Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2924/14.9TBVFX.L1-6
Relator: ANABELA CALAFATE
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
APREENSÃO DE VEÍCULO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/22/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: - A proibição de instauração de acções para cobrança de dívidas contra o devedor consagrada no art. 17º-E nº 1 do CIRE constitui uma excepção dilatória inominada, pois obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância (cfr art. 576º e 577º do NCPC), nada tendo, pois, que ver com as nulidades dos actos praticados no processo previstas no art. 195º do NCPC.
- Embora não seja de excluir que a apreensão dos veículos e inerente impossibilidade de dispor deles no exercício da sua actividade possa ter repercussões na facturação da apelante, tal consequência não se enquadra na previsão do art. 17º -E nº 1 do CIRE.
- No procedimento cautelar comum para apreensão de veículo locado em caso de resolução do contrato de aluguer, para que a providência possa ser decretada é necessário que haja probabilidade séria da existência do direito do requerente e que se mostre suficientemente fundado o receio de lesão grave e dificilmente reparável a esse direito.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam do Tribunal da Relação de Lisboa:



I – Relatório:



M..., Lda intentou este procedimento cautelar comum em 07/07/2014 contra V... Lda, requerendo a apreensão e entrega imediata à Requerente dos veículos automóveis de marca MAN:

- com o chassis n.º WMAR07ZZ97T010765 e matrícula 30-EH-28;
- com o chassis n.º WMAR07ZZ48T012232 e matrícula 42-FE-34;
- com o chassis n.º WMAR33ZZ88C010970 e matrícula 77-FE-03;
- com o chassis n.º WMAR33ZZ18C010969 e matrícula 03-FL-23;
- com o chassis n.º WMAR33ZZ38C011234 e matrícula 03-FL-24;
- com o chassis n.º WMAR33ZZ78C011236 e matrícula 03-FL-25;
- com o chassis n.º WMAR33ZZ08C011238 e matrícula 03-FL-26;
- com o chassis n.º WMAR33ZZ98C011240 e matrícula 31-FP-76;
- com o chassis n.º WMAR33ZZX8C011246 e matrícula 31-FP-77;
- com o chassis n.º WMAR33ZZ38C011248 e matrícula 31-FP-78;
- com o chassis n.º WMAR33ZZ18C011250 e matrícula 31-FP-79;
- com o chassis n.º WMAR33ZZ98C012355 e matrícula 51-HJ-51;
- com o chassis n.º WMAR33ZZ08C012356 e matrícula 51-HJ-52;
- com o chassis n.º WMAR33ZZ78C012354 e matrícula 51-HJ- 53;
-com o chassis n.º WMAR33ZZ89C013126 e matrícula 64-HM-21;
-com o chassis n.º WMAR33ZZ68C012359 e matrícula 64-HM-22;
-com o chassis n.º WMAR33ZZ28C012360 e matrícula 64-HM-23;
-com o chassis n.º WMAR33ZZ48C012361 e matrícula 64-HM-24;
-com o chassis n.º WMAR33ZZ99C013118 e matrícula 45-HQ-06;
-com o chassis n.º WMAR33ZZX9C013127 e matrícula 45-HQ-07;
-com o chassis n.º WMAR33ZZ09C013119 e matrícula 67-HL-63;
-com o chassis n.º WMAR33ZZ69C012993 e matrícula 67-HL-64.

Alegou, em síntese:

-no âmbito da sua actividade comercial, entre 2007 e 2009, celebrou com a Requerida vinte e três contratos de aluguer de autocarros sem condutor, com a duração de 84 meses cada, referentes aos veículos supra identificados e ao veículo de matrícula 42-FE-33, tendo a requerida assumido a obrigação de pagar mensalmente à requerente as rendas contratadas;
-entregou os veículos, de sua propriedade, à requerida, mas esta, com excepção de um ou outro pagamento pontual, não paga as rendas que se venceram desde Abril de 2012;
-na sequência do envio de carta de interpelação, em Setembro de 2012, houve negociações e a requerida propôs a dação em cumprimento de alguns autocarros de que era proprietária e pagou 60.000,00 €;
-mas como tais bens tinham valor comercial muito reduzido a requerente acabou por não aceitar a dação em cumprimento;
-a requerida continuou a não pagar as rendas vencidas e as que se venceram entre Setembro e Dezembro;
-pelo que a requerente resolveu os 23 contratos de aluguer através de carta datada de 26/12/2012 e requereu, em Março de 2013, o decretamento de uma providência cautelar não especificada de apreensão, remoção e entrega dos 23 autocarros, que veio a ser decretada em 21/03/2013, sem audiência prévia da requerida;
-contudo, na sequência da oposição, foi decretado o levantamento da apreensão dos veículos por se ter entendido que a resolução dos contratos não teria operado validamente por a interpelação admonitória efectuada em Setembro de 2012 ter sido revogada pelas negociações encetadas posteriormente entre as partes e estar a requerente em mora quanto à avaliação dos autocarros, tendo a Relação confirmado essa decisão;
-mediante carta registada com aviso de recepção, expedida no dia 21/01/2014, procedeu a nova interpelação admonitória da requerida para o pagamento da quantia total de 1.579.659,13 € até 31/01/2014, sob pena dos contratos se terem por definitivamente incumpridos e resolvidos;
-não tendo a quantia em dívida sido liquidada até ao limite do prazo conferido para o efeito, a requerente remeteu novas comunicações à Requerida, comunicando a resolução dos contratos com efeito a 31/01/2014;
-não obstante a resolução, a requerida apenas restituiu um dos veículos e procedeu ao pagamento do valor correspondente a um mês de renda;
-a requerente está impedida de proceder a novo aluguer das viaturas ou à sua alienação e com a utilização, as viaturas depreciam-se, além de que o mero decurso do tempo determina também a sua desvalorização.

*

Sem audiência prévia da requerida foi julgado procedente o procedimento cautelar por decisão de 15/07/2014 que determinou a apreensão judicial e entrega dos referidos 22 veículos à requerente.

*

Em 03/11/2014 a requerida deduziu oposição, alegando, em síntese:

-o presente procedimento cautelar é repetição daquele que foi julgado improcedente, pelo que é inadmissível à face do disposto no nº 4 do art.º 362º do Novo Código de Processo Civil;
-é também inadmissível por ter sido instaurado na pendência do processo especial de revitalização que corre seus termos;
-apesar da denominação dos contratos assinados pelas partes, aquilo que a requerida sempre pretendeu e foi aceite pela proprietária dos veículos entregues foi a compra e venda dos mesmos com pagamento dos respectivos preços a prestações, tendo sido assinados contratos promessa de compra e venda em conjunto com os denominados contratos de aluguer sem condutor;
-face aos valores em dívida pela requerida à requerente, acordaram ambas que o pagamento seria efectuado com a entrega imediata de € 60.000,00, bem como pela compra, pela requerente à requerida, de vários veículos desta cujo valor oscilava entre € 800.000,00 e € 1.000.000,00, e cujo preço era destinado à amortização da dívida;
-a capacidade financeira da requerida para dar cumprimento às suas obrigações não está colocada em causa, não obstante encontrar-se em processo especial de revitalização, tanto mais que existem avales pessoais e letras em branco entregues pelos gerentes da requerida, para garantia de cada um dos contratos celebrados;
-a impossibilidade da requerida ter os veículos em seu poder força-a a não cumprir com os seus compromissos já assumidos, tendo de encerrar a sua actividade e tendo de indemnizar os cerca de 100 trabalhadores, sendo superior o prejuízo que para si decorre da concretização da providência, relativamente ao prejuízo para a requerente que a mesma visa acautelar.

*

Realizada a audiência final, foi proferida decisão em 01/06/2015 julgando improcedente a oposição.

*

Inconformada, apelou a requerida, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões:

«A - DAS NULIDADES DA SENTENÇA:

I. Houve omissão de pronúncia do Tribunal “a quo” quanto aos seguintes pontos:
a)De que os autocarros apreendidos efetuavam serviços de transporte de passageiros no estrangeiro);
b)Que existiam garantias pessoais dos sócios gerentes da requerida em caso de incumprimento dos contratos a favor da requerente;

II. Pelo que a decisão ser declarada NULA ao abrigo do disposto no art.º 615, n.º 1, al. d) do CPC.

B – DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:

III. Da fundamentação da sentença nada é dito quanto à valoração de alguns aspetos apontados pelas testemunhas C... e J..., que se reportam essenciais para a boa decisão da causa, sendo a sentença completamente omissa quanto as seguintes factos, havendo erro notório na apreciação da prova, pelo que devem por isso ser alterados da seguinte forma:

a)Ponto 15 da decisão interlocutória dada como provada, pelo que se impõe a alteração deste facto da seguinte forma a constar que “A requerente comunicou à requerida a sua disponibilidade, de princípio, para equacionar o que lhe era pedido, mas desde logo
condicionando tal disponibilidade à verificação do pagamento imediato de 60.000,00 €.
b)Ponto 17 da decisão interlocutória dada como provada, pelo que se impõe a sua seja dado como não provado por ausência de meios probatórios que sustentem a sua veracidade.
c)Deve ser dado como provado que «Existem garantias pessoais sobre o incumprimento dos contratos a favor da requerente sobre os sócios-gerentes» e bem assim que «Os gerentes da requerida têm capacidade financeira para pagar à requerente os montante em dívida a título de prestações de cada um dos contratos celebrados entre as partes, enquanto avalistas da requerida.»
d)De igual forma, tendo em conta a prova resultante da instrução deve ser dado como provado que «As viaturas apreendidas faziam parte de um grupo exclusivo de viaturas que efetuava transporte de passageiros internacional para o estrangeiro, pelo menos em Inglaterra, Espanha e Itália.»
e)E que «A requerida assumiu obrigações comerciais para com terceiros para o cumprimento das quais carece dos veículos a que respeitam os contratos celebrados entre as partes.»
f)E bem assim que «A prestação de serviços que fazem os veículos a que respeitam os contratos celebrados entre as partes corresponde à maior fatia da faturação da requerida.», «Com a privação dos veículos a que respeitam os contratos celebrados entre as partes, a requerida tem de encerrar portas e indemnizar cerca de 100 trabalhadores que traz ao seu serviço».

