Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9668/06-2
Relator: EZAGÜY MARTINS
Descritores: DIVÓRCIO LITIGIOSO
DEVER DE COOPERAÇÃO E ASSISTÊNCIA CONJUGAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/15/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I- Na obrigação de socorro e auxílio mútuos, que integra o dever conjugal de cooperação, cabem especialmente os cuidados exigidos pela vida e saúde de cada um dos cônjuges. II- Em acção de divórcio poderá, em certos casos, o cônjuge autor limitar-se à alegação e prova da violação dos deveres conjugais que invocou, integrando essa violação nas circunstâncias “intrínsecas” que, como seus elementos “constitutivos”, permitam identificá-la ou individualizá-la; em muitos casos não se lhe tornará necessário alegar também circunstâncias “extrínsecas”, concomitantes da violação cometida, pois a violação objectiva dos deveres conjugais, integrada naquelas circunstâncias, já fará presumir, ela própria, de acordo com as regras da experiência, que o cônjuge réu procedeu com culpa.
(E.M)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: 26
Acordam na 2ª Secção (cível) deste Tribunal da Relação

I- A intentou acção com processo especial de divórcio litigioso, contra J, pedindo seja decretado o divórcio entre A. e Ré, julgando-se esta como único culpada do divórcio.
Alegando para tanto, e em suma, que A. e Ré casaram um com o outro em 19 de Julho de 1970, e que a Ré, violou culposa e reiteradamente os deveres conjugais de respeito, cooperação e assistência, em termos irremediavelmente comprometedores da possibilidade de vida em comum.
Frustrada a conciliação das partes e notificada a Ré para contestar, querendo, não o fez aquela.

E prosseguindo o processo seus termos, veio a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré do pedido.

Inconformado, recorreu o A., formulando, nas suas alegações, as seguintes, formalmente nominadas, conclusões:
«Sobre a Matéria de Facto: existem pontos de facto incorrectamente julgados e meios probatórios (documentos, registo de depoimento de testemunhas) que impunham decisão diversa.
1°.
FACTOS INCORRECTAMENTE JULGADOS QUE IMPUNHAM DECISÃO DIVERSA:
1. O depoimento da testemunha M A é fundamental para a descoberta da verdade.
2. A testemunha depôs de forma imparcial e isenta.
3. Deve ser considerado credível o depoimento da testemunha, não obstante estar de relações cortadas com a Apelada.
4. Para além desta testemunha, as outras testemunhas revelaram conhecimento directo sobre a factualidade.
5. A Apelada não prepara as refeições,
6. Não cuida da roupa,
7. Manda o Apelante para casa da irmã para que esta lhe prepare a comida e trate da roupa,
8. Deita fora vários objectos de uso pessoal como o grelhador de assar peixe,
9. Não permite que descanse durante a noite, põe a musica alta, liga as máquinas durante a noite,
10. Não auxiliou, ou auxilia o marido na doença (enfarte e depressão), nunca tendo ido ao hospital,
11. Aquando do internamento mandou-lhe os pijamas cortados e sem elásticos,
12. Impede várias vezes que o Apelante entre em casa, fazendo cola que este ter a de recorrer à intervenção da polícia,
13. Colocou pela casa, cabeças de porco, fotografias de pénis e bandarilhas para o ofender,
14. Quando o marido foi hospitalizado de urgência fez o seguinte comentário: "Era o meu rico tempo para ir ver porcaria dessa",
15. Foi vista a chegar no seu carro acompanhada de um homem a um baile no Montijo,
16. Foi vista mais do que uma vez em bailes "agarrada a outro homem",
17. Que o Apelante sofre de depressão em virtude das condutas da Apelada. 20.
MEIOS DE PROVA NOS AUTOS QUE IMPUNHAM DECISÃO DIVERSA:
Da prova testemunhal, dos documentos e da fundamentação da sentença, resultam provados os factos supra pelo que se impunha ter sido concluído que existe por parte da R. uma violação grave culposa e reiterada dos deveres conjugais de coabitação, cooperação e assistência e consequentemente ter sido decretado o divórcio.
Sobre a Matéria de Direito:
1º.
a) existem normas jurídicas violadas:
1- foram violadas as disposições constantes dos seguintes arts.: o art. 655°, 516º, 158º, e 663º, n.º 3 do C. P. C.: Se por um lado, o art. 396°, do C. Civil exara que a força probatória do depoimento das testemunhas é livremente apreciada pelo Tribunal – afastando claramente o princípio do direito antigo Testis unus, testis nullus – por outro lado, o art. 655°. Do C. P. C., impõe uma prudente convicção acerca de cada facto. Ora, a fundamentação do Meritíssimo Juiz a quo, é inexistente para concluir que a testemunha em causa não é isenta e credível, existindo uma clara nulidade, nos termos dos arts. 158°, e 666°, n.º 3 do C.P.C.; A fundamentação é genérica e imprecisa e não convence que é conforme com a Justiça.
b) existem normas jurídicas invocadas que deveriam ter sido interpretadas aplicadas de modo diferente e existe erro na determinação de normas aplicáveis, pelo que deveriam ter aplicadas outras:
2 – os arts 341.º e 342.º, 1779.°, 1672.º, 1674.°, e 1675.°, do C. Civil assim como o art. 516.°, do C. P. C. foram aplicados mas deveriam ter sido interpretados de modo diferente e devia ter sido aplicada a norma constante do art. 655.° do C. €.C.: O Tribunal a quo, deu uma interpretação demasiado restritiva ao conceito de violação de deveres conjugais, uma vez que, do supra exposto, da matéria que deveria ter sido dada como provada e da provada, nenhuma dúvida subsiste de que estamos em presença de uma violação clara dos deveres previstos no Artigo 1672° do Código Civil, nomeadamente os Deveres dos cônjuges coabitação, cooperação e assistência. Com efeito, A. saiu da casa de morada de família e precisa de tratamento psiquiátrico devido ao mau relacionamento do casal; a R. nunca visitou o A. no hospital estando este a carecer de todo o apoio psicológico numa fase em que corria riscos de vida; depois de ter estado tanto tempo imigrado, a R. ia para bailes sem o A. fazendo questão de o insultar com as hastes e t-shirt no sofá, diária e consecutivamente.
Se a situação supra descrita se prolonga há tanto tempo, existe dolo; se dura há tanto tempo o mau relacionamento e a R. sabe que o marido está mal psicologicamente, tal é grave: existindo dolo, gravidade, a vida em comum está irremediavelmente comprometida; a R. tem a actuação que tem de forma consciente e deliberada e para conseguir os objectivos: que o A. saia de casa.
Até porque,
"I- Sem prejuízo dos pressupostos, designadamente do artigo 1779° do Código Civil, a lei portuguesa vigente acentua a tese do divórcio-remédio na regulamentação do respectivo instituto. II- A análise dos factos pertinentes a uma acção de divórcio deve ter esse pensamento legislativo em consideração e, ainda, só pesar a privacidade própria desses factos (donde, o particular significado do que vem a público), perspectivando a situação de um concreto casamento e não tanto do casamento em abstracto.
IIl - A violação do dever de respeito, através de palavras, não implica "animus injuriandi"; pressupondo, sim, consciência do carácter afrontoso do que se tenha dito. Acórdão da Relação de Évora de 30.41987 (R. 484/86), Colectânea de Jurisprudência, 1987, 2, 305."


