Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
114/08.9TVLSB-D.L1-8
Relator: OCTÁVIA VIEGAS
Descritores: DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS
LEGADOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/23/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - O art. 2187 do C.Civil consagra a posição subjectivista em matéria de interpretação das disposições testamentárias dizendo que na interpretação das disposições testamentárias observar-se-à o que parecer mais ajustado com a vontade do testador, conforme o conteúdo do testamento.
- Do testamento resulta que a testadora distribuiu em legados vários bens, nomeadamente o dinheiro das suas contas bancárias, nada dizendo quanto a outros bens que lhe pertencessem na data do seu falecimento, pelo que os direitos litigiosos relativos a quantias monetárias que reivindicou, não se incluem nesses legados, e não conferem legitimidade a um dos legatários para prosseguir na acção ocupando a posição da testadora falecida.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:


RELATÓRIO:

FN intentou contra GV, FV, CV (partes sobrevivas), JN, MQ, JP, JG, CV, JP, JP e J S, o presente incidente de habilitação na sequência do óbito de MR, autora nos autos principais.
Alegou em síntese que a autora dos autos principais faleceu em 8/3/2008, no estado de viúva e sem deixar ascendentes ou descendentes. Acrescenta o requerente que a falecida outorgou testamento em 15/5/2007, mediante o qual instituiu legatários o requerente e os 4º a 11º requeridos, que deverão, assim, ser julgados habilitados como únicos herdeiros daquela autora.

Notificadas as partes sobrevivas, vieram os mesmos deduzir oposição, propugnando pela improcedência da habilitação.

Os restantes requeridos não deduziram oposição à habilitação.

Foi proferida decisão que  julgou improcedente a habilitação interposta por FN e absolveu os requeridos   GV, FV, CV, JN, MQ, JP, JG, CV, JP, JP e J S  da mesma.

Inconformado, FN  recorreu.

Arguiu a nulidade da sentença como questão prévia, alegando que no requerimento que deu entrada via Citius em 05.07.13, (indicando como resposta à Refª 18715882), após lhe ter sido concedido o prazo de dez dias expressamente para esse efeito, o apelante pronunciou-se sobre a vontade real e inequívoca da testadora, dizendo que a vontade real da testadora era a de legar todo o dinheiro que era seu e que como se depreende da acção que instaurou, era o que detinha à data do testamento descontado da parte que entretanto tivesse gasto, mas não do que lhe veio a ser subtraído.

Não tendo sido tomado conhecimento da oposição referida, tal omissão influiu directamente no julgamento da questão em análise, já que não foi considerada a posição do apelante quanto à matéria e questão a vontade real da testadora , o que consitui a nulidade  ( arts 615, 1, d) do CPC e que deve ser apreciado nos termos do disposto no art. 617 do CPC    (fls. 65 a 67).

Apresentou  as seguintes  conclusões das alegações (fls 72).

I . Apesar da diversidade do texto consagrado no primeiro e no segundo testamentos da falecida MR , e até graças a essa diversidade, é perfeitamente possível ao julgador reconstituir e interpretar a real vontade da testadora.

II . Incumbe ao julgador fazer uso de todos os elementos de que dispõe para melhor interpretar a vontade real da testadora- vd neste sentido o Ac. STJ de 04.07.2012, in www.dgsi.pt : “ Essa interpretação, de cariz subjectivista, a reflectir no sentido atribuído à declaração pelo respectivo autor, deve ser acolhida reportada ao tempo da elaboração e aprovação do texto, mas sem desprezar a globalidade das circunstâncias reconhecíveis ao tempo da sua abertura”.

III. Todos factos devem contribuir para a formação da convicção do julgador, não só os alegados pelas partes, como os instrumentais e os complementares e ainda aqueles factos notórios e os que o tribunal tenha acesso ou conhecimento por virtude do exercício das suas funções.