IV. Deve ser dado como não escrito o facto 26) da matéria de facto dada como indiciariamente provada, por se tratar de mero juízo de valor conclusivo.

C - DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE DIREITO:

V.Não demonstrou a requerente o periculum in mora, pois não faz prova de que o dano é dificilmente reparável, pelo que há erro na interpretação e aplicação da lei.
VI.Há erro na aplicação e interpretação da lei, na medida em que a presente providência é decretada sem sopesar os danos que advêm para ambas as partes, como é exigência neste tipo de procedimentos cautelares.
VII.O art.º 17-E, n.º 1 do CIRE não se prende somente a suspensão litígios Que tenham por objeto o cumprimento de obrigações pecuniárias mas todos aqueles em que o património do autor possa ser influenciado e cujo desfecho possa ter efeitos sobre o mesmo.
VIII.A decisão em crise violou o disposto no artº 17º-E nº 1 do CIRE sendo NULA nos termos do art.º 195, n.º1, 2.ª parte do CPC, pelo que deve revogar-se a mesma, substituindo-a por outra que atendendo à pretensão da recorrente, determine a suspensão do procedimento cautelar por aplicação do art.º 17-E nº1 do CIRE e ordenando-se a anulação de todos os atos posteriores que dela sejam dependentes, e procedendo-se ao levantamento da apreensão e entrega das viaturas à requerida.
IX.Por efeito da regra da proibição de repetição da providência, consagrada no n.º 4 do art. 381.º do CPC, não pode a parte, depois da providência cautelar ter sido julgada improcedente ou tiver caducado, requerer de novo a mesma providência, na dependência da mesma causa, ainda que baseada em factos diferentes.
X.Foi declarado em juízo que a primeira alegada resolução não operou, sendo que desde então não se alteraram as circunstâncias ou pressupostos para que a requerente venha agora, de novo apresentar nova providência.
XI.Tanto mais que, a requerente desistiu da ação definitiva proposta no âmbito da primeira providência em 4 de Fevereiro de 2014 que veio a ser homologada por sentença transitada em julgado.
XII.Pelo que, estava a requerente impedida de intentar nova providência cautelar quando a anterior foi julgada injustificada e tendo inclusivamente desistido do pedido em sede da ação definitiva.
XIII.A decisão em crise violou o disposto no artº 381º nº 4 do CPC pelo que deve revogar-se a mesma, substituindo-a por outra que atendendo à pretensão da recorrente, determine a inadmissibilidade da presente providência por repetição ordenando-se o levantamento da apreensão dos veículos e a entrega das mesmas à requerida.
XIV.A requerente desistiu do pedido formulado na ação principal interposta, entretanto homologada por sentença transitada em julgado onde pedia: A resolução dos 23 contratos de aluguer; A condenação da ré a pagar os alugueres vencidos e não pagos; A condenação à restituição dos bens locados.
XV.Com a desistência de todos os pedidos formulados pela requerente em 4-02-2014 na ação intentada contra a requerida, extinguiu-se com eficácia material e preclusiva a possibilidade de pedir a resolução dos contratos, com base na falta de pagamento das rendas e bem assim a restituição dos bens locados.
XVI.Ficando precludida a possibilidade de posterior instauração de nova ação baseada na obrigação que servira de alicerce à pretensão.
XVII.Pelo que, a providência é infundada, visto não se verificar “fumus iuris” o que deveria ter sido declarado pelo tribunal.
XVIII.A decisão em crise violou o a exceção de caso julgado material pelo que deve revogar-se a mesma, substituindo-a por outra que atendendo à pretensão da recorrente, determine a inadmissibilidade da presente providência por repetição ordenando-se o levantamento da apreensão dos veículos e a entrega das mesmas à requerida.
XIX.Resulta à evidência que todas as partes envolvidas sempre quiseram celebrar contratos de COMPRA E VENDA A PRESTAÇÕES com vista à aquisição pela requerida dos 23 autocarros e não qualquer outro contrato de aluguer sem condutor ou de locação financeira.
XX.Pelo que, mal andou a sentença ao considerar que estaríamos perante uma locação financeira, o que denota confusão com o regime.
XXI.Na venda a prestações "existe também a automaticidade do efeito translativo próprio da compra e venda a prestações com reserva de propriedade.
XXII.Os contratos de “aluguer de veículos sem condutor são CONTRATOS SIMULADOS (simulação relativa), e portanto NULOS, pois os negócios que se pretendiam fazer era contratos de compra e venda a prestações.
XXIII.Acontece porém, que a invalidade do negocio simulado (aluguer sem condutor) não implica a invalidade do negócio dissimulado (compra e venda a prestações).
XXIV.Pelo que é manifesta a falta do requisito da “probabilidade séria da «existência do direito.
XXV.A decisão em crise violou o disposto nos artsº 934º, 935º, 936º nº1, 240º nº2, 241º nº1 e 879º do c.c., o regime da locação financeira e da venda em prestações, pelo que deve revogar-se a mesma, substituindo-a por outra que atendendo à pretensão da recorrente, determine a inadmissibilidade da presente providência pela inexistência da probabilidade séria da existência do direito.
XXVI.A requerente, bem sabe que os contratos de locação operacional que invoca como causa de pedir são SIMULADOS.
XXVII.Pois, aquilo que as partes pretendiam era a venda dos referidos veículos a prestações.
XXVIII.De igual forma, bem sabia que estava em mora relativamente à avaliação dos veículos que a requerida pretendia dar em pagamento, aquando do acordo de pagamento.
XXIX.E mesmo assim, não a impediu de utilizar uma providência cautelar baseada em factos que astuciosamente criou inexistência da probabilidade séria da existência do direito.
XXX.Deve o Tribunal ad quem reapreciar a prova e, em conformidade, julgar inequivocamente que a autora atuou em abuso de direito ao resolver os contratos de locação operacional da forma como o fez, quando teve culpa na nulidade dos mesmos e bem assim no não cumprimento da obrigação de pagamento das rendas, agiu de forma não séria, desleal e em termos clamorosamente ofensivos da justiça, devendo declarar-se a ilegalidade da resolução operada e determine a inadmissibilidade da presente providência pela inexistência da probabilidade séria da existência do direito, ordenando-se o levantamento da apreensão ordenada.
XXXI.O Tribunal “A Quo” apreciou a prova de forma arbitrária, violando o direito a um processo equitativo, previsto no artigo 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 20º da CRP, quando determinou, sem sustentação legal e/ou factual, que o requerente não logrou demonstrar quais as atitudes discriminatórias e persecutórias de que foi alvo.
XXXII.Face à arbitrariedade da apreciação, deve o Tribunal ad quem reapreciar a prova e, em conformidade, julgar inequivocamente que a resposta deveria ter sido outra, considerando que a requerente não logrou provar a aparência do direito e em consequência declare a ilegalidade da resolução operada e determine a inadmissibilidade da presente providência pela inexistência da probabilidade séria da existência do direito, ordenando-se o levantamento da apreensão ordenada.

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e em consequência, revogar-se a sentença em crise, substituindo-a por outra que atendendo à pretensão da requerida, declare os vícios supra apontados e consequentemente:

1-Declare NULA a sentença por omissão de pronuncia, e da proibição de decisões surpresa, uma vez que o douto Tribunal omitiu resulta da instrução que “os autocarros apreendidos efetuavam serviços de transporte de passageiros no estrangeiro”, e bem assim, de “que existiam garantias pessoais sobre o incumprimento dos contratos a favor da requerente” pelo que valorou mal a prova, pelo que sem elas a opção tomada influiu no exame ou na decisão da causa.
2-Declare que houve erro notório na apreciação dos depoimentos das testemunhas e na apreciação da prova.
3- Declare que o Tribunal “a quo” violou o disposto no artº 17º-E do CIRE.
4- Declare que o Tribunal “a quo” violou o disposto no artº 381º nº 4 do CPC e a exceção do caso julgado material;
5- Declare que o tribunal violou o disposto nos artsº 934º, 935º, 936º nº1, 240º nº2, 241º nº1 e 879º do c.c., o regime da locação financeira e da venda em prestações,
6- Declare que a requerente atuou em abuso de direito, o que não foi apreciado pelo tribunal que consequentemente violou o disposto no artº 334º do C.C.
7- Declare que o tribunal violou o direito a um processo equitativo, previsto no artigo 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 20º da CRP.

E consequentemente,

Deve a sentença em crise ser revogada e substituída por outra, que considerando a improcedência da providência requerida decrete o levantamento da apreensão e a devolução das viaturas à requerida.
Como é de inteira e limiar Justiça!

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A requerente contra-alegou defendendo a confirmação da decisão recorrida.

