Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1535/13.0TYLSB.L1-6
Relator: NUNO SAMPAIO
Descritores: FACTOS INSTRUMENTAIS
SOCIEDADE ANÓNIMA
AUMENTO DO CAPITAL SOCIAL
DELIBERAÇÕES ANULÁVEIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-Relatório:


Autora/recorrente:
P… - Sgps, S.A., com sede na Rua … em Lisboa.
É também autor R…, residente na Avenida … em Coimbra, que não interpôs recurso da sentença.

Ré/recorrida:
D… - … Imobiliários, S.A., com sede na Rua D. ..., n.º ... - A, em Lisboa.

Pedidos:
Deve ser anulada a deliberação tomada em 29.07.2013 pelo Conselho de Administração da Ré, de aumento do capital social de 50.000,00 € para 500.000,00 €, por ser abusiva e contrária à lei (art.ºs 58º, n.º 1, alínea b) e 411º, n.º 3, ambos do CSC e, subsidiariamente art.ºs 411º, n.º 3 do CSC e 334º do Código Civil) e deve ainda ser a mesma deliberação declarada nula por ser aprovada ao abrigo de um artigo dos estatutos da Ré nulo, por violação do art.º 456º, n.º 2, alínea a) do CSC”.

Fundamentos:
Os AA. reagiram judicialmente contra a deliberação de aumento do capital social da Ré por a considerarem abusiva, injustificada e prejudicial aos interesses da sociedade, tendo apenas como objectivo aniquilar os direitos sociais dos AA. enquanto accionistas minoritários, sabendo os sócios maioritários que os primeiros não dispunham nem de tempo nem de meios económicos para exercerem o direito de preferência na aquisição das novas acções; e arguiram a nulidade do art.º 5º dos estatutos societários, ao abrigo do qual o conselho de administração da Ré deliberou o aumento de capital, por violação da alínea a) do n.º 2 do art.º 456º do Código das Sociedades Comerciais e atentatório do direito de propriedade consagrado na Constituição da República Portuguesa, na medida em que devia ter sido interpretado no sentido de que o limite máximo do aumento não poderia conduzir a uma alteração radical das posições dos accionistas.

A sociedade Ré contrapôs que o aumento do capital social se deveu à urgente necessidade na realização de obras no hotel que explora, bem como a investimentos necessários à sua reconversão e qualificação por imposição da legislação em vigor; negou a intenção de prejudicar os AA., cujos prejuízos derivaram exclusivamente de não terem participado no aumento do capital, mediante a subscrição das acções a que tinham direito no exercício do respectivo direito de preferência.

Sentença:
Julgou a acção improcedente, absolvendo a sociedade Ré dos pedidos.

Conclusões da apelação:

A)Na fundamentação da sua decisão sobre a matéria de facto, a dada como não provada, o tribunal a quo incorreu em diversas contradições que manifestam a deficiente apreciação dos meios de prova apresentados: (i) contrariamente ao referido pelo tribunal, Ricardo V., irmão de Ramiro V., ex- administrador da “BC”, não era tio dos membros do CA da D… - … Imobiliários, Lda., Ricardo V., que detinha directa ou indirectamente a BC – SPGS, S.A., accionista da Ré, era irmão de Ramiro V., que detém directa ou indirectamente a P… - Sgps, S.A., aqui Autora, e accionista da Ré, dos integravam a Família V., a qual, antes da transmissão das acções referida no ponto 9 da sentença, detinha 50% do capital da Ré e (ii) os membros do CA da D… - … Imobiliários, Lda., são filhos e sobrinho de José M. que detém directa ou indirectamente as outras accionistas da Ré (Tr, S.A. e T-I – SGPS, S.A.) (cfr. ponto 10 e 11 da sentença) (iii) Ricardo V. não podia ser líder de uma das maiorias representativas do capital da Ré, quando o mesmo nem sequer foi nomeado administrador em representação dessa maioria (da Família V.), na assembleia geral da Ré que deliberou a transformação da sociedade (cfr. cópia da acta n.º 36, que consta de fls. 177 a 185 dos autos).
B)Para além disso, a fundamentação da decisão da matéria de facto e a fundamentação da decisão da matéria de direito revelam contradições, a utilização de dois pesos e duas medidas: (i) para aferir da capacidade da Autora para subscrever o aumento de capital, o tribunal considerou que importava apreciar a sua capacidade para obter um financiamento bancário (fundamentação da matéria de facto); para aferir do carácter abusivo ou não de uma deliberação do Conselho de Administração de aumento de capital de 50.000€ para 500.000€, o tribunal considerou que não pode apreciar a capacidade da Ré de contrair financiamento, por se tratar de um acto de gestão, não sindicável pelo tribunal (fundamentação da matéria de direito) e (ii) na fundamentação da matéria de facto dada como não provada, mais concretamente, sobre as condições financeiras da P… - Sgps, S.A, para participar no aumento de capital, o tribunal referiu que das contas individuais relativas a 2012, exercício anterior ao da tomada da deliberação, resulta um activo superior ao passivo, sem sequer se pronunciar sobre a situação de liquidez da Autora. Mas em relação à sociedade Ré referiu que “quanto à boa situação económica da sociedade (de uma qualquer sociedade) a mesma não é necessariamente significado de liquidez. E em termo de tesouraria líquida não resultou demonstrado que tivesse mais do que o indispensável para suportar a actividade corrente.”
C)Trata-se de uma nulidade da sentença, nos termos previstos no art. 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC, o que aqui se argúi expressamente.
D)O tribunal deve dar como provado que: A Autora P… - Sgps, S.A. não tinha, à data do anúncio da deliberação impugnada, condições financeiras para participar no aumento de capital, pois tinha em depósitos bancários € 2.266,59 e devia, a título de financiamentos obtidos, € 1.455.960,62, nem tinha capacidade financeira para obter um financiamento bancário para subscrever o aumento de capital no prazo concedido para o efeito (cfr. balancete a Julho de 2013 junto com o requerimento probatório de 02.02.2016 – ref.ª 21735941, depoimentos das testemunhas Adriano P. - Ficheiro áudio: 20160513120802_4530510_2871090 - Início da intervenção: 13 de maio de 2016, 12:08:45 e João G. - Ficheiro áudio: 20160609161757_4530510_2871090 - Início da intervenção: 9 de junho de 2016, 16:18:20).
E)O Tribunal ad quem deve ainda dar como provado que: Os Administradores da Ré sabiam da situação financeira da Autora em 2011 e à data da deliberação impugnada (Cfr. depoimentos de Ricardo V. - Ficheiro áudio: 20160609143920_4530510_2871090, Início da intervenção: 9 de junho de 2016, 14:39:44, João G. – Ficheiro áudio: 20160609161757_4530510_2871090, Início da intervenção: 9 de junho de 2016, 16:18:20 e Adriano P. - Ficheiro áudio: 20160513120802_4530510_2871090, Início da intervenção: 13 de maio de 2016, 12:08:45 e ainda por os eventos que influenciaram a situação da Autora desde 2011 a 2013 serem do conhecimento público).
F)Aliás era inverosímil que assim não fosse, que numa sociedade, mesmo que anónima, mas de cariz familiar, apesar de detida indirectamente através de SGPS, os administradores e os accionistas não conhecessem reciprocamente à situação dos outros.