Crê-se ainda que a culpa exigida pelo Tribunal a quo, foi demasiado exigente, pois no tocante ao divórcio, importa distinguir entre a matéria da culpa enquanto ingrediente necessário a fundamentação do chamado "divórcio-sanção" (o requerido ao abrigo do artigo 1779° do Código Civil) da culpa mais grave já exigível para outros fins no âmbito do Direito de família, v. g. o apuramento da culpa exigido pelo artigo 1782°, N° 2 (para os efeitos, nomeadamente, do artigo 1790°, artigo 1791º, artigo 1792º, artigo 1110º, N° 3, e artigo 2016º); com efeito, estes dois conceitos de culpa não são sempre coincidentes.
Neste sentido Acórdão da Relação de Coimbra de 11.12.1984 (R. 13 998), Boletim do Ministério da Justiça, 342, 445.

O Divórcio deveria e ainda deve ser decretado, com culpa exclusiva da R.».

Requer a revogação da sentença recorrida.

Não houve contra-alegações.

II- Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objecto daquele – vd. art.ºs 684º, n.º 3, 690º, n.º 3, 660º, n.º 2 e 713º, n.º 2, do Código de Processo Civil – são questões propostas à resolução deste Tribunal:
- se é caso de alteração da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto, nos termos aparentemente pretendidos pelo Recorrente.
- se, no confronto da factualidade a considerar, é de concluir pela verificação do fundamento de divórcio litigioso, invocado pelo A./Recorrente.
Considerou-se assente, na 1ª instância, a factualidade seguinte:
1) O Autor Al e a Ré J casaram um com o outro em 19/07/1970 (certidão de fls. 10).
2) O Autor esteve emigrado na Alemanha, tendo regressado há cerca de 10 anos.
3) A Ré, pelo menos uma vez, foi vista num baile de reformados do Montijo a dançar com outro homem.
4) O Autor, em Abril de 2001, teve um enfarte, tendo ficado internado no hospital durante três semanas e sendo que a Ré aí nunca o foi visitar.
5) Devido ao mau relacionamento do casal, o autor está a ser acompanhado por médico psiquiatra.