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Colhidos os vistos, cumpre decidir.

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II– Questões a decidir:

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso pelo que as questões a decidir são estas:

-se a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia nos termos do art. 615º nº 1 al d) do CPC ao não dar como provados determinados factos;
-se a decisão recorrida é nula nos termos do art. 195º nº 1, 2ª parte do CPC por ter violado o disposto no art. 17º - E nº 1 do CIRE e em consequência deve ser determinada a suspensão deste procedimento cautelar com anulação de todos os actos posteriores que dela sejam dependentes e procedendo-se ao levantamento da apreensão das viaturas;
-se a decisão recorrida violou a regra de repetição de providência consagrada no nº 4 do art. 381º do CPC, devendo ser revogada e ordenado o levantamento da apreensão dos veículos e sua entrega à apelante;
-se a decisão recorrida violou a excepção do caso julgado material face à desistência dos pedidos formulados pela apelada em 04/02/2014 na acção intentada contra a apelante onde era pedida a restituição dos veículos com base em resolução dos contratos por falta de pagamento das rendas;
-se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto por erro na apreciação da prova;
-se os denominados contratos “de aluguer sem condutor” são nulos (simulação relativa) pois os negócios que se pretendiam fazer eram de contratos de compra e venda a prestações, faltando assim o requisito da “probabilidade séria da existência do direito”;
-se a apelada actuou em abuso do direito ao resolver os contratos por ter tido culpa na sua nulidade e no não cumprimento da obrigação de pagamento  das rendas, devendo declarar-se por isso a ilegalidade da resolução e ordenado o levantamento da apreensão;
- se foi violado o direito a um processo equitativo;
-se não há fundamento para o decretamento da providência cautelar por não estar demonstrada a existência de dano grave e dificilmente reparável.

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III – Fundamentação:

A) A 1ª instância deu como indiciariamente provado:

1.A Requerente é uma sociedade comercial que integra o grupo alemão M... e tem por objecto o aluguer sem condutor de veículos, incluindo pesados com peso bruto superior a 6000 kg, de passageiros ou de mercadorias, bem como de maquinaria, transporte de mercadorias por conta de outrem, gestão de frotas e ainda a sua comercialização.
2.A Requerida é uma sociedade comercial que se dedica à exploração de todas as actividades próprias autorizadas para as agências de viagens e turismo e o transporte nacional e internacional de passageiros.
3.No âmbito da sua actividade comercial, entre 2007 e 2009, a Requerente celebrou com a Requerida vinte e três Contratos de Aluguer de Autocarro de marca MAN sem Condutor, pelo prazo de 84 meses cada, com início na data da celebração, para a prestação de serviços de transportes de passageiros a terceiros:


Número do
Contrato
Data de
celebração
Matrícula
1061/2007 06-09-2007 30-EH-28
1122/2008 17-03-2008 42-FE-33
1123/2008 17-03-2008 42-FE-34
1124/2008 17-03-2008 77-FE-03
1130/2008 08-05-2008 03-FL-23
1131/2008 08-05-2008 03-FL-24
1132/2008 08-05-2008 03-FL-25
1133/2008 08-05-2008 03-FL-26
1137/2008 30-05-2008 31-FP-76
1138/2008 30-05-2008 31-FP-77
1139/2008 30-05-2008 31-FP-78
1140/2008 30-05-2008 31-FP-79
1233/2009 20-04-2009 51-HJ-51
1234/2009 20-04-2009 51-HJ-52
1235/2009 20-04-2009 51-HJ-53
1246/2009 30-04-2009 64-HM-21
1247/2009 30-04-2009 64-HM-22
1248/2009 30-04-2009 64-HM-23
1249/2009 30-04-2009 64-HM-24
1256/2009 03-06-2009 45-HQ-06
1257/2009 03-06-2009 45-HQ-07
1259/2009 19-06-2009 67-HL-63
1260/2009 19-06-2009 67-HL-64


4. No âmbito dos contratos referidos em 3. a Requerida assumiu, entre outras obrigações, a de pagar à Requerente, mensalmente e por débito directo, as rendas, nos seguintes montantes, acrescidas de IVA, calculado à taxa legal em vigor:


Número do
Contrato
Valor mensal do aluguer
1061/2007 2.634,48 €
1122/2008 2.687,42 €
1123/2008 2.687,42 €
1124/2008 2.935,92 €
1130/2008 2.989,12 €
1131/2008 2.989,12 €
1132/2008 2.989,12 €
1133/2008 2.989,12 €
1137/2008 2.989,19 €
1138/2008 2.989,19 €
1139/2008 2.989,19 €
1140/2008 2.989,19 €
1233/2009 2.794,61 €
1234/2009 2.794,61 €
1235/2009 2.794,61 €
1246/2009 2.762,39 €
1247/2009 2.794,61 €
1248/2009 2.794,61 €
1249/2009 2.794,61 €
1256/2009 2.762,39 €
1257/2009 2.762,39 €
1259/2009 2.697,00 €
1260/2009 2.697,00 €


5.No âmbito dos Contratos referidos em 3., a Requerida obrigou-se a suportar todas as despesas e encargos inerentes à utilização e circulação dos veículos e transporte de passageiros.
6.As partes convencionaram ainda que, em caso de mora no pagamento de quaisquer das quantias devidas pela Requerida, acresceriam juros de mora calculados à taxa supletiva legal em vigor para os créditos de que fossem titulares empresas comerciais.
7.Dos contratos referidos em 3. consta, além do mais, as seguintes cláusulas:

I. Condições Particulares
(…)
6ª (Cessação)

1. Em caso de cessação do presente Contrato. Independentemente dos motivos que lhe tenham dado causa, o LOCATÁRIO entregará o Veículo, na data em que ocorrer essa cessação. Nas instalações de um Distribuidor Autorizado M... ou noutra morada, se a M... assim lho indicar por escrito.
(…)

II. Condições Gerais
(…)

17ª (Resolução do Contrato):

1.Em caso de incumprimento pelo Locatário de qualquer uma das suas obrigações legais ou contratuais, a M... tem o direito de resolver o presente Contrato e de proceder à apreensão imediata do Veiculo, sem qualquer aviso prévio, sendo todos os encargos dai emergentes da responsabilidade do LOCATÁRIO.
2.Sem prejuízo dos demais casos de resolução decorrentes da lei, a M... pode resolver o presente Contrato, com efeitos imediatos, em qualquer um dos casos a seguir indicados:
a) não pagamento pelo LOCATÁRIO do valor do aluguer durante dois meses consecutivos, se este, interpelado para o efeito, não suprir a sua falta no prazo de cinco dias a contar da data de emissão daquela notificação;
(…)”.

8.A Requerente entregou à Requerida os veículos identificados em 3, de que é proprietária.
9.A Requerida passou a utilizar os veículos.
10.Em Abril de 2012, a Requerida deixou de pagar a renda dos 23 autocarros.
11.Na sequência do não cumprimento da obrigação de pagamento das rendas, a Requerente comunicou à Requerida por diversas vezes, e por vários meios, a situação de incumprimento em que a Requerida se encontrava.
12.A Requerente remeteu uma carta registada com aviso de recepção, dirigida à Requerida e por esta recebida, no dia 5 de Setembro de 2012, exigindo que o pagamento das rendas mensais em dívida bem como as notas de débito (relativas às despesas determinadas pelo cancelamento dos débitos directos) no prazo máximo de 5 dias a contar da recepção daquela carta, sob pena de a Requerente considerar o incumprimento da Requerida como definitivo.
13.Na sequência da carta referida em 12., foram encetadas, ainda em Setembro de 2012, negociações entre a Requerida e a Requerente com vista à obtenção de um acordo para pagamento das quantias em dívida.
14.No âmbito dessas negociações a Requerida propôs à Requerente, para pagamento de parte da dívida, a dação em cumprimento de alguns autocarros de que a Requerida era proprietária.
15.A Requerente comunicou à Requerida a sua disponibilidade, de princípio, para equacionar o que lhe era pedido mas desde logo condicionando tal disponibilidade à verificação do pagamento imediato de 60.000,00 € e à redução a escrito dos termos do acordo.
16.A Requerida efectuou o pagamento de 60.000,00 € e remeteu à Requerente a documentação necessária à avaliação dos autocarros cuja entrega propunha.
17.Na análise dessa documentação, a Requerente verificou que se tratava de autocarros de modelos antigos com um valor comercial reduzido.
18.A Requerente informou verbalmente a Requerida de que não tinha interesse em aceitar a entrega dos autocarros por conta da dívida.
19.A Requerente propôs à Requerida que os veículos fossem colocados à venda numa empresa do grupo e que o preço que fosse obtido seria imputado ao pagamento das rendas vencidas.
20.A Requerida recusou a proposta referida em 19.
21.Como a Requerida continuou a não pagar as rendas vencidas nem as que se venceram entre Setembro e Dezembro, a Requerente, por carta datada de 26 de Dezembro de 2012, resolveu os contratos referidos em 3.
22.A Requerida recusou a resolução dos contratos de aluguer, sustentando que a Requerente se encontrava em mora, pois havia assumido uma putativa obrigação de proceder à avaliação dos autocarros objecto da dação em cumprimento.
23.Por carta datada de Janeiro de 2013, a Requerente rejeitou os fundamentos alegados pela Requerida, na medida em que já anteriormente havia comunicado a cessação das negociações encetadas entre as partes em Setembro de 2012.
24.Por decisão de 21.03.2013, proferida no processo n.º 1622/13.5TBOER, do 1.º Juízo de Competência Cível do Tribunal Judicial de Oeiras, foi decretada, sem audição prévia da Requerida, providência cautelar comum de apreensão dos veículos identificados em 3.
25.No âmbito do procedimento cautelar referido em 24. foi apreendido apenas um dos veículos.
26.A Requerida colocou os restantes autocarros no estrangeiro.
27.Na sequência da dedução de Oposição pela Requerida, foi proferida decisão datada de 15.07.2013, confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12.12.2013 a determinar o levantamento da apreensão dos veículos, com fundamento na existência de mora da Requerente por não ter procedido à avaliação dos veículos.
28.Em Dezembro de 2013, a Requerida entregou à Requerente o veículo de matrícula 42-FE-33 e procedeu ao pagamento da quantia de 65.000,00 €.
29.A Requerente enviou à Requerida, carta registada com aviso de recepção, datada de 21.01.2014 e recebida a 27.01.2014, com o seguinte teor:

