011, os montantes de: - em Agosto, Setembro, Outubro e Dezembro de 2011, a quantia mensal de €576; - em Novembro, a quantia de €1.188,04; – Em 2012, as seguintes quantias: - em Janeiro e Fevereiro, a quantia mensal de €574,67; - em Março, a quantia de 553,33; - de Abril a Dezembro, a quantia mensal de €564,00. – Em 2013, as seguintes quantias: - Em Janeiro, a quantia €564,00; - Em Fevereiro €520,00; - Em Março, Abril, Maio, Junho e Agosto, a quantia mensal de €542,64; - Em Julho, a quantia €636,40; - Em Setembro, a quantia de €526,67; - Em Outubro, a quantia de €534,67; - Em Novembro, a quantia de €1.120,00; - Em Dezembro, a quantia de €524,75. – Em 2014, as seguintes quantias: - Em Janeiro, Fevereiro e Março, a quantia mensal de €522,77; - Em Abril e Maio, a quantia mensal de €586,21; - Em Junho, a quantia de €579,59; - Em Julho, a quantia de €1.350,51; - Em Agosto, Setembro e Outubro, a quantia mensal de €578,92; - Em Novembro, a quantia de €580,03. No que tange à autora, co-titular da conta solidária alvo de penhora, estabelecia a lei (art. 861º-A do CPC antigo e art. 780º, n.º 5, do NCPC) que sendo vários os titulares do depósito, a penhora incide sobre a quota-parte do executado na conta comum, presumindo-se que as quotas são iguais. Certo é que, sendo os ora autores casados sob o regime da comunhão geral de bens, as quantias depositadas constituem bens comuns do casal (art. 1732º do CC) e, como se sabe, podem ser penhorados na execução movida apenas contra um só dos cônjuges bens comuns, não constando no caso que a autora tenha requerido a separação de bens (art. 740º do NCPC). Consequentemente, a penhora realizada reconduz-se à penhora de um bem comum do casal, aceitando-se, por isso, que C. não cativasse qualquer quota-parte da autora no valor das novas entradas de dinheiro. Teria, porém, nos termos sobreditos, de não cativar um valor correspondente a 2/3 do valor das novas entradas, o que não fez, agindo, por isso, de forma ilícita. Significa isto que a ré não agiu com a diligência profissional que lhe era exigível, tendo violado, de forma culposa (culpa que, de resto, se presume – art. 799º, n.º 1, do CC), o contrato de depósito bancário celebrado com os autores, ao não haver atendido aos limites legais de penhorabilidade. Dos danos e do nexo de causalidade: Peticionaram os autores uma indemnização nos seguintes montantes: - €9.284,19, de danos patrimoniais, correspondentes aos montantes penhorados a mais; - €300.000,00 de danos não patrimoniais. Porém, na apelação restringe estes últimos ao montante de €50.000,00. No que toca aos danos não patrimoniais, acompanhamos a sentença recorrida, na medida em que a C. “remeteu os valores objecto de penhora às entidades com direito aos mesmos, não “se apropriou dos mencionados montantes pecuniários”, e não se provou “não terem sido enviados para o Serviço de Finanças os valores entretanto bloqueados pela Ré, dando origem à aplicação de juros”. Assim, os montantes penhorados “a mais” tiveram como destino o abatimento da dívida exequenda, não tendo, por isso, os executados registado um qualquer dano patrimonial. Quanto aos danos não patrimoniais: Dispõe o art. 496º, n.º 1, do CC que “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam tutela do direito”. Antunes Varela, depois de considerar que só em face da gravidade do dano se justifica a satisfação pecuniária do lesado, sublinha que “a indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente” – cfr. Das Obrigações em geral, vol. I, 9ª ed., pág. 630. Para a determinação da indemnização a atribuir por danos não patrimoniais, o tribunal há-de decidir segundo a equidade, tomando em consideração “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso” (nº 3 do mesmo artigo 496º e artigo 494º). No caso em apreciação apurou-se, além do mais, que a autora sofreu, em 28 de Fevereiro de 2014, um enfarte agudo do miocárdio, correndo risco de vida e tendo permanecido internada até dia 6 de Março de 2014, dendo obrigada a acompanhamento médico regular, a efectuar diversos tratamentos e exames, os quais acarretam despesas, bem como a alterar o seu modo de