IV. PA testadora legou o “dinheiro dísponivel nas suas contas bancárias”, sendo que todo o seu dinheiro estava nas suas contas bancárias.

V. Tal dinheiro só pode ser o dinheiro que então estava nas suas contas bancárias, descontado dos montantes previsivelmente necessários à sua subsistência enquanto fosse viva e não daqueles que posteriormente foram abusiva e ilegalmente delas desviados.

VI. Em 15ABR07 estavam depositados na conta do Santander Totta valores na ordem dos € 343 387, 91 (doc. nº15 junto à acção principal).

VII. Em 24MAI 07 a apelada GV, transferiu das contas bancárias da testadora, como se lhe pertencessem e fazendo-os seus, mais de €200.000,00, ficando a conta com o saldo de apenas € 135.549,41 (docs. 17 e 18 junto à acção principal).

VIII. Logo que obteve os necessários documentos bancários a testadora instaurou acções judiciais tendentes a recuperar os valores retirados das suas contas bancárias, designadamente uma providência de arrolamento (17OUT07) em que se mostram arrolados valores superiores a € 200.000,00, bem como a acção principal (4JAN08) pedindo a condenação da requerida GV,  na devolução dos valores por ela ilicitamente desviados.
IX. A atitude da testadora não foi passiva e aqui está o cerne da questão e o fio condutor que nos permite enquadrar o pensamento e a vontade real da testadora, à luz dos factos ocorridos entre a outorga do testamento e a sua abertura.

X. A vontade da testadora e os processos por ela intentados não podem deixar de ser prosseguidos pelos seus sucessores, mormente pelo testamenteiro que é por inerência o cabeça-de-casal da herança, nos termos do art. 2080º, 1, b) CC, a quem a lei reconhece legitimidade para acções possessórias – artº 2088º CC.

XI. Não reconhecer esta legitimidade aos habilitandos é dar guarida a um desvio ilícito de fundos por parte de quem se abusou da confiança da testadora.

XII. “É pacifíco o entendimento segundo o qual o preceito (2187º CC) acolhe uma orientação subjectivista na interpretação do testamento, o que é o mesmo que dizer que o negócio jurídico de disposição testamentária deve valer em conformidade com a vontade real do testador, de acordo com aquilo que ele verdadeiramente quis”- Ac. STJ citado.

XIII. Oliveira Ascensão, in Direito Civil- Sucessões, Coimbra Editora, 4ª Ed. Revista, pág. 306/307, a propósito da investigação a cargo do julgador sobre a vontade real do testador, defende que é admissível não só a interpretação das cláusulas do testamento, à luz do preceituado no art. 2187º CC, como a integração.
“Deve antes procurar-se o que seria compatível com a vontade do testador se houvesse previsto o ponto omisso. Quer dizer, afinal, que sempre se terá que aplicar o art. 239º”.

XIV. A vontade da testadora era claramente a de deixar aos seus sucessores também os valores que pretendia reaver por meio das acções judiciais que intentou em vida e que à data do testamento estavam nas suas contas bancárias e das quais vieram a sair contra a sua vontade.

Termina dizendo que a sentença recorrida  deve ser revogada e substituída por outra que habilite os sucessores da falecida MR a prosseguir a acção principal, ou ordene a produção de prova, sobre a vontade da testadora.