Consignando-se ainda que:
«Da discussão da causa resultaram não provados os factos seguinte:
1) Não se provaram outros factos, nomeadamente, os vertidos nos art°s 5°; 6°; 8°; 9°; 10º; 11°; 13°; todos da P.I; bem como que a Ré pelo facto de ser vista a dançar com outro homem num baile de reformados no Montijo, fosse alvo de comentários sentindo-se o Autor humilhado, comentários esses entre outros "ela não te liga nenhuma"; "ela anda com outros ", etc;
Que a Ré tenha impedido que familiares do autor de o tratarem;
Que a Ré tenha dito a terceiros "Eu? Ir vê-lo? ele que morra" - art° 14, al, a) da P. I.”».
*
Vejamos:
II-1- Da impugnação da matéria de facto.
Não deixará, preliminarmente, de se assinalar que o Recorrente não deu rigoroso cumprimento ao disposto no art.º 690º-A, n.º 2, com referência ao art.º 522º-C, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil.
E, assim, na circunstância de haver omitido a indicação do início e termo da gravação de cada depoimento, em que funda a impugnação, com referência ao assinalado em acta.
O que se ultrapassa, na constatação de haver aquele procedido à transcrição de todos os depoimentos prestados em audiência.
*
Isto posto:
1. Está aqui assim em causa a hipótese contemplada no art.º 712º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, a saber, ter ocorrido gravação dos depoimentos prestados, sendo impugnada, nos termos do art.º 690º-A, a decisão que, também com base neles, proferida foi.
A reforma processual de 1995/96, implementando “um verdadeiro segundo grau de jurisdição no âmbito da matéria de facto, já resultante de diploma anteriormente aprovado”,(1) veio ampliar os poderes do Tribunal da Relação quanto a tal matéria, transformando-a num tribunal de instância que não já “apenas” um tribunal de “revista” quanto à subsunção jurídica da factualidade assente.
Com recusa, porém, de soluções que contemplassem ou impusessem a realização de novo julgamento integral em segunda instância.
Ainda assim, um tal sistema, acarreta riscos, e, desde logo, o de se “atribuir equivalência formal a depoimentos substancialmente diferentes, de se desvalorizarem alguns deles, só na aparência imprecisos, ou de se dar excessiva relevância a outros, pretensamente seguros, mas sem qualquer credibilidade”...
Pois “Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencie, e que jamais podem ficar gravados ou registados, para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores”.(2)
É de relembrar que "os depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidos. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe.".(3)
E a fixação da matéria de facto, há-de ser o resultado de todas as operações intelectuais, integradoras de todas as provas oferecidas e que tenham merecido a confiança do Juiz, pelo que, não raras vezes se constata que o julgamento daquele possa não ter a correspondência directa nos depoimentos concretos (ou falta destes), mas seja o resultado lógico da conjugação de alguns outros dados, sobre os quais o seu sentido crítico se exerceu.
Assim «a divergência quanto ao decidido pelo tribunal a quo na fixação da matéria de facto só assumirá relevância no tribunal da Relação se a convicção do julgador, de acordo com a respectiva fundamentação, se mostrar contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos.».(4)
Ou, noutra formulação, a divergência quanto ao decidido pelo tribunal a quo na fixação da matéria de facto, só sobrelevará no Tribunal da Relação se resultar demonstrada, através dos meios de prova indicados pelo recorrente, a ocorrência de erro na apreciação do seu valor probatório, tornando-se necessário, para equacionar aquele, que os aludidos meios de prova apontem, inequivocamente, no sentido propugnado pelo mesmo recorrente.(5)
Tendo o Supremo Tribunal de Justiça decidido, mais recentemente, que: “1- O Tribunal da Relação havendo gravação de prova tem de efectuar uma reponderação pontual e condicionada à alegação do recorrente.
2 - O controlo de facto em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência não pode aniquilar sem mais a livre apreciação da prova do julgador construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.”. (6)
Considerando-se no acórdão desta Relação, e Secção, de 19/02/2004,(7) a propósito desta problemática, o seguinte:
«I – A sensibilidade à forma como a prova testemunhal é produzida em audiência é fundamentada num conhecimento das reacções humanas e na análise dos comportamentos psicológicos que traçam o perfil da testemunha que só possível de obter através da imediação, isto é, da relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes e que definem o núcleo essencial do acto de julgamento em que emerge o senso, a maturidade e a própria cultura do julgador. II – Por conseguinte, a simples reprodução dos depoimentos pela audição da gravação mostra-se, à partida, insuficiente para controlar a impugnação da matéria de facto sempre que a mesma se fundamente na credibilidade do testemunho. III – Nestes casos, a divergência quanto ao decidido pelo tribunal a quo na fixação da matéria de facto só assumirá relevância no tribunal da Relação se a convicção do julgador, de acordo com a respectiva fundamentação, se mostrar contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos.».
E, na mesma linha, o Acórdão desta Relação, de 10-11-2005(8): “II- A alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação nos termos do artigo 712º do Código de Processo Civil só pode ter lugar quando os elementos fornecidos pela análise do processo, incluindo os concernentes à prova testemunhal que haja sido gravada, imponham de forma clara tal solução e não quando essa análise possa apenas sugerir ou possibilitar decisão diversa da matéria de facto;”.
Ponderado tendo o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão nº 198/2004, de 24/03/2004, in DR, Série II, de 2 de Junho de 2004, que: «A oralidade da audiência, que não significa que não se passem a escrito os autos, mas que os intervenientes estejam fisicamente perante o tribunal (…) permite ao tribunal aperceber-se dos traços do depoimento, denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza que se revelam por gestos, comoções e emoções, da voz, por exemplo.
A imediação, que vem definida como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de tal modo que, em conjugação com a oralidade, se obtenha uma percepção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão.
É pela imediação, também chamada “princípio subjectivo”, que se vincula o juiz à percepção, à utilização, à valoração e à credibilidade da prova.
A censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.
Doutra forma, seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão.» (o negrito é nosso).
*
Pois bem:
Coloca o Recorrente em crise o decidido na 1ª instância por reporte à matéria dos art.ºs 5º, 7º, 9º, al. a), 9º, al. b), 9º, al. c), 12º, 14º e 16º, da p. i., que sustenta dever considerar-se provada.
Sendo que de tal matéria apenas se considerou assente, na 1ª instância, relativamente ao art.º 7º, o que consta em 3 da matéria de facto, e no tocante aos art.ºs 12º e 14º, al. a), o consignado em 4 do mesmo elenco.