vida, uma vez que não pode fazer esforços acrescidos e sujeitar-se a stress ou preocupação. No que tange a estes factos, não se provou o nexo de causalidade entre a conduta ilícita da ré e a ocorrência do enfarte (art. 563º do CC). Soçobra, por isso, nesta parte, o direito à peticionada indemnização. Porém, ao contrário da 1ª instância, considerámos ainda provado que: - Por o banco réu apenas permitir os levantamentos da conta acima referenciados, os autores necessitaram do auxílio económico dos seus dois filhos, os quais, por vezes, suportaram as despesas relativas aos consumos mensais de água e energia eléctrica da casa daqueles, tendo ainda um dos filhos dado algum dinheiro à autora para adquirir alimentos. - Esta situação causou aos autores ansiedade, angústia, incerteza, desespero, preocupações e aborrecimentos. Relativamente ao nexo de causalidade – adequada, na formulação negativa – entre a ilícita extensão da penhora e os danos não patrimoniais apurados –– dir-se-á resultar aquele, directamente, dos factos provados, tendo a actuação da ré sido uma das condições dos danos comprovadamente ocasionados. Finalmente, e no tocante à gravidade dos comprovados danos não patrimoniais, temos que em consequência da extensão da penhora efectuada pela ré “os autores necessitaram do auxílio económico dos seus dois filhos os quais, por vezes, suportaram as despesas relativas aos consumos mensais de água e energia eléctrica da casa daqueles, tendo ainda um dos filhos dado algum dinheiro à autora para adquirir alimentos”. Apurou-se, pois, que os autores ficaram privados de valores monetários, que os impossibilitou de poderem fazer face às despesas mínimas de subsistência, tendo passado por sérias dificuldades económicas, dado não possuírem outros rendimentos, o que causou aos autores ansiedade, angústia e desespero. A situação em que os AA. se encontraram, por via do âmbito da penhora, é, à luz de critérios objectivos, suficientemente lesiva da personalidade moral daqueles – cuja tutela é consagrada no art.º 70º, do Código Civil. A ansiedade, angustia e desespero com a situação, mostram-se consonantes, na perspectiva do homem médio, na circunstância de, tendo os AA. ficado impossibilitados de fazer face às suas despesas mínimas de subsistência, se verem obrigados a pedir dinheiro emprestado a familiares. Não se situando tais danos não patrimoniais a nível próximo de outros possíveis de enorme gravidade, descolam, ainda assim, dos simples incómodos, contrariedades e preocupações. Tendo em conta este quadro e a função de compensação especialmente desempenhada pela indemnização por danos morais, e ponderando, por um lado, a duração da situação de excesso de retenção de valores decorrentes da penhora – mais de 3 anos – e, por outro lado, que os ora autores poderiam ter suscitado a questão da ilegalidade da extensão da penhora junto do órgão executivo, o que não demonstraram ter feito, entende-se equitativo fixar aqueles danos no montante de €9.000,00, calculado por referência à presente data. Sobre essa quantia incidem juros de mora desde a presente data. Os juros são devidos até ao seu integral pagamento, à taxa legal, a qual é actualmente de 4% - arts. 805º, n.º 1, e 806º do C.C. e Portaria n.º 291/2003, de 8/04. Procede, nestes termos, em parte, a apelação. * VI.–Decisão: Pelo acima exposto, decide-se: 1.- Julgar parcialmente procedente a apelação, condenando-se a ré a pagar aos autores a quantia de nove mil euros (€9.000,00), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora, desde a presente data e até efectivo pagamento, à taxa legal, a qual é actualmente de 4%, confirmando-se, no demais, a sentença recorrida; 2.- Custas devidas em 1ª instância pelos autores e pela ré, na proporção do respectivo decaimento; 3.- Custas da apelação, pelos apelante e pela apelada, igualmente na proporção do respectivo decaimento, tendo presente que o valor do recurso é de €59.284,19; 4.- Notifique. Lisboa, 11 de Julho de 2019 (Manuel Ribeiro Marques – Relator) (Pedro Brighton – 1º Adjunto) (Teresa Sousa Henriques – 2ª Adjunta | ||
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