GV, FV e CV contra – alegaram, pronunciando-se  no sentido de não se ter verificado a nulidade invocada e apresentaram as seguintes conclusões:
I - O primeiro e o segundo testamento outorgados pela falecida MR são diferentes.
II - O segundo foi declarado nulo.
III - É conhecido o preceituado do art. 5º do CPC revisto.
IV - Mormente que todos os factos devem contribuir para a formação do Julgador.
V - Designadamente como bem aponta o Apelante, aqueles factos notórios e os que o tribunal tenha acesso ou conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
VI - Por bem entender os factos, o Tribunal a quo decidiu como decidiu.
VII - O legado de MR, ao Apelante e aos restantes legatários é constituído pelo “dinheiro disponível nas suas contas bancárias”
VIII - E NADA MAIS!
IX – O Tribunal a quo não poderia sufragar “desejos”espúrios ao contexto do testamento, designadamente, conceder ao Apelante e demais legatários o direito de serem sucessores em valores que não integravam as contas de depósito da testadora, na data do seu óbito.
X - Efectivamente, o direito consagrado no Testamento objecto do presente recurso, não coincide com o objecto da questão dirimida na acção principal.
XI – Estes antecedentes, não permitem ao Apelante retirar as conclusões expostas, desde logo, porque a Apelada transferiu metade do valor de uma conta sua, contitulada e constituída “ab initio” entre si e MR,
XII -Assim propriedade de ambas.
XIII -A propriedade daquele saldo era na proporção de metade para cada uma das contitulares.
XIV -Transferiu a Apelada valores seus e não valores da testadora, e equivalentes a metade do saldo dessa conta, como melhor consta nos autos da acção principal,
XV - Em consequência a testadora não podia legar bens que não eram seus, nem estavam depositados nas suas contas bancárias.
XVI -Por isso mesmo legou o “dinheiro disponível nas suas contas” à data do seu óbito.
XVII -E apenas isso, estando-lhe vedado legar bens de terceiro.
XVIII -Este o sentido quanto à interpretação do conteúdo do testamento sufragado pelo  Doutro Tribunal a quo.
XVIX -Não podendo o Douto Tribunal a quo dar outro sentido interpretativo àquele  conteúdo.
XX - Até porque, posteriormente, em 06.06.2007, MH revogou o presente testamento por outro, no qual constava numa cláusula em que deixou aos “mesmos legatários e nas indicadas proporções quaisquer outros bens, dinheiros ou direitos que possua, ainda que litigiosos”.
XXI - Porém, este segundo testamento foi considerado nulo.
XXII -Assim face ao conteúdo do testamento válido, a que acresce a inexistência da prova complementar que ateste que a vontade da testadora era outra que não a vertida no texto do documento em crise.
XXIII - Retira-se como conclusão única que MR, só poderia legar o que lhe pertencia efectivamente: - o saldo existente nas suas contas bancárias à data do seu óbito, e não as quantias que se discute nos autos de acção principal.
XXIV - É ainda convicção dos Apelados, que com a declaração de nulidade do Testamento outorgado por MR, datado de 06.06.2007, por incapacidade da Testadora, todos os actos subsequentes da Testadora serão igualmente nulos, designadamente a procuração alegadamente emitida por MR destinada a intentar acção principal.
XXV -Porquanto se MR estava incapaz para testar em 06.06.2007, conforme declarado pelo Tribunal, por maioria de razões estava incapaz para conhecer o sentido da procuração junta àqueles autos de acção principal, proposta, posteriormente a 06.06.2007.
XXVI -Assim, o Douto Tribunal a quo não poderia reconhecer nem o Apelante nem os restantes legatários, como sucessores, para prosseguirem no lugar da de cujus com a acção principal.
Termina dizendo que o recurso deve ser julgado improcedente por não provado e infundado e confirmada a sentença proferida.

Cumpre decidir :

Quanto à invocada nulidade da sentença:

Nos termos do art. 608 do CPC (art 660 do CPC revogado) o juiz deve resolver todas as questões que as partes  tenham submetido à sua apreciação exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Como vem sendo entendido pela jurisprudência só a falta de apreciação das questões suscitadas  na acção integra a nulidade prevista na norma referida. A falta de discussão das razões e argumentos  invocados pelas partes em favor das posições que defendem quanto à solução das questões apresentadas na acção, isto é, os problemas concretos a decidir nesta, que resultam dos temas alegados pelas partes, que constituem os dados integradores constitutivos ou impeditivos dos direitos cuja tutela é procurada pelas partes na acção, face aos pedidos formulados (Cfr. Ac. STJ, P.715/99, de 13.12.2000, Sumários, 37º).