ADITAMENTO DE FACTOS INSTRUMENTAIS.

G)Vem a Recorrente, na sua alegação de facto, requerer, ao abrigo dos artigos 640.º e 662.º do CPC, (cfr., Sousa, Miguel Teixeira de, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2.ª edição, Lex, Lisboa, 1997, p. 77; mais recentemente, Pimenta Paulo, Ónus de alegação e de impugnação das partes e poderes de cognição do tribunal in II Colóquio de Processo Civil de Santo Tirso, Paulo Pimenta (coord.), Almedina, 2016, p. 93), Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Data: 01.04.2014, Processo: 140967/12.8YIPRT.L1-1, Relator: João Ramos de Sousa, Disponível em www.dgsi.pt), que à decisão da matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo sejam aditados os seguintes factos:
·-O Conselho de Administração da Ré não contactou a Autora antes da deliberação de aumento de capital referida no ponto 18 da sentença, nem se preocupou em saber se tinham condições financeiras para a subscrição do mesmo.
·-Os accionistas da Ré que integram o grupo da família (família M.) a que pertencem os administradores da Ré tiveram conhecimento do aumento de capital referido no ponto 18 da sentença antes da deliberação do mesmo pelo Conselho de Administração.
·-O Conselho de Administração da Ré sabia que os accionistas da Ré que integram o grupo da família a que pertencem os administradores desta tinham condições financeiras para subscrever o aumento de capital. (cfr. depoente de parte, Dr. Ricardo M., Presidente do Conselho de Administração da Ré, - depoimento de 13 de maio de 2016, com início às 10:34:05 e esclarecimento da testemunha José M., pai dos membros do Conselho de Administração, ver ponto 11 da sentença, accionista das sociedades accionistas da Ré - Ficheiro áudio: 20160513151532_4530510_2871090, Início da intervenção: 13 de maio de 2016, 15:16:13).

H)-Requer ainda a Recorrente, ao abrigo dos citados preceitos legais, o aditamento dos seguintes factos instrumentais:

A previsão da competência do Conselho de Administração para aumentar o capital social, por uma ou mais vezes, até ao limite de quinhentos mil euros (ponto 7 da sentença) deveu-se ao facto de existirem resultados transitados na Ré (cfr. depoimento de Ricardo V. - Ficheiro áudio: 20160609143920_4530510_2871090 - Início da intervenção: 9 de junho de 2016, 14:39:44 e João G. - Ficheiro áudio: 20160609161757_4530510_2871090 - Início da intervenção: 9 de junho de 2016, 16:18:20).
I)Note-se ainda, em complemento dos meios de prova supra indicados, que em 2011, ano em que a Ré foi transformada em sociedade anónima, os resultados transitados eram de 757.761,24€. (doc. 6 do requerimento inicial da providência cautelar apensa aos presentes autos e novamente junto com o requerimento da Autora de 12.04.2016, ref. 22350988, fls. 2018 e ss – balanço da Ré do exercício de 2012).