Fundamentando-se a decisão quanto à matéria de facto, nos termos seguintes:
«O Tribunal firmou a sua convicção no assento de casamento de fls. 10, quanto ao vertido em um, e do depoimento das testemunhas inquiridas, quanto à restante factualidade, as quais por conhecerem o Autor há vários anos e o casal, demonstraram ter conhecimento do mau relacionamento entre ambos, sendo que o depoimento da testemunha I F e V J, chegaram a presenciar a Ré a dançar com outro homem no Baile dos reformados, bem como do depoimento da testemunha M A, irmã do Autor, a qual concretizou a data em que o irmão regressou da Alemanha e altura em que este sofreu o enfarte, confirmando igualmente que a Ré não o visitou no hospital, aquando desse internamento, facto esse que foi corroborado por todas as restantes testemunhas, as quais prestaram depoimento com isenção e espontâneadade e que nessa parte mereceu toda a credibilidade.
Quanto à factualidade não provada, sublinha-se que apenas sobre a mesma foi demonstrado algum conhecimento pela irmã do Autor, M A, a qual demonstrou estar de relações cortadas com a cunhada, ora Ré, há cerca de 11 anos, seno evidente o mau relacionamento que esta mantêm com a Ré, pelo que não depôs de forma isenta e imparcial, sendo que a sua versão dos factos não foi corroborada por outras testemunhas, as quais não demonstraram conhecimento directo sobre essa factualidade, revelando apenas saber que o casal tem alguns desentendimentos, desconhecendo em concreto os seus motivos, pelo que na ausência de qualquer outra prova convincente e credível, faz-se uso, do disposto no art.º 516º n.º 1 do C. P. C.».

2. Perante tal fundamentação, sustenta o Recorrente, ex adverso, que “A testemunha (M A) irmã do A., fez um depoimento recto, justo e isento, como se pode comprovar pela transcrição da prova gravada, e não hesitou em dizer a verdade quando foi questionada acerca do seu relacionamento com a cunhada”.
E, bem assim, que “Ao contrário do vertido na decisão recorrida, vários factos do depoimento da testemunha M A foram corroborados, porque presenciados, por outras testemunhas - M R e I T T - a saber:
a) Que o Apelante teve um enfarte e sofria de depressão,
b) Que a Apelada não lhe trava da roupa e refeições,
c) Aquando do internamento do Apelante, nunca o foi visitar, levar-lhe roupa, comida, ou algo que este necessitasse,
d) Que o impedia de entrar em casa para mudar de roupa ou tomar a sua medicação,
e) Que a polícia era chamada a intervir para que pudesse entrar em casa,
f) Inclusive, em alturas religiosas/festivas lhe vedou a entrada em sua casa.
g) Que a Apelada não permite a entrada dos amigos do Apelante em casa.”.
E “Também no sentido inverso à sentença, a apelada foi vista mais do que uma vez nos bailes do Montijo e por testemunhas diferentes”.

3. Pelo que à credibilidade do depoimento da testemunha M A respeita, temos que se a audição da gravação dos depoimentos é já, no plano que ora nos ocupa, um substancial minus, no confronto das condições de imediação de que dispôs o julgador, na 1ª instância, também a mera leitura da transcrição de tais depoimentos implica, relativamente à audição da gravação dos mesmos, a perda de elementos valoráveis, como sejam a entoação, as inflexões de voz, o titubear…
E, procedendo à audição do depoimento da referida M A – Irmã do A., que não fala com a Ré “já há alguns anos…talvez dez, onze” anos – resulta manifesta a animosidade da testemunha relativamente à Ré, animosidade que, podendo ter as suas razões, não deixará de afectar a objectividade do seu depoimento.
Anotando-se que aquela imputa à Ré comportamentos que nem o A. se lembrou de alegar, como seja ter “deitado” gasóleo num garrafão “que era de vinho, não tinha vinho naquela altura mas era para servir de vinho, para se pôr vinho dentro do garrafão”, embora logo de seguida “esclareça” que “o vinho não era para ele (irmão)”…(seria para a Ré?...).
Ou ter a Ré dito para o seu irmão “Ou sais de casa ou morres”.
E, “és cabrão, és cabrão”.
Referindo que “Eu entrava lá (em casa do A.) quando o meu irmão me chamava…com ela lá não, porque se estivesse lá ela punha-me na rua”.
Pretendendo, não obstante, saber de coisas da vida do casal que – a não lhe serem simplesmente transmitidas por seu irmão – pressupõem o contacto com a Ré: “Olhe Dr. Ela implicava sempre, ela sabia que o médico disse para não se enervar, ela enervava-o, porque ela implicava, ela deitava-lhe as coisas fora.”.
E invocando, como razão de ciência, também para essas circunstâncias…a percepção auditiva que delas tinha, por via da falta de isolamento acústico das casas (sendo a sua, então, ao lado da de seu irmão).
Manifestando conhecer perfeitamente a letra da Ré – que “escreve mal” – e que diz reconhecer em escritos injuriosos que refere haver visto na casa do casal…
…E afirmando que a Ré “chegou-me a dizer a mim” que ia a bailes ao Montijo!!!
Não obstante não falar com aquela há cerca de 11 anos!!!
E referindo ter a Ré dito que não gostava do A…o que, assim, não seria directamente para a testemunha…

Mas admitindo, a instâncias do patrono nomeado à Ré, que esta sempre trabalhou, contribuindo para as despesas da casa…

Deste modo, a audição do depoimento daquela testemunha oferece base à concluída falta de isenção e de imparcialidade, a propósito referenciada na fundamentação da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto.