Exmos. Senhores,
Dirigimo-nos a V. Exas. Relativamente à execução dos contratos de aluguer de autocarros assinados entre a nossa e a Vossa empresa que constituem o objecto dos processos judiciais que nos opõem neste momento.
Tendo em conta que tanto a primeira e a segunda instância decidiram no âmbito do procedimento cautelar por nós instaurado ser duvidoso que os mesmos tenham cessado, encontrando-se portanto essa empresa em mera situação de mora, de que discordamos, vimos, no sentido de eliminar qualquer dúvida, fixar prazo para que V. Exas. Regularizem a dívida que têm perante esta empresa em grande parte há mais de ano e meio, e que neste momento se cifra em € 1.579.659,13 (um milhão, quinhentos e setenta e nove mil, seiscentos e cinquenta e nove euros e treze cêntimos).
Para efeito fixamos o fim deste mês (31 de Janeiro de 2014) como data limite para pagamento daquele valor.
Assim, caso até ao próximo dia 31 de Janeiro de 2014, não nos seja entregue o montante acima referido, consideraremos, pela segunda vez, os referidos contratos definitivamente incumpridos e resolvidos”.

30.Não tendo a quantia em dívida sido liquidada até ao limite do prazo conferido, a Requerente enviou à Requerida, carta datada de 3.02.2014, com o seguinte teor:

Exmos. Senhores
Na sequência da nossa carta do passado dia 21 de Janeiro de 2014 e tendo verificado que até ao dia 31 de Janeiro de 2014 não recebemos dessa empresa o valor ali indicado, vimos pela segunda vez e apenas pelo motivo já transmitido naquela carta (ou seja as dúvidas – de que discordamos – suscitadas pelas decisões judiciais proferidas no âmbito do procedimento cautelar por nós instaurado) mais uma vez resolver com efeitos imediatos e com base em incumprimento definitivo, os contratos de aluguer de autocarros assinados entre a nossa e a Vossa empresa que constituem o objecto dos processos judiciais que nos opõem neste momento.

31.Em resposta, a Requerida enviou à Requerente, que recebeu, carta datada de 17.02.2014, com o seguinte teor:

Exmos. Senhores,
Em resposta à carta que nos dirigiram datada de 03/02/2014, reiteramos o teor integral da carta que vos dirigimos no passado dia 31/01/2014, em resposta à v/correspondência de 21/04/2014, embora apenas por nós recebida em 27.01.2014, na qual pretendiam fixar prazo para a regularização da dívida que liquidaram unilateralmente, como ascendendo a € 1.579.659,13 o qual se transcreve de novo:
«Não existe nem foi declarada qualquer mora da nossa parte, pelo contrário foi sim declarado em sede de procedimento cautelar que quem está em mora é o credor ou seja, a M..., e por via disso e não só, não é por ora liquidável qualquer dívida que possa existir, ou seja, não têm Vªs Exªs o direito a peticionar o pagamento de qualquer montante, muito menos fixar prazo para o efeito.
Nesta conformidade, refutamos na integra o teor, sentido e alcance das vossas declarações ali vertidas, uma vez que não se encontra definitivamente dirimida a lide judicial que a este propósito nos opõe, a qual, de resto, foi sempre da v/iniciativa e como bem sabem, também não se encontra definitivamente declarada, a natureza dos contratos efectivamente celebrados
Face ao ora transcrito refutamos uma vez mais a v/ pretensão de pela 2.ª vez tentarem “resolver” os contratos connosco celebrados.
Advertimos ainda Vªs Exªs, de que nada lhes serve adotarem este comportamento de sistemática pretensão extrajudicial com o único intuito de obter solução do diferendo que nos opõe, quando é certo que tal, agora só é possível em sede judicial que Vªs Exªs de resto foram os primeiros a impulsionar”.

32.A Requerida não entregou os restantes veículos à Requerente.
33.Após a carta referida em 31. a Requerida deixou de responder às missivas da Requerente.
34.A Requerida apresentou um processo especial de revitalização, que corre termos no 1.º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, sob o n.º 147/14.6TYVNG.
35.A Requerente requereu a declaração de insolvência da Requerida, estando o processo suspenso em virtude do processo especial de revitalização.
36.A Requerente está impossibilitada de dispor dos veículos e de lhes dar uso, de proceder a novo aluguer ou à sua alienação.
37.A utilização e o decurso do tempo contribuem para a depreciação do valor dos veículos.
38.Os autocarros não têm sido assistidos em oficinas da rede da marca MAN.
39.A Requerente receia que os veículos sejam levados para o estrangeiro.
40.A Requerente, enquanto proprietária dos autocarros, tem vindo a ser notificada de multas por falta de pagamento de taxas de portagem ou de infracções de regras de trânsito.
41.Nas datas em que as partes assinaram cada um dos contratos referidos em 3. da decisão de 15/7/2014 a requerida assinou também com a “M... Ld.ª” um documento intitulado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, onde a referida “M...” declarou que no termo do prazo de 84 meses de cada um dos contratos respectivos tornava-se proprietária do veículo correspondente, mais declarando prometer vender à requerida, que declarou prometeu comprar à “M...”, o veículo em questão, no estado em que o mesmo se encontrasse e com a quilometragem que o mesmo tivesse à data, e pelo preço residual correspondente que deixaram estipulado nesse documento. (ponto 1) da decisão proferida em 01/06/2015) 
42.Segundo o declarado na cláusula 2ª de cada um dos referidos documentos intitulados “Contrato Promessa de Compra e Venda”.
1. A Promitente Vendedora não é, na presente data, nem proprietária, nem detentora do Veículo Usado, situação que é do integral conhecimento do Promitente Comprador. 2 Até à data da efectivação da compra e venda ora prometida o Veículo Usado será utilizado por outrem que não a Promitente Vendedora, razão pela qual esta não garante ao Promitente Comprador o estado de conservação em que o Veículo Usado se encontrará àquela data”. (ponto 2) da decisão proferida em 01/06/2015).

43.Ao assinar os contratos referidos em 3. da decisão de 15/7/2014 e os contratos acima referidos, a requerida tinha como objectivo vir a adquirir cada um dos veículos aí identificados. (ponto 3) da decisão proferida em 01/06/2015).
44.Para a requerida esse objectivo era alcançado através do pagamento das prestações mensais constantes de cada um dos contratos referidos em 3. da decisão de 15/7/2014 e pelo pagamento do preço residual de cada um dos veículos à “M...”, após o final do pagamento das prestações, obtendo como contrapartida o registo em seu nome da propriedade de cada um dos veículos. (ponto 4) da decisão proferida em 01/06/2015).
45.Ao tempo da celebração dos contratos em questão nem a requerente, nem a “M...”, reuniam condições para ser consideradas instituições de crédito ou sociedades financeiras. (ponto 5) da decisão proferida em 01/06/2015).
46.As minutas dos contratos referidos em 3. da decisão de 15/7/2014 e dos contratos acima referidos foram elaboradas pela requerente e pela “M...”. (ponto 6) da decisão proferida em 01/06/2015).
47.Com tal conjunto de contratos a requerente e a “M...” visavam formalizar a vontade concordante de ambas e da requerida, no sentido da requerida se tornar proprietária de cada um dos veículos após o pagamento das prestações mensais respectivas e do preço residual estipulado. (ponto 7) da decisão proferida em 01/06/2015).
48. Após lhe haver sido entregue cada um dos veículos objecto dos contratos a requerida passou a assegurar as despesas com a conservação e manutenção dos mesmos, bem como assegurou o pagamento dos seguros de responsabilidade civil de cada um dos veículos, mais assegurando que cada um dos veículos tinha as inspecções periódicas obrigatórias em vigor. (ponto 8) da decisão proferida em 01/06/2015).
49.Quando a requerida propôs à requerente a dação em cumprimento de alguns veículos pesados de passageiros de que era proprietária, para pagamento de parte da dívida que mantinha para com a requerente, nos termos referidos em 14. da decisão de 15/7/2014, considerou a requerida que tais veículos tinham um valor global que oscilava entre € 800.000,00 e € 1.000.000,00. (ponto 9) da decisão proferida em 01/06/2015).

*

B) Apreciando:

B) 1. Se a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia nos termos do art. 615º nº 1 al d) do CPC ao não dar como provados determinados factos.

De harmonia com o disposto no mencionado normativo, é nula a decisão quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.