J)Vem ainda a Recorrente requerer o aditamento dos seguintes factos provados com interesse para a causa:
- A D… - … Imobiliários, Lda. não foi encerrada pelo Turismo de Portugal. (cfr. depoimento de José M. - Ficheiro áudio: 20160513151532_4530510_2871090 - Início da intervenção: 13 de maio de 2016, 15:16:13).
K)Por fim, com manifesta e óbvia relevância para a decisão de (in)validade da deliberação impugnada, deve ainda ser aditado como facto provado que: O projecto de deliberação de aumento de capital do Conselho de Administração da Ré não foi submetido ao fiscal único da Ré. (cfr. depoimento de José de A., ROC e fiscal único da Ré à data da deliberação impugnada, Ficheiro áudio: 20160519115628_4530510_2871090, Início da intervenção: 19 de maio de 2016, 11:56:47).


RECURSO DE DIREITO.

B)Ao escudar-se à apreciação da deliberação impugnada, por defender que não pode sindicar actos da administração, o tribunal esvazia e inutiliza a possibilidade de impugnação directa da deliberação da administração, sem prévio recurso à Assembleia Geral.
C)A mera apreciação de que a deliberação foi formalmente fundamentada não é suficiente para concluir pelo cumprimento ou não dos deveres de cuidado e de lealdade dos administradores.

D)A deliberação é abusiva por:
a.-a sua justificação pelo Conselho de Administração da Ré (a necessidade e urgência das obras) não ser verdadeira, uma vez que ficou provado que não havia urgência (as obras só foram iniciadas em 2014, não foram totalmente realizadas e nem por isso o Turismo de Portugal encerrou o empreendimento) ;
b.-o Conselho de Administração da Ré ter tratado de forma desigual os seus accionistas, ao dar conhecimento aos accionistas do lado da Família M. do aumento previamente à sua deliberação e sabendo que estes teriam capacidade para o subscrever, sem ter o feito o mesmo com a aqui Autora, ainda mais bem sabendo da existência do litígio entre os accionistas, ou seja, privilegiou uns accionistas em detrimento da Autora;
c.-o Conselho de Administração da Ré ter violado os seus deveres de lealdade, de prudência e de boa gestão (art. 64.º do CSC) ao não ter sequer equacionado outro meio de injecção de liquidez, nomeadamente, o financiamento bancário, quando o valor real do seu património excede os 10 milhões;
d.-as obras que justificam a deliberação impugnada, obras de instalação e substituição de equipamento (instalação do ar condicionado, substituição de mobiliário do quarto, das salas de estar e refeições, substituição de equipamento da kitchenette e do sistema de áudio e vídeo das unidades de alojamento do Empreendimento propriedade da Ré, são da responsabilidade da R… S.A. (art. 5. do contrato R… S.A.), não integrando o conceito de “obras de remodelação profunda”, nos termos do regime jurídico da urbanização e da edificação e do regime jurídico da reabilitação urbana, sendo esta a única interpretação possível, em respeito das regras legais consagradas nos arts. 236.º e ss do CC, dada a forma de remuneração da exploração: 80% dos resultados operacionais, para o apuramento dos quais são deduzidos os custos incorridos.