4. No tocante “aos factos do depoimento da testemunha M A
” que “foram corroborados, porque presenciados” pelas testemunhas M R e I TT, temos que relativamente ao enfarte e ausência de visitas ao A., enquanto esteve hospitalizado, se trata de matéria acolhida no ponto 4 da matéria de facto.
Sendo também que o não ter a Ré ido levar ao A., nesse período, “roupa, comida ou algo de que este necessitasse”, sendo decorrência necessária de nunca o ter visitado no hospital, como no mesmo ponto se registou, não foi matéria especificamente alegada na p. i., onde apenas se referiu nunca ter a Ré tratado do A, enquanto ele esteve no hospital, vd. art.º 14º, al. a).
A questão da depressão, apela preferentemente a prova clínica.
Mostrando-se razoável e equilibrado, face à prova, apenas testemunhal, produzida, o que se consignou no ponto 5 da matéria de facto, no sentido de o autor, devido ao mau relacionamento do casal, estar a ser acompanhado por um médico psiquiatra.

5. Quanto ao mais “corroborado” pelas ditas testemunhas – “que a Ré impedia o A. de entrar em casa para mudar de roupa ou tomar a sua medicação; que a polícia era chamada a intervir para que pudesse entrar em casa; inclusive, em alturas religiosas/festivas lhe vedou a entrada em sua casa; que a Apelada não permite a entrada dos amigos do Apelante em casa; e que também no sentido inverso à sentença, a apelada foi vista mais do que uma vez nos bailes do Montijo e por testemunhas diferentes” – trata-se de matéria que, ressalvadas as idas a bailes, não tem que ver com a dos referenciados art.ºs 5º, 7º, 9º, 12º, 14º e 16º, da p. i, (tratando-se aliás, no tocante ao art.º 16 da p. i., e essencialmente, de juízo conclusivo).
Sem que o A. haja assim dado cabal satisfação, nessa parte, ao ónus de concretização dos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, estabelecido no art.º 690°-A, n.º 1, al. a), do Código de Processo Civil, e que teria de ser actuado, in casu, mediante a indicação dos art.ºs da p. i. em que alegada foi a matéria de facto que, em seu entender, deveria ter sido objecto de decisão diversa.
Ónus que, como se considerou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-03-2006,(9) se observa concretizando "um a um quais os pontos de factos que considera mal julgados, seja por terem sido dados como provados, seja por não terem sido considerados como tal.".
Ou, como também refere Lopes do Rego,(10) “II- O ónus imposto ao recorrente que impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto traduz-se, deste modo: a) na necessidade de circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente qual a parcela ou segmento – o "ponto" ou "pontos" da matéria de facto – da decisão proferida, que considera viciada por erro de julgamento;".
Pois como se consignou no preâmbulo do Decreto-Lei n.° 39/95, de 15/2, "A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erro de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente... na sua minuta de recurso.".

Mas sendo, desde logo – e ainda quando se conceda bastar à actuação do dito ónus, a indicação de factos que se entendem estar provados, sem qualquer referência seja aos articulados das partes onde alegados hajam sido, seja à base instrutória, quando exista – que NÃO alegou o A., na sua p. i., haver a Ré impedido o A. de entrar em casa para mudar de roupa ou tomar a sua medicação.
Como também assim não que a polícia era chamada a intervir para que pudesse entrar em casa.
Ou que, em alturas religiosas/festivas a Ré haja vedado ao A. a entrada em sua casa.
Nem que a Ré não permite a entrada dos amigos do A. em casa.
O que subtrai a valoração de tais factos ao objecto do recurso.
Por se tratar, também aqui - como relativamente aos considerados supra, em 5 – e incontornavelmente, de factos novos, posto que não invocados oportunamente perante o Tribunal de primeira instância, não tendo assim sido objecto da decisão impugnada.
Ora, no direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento.(11)
São meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.(12)
Deles se dizendo, por isso, que são recursos de revisão ou reponderação.
Não sendo, assim, admissível, a invocação de factos novos, nas alegações de recurso,(13) sem prejuízo das hipóteses, de que nenhuma aqui se configura, de factos novos de conhecimento oficioso e funcional bem como dos factos notórios, vd. art.º 514º do Código de Processo Civil.

Posto o que, a não ser de rejeitar o recurso do A., na parte em que se dirige à impugnação da decisão da matéria de facto, por reporte às assim referenciadas situações, sempre teria aquele de aí improceder.