Sustenta a apelante que a decisão recorrida é nula por ter omitido os seguintes factos que no seu entender resultaram provados, da instrução do processo: «os autocarros apreendidos efectuavam serviços de transporte de passageiros no estrangeiro» e «existiam garantias pessoais sobre o incumprimento dos contratos a favor da requerente.».

Porém, factos não são questões e por isso, só em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto cabe apreciar se esta deve ser modificada. Em consequência, improcede esta arguição de nulidade da sentença.

*

B) 2. Se a decisão recorrida é nula nos termos do art. 195º nº 1, 2ª parte do CPC por ter violado o disposto no art. 17º - E nº 1 do CIRE e se, em consequência, deve determinar-se a suspensão deste procedimento cautelar e o levantamento da apreensão das viaturas.

Está provado que a apelante apresentou um processo especial de revitalização, que corre termos no 1º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, facto que foi alegado na petição inicial destes autos.

Decorre ainda do alegado na petição inicial e do documento 38 junto com esse articulado, que a apelada apresentou reclamação de créditos naquele processo.

Além disso, embora a 1ª instância não o tenha feito constar na matéria de facto, resulta do depoimento de J..., inquirido na qualidade de testemunha na audiência final em 26/05/2015 e que disse ter sido nomeado administrador judicial provisório no âmbito do processo especial de revitalização, que nessa data ainda não estava homologado o plano de recuperação da apelante.

Portanto, este procedimento cautelar foi instaurado depois da nomeação de administrador judicial provisório no referido processo especial de revitalização.

O art. 17º-C do CIRE (aprovado pelo DL 53/2004 de 18/3, com as alterações introduzidas pela Lei 16/2012 de 20/04) prevê:

«1-O processo especial de revitalização inicia-se pela manifestação de vontade do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores, por meio de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquele por meio da aprovação de um plano de recuperação.
2-A declaração referida no número anterior deve ser assinada por todos os declarantes, da mesma constando a data da assinatura.
3-Munido da declaração a que se referem os números anteriores, o devedor de, de imediato, adotar os seguintes procedimentos:

a) Comunicar que pretende dar início às negociações conducentes à sua recuperação ao juiz do tribunal competente para declarar a sua insolvência, devendo este nomear, de imediato, por despacho, administrador judicial provisório (….)
(…)».

O art. 17º-E nº 1 preceitua que «A decisão a que se refere a alínea a) do nº 3 do artigo 17º-C obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja provado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.».

Por sua vez, o art. 195º nº 1 do NCPC, inserido na secção com a epígrafe «Nulidade dos actos» estabelece: «Fora dos casos previstos os artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade possa influir no exame ou na decisão da causa.».

Ora, a proibição de instauração de acções para cobrança de dívidas contra o devedor, consagrada no art. 17º-E nº 1 do CIRE constitui uma excepção dilatória inominada, pois obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância (cfr art. 576º e 577º do NCPC), nada tendo, pois, que ver com as nulidades dos actos praticados no processo previstas no art. 195º do NCPC.

Improcede, pois, esta arguição de nulidade da decisão recorrida.

Mas o juiz deve conhecer oficiosamente dessa excepção dilatória (cfr art. 578º do NCPC), sendo certo que a 1ª instância emitiu pronúncia sobre esta questão nos seguintes termos (cfr fls. 620 destes autos):

«Do Processo Especial de Revitalização:

No Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia encontra-se a correr termos sob o nº 147/14.6TYVNG, processo especial de revitalização em que é Requerente a ora Requerida.

Estabelece o nº 1 do art. 17º-E do CIRE (…).

No caso vertente, a Requerente não pretende a cobrança de qualquer dívida, mas apenas a entrega dos veículos objecto do contrato de aluguer e que o contrato foi resolvido em data anterior à instauração do processo especial de revitalização, pelo que os presentes autos não se encontram abrangidos pelo referido preceito legal.».

Mostra-se correcta a apreciação feita pela 1ª instância. Na verdade, estando alegado na petição inicial destes autos que a ora apelada é a proprietária dos veículos e tendo apenas requerido a sua apreensão porque alegadamente procedeu à resolução dos alegados contratos de locação celebrados com a apelante, nenhuma dívida pretende cobrar com este procedimento cautelar.

Embora não seja de excluir que a apreensão dos veículos e inerente impossibilidade de dispor deles no exercício da sua actividade possa ter repercussões na facturação da apelante, tal consequência não se enquadra na previsão do art. 17º -E nº 1 do CIRE.

Conclui-se assim que a pendência do processo especial de revitalização não obsta à instauração e prosseguimento deste procedimento cautelar.

*

B)3. Se a decisão recorrida violou a regra de repetição de providência consagrada no nº 4 do art. 381º do CPC, devendo ser revogada e ordenado o levantamento da apreensão dos veículos e sua entrega à apelante.

A 1ª instância pronunciou-se sobre esta questão termos seguintes (cfr fls. 619/620 destes autos):

«Compulsados os autos verifica-se que correu termos no 1º Juízo de Competência Cível do Tribunal de Oeiras, o procedimento cautelar comum nº 1622/13.5TBOER, em que as partes foram as mesmas dos presentes autos e em que foi requerida a apreensão dos mesmos veículos. Verifica-se ainda que, na sequência da oposição deduzida pela Requerida, foi determinado o levantamento da apreensão dos veículos.

Estabelece o art. 362º nº 4 do Código de Processo Civil que “não é admissível, na pendência da mesma causa, a repetição de providência que haja sido julgado injustificada ou tenha caducado.

Entendemos, na esteira de Joel Timóteo Ramos Pereira, que “esta proibição circunscreve-se à situação em que a causa de pedir e o pedido sejam os mesmos do procedimento primeiramente julgado improcedente ou caduco, não estando o requerente impedido de deduzir outro procedimento (com distinta natureza) ou o mesmo procedimento, mas peticionando diversa providência (pedido diferente ou com alegação de novos factos, supervenientes”) - in Prontuário e Formulários e Trâmites, Volume II, Procedimentos e Medidas Cautelares (com incidentes conexos), 2ª Edição, Quid Iuris, pág. 39).

No caso vertente, entendemos que, apesar das partes serem as mesmas e o pedido idêntico não estamos perante a mesma causa. Com efeito, sendo certo que estão em causa os mesmos contratos, o procedimento funda-se em factos distintos supervenientes. Na verdade, a Requerente vem invocar, além do mais, o incumprimento da obrigação de pagamento das rendas no período entre Dezembro de 2012 e Janeiro de 2014 e a resolução do contrato ocorrida em Janeiro de 2014, factos que não foram apreciados no procedimento anterior (por serem supervenientes). Acresce que, o fundamento que levou ao levantamento da apreensão não é, atento o alegado pela Requerente, aplicável aos novos factos.

Em face do exposto, entendemos que não se verifica a repetição da providência.».

Vejamos.

O art. 362º nº 4 do NCPC estatui: «Não é admissível, na dependência da mesma causa, a repetição de providência que haja sido julgado injustificada ou tenha caducado».

Como decorre dos pontos 21, 24 e 27 da matéria de facto, na sequência da oposição deduzida pela ora apelante no âmbito do procedimento cautelar anteriormente requerido pela ora apelada, foi proferida decisão em 15/07/2013 confirmada por acórdão desta Relação de 12/12/2013, determinando o levantamento da apreensão dos veículos. Nesse acórdão lê-se, além do mais (cfr fls. 307 a 311 dos presentes autos):

«(…) resultaram indiciariamente provados os seguintes factos:

53– A R. não pagou à A. os alugueres referentes aos meses de Abril a Novembro de 2012 – relativamente aos “contratos de aluguer supra”.
(…)

58– Em 11 de Outubro de 2012 a A aceitou receber, e recebeu da R. 60.000 e (fls 451) para pagamento de alugueres vencidos.
59– Em 12 de Outubro de 2012 a R. enviou “a A. um dossier” com listagem e fotografias de 19 autocarros (fls …), para a A. avaliar o seu valor – que seria imputado no valor dos alugueres em dívida, com a entrega dos veículos (fls …).
60– A A. não avaliou os veículos supra, não comprou à R. qualquer dos 19 autocarros, e não reduziu o acordo a escrito.
61– Em 26 de dezembro de 2012 a A. enviou à R. a carta junta a fls. 147 a 149 (…) – onde se lê: “lamentavelmente, a V... Lda não procedeu ao pagamento da totalidade dos alugueres mensais vencidos e em dívida referente aos meses de Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro e Novembro de 2012, no prazo suplementar (…)… Assim, e na sequência da carta que vis foi enviada no passado dia 5 de Setembro de 2012, a M... LDA vem por este meio resolver, com efeitos imediatos, a partir da recepção desta carta, o(s) Contrato de Aluguer de Veículo Automóvel de Mercadorias Sem Condutor/Locação Operacional indicados no quadro em anexo (…) com fundamento no vosso incumprimento definitivo e culposo, da obrigação de pagamento dos alugueres mensais acima identificados (…)
(…)

IV - O direito:

2.(…) a R. não pagou à A. os alugueres referentes aos meses de Abril a Novembro de 2012, assim se constituindo em mora.

Na carta de 5 de Setembro de 2012 junta a fls. 145/146 pode ler-se: “ Assim, vimos por este meio notificar-vos de que deverão pagar os alugueres mensais em dívida (…) no montante global de € 319.733,95, no prazo máximo de cinco dias a contra da recepção desta carta, sob pena de considerarmos o vosso incumprimento como definitivo e, por esse motivo, nos vermos forçados a resolver os) contrato(s) de aluguer acima identificado(s).