O Recorrente diz que se pronunciou no prazo de dez dias que lhe foi concedido sobre a vontade real da testadora dizendo que a vontade real da testadora era a de legar todo o dinheiro que era seu e como se depreende da acção que instaurou, era o que detinha à data do testamento descontado da parte que entretanto tivesse gasto, mas não do que lhe veio a ser subtraído e que a sentença proferida não teve em conta o que foi alegado nesse articulado, não tendo sido considerada a posição do apelante quanto à vontade real da testadora, tendo tal omissão influído directamente no julgamento da questão, o que constitui nulidade.

O Mmº Juiz a quo pronunciou-se sobre a nulidade invocada, mantendo a decisão, por entender não ter sido cometida a nulidade invocada.(fls.91).

Na decisão recorrida é dito que o sentido decisivo na interpretação do testamento é o correspondente à vontade real do testador que , dado ser um negócio jurídico formal deve ter no texto do documento um minimo de correspondência ainda que imperfeitamente expressa.

A decisão recorrida diz que o recorrente não invocou que a vontade efectiva da testadora fosse legar aos beneficiários as quantias monetárias que exigiu dos primitivos réus na acção principal, direitos litigiosos.

O Recorrente na articulado em que se pronuncia sobre a oposição, nada diz sobre o que seria a vontade de disposição da testadora quanto às quantias que estão em causa nos autos. O Recorrente diz que as quantias estavam nas contas na data do testamento de 15.05.2007, foram daí retiradas, tendo a testadora  reagido contra tal quando tomou conhecimento, não podendo referir-se no mesmo a direitos  litigiosos, o que fez  no testamento em que outorgou posteriormente.

O Recorrente não invoca que a vontade da testadora fosse incluir no legado os direitos litigiosos. Na data em que o testamento foi outorgado não existiam os direitos litigiosos. Os mesmos surgiram depois. O Recorrente apresentou argumentos no sentido de que os direitos litigiosos decorrentes da acção estavam compreendidos no legados por na data do testamento integrarem as contas bancárias da autora do testamento.

A dinâmica da vida dos testadores desenrola-se independentemente da outorga de um testamento. O testamento tem como finalidade dispor dos bens existentes na data da morte do seu autor, quando se abre a sucessão.

No caso dos autos a testadora estipulou o legados dos bens e o cumprimento dos mesmos deve ser feito de acordo com a vontade da testadora, quanto aos bens existentes à data da sua morte.

Consideramos assim, que não foi cometida a nulidade invocada.

Na acção principal que a testadora MR instaurou contra GV, FV e CV, foram formulados os seguintes pedidos: a) serem os RR condenados a reconhecer que a A. era exclusiva proprietária de todas as quantias depositadas nas contas nºs 38149242 do Balcão Alvares Cabral do Banco Santander Totta, SA; b) serem os RR condenados a reconhecer que das quantias e valores transferidos para as contas de que só eles são ,ou foram, titulares no Banco Santander Totta pelo menos €217.338, 41 pertencem à A; c) serem os RR solidariamente condenados a restituir à A a quantia de €217.338,41 (duzentos e dezassete mil trezentos e trinta e oito mil euros e quarenta e um cêntimos), acrescida dos proveitos que tal quantia teria produzido até à data da sua efectiva restituição se tivessem mantido as correspondentes aplicações financeiras; d) ser a R. condenada a prestar contas dos movimentos que efectuou relativamente à conta nº 38149242 do Balcão Álvares Cabral do Banco Santander Totta, sem ser no interesse da A e a restituir-lhe o saldo que vier a ser apurado.

Na habilitação tem que ser apurado se o habilitando tem condições legalmente exigidas para a substituição, se é o sucessor do falecido relativamente ao direito ou obrigação que constituem o objecto da causa, de acordo com o direito substantivo.