E que as testemunhas M R – amiga do A. – e I T T – conterrâneo do A., de quem é amigo, nunca tendo falado com a Ré – hajam visto – numa ocasião – a Ré, no baile de reformados do Montijo, não implica que tal haja ocorrido em ocasiões diferentes, não resultando isso necessariamente do cotejo dos seus depoimentos.
Assim dizendo a M R: “Aí há uns cinco meses atrás…na altura das férias, que eu tive férias em Julho…vejo a D. J com aquele Sr. e entraram para o baile…andava a D. J dançar agarrada com o outro Sr.”.
E o I T T: “Fomos uma vez ao Montijo (ele e o A. que o convidou para o efeito) e essa senhora estava lá a dançar com um homem”, no “baile dos reformados”.
Isto, sem qualquer balizamento temporal.
Com a “especialidade”, e pelo que ao depoimento da M R respeita, de se reportar aquela, assim, ao que terá visto em Julho de 2006…quando é certo ter a acção entrado em 05 de Abril de 2005.
Ou seja, depôs a testemunha sobre factos necessariamente subtraídos ao objecto da acção, e que, enquanto supervenientes, não foram adequada e oportunamente introduzidos em juízo, cfr. cit. art.º 268º e art.º 506º, ambos do Código de Processo Civil.

Não sendo pois de extrair do depoimento de tais testemunhas, a “pluralidade”, relevante, de ocasiões em que a Ré “teria ido ao baile”.

Diga-se ainda, e conquanto se trate de questão que, no corpo das alegações, é tratada em sede de enquadramento jurídico da factualidade considerada assente na sentença recorrida – 13º, I-B: “Da suficiência da prova dada como assente para decretar o divórcio” – que a ausência de contestação, de banda da Ré, não tendo efeitos cominatórios, dada a natureza indisponível das situações assim em jogo também não permite tirar conclusões no sentido de aquela não considerar “que o alegado pelo A. era mentira”, vd. art.º 16º das ditas alegações e art.º 485º, al. c), do Código de Processo Civil.
“Compreende-se, pois, que quando o objecto da acção respeita a matéria de natureza indisponível, a omissão de contestar não produza qualquer efeito, pois isso significaria que, com o seu silêncio, a parte estaria atingindo um resultado que, através dum negócio jurídico, não poderia atingir”(14)
E, por outro lado, quanto ao pretendido olvido da prova documental – art.º 22º das alegações – o que se oferece dizer é que as fotografias em causa, só por si, nada implicam quanto ao local onde foram tiradas, nem quanto à autoria efectiva dos “arranjos decorativos” respectivos, como também quanto à intenção do autor daqueles.
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Subsistindo assim, e nada impondo diversamente, o elenco fáctico definido na 1ª instância.
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II-2- Da verificação de fundamento de divórcio litigioso, invocado pelo A./Recorrente.
1. O elenco dos deveres conjugais está enunciado no art.º 1672º, com aproximação e definição de conteúdos, quanto a alguns deles, nos art.ºs 1673º a 1676º, todos do Código Civil.
Naquele se incluindo os deveres de respeito, cooperação e assistência, cuja violação o A. sustenta.

O primeiro é um dever ao mesmo tempo negativo e positivo.
Na primeira vertente ele corresponde, em primeiro lugar, ao dever que incumbe a cada um dos cônjuges de não ofender a integridade física ou moral do outro.(15)
Compreendendo-se na “integridade moral”, todos os bens ou valores da personalidade cuja violação constituía “injúria” face à lei do divórcio de 1910.(16)
Como dever de non facere, ele é ainda, em segundo lugar, o dever de cada um dos cônjuges não se conduzir na vida de forma indigna, desonrosa e que o faça desmerecer no conceito público.(17)
Trata-se do que, na vigência da citada “Lei do divórcio”, a doutrina designava de “injúrias indirectas.”.
E que apelam à ideia de “honra solidária”, criada pelo casamento, de tal modo que toda a ocorrência que directamente atinge o bom-nome de um dos esposos repercute na imagem social do outro.(18)
Como dever positivo, o dever de respeito mostra-se infringido pelo “cônjuge que não fala ao outro, que não mostra o mínimo interesse pela família que constituiu, que não mantém com o outro qualquer comunhão espiritual.”.(19)

O dever de cooperação importa para os cônjuges a obrigação de socorro e auxílio mútuos e a de assumirem em conjunto as responsabilidades inerentes à vida da família que fundaram, cfr. art.º 1674º, do Código Civil.

Já o dever de assistência abrange apenas assistência material, a que os cônjuges se encontram reciprocamente vinculados, compreendendo a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir para os encargos da vida familiar, cfr. art.º 1675º, n.º 1, do Código Civil.

2. Não concretiza o A. os termos em que da factualidade apurada decorre a violação de cada um dos referenciados deveres conjugais.
Centrando as suas considerações sobre o comprometimento da vida em comum que assim aquela evidenciaria; estabelecendo nexo de causalidade – não apurado – entre tais pretendidas violações e o “desgaste e desequilíbrio emocional do A.”; e concluindo o dolo da Ré da circunstância de a mesma o não ter ido visitar ao hospital, apesar de sabedora da situação psiquiátrica daquele, vd. art.ºs 15º, 18º, e 19º, das alegações do Recorrente.