Em 24 do mesmo mês, a R. enviou à A. a carta junta a fls. 446 a 448 da qual consta designadamente; (...)
(…)

3.A ora apelada diz que apenas recebeu a carta datada de 5 de Setembro no dia 19 do mesmo mês: Se tivesse sido recebida nesta data não teria decorrido o prazo de 5 dias concedido pela requerente à requerida para, não pagando as rendas em dívida, proceder à resolução do contrato. Mas competia à requerente provar a data da recepção, sendo insuficiente a prova do envio.

Independentemente disso, parece-nos não ter a apelante razão quanto ao seu alegado direito, com o fundamento de ter resolvido validamente os contratos.

É que, mesmo admitindo-se que a requerida entrou em incumprimento definitivo naquela data, a verdade é que posteriormente foi feito um novo acordo para pôr termo extrajudicialmente ao litígio que as opunha. E a resolução dos contratos só foi feita em data posterior a este acordo.
(…)

Ora, a requerente recebeu 60.00,00 euros para pagamento de alguns alugueres vencidos; em 12 de Outubro de 2012 a R. enviou à A. um “dossier” com listagem e fotografias de 19 autocarros, para a requerente os poder avaliar – cujo montante seria imputado no valor dos alugueres em dívida, com a entrega dos veículos; todavia a requerente não avaliou os veículos, não comprou qualquer dos 19 autocarros e não reduziu o acordo a escrito.

Assim, ao contrário do que diz a apelante, foi feito um novo acordo. (…) Por isso, consideramos que, embora a requerida se tenha inicialmente constituído em mora, a requerente não podia, após este acordo, resolver os contratos com esse fundamento.
(…)».

O presente procedimento cautelar comum foi instaurado em 07/07/2014.

Vem alegado na petição inicial, além do mais: desde Abril de 2012 que a ora apelante, à excepção de um ou outro pagamento pontual, deixou de pagar as rendas devidas previstas nos contratos; perante o referido acórdão da Relação de Lisboa procedeu a ora apelada a nova interpelação admonitória mediante carta registada com aviso de recepção, expedida em 21/01/2014 para o pagamento da quantia total em dívida – 1.579.659,13 € - até 31/10/2014, sob pena de se terem os contratos por definitivamente incumpridos e resolvidos; findo esse prazo, como não foi paga a quantia em divida, a apelada remeteu novas comunicações à apelante comunicando a resolução dos contratos.

Portanto, a instauração deste procedimento cautelar tem como fundamento uma nova comunicação de resolução dos contratos justificada pela apelada não só na alegada dívida da apelante já considerada no anterior procedimento cautelar – ou seja, até Novembro de 2012 - mas também na alegada dívida constituída posteriormente.

Assim, como a alegada dívida referente a rendas vencidas desde Dezembro de 2012 até Janeiro de 2014 e a nova comunicação de resolução dos contratos são factos supervenientes e que por isso não foram apreciados no procedimento anterior, temos de concluir que não se mostra violada a proibição consagrada no nº 4 do art. 382º do NCPC.

*

B)4. Se a decisão recorrida violou a excepção do caso julgado material face à desistência dos pedidos formulados pela ora apelada apresentada em 04/02/2014 na acção intentada contra a ora apelante em que era pedida a restituição dos veículos com base na resolução dos contratos por falta de pagamento das rendas.

Na oposição deduzida nestes autos alegou a apelante que a apelada «omitiu a este Tribunal que desistiu da ação definitiva proposta no âmbito da primeira providência, onde se discutia entre outras coisas, a própria natureza dos contratos aqui em questão e a mora da Requerente, como se vê do documento 1 já junto».

Nesse doc. 1, de fls. 783, não impugnado, dirigido ao Proc. 3762/13.1TBOER do 4º juízo de competência cível do tribunal judicial de Oeiras em 04/02/2014 lê-se: «M... LDA, Autora nos autos acima identificados, onde é Ré V.T. – Viagens e Turismo Lda, vem, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 277º, alínea d), artigo 283º, nº 1 e artigo 286º, nº 2, primeira parte do Código de Processo Civil, desistir de todos os pedidos formulados nos presentes autos.».

Não consta nestes autos a petição inicial apresentada no aludido processo nem a decisão que incidiu sobre a desistência dos pedidos.

No entanto, na contra-alegação desta apelação, diz a apelada que «Na primeira ação intentada na sequência da providência cautelar, a ora Recorrida peticionou a restituição dos autocarros, sua propriedade, como consequência das resoluções contratuais operadas em 26 de Dezembro de 2012 – baseadas no não pagamento das rendas até 26 de Dezembro de 2012 -, sendo que foi desse pedido e dessa causa de pedir que a Recorrida desistiu em 2014.

Já na acção principal que venha a ser intentada na sequência do presente procedimento cautelar, a Recorrida irá pedir a restituição dos autocarros como consequência das resoluções contratuais operadas em 3 de Fevereiro de 2014 – baseadas no não pagamento das rendas até 3 de Fevereiro de 2014 – o que não interfere no raio de abrangência do caso julgado material da sentença de homologação da desistência na acção declarativa em 2014».

A excepção do caso julgado pressupõe a repetição de uma primeira causa decidida por sentença que já não admite recurso ordinário e tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior (cfr art. 580º do NCPC).

O art. 285º nº 1 do NCPC prescreve que «A desistência do pedido extingue o direito que se pretendia fazer valer.».

Não decorre dos elementos trazidos a estes autos que a desistência dos pedidos formulados no Proc. 3762/13.1TBOER abranja o pedido de restituição dos veículos com fundamento na resolução dos contratos alegadamente operada no ano de 2014.

Em consequência, improcede a excepção dilatória do caso julgado.

*

B)5. Se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto por erro na apreciação da prova.
Sustenta a apelante que o ponto 15 da decisão sobre a matéria de facto, deve ser alterado, passando a ter a seguinte redacção:

«A requerente comunicou à requerida a sua disponibilidade, de princípio, para equacionar o que lhe era pedido, mas desde logo condicionando tal disponibilidade à verificação do pagamento imediato de 60.000,00 €» - eliminando-se assim a expressão «e a redução a escrito dos termos do acordo».

Invoca a apelante o doc. 27 junto com a petição inicial e diz que a prova testemunhal arrolada pela apelada não prova que o acordo estava condicionado à redução a escrito dos seus termos.

No ponto 14. da matéria de facto dada como indiciariamente provada consta – e não é impugnado - que «No âmbito dessas negociações a requerida propôs à Requerente, para pagamento de parte da dívida, a dação em cumprimento de alguns autocarros de que a requerida era proprietária».

No art. 37º da petição inicial a apelada alegou que comunicou à apelante a sua disponibilidade de princípio para equacionar o que lhe era pedido mas desde logo condicionando tal disponibilidade à verificação de duas condições cumulativas conforme documento 27 de fls. 250.

Ora, a resposta da apelante à proposta apresentada pela apelada está concretizada no documento 27, pelo que face à divergência das partes quanto à sua interpretação, deve ser reproduzido o seu texto, alterando-se, em consequência a redacção do ponto 15., passando a ser a seguinte:

«A requerente comunicou à requerida:
«Bom dia M...
Conforme conversa telefónica ontem, venho também por este meio informar que a M... está receptiva a aceitar o proposto, ressalvando apenas a urgência do envio do DUA + KM + Fotografias de cada autocarro para avaliação urgente.
Como também informei, o acordo fica dependente da entrega imediata do cheque de 60 mil € para dia 18 de Outubro de 2012, ainda hoje.
Por último, procederemos a redução a escrito do presente acordo após a avaliação dos autocarros.
Aguardo contacto referente ao 3º parágrafo».

*

Sustenta a apelante que deve ser dada como não provada a matéria de facto constante do ponto 17, por ausência de meios probatórios que sustentem a sua veracidade.

No ponto 17 consta: «Na análise dessa documentação, a requerente verificou que se tratava de autocarros de modelos antigos com um valor comercial reduzido».

A testemunha A... disse que eram autocarros muito velhos, que não tinham qualquer interesse, com 15, 16 ou 17 anos, mas não esclareceu quais os modelos e valores; a testemunha J... disse que pelas fotografias vê-se que eram autocarros velhos, igualmente não concretizando os modelos, anos de fabrico e valores. Assim, e porque é conclusiva a afirmação de que os autocarros eram de modelos antigos e com valor comercial reduzido, elimina-se da matéria de facto o ponto 17.

*

Sustenta a apelante que deve ser dado como provado que «Existem garantias pessoais sobre o incumprimento dos contratos a favor da requerente sobre os sócios-gerentes» e bem assim que «Os gerentes da requerida têm capacidade financeira para pagar à requerente os montantes em dívida a título de prestações de cada um dos contratos celebrados entre as partes, enquanto avalistas da requerida».

A 1ª instância considerou não provado que «Os gerentes da requerida têm capacidade financeira para pagar à requerente os montantes em dívida a título de prestações de cada um dos contratos celebrados entre as partes, enquanto avalistas da requerida».

Vejamos.

Nenhuma testemunha mostrou conhecimento sobre quais as garantias prestadas e qual a situação financeira dos gerentes da requerida.

No entanto, importa ter em consideração o que se passa a expor.