A legitimidade do habilitando resulta da indagação em que se analisam as consequências que para eles poderão resultar da procedência da acção, de acordo com os pedidos formulados na acção principal, de acordo como se configura a relação material controvertida.

A sentença recorrida refere que nada foi invocado quanto à vontade real da testadora e face à letra do testamento apenas se pode concluir que não legou quaisquer direitos, bens, ou direitos litigiosos, mas apenas o dinheiro existente nas suas contas bancárias, à data do seu falecimento.

A quantia em causa nos autos não se encontrava nas suas contas bancárias na data do falecimento.

Nos termos do art. 2031 do C.Civil a sucessão abre-se no momento da morte do seu autor.

Alberto dos Reis, em Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª ed., diz que, «a  habilitação tem como objectivo certificar que determinada pessoa sucedeu a outra na posição jurídica que esta ocupava».

Castro Mendes, em Direito Processual Civil, Vol. II, AAFDL, Lisboa, 1980, p.234, diz que a habilitação é «a prova da aquisição, por sucessão ou transmissão, da titularidade de um direito ou complexo de direitos, ou doutra situação jurídica ou complexo de situações jurídicas ».

Segundo Salvador da Costa , em Os Incidentes da Instância, 4ª ed., Almedina, Coimbra, 1999, pág.235, por esse incidente pretende-se apurar “quem tem a qualidade legitimante da substituição da parte falecida na pendência da causa (...) sendo o direito substantivo que estabelece quem substitui na relação jurídica substantiva que constitui objecto do litígio.

Lopes Cardoso, em Manual dos Incidentes da Instância em Processo Civil, reimpressão, Livraria Petrony, Lisboa, 1992, pág. 297, diz que «pelo processo incidental apenas se trata de averiguar se o habilitado tem as condições legalmente exigidas para a substituição: não se aprecia a sua legitimidade senão como substituto da parte falecida, legitimdade que só coincide com a definida pelo art. 26º, ou seja, com a legitimidade para a causa principal, se, por sua vez, a parte substituída era legítima».

Conforme decidido no Ac. do STJ de 08.07.1975, os requerentes têm que demonstrar que possuem a qualidade que os legitima a substituir a parte falecida.

O incidente de habilitação, como referido, tem por objecto determinar quem tem a qualidade que o legitime para substituir a parte falecida devendo neste incidente fazer parte da causa de pedir os factos susceptíveis de revelar que o requerente ou os requeridos são os sucessores do falecido e a demonstração de que segundo o direito substantivo lhe sucedem.

O Recorrente requereu no requerimento inicial de habilitação a sua habilitação como sucessor da primitiva Autora na acção, para nessa qualidade prosseguir a acção, invocando a sua qualidade de legatário das contas bancárias da mesma.

Há que apreciar se, de acordo com o direito substantivo, o Recorrente tem a qualidade de sucessor da primitiva Autora para poder ocupar o lugar desta na acção.

De acordo com o testamento de outorgado por MR, em 15.05.2007, autora no processo principal, «lega a FN, 42% do dinheiro dísponível nas suas contas bancárias, as suas jóias, todo o recheio da sua residência,incluindo todos os quadros, nomeadamente,  o da autoria de JR intitulado “Lisboa-Paris”- à excepção dos distribuidos neste testamento»  (fls. 17 ).

O art. 2187 do C.Civil consagra a posição subjectivista em matéria de interpretação das disposições testamentárias, dizendo que “na interpretação das disposições testamentárias observar-se-á o que parecer mais ajustado com a vontade do testador, conforme o contexto do testamento”(nº1). Na determinação do sentido dessa vontade “é admitida prova complementar, mas não surtirá qualquer efeito a vontade do testador que não tenha no contexto um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente  expressa.” (nº2).