Ora, da referida factualidade apenas é possível concluir pela violação objectiva do dever de cooperação, traduzido na circunstância referida no n.º 4 da matéria de facto, a saber, que “O Autor, em Abril de 2001, teve um enfarte, tendo ficado internado no hospital durante três semanas e sendo que a Ré nunca o foi visitar”.
Certo aqui que, como assinala Antunes Varela,(20) “Na obrigação de socorro e auxílio mútuos, que integra o dever de cooperação, cabem especialmente os cuidados exigidos pela vida e saúde de cada um dos cônjuges”.
Não se concedendo já que o facto de a Ré, pelo menos uma vez, ter sido vista num baile de reformados do Montijo a dançar com outro homem, tenha a virtualidade de integrar violação do dever de respeito para com o A./Recorrente.
Na ausência de outros circunstancialismos, não é possível configurar a situação em análise como de desrespeito pela personalidade do A. (e “pelo menos uma vez”, não excluindo que tenham sido mais, também não implica que o hajam sido…).
E nem, quando se preferisse analisar a questão em sede de dever de fidelidade, a sobredita circunstância, por si só, traduziria conduta licenciosa com terceiro, da parte da Ré, ou implicaria correspondência amorosa entre ambos.
Repare-se que se poderiam multiplicar as hipóteses explicativas para o facto em questão.
Assim, v. g., o Autor poderá não gostar de dançar, sendo tal actividade de grande agrado, e por razões apenas lúdicas ou de convívio, de sua mulher.
Tendo porventura havido anteriormente tolerância do A. em relação a iniciativas dessas de parte da Ré.
Não estando, em qualquer caso, apurados factos que traduzam afectação da consideração social relativa ao A. – nada se provou do que nessa sede alegado vinha no art.º 7º da p. i. – nem alegado tendo sido, designadamente, que os termos em que a Ré dançava com outro homem fossem escandalosos.

Ponto é, porém, e retornando à violação do dever de cooperação, que, para constituir fundamento de divórcio litigioso, a violação de dever conjugal deverá – para além de comprometedora, pela sua gravidade ou reiteração, da possibilidade de vida em comum – ser culposa, cfr. art.º 1779º, n.º 1, do Código Civil.
Tendo já havido quem sustentasse que qualquer violação dos deveres conjugais, como violação do contrato matrimonial, se presume culposa, nos termos do art.º 799º, n.º 1, do Código Civil.
E, assim, beneficiando o A. – ou o R. reconvinte – de uma presunção de culpa da contraparte, bastaria àqueles “aduzir a objectividade da violação do dever conjugal”,(21) cumprindo ao infractor, em conformidade, elidir a presunção, provando não ter agido com culpa.
Uma tal construção, porém, deverá ser afastada, por isso que, não estando embora em causa a qualificação legal do casamento como contrato, trata-se porém de “um contrato outro, que liga profundamente as pessoas dos cônjuges e tem amplos reflexos em relação a terceiros, de modo a que a ideia de que todas as normas dos contratos têm aplicação natural ao casamento não tem fundamento em que se apoie, sendo mister averiguar, relativamente a cada norma, se a sua aplicação não é afastada pela natureza particular do casamento”.
Como assim é o caso da matéria da extinção da relação matrimonial, onde “são nítidas as divergências entre o regime do casamento e o que resulta das regras de direito comum…”(22).
Merecendo pois concordância o Assento do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 5/94, de 26-01-1994, in D. R. I Série – A, de 24-03-1994 – agora com o valor de Acórdão uniformizador de jurisprudência, nos termos dos art.ºs 732º-A e 732º-B, do Código de Processo Civil, “ex vi” do art.º 17º, n.º 2, do Dec.-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro – de acordo com o qual, “no âmbito e para efeitos do n.º 1 do art.º 1779º do Código Civil, o autor tem o ónus da prova da culpa do infractor do dever conjugal de coabitação”.
Sendo que tal orientação tem sido reiterada, pelo Supremo Tribunal de Justiça, e designadamente no tocante ao ónus da prova da culpa relativamente às violações de deveres conjugais, em geral, v. g. nos Acórdãos de 16-05-2002, 26-06-2003 e 09-06-2005.(23)
Podendo ler-se, no sumário de mais recente Acórdão daquele supremo Tribunal, de 10-10-2006 (24): ”I - A violação dos deveres conjugais só é causa de divórcio se for culposa, pertencendo ao cônjuge autor alegar e provar a culpa do cônjuge requerido nas acções de divórcio ou de separação de pessoas e bens com fundamento em violação dos deveres conjugais – art.ºs 1779.º, n.º 1, e 342.º, n.º 1, do CC. II - Não se verifica uma situação de anormal dificuldade por parte do cônjuge autor - ou facilidade da parte do cônjuge réu - em efectuar a prova da culpa - que torne inconstitucional, por arbitrária ou desproporcionada, a solução normativa que opte por onerar o cônjuge autor com o ónus da prova da culpa do cônjuge réu.”.
Prevalecendo assim a regra do art.º 342º, n.º 1, do Código Civil.

2. A culpa, como é sabido, “exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente: o lesante, em face das circunstâncias específicas do caso, devia e podia ter agido de outro modo.” (25)
Juízo que assim pressupõe factos sobre os quais possa ser formulado.
E, como se considerou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 31-05-2001, (26) "o juízo de censura em que se traduz a culpa, tem de basear-se em factos provados e não em dúvidas ou conjecturas".