Nos art. 116º e 117º da oposição, vem alegado, respectivamente:

«A Requerente não provou que a Requerida, pese embora encontrar-se em PER cuja homologação só ainda não se concretizou face à sua postura, não tem capacidade financeira para a ressarcir, na eventualidade desta, na acção definitiva subsequente à presente providência, vir a ser condenada a pagar-lhe os montantes que peticiona, quer a título de rendas, indemnização e/ou penalidades no que aliás, em nada se concede.»;
«Tanto mais que existem avais pessoais e letras em branco dados pelos gerentes da Requerida que garantem cada um dos contratos celebrados».

No art. 146º da resposta à oposição vem alegado:

«Não é relevante o alegado pela requerida no artigo 116º da sua Oposição, pois o fim da presente providência cautelar e da subsequente acção principal é a entrega dos autocarros pela Requerida à Requerente e não o pagamento de quaisquer montantes em dívida, esses sim, presentemente negociados no âmbito do PER e garantidos por letras em branco avalizadas».

Na cláusula 7ª das «Condições Particulares» de cada «Contrato de aluguer de autocarro sem condutor» lê-se:

«Na presente data, o Locatário entrega à M... uma letra por si aceite e com aval a favor do aceitante prestado pelos respectivos sócios e/ou outras pessoas, de acordo com o solicitado pela M..., bem como a respectiva autorização por escrito para preenchimento dessa letra»:

Assim, adita-se à matéria de facto indiciariamente provada o seguinte ponto:
«50) Aquando da celebração dos contratos referidos em 3., a Requerida entregou à Requerente letras em branco por si aceites e com avales a favor da aceitante prestados pelos seus gerentes, de acordo com o solicitado pela Requerente, bem como as respectivas autorizações por escrito para preenchimento dessas letras.».

No mais, improcede a pretensão da apelante.

*

Sustenta a apelante que deve ser dado como provado que «As viaturas apreendidas faziam parte de um grupo exclusivo de viaturas que efectuava transporte de passageiros internacional para o estrangeiro, pelo menos em Inglaterra, Espanha e Itália».

Resulta do depoimento da testemunha arrolada pela apelada, R..., que a apelante efectuava transporte de passageiros com as viaturas apreendidas em Portugal mas também em Espanha e Inglaterra; e a testemunha C..., arrolada pela apelante e seu consultor financeiro disse que os veículos faziam principalmente serviço internacional.

Assim, ao abrigo do disposto no art. 5º nº 2 al a) do NCPC, por constituir facto instrumental para aferir da importância dos veículos para o exercício da actividade da apelante, adita-se à matéria de facto indiciariamente provada o seguinte ponto:
«51)As viaturas apreendidas efectuavam transporte de passageiros em Portugal, Espanha e Inglaterra».

*

Sustenta a apelante que deve ser dado como provado que «A requerida assumiu obrigações comerciais para com terceiros para o cumprimento das quais carece dos veículos a que respeitam os contratos celebrados entre as partes».

Porém, trata-se de matéria conclusiva, pelo que improcede necessariamente esta pretensão da apelante.

*

Sustenta a apelante que deve ser dado como provado que «A prestação de serviços que fazem os veículos a que respeitam os contratos celebrados entre as partes corresponde à maior fatia da facturação da requerida».

Trata-se também de matéria conclusiva, pelo que improcede esta pretensão da apelante.

*

Sustenta a apelante que deve ser dado como provado que «Com a privação dos veículos a que respeitam os contratos celebrados entre as partes, a requerida tem de encerrar portas e indemnizar cerca de 100 trabalhadores que traz ao seu serviço».

A testemunha J..., que se identificou como economista e administrador judicial provisório no processo especial de revitalização da apelante, disse que nas contas que foram feitas para viabilizar o plano de revitalização foram considerados os veículos apreendidos e que não tendo esses autocarros a empresa não tem outro caminho se não a insolvência; mas além de ter dito que o plano ainda não foi homologado, não concretizou que contratos a apelante tem ou previsivelmente irá ter para os quais seja necessário dispor de todos os veículos apreendidos.

Assim, improcede também esta pretensão da apelante.

*

Sustenta a apelante que deve ser dado como não escrito o ponto 26 da matéria de facto dizendo que se trata de juízo de valor conclusivo, pois o vocábulo “colocar” sugere que houve um reposicionamento, uma relocalização dos veículos, num claro intuito de indicar que houve interesse da requerida em retirá-los do país.

Porém, «colocar» os veículos no estrangeiro é um facto e não uma conclusão. Além disso, está dado como indiciariamente provado que «50) As viaturas apreendidas efectuavam transporte de passageiros em Portugal, Espanha e Inglaterra».

Nestes termos, improcede esta pretensão da apelante.

*

C)Apreciemos agora se os denominados contratos “de aluguer sem condutor” são nulos (simulação relativa) pois os negócios que se pretendiam fazer eram contratos de compra e venda a prestações, faltando assim o requisito da “probabilidade séria da existência do direito”.

Alega a apelante que a vendedora dos veículos e a apelada pertencem ao mesmo grupo empresarial e não tinham autorização para efectuar operações de natureza estritamente financeira, o que a apelante não sabia quando celebrou os contratos com a apelada, não podendo esta financiar aquisições a crédito e que a denominação dos contratos como de «aluguer de autocarro sem condutor» nunca correspondeu à vontade real das partes, pois todas as partes envolvidas sempre quiseram celebrar contratos de compra e venda a prestações, tendo havido simulação relativa, pois o que se pretendia era a transmissão da propriedade dos veículos para a apelante e, sendo assim, a falta de pagamento do preço não legitima o vendedor a resolver o contrato, salvo convenção em contrário; conclui que a decisão recorrida ao considerar que se está perante contratos de locação financeira violou o disposto nos art. 934º, 935º, 936º nº 1, 240º nº 2, 241º nº 1 e 879º do Código Civil, o regime da locação financeira e o da venda a prestações.

Dispõe o art. 240º do Código Civil:

«1. Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.
2. O negócio simulado é nulo».

Mas dos factos indiciariamente provados não decorre que tenha havido qualquer acordo entre a apelante e a apelada com o intuito de enganar terceiros ao celebrarem os contratos denominados «Contrato de aluguer de autocarro sem condutor» e de que sob essa denominação quiseram realizar, na realidade, contratos de compra e venda.

Aliás, no ponto 8. da matéria de facto indiciariamente dada como provada consta, sem que venha impugnado nesta apelação: «A Requerente entregou à requerida os veículos identificados em 3, de que é proprietária» e a apelante não invoca, sequer que se tratou de compra e venda com reserva de propriedade.

Note-se, ainda, que a apelante sustenta que «após o pagamento da última prestação a requerida pagaria um valor residual à M... que deveria vender definitivamente o veículo», o que é contraditório com a afirmação de que comprou os veículos a prestações.

De salientar, também, que a M... não é parte nos denominados «Contrato de aluguer sem condutor» nem resulta dos factos indiciariamente provados que seja a proprietária dos veículos.

Veja-se que nos contratos-promessa de compra e venda consta que «A Promitente vendedora será em (…) proprietária do veículo (…), «A promitente Vendedora não é, na presente data, nem proprietária, nem detentora do Veículo Usado, situação que é do integral conhecimento do Promitente Vendedor», que «Até à data da efectivação da compra e venda ora prometida, o Veículo Usado será utilizado por outrem que não a Promitente Vendedora, razão pela qual esta não garante ao Promitente Comprador o estado de conservação em que o Veículo Usado se encontrará naquela data» e que «Na eventualidade de o objecto do presente contrato ser impossível, por facto não imputável à Promitente Vendedora, a obrigação de compra e venda ora prometida extingue-se, ficando ambas as partes desoneradas da obrigação da respectiva efectivação, nada sendo, por este facto, devido pelas partes uma à outra».

Ora, a apelante não veio arguir que os contratos promessa são simulados, apesar de alegar «uma relação trilateral entre o fornecedor (M...), o financiador (M...) que as adquiriu e de forma simulada, sob a designação de “aluguer sem condutor” as entregou à requerida, quando o que todos pretenderam foi, a requerente e a M... darem a posse à requerida e esta por sua vez, toma-la como compradora e verdadeira proprietária dos mesmos» (cfr ponto 350 da alegação recursiva).

Assim, apesar de estar expresso no ponto 47) que «Com tal conjunto de contratos a requerente e a “M...” visavam formalizar a vontade concordante de ambas e da requerida, no sentido da requerida se tornar proprietária de cada um dos veículos após o pagamento das prestações mensais respectivas e do preço residual estipulado», nenhum facto nos permite concluir que a apelada ou a M... transmitiram a propriedade dos veículos para a apelante.

Em suma, está indiciariamente demonstrado que a apelada é a proprietária dos veículos e que não foi esta quem se obrigou a vender os veículos à apelante, não tendo suporte factual a alegada simulação, pelo que a decisão recorrida não violou o disposto nos art. 934º, 935º, 936º, 240º nº 2, 241º nº 1 e 879º do Código Civil.

Porém, não acompanhamos a decisão recorrida ao considerar que o relacionamento contratual das partes corresponde à celebração de contratos de locação financeira.

Na verdade, o art. 1º do DL 149/95 de 24/6 estatui: «Locação financeira é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra, o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados».

Ora, no caso concreto, nos denominados Contrato de aluguer sem condutor» não foi convencionado que a apelante poderia comprar à apelada os veículos; foram celebrados, sim, contratos promessa de compra e venda entre a apelante e a M..., e não há impedimento legal para a promessa de venda de bens alheios.