Conforme Ac. STJ de 16.12.86, in BMJ nº362, pág. 550, anotado por Galvão Telles, em “O Direito”, ano 121º, 1989, IV, pág. 771 e segs, “ a interpretação dos testamentos deve fazer-se, em primeira linha, pelo apuramento da vontade real e contemporânea do testador, usando para essa averiguação simultaneamente o contexto do testamento e a prova complementar ou extrínseca que sobre isso pudesse reunir-se (...). Fixado por esse modo ou com esses materiais aquilo que efectivamente estava no pensamento do testador, não significa, porém, isto o termo do processo interpretativo , dado que sendo o testamento um acto formal ou solene, para que a vontade real ou verdadeira, assim apurada, seja atendível, necessário se torna que tenha, no contexto testamentário, um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa (...)Assim, a limitação contida no nº2 do art. 2187 do C.Civil não restringe o recurso a prova complementar, proibindo apenas que, com o uso de tais meios, se ultrapasse o processo de interpretação para apurar o que seria verdadeira alteração ou modificação informal do próprio testamento.

Rodrigues Bastos em “Direito das Sucessões segundo o Código Civil e 1966, Vol.II, 1982, págs 126 e 127 diz que “aceitando a doutrina que a reconstituição da vontade testatória pode fazer-se não só com base nos próprios termos do testamento (prova intrínseca) mas também recorrendo-se a quaisquer outros elementos ou circunstâncias (extrínsecas, complementares, extra-testamentárias) provadas documentalmente ou por outro meio, dá-se, assim, acolhimento a uma solução fortemente enraizada. E trata-se de uma solução que, na verdade, sendo de preferir sem hesitações quanto à prova extríseca documental, também fora disso resulta mais vantajosa que inconveniente.”

Do conteúdo deste testamento verificamos que resulta do testamento que a testadora distribuiu por legados a totalidade do dinheiro das suas contas bancárias , estipulou também a distribuição em legado do recheio da sua casa, jóias, quadros existentes na sua residência e outros quadros pintados por J R..

A testadora nada disse quanto a outros bens de que fosse proprietária aquando do seu falecimento.

Na acção a autora da sucessão pede que lhe seja restituído o montante que entende ser seu e de que a Recorrida se apropriou. Sendo procedente a acção, não resulta que os montantes restituídos fossem depositados em contas bancárias. Não existem elementos que apontem nesse sentido.

Também não resulta do testamento indicação que fosse vontade da testadora quando outorgou o testamento em  15.05.2007 incluir nos legados que instituiu os direitos litigiosos à data da sua morte.

O que está estipulado no testamento é que os montantes existentes em contas bancárias à data da sua morte seria distribuido de acordo com os legados referidos naquele testamento.

 O testamento outorgado posteriormente e que se refere a direitos litigiosos foi considerado nulo, de nada valendo para a apreciação da questão dos autos.

Assim, não havendo elementos que permitam concluir que era vontade da testadora incluir nos legados os direitos litigiosos, e a quantia em causa nos autos não se encontrava nas suas contas bancárias no momento do falecimento, de acordo com o direito substantivo o Recorrente, não é sucessor da primitiva autora quanto aos direitos que esta pretendia fazer valer na acção, pelo que não pode ocupar o seu lugar na acção. Improcede assim a habilitação requerida.

Conclusões:

O art. 2187 do C.Civil consagra a posição subjectivista em matéria de interpretação das disposições testamentárias dizendo que na interpretação das disposições testamentárias  observar-se-à o que parecer mais ajustado com a vontade do testador, conforme o conteúdo do testamento.

Do testamento resulta que a testadora distribuiu em legados vários bens, nomeadamente o dinheiro das suas contas bancárias, nada dizendo quanto a outros bens que lhe pertencessem na data do seu falecimento, pelo que os direitos litigiosos relativos a quantias monetárias que reivindicou, não se incluem nesses legados, e não conferem legitimidade a um dos legatários para prosseguir na acção ocupando a posição da testadora falecida.

Face ao exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.

Lisboa-23/04/2015

Octávia Viegas
Rui da Ponte Gomes
Luís Correia de Mendonça