Repare-se que a posição seguida não enjeita a possibilidade de, em certos casos, o cônjuge autor se poder limitar «à alegação e prova da violação dos deveres conjugais que invocou, integrando essa violação nas circunstâncias “intrínsecas que, como seus elementos “constitutivos”, permitam identificá-la ou individualizá-la; em muitos casos não se lhe tornará necessário alegar também circunstâncias “extrínsecas”, concomitantes da violação cometida, pois a violação objectiva dos deveres conjugais, integrada naquelas circunstâncias, já fará presumir, ela própria, de acordo com as regras da experiência, que o cônjuge réu procedeu com culpa».(27)
E, “Assim, se um dos cônjuges intenta acção de divórcio contra o outro, com fundamento em ofensas à integridade física, a prova dos termos em que a ofensa foi cometida já implicará normalmente, em primeira aparência, a prova de que a violação dos deveres conjugais invocada foi culposa”.(28)

Pelo que respeita porém às circunstâncias em que a Ré deixou de visitar o A. enquanto este esteve internado no hospital, na sequência de enfarte, nada resulta circunstanciado.
Desconhecendo-se as razões determinantes dessa atitude.
Apenas se sabendo que o casal tem mau relacionamento, sem que decorra da factualidade apurada de quem é a responsabilidade por aquele, bem podendo ser de um ou outro dos cônjuges, ou de ambos.
Poderá a Ré não ter visitado o Autor no hospital – nem, assim, levado quaisquer “mimos” ao mesmo, ou providenciado por eventuais necessidades daquele – por não querer, pura e simplesmente, ou por o clima de mau relacionamento ser tal que lhe tornaria insuportavelmente constrangedora uma tal visita.

Não sendo, dest’arte, possível, com a segurança que o decretamento de um divórcio exige, a emissão do tal juízo de censura, relativo à conduta da Ré.
*
Improcedendo pois, as conclusões de recurso do A.

III- Nestes termos, acordam em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 2007-02-15

(Ezagüy Martins)
(Maria José Mouro)
(Neto Neves)
__________________________________________
1 Vd. Preâmbulo do Dec-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, sendo o diploma anterior o Dec-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro.
2 Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, II Volume, 3ª Ed., Almedina, 2000, págs. 273 e 274.
3 Vd. Eurico Lopes Cardoso, in BMJ n.º 80, págs. 220/221.
4 Vd. o acórdão desta Relação, e desta Secção, de 19/02/2004, in www.dgsi.pt/jtrl.nsf.
5 Dito ainda de outro modo, apenas poderá ter lugar a alteração das “respostas” à matéria de facto, em casos pontuais e excepcionais, quando se verifique que aquelas não têm qualquer fundamento face aos elementos de prova trazidos ao processo ou estão profundamente desapoiados face às provas recolhidas, veja-se o acórdão da Relação do Porto, de 20-02-2001, in www.dgsi.pt/jtrp.nsf
6 Acórdão de 20-09-2005, proc. 05A2007, in www.dgsi.pt/jstj.nsf.
7 Proc. 10446/2003-02, www.dgsi.pt/jtrl.nsf.
8 Proc. 3876/2005-6, in www.dgsi.pt/jtrl.nsf.
9 Proc. 05S3823, in www.dgsi.pt/jstj.nsf.
10 In “Comentários ao Código de processo Civil”, Almedina, 1999, pág. 465.
11 Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, LEX, 1997, pág. 395.
12 Vd. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 03-02-1999, proc. n.º 98A1277 e de 11-04-2000, proc. n.º 99P312, in www.dgsi.pt/jstj.nsf; e desta Relação, de 08-02-2000, proc. n.º 0076737, e de 12-12-2002, proc. n.º 0054782, in www.dgsi.pt/jtrl.nsf
13 Assim, Teixeira de Sousa, op. cit. págs. 395 e 454; Armindo Ribeiro Mendes, in “Os Recursos no Código de Processo Civil Revisto”, LEX, 1998, pág. 52; e João de Castro Mendes, in “Direito Processual Civil (Recursos)”, Ed. da AAFDL, 1972, págs. 23-24
14
15 Neste sentido, Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, in “Curso de Direito da Família”, Vol. I, 2ª Ed., Coimbra Editora, 2001, pág. 353.
16 Idem, citando Manuel de Andrade, in “Algumas questões em matéria de “injúrias graves” como fundamento de divórcio”, Coimbra, 1956, pág. 8.
17 Idem, pág. 353-354.
18 Cfr., também neste sentido, Antunes Varela, in “Direito da Família – I – Direito Matrimonial”, Livraria Petrony, 1982, págs. 295-296.
19 Idem, pág. 354.
20 Idem, pág. 283.
21 Vd. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17-12-1983, anotado por Pereira Coelho, in R.L.J., Ano 117º, págs. 84 e seguintes
22 Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, in op. cit. págs. 618-619.
23 Proc. 02B1290 03B1746 e 04B935, respectivamente, todos in www.dgsi.pt/jstj.nsf.
24 Proc. 6A2736, in www.dgsi.pt/jstj.nsf.
25 Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 10ª Ed., Almedina, 2003, pág. 566. O mesmo Autor, no seu “Direito da Família”, Livraria Petrony, 1982, pág. 407, nota 22, formulava: “A culpa pressupõe a imputabilidade do agente…bem como a reprovabilidade da sua conduta, em face das circunstâncias concretas registadas”.
26 Proc. 01B1460, in www.dgsi.pt/jstj.nsf.
27 Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, in op. cit. pág. 622.
28 Idem, págs. 622-623.