Portanto, do conjunto da factualidade apurada verifica-se que ao abrigo do princípio da liberdade contratual consagrado no art. 405º do Código Civil, apelante e apelada celebraram contratos de locação, nos termos dos quais aquela se obrigou a pagar alugueres mensalmente e em que se clausulou que «1.Em caso de incumprimento pelo Locatário de qualquer uma das obrigações legais ou contratuais, a M... tem o direito de resolver o presente Contrato (…)

2. Sem prejuízo dos demais casos de resolução decorrentes da lei, a M... pode resolver o presente Contrato, com efeitos imediatos, em qualquer dos casos a seguir indicados:

a) não pagamento pelo Locatário do valor do aluguer durante dois meses consecutivos, se este, interpelado para o efeito, não suprir a sua falta no prazo de cinco dias a contar da data de emissão daquela notificação;
(…)».

Assim, e atendendo ao disposto nos art. 1047º e 1048º do Código Civil, está indiciariamente demonstrado que a apelante tinha o direito de proceder extrajudicialmente, como procedeu, à resolução extrajudicial dos contratos face ao não pagamento dos alugueres vencidos desde Dezembro de 2012.

Coloca-se então a questão do alegado abuso do direito, o que será apreciado de seguida.

*

D) Do alegado abuso do direito:

Segundo a apelante, bem sabe a apelada que os contratos de locação operacional que invoca são simulados, pois o que as partes pretendiam era a venda dos veículos a prestações, além de que sabia que estava em mora relativamente à avaliação dos veículos que a apelante pretendia dar em pagamento aquando do acordo de pagamento, havendo por isso abuso do direito por manifesto desequilíbrio no exercício do direito de resolução dos contratos, quando também ela, credora, está em mora.

Porém, resulta do já exposto, que os contratos não são simulados.

Por outro lado, não decorre da factualidade indiciariamente provada nestes autos e no procedimento cautelar anterior que tenha havido qualquer acordo de pagamento relativamente a alugueres vincendos, ou seja, aos alugueres vencidos desde Dezembro de 2012, pelo que não tem suporte factual a alegação de que a apelada contribuiu para o incumprimento da apelante quanto a tais alugueres.

Também não tem suporte nos factos indiciariamente provados a alegação de que a resolução dos contratos e a apreensão dos veículos pode levar à insolvência da apelante e que por esta razão é desequilibrado o exercício daquele direito.

Concluindo, não se mostra que a conduta da apelada, ao declarar resolvidos os contratos de locação e ao requerer a apreensão dos veículos, configure abuso do direito nos termos do art. 334º do Código Civil.

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E) Se foi violado o direito a um processo equitativo.

Segundo a apelante o tribunal a quo apreciou a prova de forma arbitrária e, sem qualquer fundamentação ou sustentação, não considerou que os contratos de locação operacional são nulos por simulação e que existem, sim, contratos de compra e venda a prestações, violando o direito a um processo equitativo previsto no art. 6º nº 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no art. 20º da Constituição da República Portuguesa.

Mas a 1ª instância analisou criticamente as provas apresentadas por ambas as partes, fundamentou a decisão de facto segundo a sua livre convicção e procedeu ao enquadramento jurídico dos factos, concluindo pela decisão final, após o que a apelante teve a possibilidade de interpor recurso, como fez, para manifestar a sua discordância perante a 2ª instância. Portanto, as garantias de defesa da apelante não foram postergadas, não tendo sido violado o direito a um processo equitativo.

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F)Se não há fundamento para o decretamento da providência cautelar por não estar demonstrada a existência de dano grave e dificilmente reparável.

Com este procedimento cautelar pretende a apelada assegurar o seu direito de propriedade sobre os veículos, sendo certo que o art. 1305º do Código Civil estabelece que «O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas», e o art. 1311º nº 2 prevê que «Havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei».

Por sua vez, o art. 362º nº 1 do NCPC dispõe que «Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado» e o art. 368º diz-nos que «A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão.».

Está indiciariamente provado: «Após lhe haver sido entregue cada um dos veículos objecto dos contratos a requerida passou a assegurar a conservação e manutenção dos mesmos, bem como assegurou o pagamento dos seguros de responsabilidade civil de cada um dos veículos, mais assegurando que cada um dos veículos tinha as inspecções periódicas em vigor», «Os autocarros não têm sido assistidos em oficinas da rede da marca MAN», «A Requerente está impossibilitada de dispor dos veículos e de lhes dar uso, de proceder a novo aluguer ou à sua alienação», «A utilização e o decurso do tempo contribuem para a depreciação do valor dos veículos.», «A Requerida apresentou um processo especial de revitalização, que corre termos (…)».

Na decisão recorrida proferida em 01/06/2015 lê-se, além do mais:

«Quanto à existência de fundado receio de prejuízo grave e irreparável do direito da requerente, e como já ficou dito na decisão de 15/07/2014, assenta o mesmo na consideração da lesão do direito de propriedade da requerente sobre cada um dos veículos, que lhe permite poder dispor livremente de cada um deles, e na possibilidade desse poder de disposição não mais ser exercido, em razão do descaminho que os veículos poderão sofrer, se estiverem em poder da requerida, para além da desvalorização que vão sofrendo em cada dia que passa, o que corresponde a uma diminuição inaceitável do activo da requerente.

E a matéria de facto provada não afasta as considerações já anteriormente efectuadas, sobre a verificação desse fundado receio, em razão dos factos então demonstrados e que não resultam infirmados, nos termos acima referidos.

Do mesmo modo se podendo afirmar que a matéria de facto ora provada não afasta a verificação da superioridade do prejuízo que decorre para a requerente em face do dano previsível para a requerida. Com efeito, nenhum dano para a requerida está demonstrado que possa ser considerado como tendo valor superior ao do direito de propriedade da requerente que se mostra violado, e que carece de protecção própria deste procedimento cautelar.».

Vejamos.

Da factualidade indiciariamente provada decorre que é fundado o receio da apelada de que a apelante não disponha de meios para a ressarcir pelos prejuízos decorrentes de extravio, danificação ou destruição dos veículos, pois se estivesse em boa situação económico-financeira não teria apresentado um processo especial de revitalização.

Mas está indiciariamente provado – conforme aditamento efectuado neste acórdão à matéria de facto – que «50) Aquando da celebração dos contratos referidos em 3., a Requerida entregou à Requerente letras em branco por si aceites e com avales a favor da aceitante prestados pelos seus gerentes de acordo com o solicitado pela Requerente, bem como as respectivas autorizações por escrito para preenchimento dessas letras.».

Ora, não estando nos autos os documentos que contém as autorizações para preenchimento dessas letras em branco, não podemos afirmar que as letras não garantem o risco de danificação, destruição ou depreciação dos veículos.

Além disso, apesar de não se ter provado que os avalistas têm capacidade financeira para indemnizar a apelada, também o contrário não se provou.

Acresce que na cláusula 8ª das condições particulares de cada um dos contratos de aluguer consta:

«1. O Locatário compromete-se, nos termos estipulados no nº 1 da cláusula 11ª das Condições Gerais, a efectuar contrato de seguro de Responsabilidade Civil e de Danos Próprios e a mantê-lo em vigor, pagando os respectivos prémios, durante a vigência do presente Contrato indicando como beneficiária a M....
2. A celebração do ou dos contratos de seguro e todos os encargos resultantes dos mesmos serão da responsabilidade do Locatário, o qual se compromete a indicar como beneficiária a M....
(…)

4. As apólices de seguros referidas no número 1 da presente cláusula deverão mencionar expressamente:

a)Que o Veículo é propriedade exclusiva da Beneficiária;
b)Que ocorrendo um sinistro, seja qual for a natureza deste, toda e qualquer indemnização deverá ser paga pela Seguradora directamente à Beneficiária;
c)Que à Beneficiária assiste o direito de participar sinistros e ao accionamento do seguro em causa;
d)Que as apólices não podem ser alteradas, suspensas ou anuladas sem prévio conhecimento e autorização da Beneficiária;
e)Que a Seguradora renuncia a qualquer acção ou direito de regresso contra a Beneficiária.
(…)».

Quanto ao nº 1 da cláusula 11ª das Condições Gerais, prevê:

«Durante a vigência do presente Contrato, o Veículo deverá ser objecto de seguro, a cargo do Locatário, com as coberturas de responsabilidade Civil por danos causados a terceiros, com um capital seguro no valor de € 50.000.000,00, e de Danos Próprios, incluindo Choque, Colisão, Capotamento e Quebra isolada de Vidros, Incêndio, Raio e Explosão, Furto ou Roubo, Actos de Vandalismo e Fenómenos da Natureza, sem franquias nem restrições, pelo valor de reposição total do veículo.».

Não está indiciariamente provado – e nem sequer alegou a apelada - que os contratos de seguro não foram celebrados ou que já não estão em vigor por falta de pagamento dos prémios ou por qualquer outra razão.

Conclui-se, assim, que não está demonstrado o fundado receio de que seja causada lesão grave e dificilmente reparável ao direito da apelada, o que importa a improcedência deste procedimento cautelar.

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IV – Decisão:

Pelo exposto, julga-se procedente a apelação e revogando-se a providência decretada, ordena-se a imediata restituição dos veículos à apelante.
Custas pela apelada.


Lisboa, 22 de Outubro de 2015


Anabela Calafate
Regina Almeida                                  
Maria Manuela Gomes
Decisão Texto Integral: