Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2818/19.1YRLSB-8
Relator: TERESA SANDIÃES
Descritores: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
ACÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/09/2020
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
Decisão: DEFERIR O PEDIDO
Sumário: - A verdade biológica é um dos princípios estruturantes da ordem pública internacional do direito da filiação do Estado Português, contudo, sem consagração constitucional.
- Trata-se de princípio que não é absoluto, mas antes meramente prevalente, maxime no que respeita o estabelecimento da paternidade, em que estão previstas diversas exceções ou compressões daquele princípio.
- A reserva de ordem pública internacional deve apenas actuar em face do caso concreto e perante o resultado da revisão da decisão estrangeira.
- O resultado da revisão e confirmação da decisão revidenda, homologatória de acordo entre a representante legal do requerente e o requerido pelo qual este, reconhecendo juridicamente o pedido, admitiu a paternidade que lhe era atribuída na petição inicial, não é manifestamente incompatível com a ordem pública internacional do Estado Português que, embora erigindo a verdade biológica como princípio estruturante no direito da filiação, admite compressões e excepções ao mesmo. O resultado daquela sentença consiste no estabelecimento da paternidade, resultado este que em nada contraria aquela O.P.I..
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

C… intentou a presente ação especial de revisão de sentença estrangeira contra A…, pedindo que seja revista e confirmada a sentença de reconhecimento da paternidade.
Alegou, em síntese, que intentou ação de investigação de paternidade contra o requerido no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Comarca de São Paulo, Foro Regional II – Santo Amaro, 2ª Vara da Família e Sucessões. Por sentença, que homologou o acordo celebrado pelas partes, decretada em 09 de abril de 2002, e já transitada em julgado, proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, foi reconhecida a paternidade do R. em relação ao A., que adotou o nome de C…. A decisão encontra-se em condições de ser revista e confirmada em Portugal nos termos do disposto no artigo 978.º e seguintes do Código de Processo Civil.
Regularmente citado o requerido, não constituiu mandatário nem apresentou oposição.
A Exmª. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer favorável ao pedido.
Por decisão singular foi julgada improcedente a ação, com o fundamento de “não podendo o tribunal português homologar transação que contenha o reconhecimento da paternidade, por força do art. 289º nº 1 do C.P.C., segundo o qual “não é permitida confissão, desistência ou transação que importe a afirmação da vontade das partes relativamente a direitos indisponíveis”, também não pode rever sentença estrangeira que homologue acordo que contem reconhecimento da paternidade
O requerente reclamou para a conferência, tendo alegado, em síntese, que a decisão reclamada procedeu a uma análise incompatível quer com o estatuído na lei, quer com a teleologia da norma. A alínea f) do art.º 980.º destina-se a evitar a violação de valores fundamentais na nossa ordem jurídica. Todavia, a não confirmação da sentença, será uma situação que resultará numa grave injustiça. No âmbito do processo da ação de investigação de paternidade que conduziu à sentença em causa, foram realizadas diversas perícias hematológicas, ordenadas oficiosamente pelo juízo competente, tendo sido, após a conclusão de tais perícias, que se utilizou o termo “admissão de paternidade”, na decisão homologatória.
Concluiu nos seguintes termos:
“- O requisito previsto sob a alínea f) do art.º 980, não impede o reconhecimento da sentença em causa porquanto, a reserva da ordem pública internacional em matéria de reconhecimento de sentenças proferidas no estrangeiro visa impedir a violação de valores fundamentais do nosso ordenamento jurídico, o que não ocorre de modo algum no caso sub judice.
- Bem pelo contrário, o não reconhecimento da sentença, esse sim, conduzirá a um resultado intolerável porquanto, conforme se referiu não há qualquer dúvida ou oposição sobre a paternidade estabelecida, a qual resultou de uma investigação oficiosa e de prova científica inabalável.
- Assim sendo, o reconhecimento da sentença em causa não ofende, de modo algum, os princípios da ordem pública jurídica portuguesa, uma vez que a paternidade foi provada por meio de exames científicos.
- Posto isto, a decisão encontra-se em condições de ser revista e confirmada em Portugal nos termos do disposto no artigo 978.º e seguintes do Código de Processo Civil.”    
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Face ao estatuído no art.º 652º do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir.
Importa, previamente, conhecer da junção de documentos com a apresentação da reclamação.
O reclamante juntou documentos relativos a dois exames hematológicos realizados em 1999 e 2001.
Como se refere no acórdão desta Relação de 09/12/2015, in www.dgsi.pt ”em processo especial de revisão de sentença, a junção de documentos fora dos articulados e das diligências de produção de prova levadas a cabo pelo tribunal, apenas assume admissibilidade processual em dois momentos: até à notificação das partes, nos termos e para os efeitos do artigo 982.º; do CPC; com as alegações, sendo que, neste último caso, sob a condição de demonstração de impossibilidade de apresentação anterior, ou da respetiva necessidade em virtude de ocorrência posterior.”
A junção dos documentos com a reclamação é, assim, manifestamente extemporânea.
Pelo exposto, não se admite a junção dos documentos apresentados pelo reclamante.  
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Encontra-se documentalmente provado que:
- No processo de investigação de paternidade, por sentença proferida a 9 de abril de 2002 pela 2ª Vara da Família e Sucessões do Foro Regional de Santo Amaro e Ibirapuera da Comarca de São Paulo, transitada em julgado, foi homologado o acordo celebrado entre a representante legal do requerente e o requerido pelo qual este, reconhecendo juridicamente o pedido, admitiu a paternidade que lhe era atribuída na petição inicial.
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O sistema de revisão de sentenças estrangeiras consagrado no C.P.C. (artºs 978º e ss.) é fundamentalmente um sistema de delibação, isto é, de revisão meramente formal, não cabendo apreciar os respetivos fundamentos de facto e de direito.
Face ao preceituado no art.º 980º do Novo Código de Processo Civil são requisitos da revisão:
a) que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a sentença nem sobre a inteligência da decisão;
b) que tenha transitado em julgado segundo a lei do país em que foi proferida;
c) que provenha de tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses;
d) que não possa invocar-se a exceção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afeta a tribunal português, exceto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição;
e) que o réu tenha sido regularmente citado para ação nos termos da lei do país do tribunal de origem e que no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) que não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português.
Por seu turno, o artº 983º do C.P.C. contempla os fundamentos de impugnação:  falta de qualquer dos requisitos mencionados no art.º 980º, ou por se verificar algum dos casos de revisão especificados nas al. a), c) e g), do art.º 696º.
E o artº 984º do C.P.C. define em que consiste a averiguação oficiosa do Tribunal: verificação da concorrência das condições indicadas nas alíneas a) e f) do artº 980º; verificação da falta de algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito, decorrente do exame do processo ou do conhecimento derivado do exercício das funções.
“... um dos impedimentos que obsta a que se reconheça uma decisão estrangeira é o resultado desse reconhecimento produzir uma violação dos princípios de ordem pública internacional do Estado português. (…) Antes de mais, o princípio que lhe subjaz é a excecionalidade da sua aplicação. Esta exceção permite ao julgador operar uma evicção do direito estrangeiro normalmente competente, afastando-o. Concretamente, o art. 22.º do Código Civil (CC) é claro ao consagrar esse afastamento do direito estrangeiro quando razões de ordem pública internacional o imponham (mas este bloqueio deve ser excecional e só aplicado em casos limite). (…)
Com efeito, a ordem pública surge como um instrumento destinado a evitar que, em cada caso concreto, se produza na ordem jurídica do foro um efeito que esteja com ela numa contradição insuportável. A exceção apenas opera em relação àquela situação jurídica concreta que visa evitar que se realize, por isso é relativa, depende de caso para caso e do sistema jurídico em que se insere (tem um carácter nacional). Por outro lado, trata-se de um conceito indeterminado, que carece da concretização do juiz aquando da sua aplicação. Essa apreciação do juiz sobre quais os princípios que integram a ordem pública internacional do Estado do foro deve ser atual, pois este instituto é fruto de conceções que vigoram no próprio país onde a questão se põe, isto é, o juiz tem de defender o particularismo jurídico do seu Estado no momento em que se levanta a questão do reconhecimento.”  – Mariana Madeira da Silva Dias, “O Reconhecimento do Repúdio Islâmico pelo Ordenamento Jurídico Português: a exceção de ordem pública internacional”, in Revista Julgar, nº 23, 2014, p. 299-302.
E nas palavras de Baptista Machado, Lições de Direito Internacional Privado, p. 256, “o juiz precisa de ter à sua disposição um meio que lhe permita precludir a aplicação de uma norma de direito estrangeiro, quando dessa aplicação resulte uma intolerável ofensa da harmonia jurídico-material interna ou uma contradição flagrante com os princípios fundamentais que informam a sua ordem jurídica. Esse meio ou expediente é a exceção de ordem pública internacional ou reserva da ordem pública”.
“A ordem pública internacional de que há reserva na al. f) desse mesmo artigo entende-se como definida por cada Estado, com carácter valorativo e histórico, e como funcionando em cada caso concreto para repelir os resultados chocantes que poderiam advir da aplicação da lei estrangeira, em função das valorações económicas, sociais e políticas de que a sociedade não pode prescindir.
O advérbio de modo - " manifestamente " - constante dessa alínea evidencia a exigência do carácter ostensivo da violação e traduz com propriedade o carácter excecional da intervenção da ordem pública.(…)
Esta exceção de ordem pública internacional ou reserva da ordem pública só tem cabimento quando da aplicação do direito estrangeiro cogente resulte contradição flagrante, grosseiro atropelo ou intolerável ofensa dos princípios fundamentais que enformam a ordem jurídica do foro e, assim, a conceção de justiça de direito material tal como o Estado a entende.” – Ac.STJ de 08/07/2003, disponível em www.dgsi.pt.
Da ordem pública internacional distingue-se a ordem pública interna, sendo esta enformada por “aquelas normas e princípios jurídicos absolutamente imperativos que formam os quadros fundamentais do sistema, sobre eles se alicerçando a ordem económico-social, pelo que são, como tais, inderrogáveis pela vontade dos indivíduos. São, pois, aquelas normas e princípios que se aplicam imperativamente e independentemente da vontade das partes.” – Mariana Madeira da Silva Dias, artigo citado, p. 300.
“Só há que negar a confirmação das sentenças estrangeiras quando contiverem em si mesmas, e não nos seus fundamentos, decisões contrárias à ordem pública internacional do Estado Português – núcleo mais limitado que o correspondente à chamada ordem pública interna, por aquele historicamente definido em função das valorações económicas, sociais e políticas de que a sociedade não pode prescindir, e que opera em cada caso concreto para afastar os resultados chocantes eventualmente advenientes da aplicação da lei estrangeira.” (Ac.STJ de 21.2.2006, in www.dgsi.pt).
A sentença revidenda foi proferida no âmbito de ação de investigação de paternidade. A alegação do reclamante quanto à prova realizada na referida ação tendente à verdade biológica, não é atendível, uma vez que não foi junta certidão dos exames periciais em momento oportuno.
A verdade biológica é um dos princípios estruturantes de ordem pública do direito da filiação do Estado Português, contudo, sem consagração constitucional.
Trata-se, todavia, de princípio que não é absoluto, mas antes meramente prevalente, significando, em síntese, a “tendência de fazer corresponder a atribuição jurídica da filiação biológica com a filiação biológica efetivamente existente, de modo a que os vínculos biológicos tenham uma tradição jurídica fiel, que o pai e a mãe juridicamente reconhecidos sejam, realmente, os progenitores, os pais biológicos do filho.” (Ac.R.C. de 02/07/2013, in bdjur).
No ordenamento jurídico português o direito da filiação, concretamente o estabelecimento da paternidade, admite exceções ou compressões daquele princípio, de que são exemplos: presunção de paternidade estabelecida em relação ao marido da mãe (artºs. 1796º, nº 2 e 1826º, nº 1 do  C.C.); reconhecimento voluntário, no caso de a mulher casada declarar o nascimento com a indicação de que o filho não é do marido, cessando a presunção (artº 1832º, nºs 1 e 3 do C.C.); reconhecimento voluntário, por perfilhação, no caso de filhos nascidos fora do casamento (artº 1847º do C.C.); no âmbito de averiguação oficiosa de paternidade, admite-se confirmação do pretenso pai, lavrando-se termo de perfilhação (artº 1865º, nº 3 do C.C.); inadmissibilidade legal de averiguação oficiosa de paternidade nos casos de mãe e pretenso pai serem parentes ou afins em linha reta ou parentes no segundo grau da linha colateral (artº 1866º do C.C.); se tiverem decorrido dois anos sobre a data do nascimento; casos de presunção de paternidade estabelecida no artº 1871º do C.C..  Outro exemplo de manifesta desconsideração do princípio da verdade biológica: nos termos do disposto no artº 1863º do C.C. “a perfilhação feita depois de intentada em juízo ação de investigação de paternidade contra pessoa diferente do perfilhante fica sem efeito, e o respetivo registo deve ser cancelado, se a ação for julgada procedente.” – ou seja, e a contrario, se a ação for julgada improcedente, por não existir “conflito”, a perfilhação efetuada por terceiro mantém-se.
Como se conclui no Ac.R.C. citado, ao analisar a diferença de tratamento no estabelecimento da maternidade e da paternidade “na lógica do legislador – o interesse público da verdade biológica se impõe especialmente no tocante ao estabelecimento da maternidade e que admite contemporização quanto à paternidade do marido, por exemplo, no caso de nenhum dos particulares interessados impugnar uma paternidade marital consabidamente falsa. (…) Numa palavra: o estabelecimento da maternidade, o direito positivo orienta-se pelo sistema da filiação, dado que a maternidade se estabelece pela prova da filiação biológica, ao passo que o estabelecimento da paternidade obedece ao sistema do reconhecimento, pois que se admite a sua constituição voluntária.”
Tudo a apontar para uma mera prevalência do princípio da verdade biológica no estabelecimento da paternidade.
No ordenamento jurídico brasileiro encontram-se previstas formas de reconhecimento voluntário, por perfilhação (que pode ser efetuada no registo, por escritura pública ou escrito particular arquivado em cartório, por testamento) e por manifestação expressa e direta perante o juiz - artºs 1609º do C. Civil Brasileiro. E por reconhecimento judicial, através de ações de averiguação oficiosa e de investigação de paternidade. Os artºs 1597º, 1605, II do C.C.B. consagram presunções de paternidade
Tal como no direito de filiação nacional, prevêem-se ações de impugnação de paternidade presumida, de perfilhação e de reconhecimento voluntário (cfr. artºs 1604º, 1601º e 1614º do C.C.B.), bem como ações rescisórias de paternidade estabelecida em decisão judicial (artº 966º do C.P.C. brasileiro).
Conclui-se, assim, que se trata de regime que apresenta fortes semelhanças com o direito da filiação português.
A sentença revidenda, homologatória de acordo, tem por objeto o reconhecimento de paternidade, traduzido na admissão da paternidade atribuída na petição inicial, efetuada em diligência judicial, a que se seguiu fixação de alimentos (cfr. documento nº 3 anexo à p.i.)
O artº 289º, nº 1 do C.P.C. contém norma imperativa da ordem pública interna - que não norma da ordem pública internacional do foro – à semelhança do artº 280º, nº 2 do CC, exemplo indicado na nota 26, por Mariana Silva Dias, artigo citado, p. 300.
Como vimos, o nosso ordenamento jurídico permite a perfilhação, que mais não é do que o ato voluntário de reconhecimento da paternidade, assim como o reconhecimento mediante declaração no registo civil e, ainda, o reconhecimento judicial. Se o reconhecimento voluntário for efetuado no âmbito de ação judicial, sê-lo-á por termo (crf. artº 1853º do C.C.).
Conforme referido no Ac.RL 27/03/2007, in jurisprudência.pt, num caso de revisão de decisão de divórcio fundada em repúdio, figura do direito islâmico que consiste na faculdade concedida apenas ao marido de dissolver unilateralmente o casamento, independentemente de consentimento ou oposição da mulher:
No entanto, tem-se entendido que há que atender, apenas, à decisão em si, à situação que a decisão cria e estabelece, e não aos fundamentos em que assenta (cf. Alberto dos Reis, ob.cit., pág.180, e Ferrer Correia, Direito Internacional privado, pág.508). Assim, o que a citada al. f) exige é que a sentença não contenha decisões contrárias aos princípios de ordem pública internacional do Estado Português. Ora, no caso, a situação constituída pela sentença estrangeira é o divórcio, e esta situação não é, em si, contrária àquela ordem pública, já que, o nosso ordenamento jurídico admite e regula o divórcio como forma de dissolver o casamento, quer o divórcio por mútuo consentimento, quer o litigioso (art.1773º, do C.Civil).”
Toda a ação preclusiva da ordem pública internacional incide direta e unicamente sobre os efeitos jurídicos que, para o caso, defluem da lei estrangeira e não sobre a lei em si. Não é, portanto, a decisão propriamente que conta, nem os seus fundamentos, mas o resultado a que conduziria o seu reconhecimento. A decisão pode apoiar-se numa norma que, considerada em abstrato, pode contrariar a ordem pública internacional do Estado Português, mas cuja aplicação concreta o não seja. E, ao invés, pode a lei em que se apoiou a decisão não ofender, em abstrato, a ordem pública internacional do Estado Português, mas a sua aplicação concreta assentar em motivos inaceitáveis. E o que está aqui em causa são, repete-se, os princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa.” – Ac.R.L de 03/10/2006, disponível em www.dgsi.pt.
Os efeitos da revisão da decisão judicial que homologou o acordo quanto ao reconhecimento da paternidade do ora requerente pelo ora requerido, que lhe vinha imputada na petição inicial da ação de investigação de paternidade, consistem no estabelecimento de paternidade – ainda que manifestado em audiência judicial e objeto de homologação, a título de acordo,  procedimento não permitido em Portugal – reconhecimento esse que também é admitido pelo direito positivo interno do foro, mediante perfilhação.
Em conclusão, o resultado da revisão e confirmação da decisão revidenda não é manifestamente incompatível com a ordem pública internacional do Estado Português que, embora erigindo a verdade biológica como princípio estruturante no direito da filiação, admite compressões e exceções ao mesmo, e o resultado concreto daquela sentença consiste no estabelecimento da paternidade, resultado este que em nada contraria aquela O.P.I..
A decisão revidenda consta de documento sobre cuja autenticidade e inteligência não suscitam dúvidas.
E, não tendo sido suscitada nem resultando do exame do processo a sua falta, é de presumir a verificação dos demais requisitos enunciados nas alíneas b) a e) do art.º 980º do Novo Código de Processo Civil.
Verificam-se, pois, os pressupostos legais de revisão e confirmação.
Pelo exposto, decide-se julgar procedente a pretensão do requerente e, em consequência, concede-se a revisão e confirma-se a decisão acima identificada, que reconheceu a paternidade de C…   por A…, passando a mesma a ter eficácia na ordem jurídica portuguesa.
Face ao preceituado nos art.º 296º a 306º do Novo Código de Processo Civil, fixa‑se à causa o valor processual de € 30.000,01.
Custas da ação a cargo do requerente.
Lisboa, 9 de julho de 2020
Teresa Sandiães
Ferreira de Almeida
Maria do Céu Silva ( vencida, nos termos da declaração de voto que junta)
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Voto de vencido
É o princípio da verdade biológica que está na base do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 16 de outubro de 1984, transcrito na fundamentação da decisão reclamada por mim elaborada.
A verdade biológica “é o princípio alicerçante do regime da filiação”, sendo “os direitos de identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade (onde se inclui o direito de conhecer e ver reconhecida a ascendência biológica e a marca genética de cada pessoa), reconhecidos constitucionalmente enquanto direitos fundamentais” (www.dgsi.pt Acórdão do STJ de 15 de fevereiro de 2018, processo 2344/15.8T8BCL.G1.S2; Acórdão do STJ de 21 de setembro de 2010, processo 495/04; cf. art. 26º nº 1 da C.R.P.).
Resulta do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência atrás citado que homologar transação que contenha o reconhecimento da paternidade é coartar o direito de livre impugnação estabelecido no art. 1859º nº 1 do C.C., segundo o qual “a perfilhação que não corresponda à verdade é impugnável em juízo”.
No seguimento de tal posição, rever sentença estrangeira que homologa acordo que contem reconhecimento da paternidade conduz a um resultado manifestamente incompatível com princípio da ordem pública internacional do Estado Português - o princípio da verdade biológica -, pois o reconhecimento da paternidade por termo lavrado em juízo é um reconhecimento voluntário (cf. art. 1853º al. d) do C.C.) e confirmar sentença estrangeira que o homologa implica convertê-lo em reconhecimento judicial e, consequentemente, coartar a possibilidade de impugnação do reconhecimento quando o mesmo não corresponde à verdade biológica.
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Maria do Céu Silva