E)A deliberação impugnada é ainda anulável, por ser abusiva, por violar ainda o princípio da boa fé, uma vez que é manifestamente abusiva por exceder os limites da boa fé e por ser contrária ao fim económico e social a que se destina, pois demonstrado que a Ré não necessita urgentemente de um aumento do seu capital social em mais de 400.000 €, o que representa cerca de 9 vezes mais do
que o valor actual (50.000 €), o Conselho de Administração ao deliberar um astronómico aumento de capital, fê-lo à revelia do interesse da sociedade, com o evidente e ilegítimo propósito de aniquilar os direitos sociais dos accionistas minoritários, designadamente a aqui Autora que, como os administradores da Ré bem sabem, não tem meios económicos para subscrever a quantidade necessária de acções para manter a sua posição relativa na estrutura accionista da sociedade.
F)Mesmo que se entenda que não ficou provado o dolo eventual, o que se concebe sem se conceder, é possível concluir pelo carácter abusivo da deliberação - sustentando uma visão puramente objectivista das deliberações abusivas, ANTÓNIO PEREIRA DE ALMEIDA entende que “A lei não exige a prova do elemento subjectivo. Basta que as deliberações sejam apropriadas para satisfazer o propósito” (in “Sociedades Comerciais”, Coimbra Editora, p. 206, realce nosso).
G)O direito de preferência da Recorrente não foi respeitado de forma útil e de modo que permitisse efectivamente o seu exercício pela aqui Recorrente, uma vez que o aumento foi deliberado no período de férias, publicado nesse mesmo período e com um curto prazo de subscrição atento o astronómico montante do aumento.
H)Face ao exposto, por ser manifestamente abusiva, a deliberação impugnada é anulável por força do disposto no n.º 3 do artigo 411.º do CSC.
I)O carácter abusivo da deliberação impugnada decorre ainda da desvalorização das acções resultante do aumento ter sido feito pelo valor nominal e não pelo valor económico ou pelo valor das acções segundo o critério patrimonial. Caso tivesse sido feito o aumento pelo valor real e cada acção, teriam sido necessárias
emitir menos novas acções e por conseguinte, seria possível reduzir a alteração na estrutura societária da Ré.
J)Com efeito, o valor do capital social e, consequentemente, o valor do capital próprio aumentaria em 247.500 (49.500 * 5), pelo que o valor por acção seria de 17,40 € (787.560,56 € (capital próprio actual) + 247.500 € (valor do aumento) /10.000 (número actual de acções) + 49.500 (novas acções), valor que é igualmente inferior aos actuais 78,75 €.
K)A desvalorização das participações é ainda mais impressiva se atendermos ao critério de avaliação patrimonial: considerando o valor patrimonial tributário, à data de 31.12.2012, dos imóveis da Ré de € 13.114.989,53, as 2.250 acções detidas pela Requerente valem, antes do aumento de capital aqui em causa 2.950.872,64 € (13.114.989,53€ / 2.250 acções) e após o aumento passarão a valer 295.087,26 €, ou seja, um diferencial de 2.655.785,38 € e as 500 acções do Requerente R… valem, antes do aumento, 655.749,48 € (13.114.989,53 € / 500 acções) e após o aumento, passarão a valer 65.574,95 €, ou seja, um diferencial de 590.174,53 €.
L)Independentemente do exposto, a deliberação impugnada é anulável, (art. 56.º, n.º 1, alínea a) do CSC), por violação de uma norma imperativa constante do artigo 456.º, n.º 3 do CSC, uma vez que o projecto do Conselho de Administração da Ré de aumento do capital social não foi submetido previamente ao fiscal único da Ré.
M)Sem prejuízo do exposto, acresce ainda que o artigo dos Estatutos da Ré de delegação da competência para o Conselho de Administração deliberar sobre o aumento de capital é inválido.
N)Para aferir se a delegação de competência para o Conselho de Administração deliberar sobre o aumento capital respeita o limite máximo, interpretado como limite material, importa apurar se o valor do aumento poderá conduzir a uma alteração radical da estrutura accionista.
O)O caso em apreço, como vimos, um aumento de um capital de € 50.000 para € 500.000 tem o poder de alterar radicalmente a distribuição das participações sociais entre os sócios, ao ponto de ter o poder de colocar os accionistas maioritários na posição prevista no art. 490.º do CSC, isto é, de uma aquisição potestativa das acções dos sócios minoritários.
P)Tal previsão estatuária não satisfaz o preceituado no art. 456.º, n.º 2, alínea a) do CSC, quando interpretado no sentido de que o limite máximo do aumento de capital deve ser um limite material que não conduza a uma alteração radical das posições dos accionistas.
Q)Aliás, interpretação contrária ao exposto da norma contida no art. 456.º, n.º 2, alínea a) do CSC seria inconstitucional por violação do direito de propriedade consagrado no art. 62º da Constituição da República Portuguesa, pois uma interpretação no sentido de que por limite máximo do aumento se entende qualquer valor numérico, expressamente fixado ou por remissão, independentemente do seu efeito na composição accionista seria permitir uma violação do direito de propriedade dos accionistas sobre as suas participações sociais.
R)Face ao exposto, deve concluir-se que o art. 5.º dos Estatutos é nulo, por violar o citado preceito legal, (cfr. Código das Sociedades Comerciais Anotado, Coordenação António Menezes Cordeiro, Almedina, 2009, p. 1085, ponto 3).
Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, deve a sentença recorrida ser revogada, fazendo-se assim justiça.

A Ré contra-alegou pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

Questões a decidir na apelação:

1ª questão: impugnação da matéria de facto;
2ª questão: aditamento de factos instrumentais à matéria de facto;
3ª questão: nulidade da deliberação do conselho de administração da Ré de 29 de Julho de 2013;
4ª questão: anulabilidade da mesma deliberação.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

II-Apreciação do recurso.

Factos provados:
Assentes no despacho saneador:
1.-“D… - … Imobiliários, Lda.”, pessoa colectiva nº 5…, tem sede na Rua D. Estefânia, nº 13-A, em Lisboa e encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o mesmo número;
2.-Tem o capital social de €50.000,00 (representado por 10.000 acções ao portador, no valor nominal de €5,00 cada) e por objecto social, construções e investimentos imobiliários;
3.-A sua transformação em sociedade anónima, bem como o aumento do capital social para €50.000,00, mostra-se registada em 13.07.2011;
4.-Tem registados como administradores (desde 10.02.2012) Ricardo M., Pedro M., Joana M. e Filipe M. de L.;
5.-A Requerente “P… - Sgps, S.A.” é titular de 2.250 e o Requerente R… é titular de 500 acções representativas do capital social da sociedade;
6.-Em 12.07.2011 realizou-se uma assembleia geral da sociedade “D… - … Imobiliários, Lda.”, na qual estiveram presentes todos os sócios (José M., titular de uma quota no valor nominal de €2.500,00 e “A…, SA”, titular de uma quota no valor nominal de €2.500,00, representada pelos seus administradores Ramiro V. e Ricardo V.) e os gerentes da sociedade, José M. e Ramiro V., na qual foram aprovadas por unanimidade as propostas de aprovação do balanço da sociedade à data de 31.05.2011, a transformação da sociedade em sociedade anónima, o aumento do capital no montante de €45.000,00, a admissão de 3 novos sócios (“P… - Sgps, S.A.”, com uma quota de €11.250,00 e que passou a participar na assembleia representada por Ramiro V.; a “BC – SPGS, S.A.”, com uma quota de €11.250,00, que passou a participar na reunião representada por Ricardo V. e a “T- SGPS, S.A.”, com uma quota de €22.500,00 e que passou a participar na reunião representada por José M.) e, ainda, os Estatutos da sociedade anónima e a composição dos órgãos sociais para o ano de 2011 (integrando o Conselho de Administração José M. como Presidente e Ramiro V., Ricardo M. e Eva V. como Vogais) – conforme cópia da acta nº 36 que consta de fls. 177 a 185 dos autos (numeração do proc. em suporte de papel) e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido;
7.-De acordo com o artigo quinto do contrato de sociedade aprovado por unanimidade na Assembleia geral da sociedade Requerida realizada em 12.07.2011:
“O Conselho de Administração poderá elevar, por uma ou mais vezes e nas condições que entender convenientes, o capital social até ao limite de quinhentos mil euros.” ;

8.-No dia 19.09.2011 realizou-se uma assembleia geral da “D… - … Imobiliários, Lda.”, com a seguinte “ordem de trabalhos”:

Pontos iniciais:

1–Destituição dos seguintes membros do Conselho de Administração:
Ramiro V. – vogal
Eva V. – Vogal
2.-Eleição dos seguintes dois novos membros do Conselho de Administração para o mandato em curso do ano de 2011:
Pedro M. (…)
Joana M. (…)

Pontos posteriormente aditados a requerimento de accionistas:
Ponto Um: Destituição com justa causa dos membros do Conselho de Administração, José M. e Ricardo M.
Ponto dois: Eleição dos novos membros para o Conselho de Administração para o mandato em curso (2011) Ricardo V. (…) e Rita V. (…)
Ponto três: Deliberar sobre a instauração de uma acção de responsabilidade contra os administradores destituídos” – Cfr. acta nº 37 cuja cópia consta de fls. 189 a 194 e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido, da qual consta terem sido aprovados os pontos um e dois, iniciais, da ordem de trabalhos, rejeitados os pontos um e três, aditados posteriormente, e considerado prejudicado o ponto dois aditado;
8B. A convocação dessa assembleia foi requerida ao Presidente da Mesa da Assembleia pela accionista “T-I – SGPS, S.A.” por carta de 11.08.2011, cuja cópia está junta a fls. 533 vº dos autos e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido, da qual designadamente consta que “a convocação e realização desta Assembleia Geral Especial justifica-se pelo facto de ter ocorrido uma alteração na estrutura accionista da sociedade que determina a necessidade de eleição de novos membros do Conselho de Administração que detenham a confiança da nova maioria dos accionistas”;

9.-Entre 12.07.2011 e 12.08.2011 foram alienadas 190 acções da “D… - … Imobiliários, Lda.” anteriormente detidas pela “BC – SPGS, S.A.”, à “T-I – SGPS, S.A.”;
10.-Em 23.01.2012 realizou-se uma assembleia geral da requerida “D… - … Imobiliários, Lda.”, na qual foi deliberado, designadamente, eleger como membros do Conselho de Administração da sociedade Ricardo M., como Presidente, e Pedro M., Joana M. e Filipe L. como Vogais – conforme acta nº 39, cuja cópia consta de fls. 199 a 202 e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido;
11.-Ricardo M., Pedro M. e Joana M são filhos de José M.;
12.-Das informações (escritas) preparatórias da AG de 23.01.2012 constava que Rita M. é Directora de auditoria Hoteleira dos empreendimentos turísticos pertencentes às empresas “D… - … Imobiliários, S.A.”, “Tr, S.A.” – cfr. doc. de fls. 495;
13.-Que Ricardo M. é membro do Conselho de Administração da “B… – Soc. de Construções, SA” e gestor, TOC e consultor nas empresas “D… - … Imobiliários, S.A.”, “Tr, S.A.”, “F… – Sociedade de Construções, SA” (..) – cfr. doc. de fls. 495 vº;
14.-E que Pedro M. é membro do Conselho de Administração da “B… – Soc. de Construções, SA” e arquitecto, gestor, TOC e consultor de projectos nas empresas “D… - … Imobiliários, S.A.”, “Tr, S.A.”, “F… – Sociedade de Construções, SA” (..) – cfr. doc. de fls. 496;
15.-Em 30.03.2012 realizou-se uma assembleia geral da sociedade requerida – cuja acta está junta a fls. 201 a 213 e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido – na qual foi, além do mais, deliberado (proposta aprovada com os votos a favor de José M., “T-I – SGPS, S.A.” e “Tr, S.A.”, os votos contra da Requerente e de “A…, SA” e a abstenção da “BC – SPGS, S.A.”) aprovar a proposta apresentada pela “T-I – SGPS, S.A.” de autorizar aos administradores Hugo, Pedro e Joana M. a exercerem, por conta alheia, actividades concorrentes com as actividades efectivamente actuadas ou exercidas pela “D… - … Imobiliários, S.A.” e em especial para continuarem a exercer as funções que vêm exercendo nas sociedades “Tr, S.A.” e outras;
16.-A “R… S.A.”, pessoa colectiva nº 5…, tem sede na Rua … em Lisboa, tem por objecto social a exploração hoteleira e gestão de empreendimentos e condomínios e é seu administrador único Ricardo M.;

17.-Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do “contrato de locação de estabelecimento comercial” celebrado entre a “D… - … Imobiliários, S.A.” e a “R… S.A.”, com data de 23.04.2012, tendo por objecto o empreendimento turístico denominado “Apartamentos D…” no Algarve – cuja cópia consta de fls. 561 a 564 dos autos - do qual designadamente consta, sob os art.ºs 3º e 5º que:


3.1.-Em contrapartida da fruição do prédio que lhe é transferida e da cessão de exploração do estabelecimento comercial nele instalado que por este contrato lhe são feitos, a Segunda contraente/cessionária pagará à cedente uma renda anual de valor variável correspondente a 80% dos resultados operacionais por ela obtidos.
3.2.-Para efeitos deste contrato fica claro que os resultados operacionais são constituídos pela diferença entre o total das receitas efectivamente recebidas e o total dos custos incorridos, onde se incluem os impostos e/ou taxas.
3.3.-A primeira renda anual vencer-se-á no dia 31 de Outubro de 2012 e as seguintes no dia 31 de Outubro dos anos subsequentes (…)”
3.4.-Juntamente com o meio de pagamento, a segunda contraente/cessionária entregará á Cedente nota justificativa e demonstrativa do valor da renda apurado”;

“Na vigência deste contrato, são da conta e responsabilidade exclusivas da Cessionária os custos com a manutenção, conservação ordinária e reparação do edifício onde se integra o estabelecimento cedido, bem como os custos com a manutenção, conservação, reparação e substituição dos móveis, máquinas, equipamentos e utensílios do estabelecimento cedido”;

18.-O Conselho de Administração da sociedade Requerida reuniu no dia 29.07.2013, tendo por ponto único da ordem de trabalhos inserido na convocatória, deliberar sobre a proposta de aumento do capital social da sociedade de €50.000,00 para €500.000,00 reservado aos accionistas por entradas em dinheiro;

19.-Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor da deliberação tomada naquela reunião do Conselho de Administração, que consta da acta (nº12) cuja cópia consta de fls. 283 a 285 dos autos (numeração do processo em suporte de papel), de que consta aprovada por unanimidade a proposta de que “este Conselho de Administração exerça os poderes que o contrato de sociedade lhe confere e delibere aumentar o capital social da nossa sociedade por entradas em dinheiro dos actuais €50.000,00 para €500.000,00, através da emissão de 90.000 acções ordinárias tituladas e ao portador, no valor nominal de €5,00 cada um”;

20.-Bem como, designadamente:

tomou a palavra o Presidente do Conselho de Administração, Dr. Ricardo M. que, no seu uso, disse:

Como todos sabemos, o edifício de que a nossa sociedade é proprietária sito na Praia … (que constitui um Empreendimento Turístico do tipo “Apartamentos Turísticos”, classificado como “Apartamentos Turísticos de 2 estrelas” pela então Direcção Geral do Turismo e conhecido por “D – Apartamentos Turísticos) foi construído no ano de 1991 e, desde então, nunca nele foram realizadas quaisquer obras de beneficiação e/ou adaptação.
O edifício mostra-se envelhecido, fora de moda, sem sistema de climatização e desgastado o que o torna pouco atractivo para o fim turístico a que tem estado e a que queremos continue a estar afecto.
De ano para ano, vêm aumentando as queixas dos operadores que têm comercializado os apartamentos turísticos que o integram e as suas recomendações para que se façam obras significativas no prédio corrigindo o que nele está mal, fazendo alterações que os novos tempos exigem, embelezando-o o dotando-o de sistema de climatização que hoje todos os clientes exigem.
As queixas acentuaram-se neste ano e já se traduzem na ameaça de que, se nada se fizer, eles deixam de querer comercializar aquele empreendimento, mesmo esmagando os preços.
O edifício precisa urgentemente de obras de beneficiação e conservação.
Tal como está, antiquado e desgastado, não temos qualquer hipótese de concorrer com os empreendimentos que, entretanto, apareceram na zona, mais modernos, melhor apetrechados e confortáveis.
Ao que se deixa dito, acresce que, com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 39/2008 de 28 de Abril e Portaria nº 517/2008 de 25 de Junho, o empreendimento turístico nele instalado que, nos termos da lei, vai ter de requerer-se e que, em breve após vistoria, será objecto de Despacho do Turismo de Portugal.
As obras a realizar atingirão um custo da ordem dos 1.000.000€, valor de que a sociedade não dispõe.
E, na situação económico/financeira actual, não é possível encontrar solução junto de uma instituição financeira para financiar as obras necessárias, em condições minimamente aceitáveis e que não coloquem em risco o equilíbrio da sociedade.
Pelo que, a única solução parece ser a de que as obras sejam custeadas com capitais próprios da sociedade, isto é, chamando os Senhores Accionistas a subscrever e a realizar aumento de capital da sociedade dos actuais €50.000,00 para, no mínimo, €500.000,00.
Talvez já prevendo que seria necessário, aquando da transformação da sociedade em sociedade anónima, os senhores accionistas estabeleceram no artigo quinto do contrato de sociedade que o Conselho de Administração poderá elevar, por uma ou mais vezes e nas condições que entender convenientes, o capital social até ao limite de quinhentos mil euros.
Assim sendo, na linha do que se deixou dito, proponho que este Conselho de Administração exerça os poderes que o contrato de sociedade lhe confere e delibere aumentar o capital social da nossa sociedade por entradas em dinheiro dos actuais 50.000,00€ (cinquenta mil euros) para €500.000,00 (quinhentos mil euros) através da emissão de 90.000 acções ordinárias, tituladas e ao portador, do valor nominal de 5,00€ cada uma”;

21.-Dá-se aqui por integralmente reproduzido o “anúncio” cuja cópia está junta a 488 vº dos autos, publicado em 3.08.2013, de que designadamente consta:
Avisam-se os Senhores Accionistas da sociedade (…) de que, exercendo os poderes que lhe são conferidos no artigo quinto do contrato de sociedade, em 29 de Julho de 2013 e por unanimidade, o Conselho de Administração deliberou aumentar o capital social da sociedade “D… - … Imobiliários, S.A.” dos actuais €50.000,00 para €500.000,00 por entradas em dinheiro.
Mais se avisam aqueles Senhores Accionistas de que o valor do aumento (…) será representado por noventa mil novas acções ordinárias, tituladas e ao portador do valor nominal de cinco euros cada uma e que eles os podem subscrever com preferência relativamente a quem não for accionista.
Avisam-se ainda os Senhores Accionistas de que as novas acções serão repartidas entre os accionistas que exerçam o direito de preferência atribuindo-se o número de acções proporcional àquelas de que for titular na data da deliberação (29/07/2013) ou o número inferior a esse que o accionista tenha declarado querer subscrever (…)
Não sendo totalmente subscrito o aumento do capital deliberado, o aumento ficará limitado às subscrições recolhidas.
Finalmente, avisam-se ainda os senhores accionistas de que o direito de preferência tem de ser exercido no prazo de quinze dias contados da publicação deste anúncio (…)
O valor das novas acções subscritas que lhes tenham sido atribuídas deverá ser realizado, em dinheiro, no prazo de 20 dias a contar da data em que tiver sido definitivamente fixado o número de novas acções atribuído a cada um dos accionistas subscritores”;

22.-Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do documento junto a fls. 496vº a 511 – certificação legal de contas e relatório e parecer do fiscal único, relatório do conselho de administração e balanço e demonstração de resultados da “D… - … Imobiliários, S.A.” relativos ao exercício de 2012, de que designadamente consta:
- resultado líquido do período: €5.603,57;
- caixa e depósitos bancários : €89.680,28;
- activo corrente: €3.068.224,26 (dos quais €8.495,41 de créditos sobre clientes,
€693.740,81 sobre o Estado e outros entes públicos e €89.680,28 de outras contas a receber);
-fornecimentos e serviços externos: -€154.653,64;
-gastos com pessoal: -€191.503,12;
-passivo corrente: €2.936.152,19 (dos quais €55.438,60 de dívidas a fornecedores, €8.248,69 ao Estado e outros entes públicos, €1.355.932,06 de financiamentos obtidos e €1.518.532,84 de outras contas a pagar);
-em 31.12.2012 a D… - … Imobiliários, S.A., não tem colaboradores, para além dos seus 2 administradores;

23.-Bem como o Balanço e demonstração de resultados reportado a 31.12.2012 da Requerente “P… - Sgps, S.A.”, que está junto a fls. 513 vº a 516 vº dos autos, e de que designadamente consta:
-activo: €3.951.692,61 (dos quais €3.774.403,82 de activo não corrente)
-capital próprio: €2.235.963,19 (dos quais €1.938.284,75 de resultados transitados);
-passivo: €1.725.729,42 (dos quais €1.455.452,36 de financiamentos obtidos);
-resultados operacionais: -€296.685,04;
-resultado líquido do período: -€280.809,45;

Dos temas da prova:

24-A “D… - … Imobiliários, S.A.” tem a seu favor inscrita a aquisição de dez fracções autónomas, destinadas a habitação, compostas de 2 divisões, kitchenette e casa de banho, do prédio sito no …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão… sob a ficha 3… e inscrito na matriz sob o artigo 1….;
25-Que se encontram a ser comercialmente explorados, para fins turísticos, por terceiros;
26-E que em 2012 estavam inscritos na caderneta predial urbana um valor patrimonial (CIMI) compreendido entre €64.040,00 e €76.910,00;
27-Bem como do prédio rústico, registado no livro 5º sob o nº 1… e ficha … da freguesia de …, na Conservatória do Registo Predial de …, inscrito na matriz sob o nº 3… da secção AC e com um valor tributável de 18.304$00;
28-No qual se encontra construído, há mais de 20 anos, o empreendimento turístico classificado como “apartamentos turísticos de 2 estrelas”, conhecido por “D… - Apartamentos Turísticos”;
29-E que em 2014 estava inscrito na caderneta predial urbana um valor patrimonial (CIMI) de €10.957.860,00;
30-Tem ainda no seu activo imobiliário um prédio misto destinado a construção urbana denominado “Quinta …”, sito em …e, Lisboa, descrito na …ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº … da freguesia de …;
31-Em relação ao qual foi intentada em 2009 um acção judicial de simples apreciação e constitutiva, alegado ser a proprietária e legítima possuidora, por compra efectuada em Abril de 1992, no âmbito da qual foi proferida em 23.01.2013 a sentença cuja cópia consta de fls. 222 a 278 dos autos e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido, e que viria a ser confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9.09.2014 (cuja cópia está junta a fls. 327 a 412 e cujo teor integral se dá igualmente por reproduzido), da qual designadamente consta o reconhecimento da propriedade e posse do imóvel pela “D… - … Imobiliários, S.A.”, mas reduzido à área efectiva de 1.328 m2 (considerando a expropriação amigável da EPAL de que foi objecto e que do mesmo deve ser destacado um prédio com 18.600 m2);
32-A R. (os responsáveis dos Apartamentos T. D…, Praia …) recebeu do Turismo de Portugal, subscrita pela Directora do Departamento da Classificação e Qualidade e datadas de 4.09.2012 e de 27.05.2013, as cartas cujas cópias constam de fls. 214 e 282 e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido, notificando-a para “no prazo de 15 dias, informar sobre a situação do estabelecimento, isto é, se pretendem ver o empreendimento reconvertido ou se houve qualquer registo em alojamento local, sob pena de remessa do assunto à Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) e de cancelamento da respectiva autorização de abertura/licença de utilização”;

33-O “D - Apartamentos Turísticos” não tinha, em Julho de 2013, ar condicionado nem estacionamento privativo e carecia de remodelação dos equipamentos dos quartos (equipamento para ocultação da luz exterior, roupeiro, cabides, cadeira ou sofá, mesas de cabeceira, luzes de cabeceira e tomada de electricidade), das salas de estar e refeição (mesa de refeições, cadeiras e sofás, loiças, vidros e talheres), parte do equipamento das kitchenettes (frigorífico, lava-loiça e armário, placa e exaustor de fumos) e do sistema de áudio de vídeo (TV a cores com controlo remoto na sala), tendo sido estimadas obras no valor de €625.000,00 e orçamentada a colocação de aparelhos de ar condicionado em pelo menos €242.592,00;
34-A gerência dos apartamentos turísticos recebia queixas de clientes relacionadas com as condições de conforto dos apartamentos, principalmente com a falta de ar condicionado;
35-No início de 2014 foram instalados os aparelhos de ar condicionado, no valor de cerca de €200.000,00 e, até 2015, feitas as intervenções na parte eléctrica e instalados aparelhos de televisão nos quartos, com controlo remoto, no valor de cerca de €50.000,00;
36-As contas anuais referentes ao exercício de 2012 da “P… - Sgps, S.A.” foram depositadas na Conservatória do Registo Comercial em 19.03.2015;

37-No balanço reportado a Julho de 2013, mas elaborado posteriormente, cuja cópia consta de fls. 593 dos autos e cujo teor integral se dá aqui por reproduzido, foi designadamente registado o seguinte:
-activo: €3.622.899,30
-activos fixos tangíveis: €633.238,49
-capital próprio: -€1.724.274,62;
-passivo: €5.347.173,92 (do qual €3.766.409,16 não corrente, sendo:
-provisões:€2.420.977,10;
-financiamentos obtidos: €1.345.432,06;

38-A provisão no montante de €2.420.977,10 foi feita tendo em conta a sentença de 23.01.2013 supra referida em 29.

Matéria de facto não provada.

Com relevância para a decisão da causa e excluindo a matéria conclusiva e/ou de Direito, não resultou provado:
1.-que os AA., quer a “P… - Sgps, S.A.” quer R…, não tivessem, à data do anúncio da deliberação impugnada, condições financeiras para participar no aumento de capital;
2.-que os administradores da “D… - … Imobiliários, S.A.” soubessem disso e, só por isso, tenham deliberado aumentar o capital social.

Enquadramento jurídico:

1ª questão: impugnação da matéria de facto.

Delimitando as conclusões o objecto do recurso, analisemos as que versam sobre esta primeira questão.
A conclusão A) das alegações prende-se com a motivação da sentença relativamente aos dois factos que o tribunal recorrido deu como não provados, contrapondo designadamente a recorrente que “Ricardo Vieira, irmão de Ramiro Vieira, ex-administrador da “BC – SPGS, S.A.”, não era tio dos membros do CA da D… - … Imobiliários, S.A.”, o que explica de forma deveras confusa e sem outro interesse prático que não seja ilustrar as diversas contradições em que diz ter incorrido o tribunal a quo.
Não são mais do que esclarecimentos, conforme aliás a recorrente acaba por reconhecer no 2º parágrafo de fls. 924, que quanto muito constituem uma introdução ao que se segue, utilizada numa estratégia de desvalorização da sentença através da chamada de atenção para um ou outro lapso mas que, só por si, carecem de potencial para alterar o sentido dos dois factos de que discorda.
As conclusões B) e C) extravasam o âmbito da impugnação da matéria de facto porque a segunda termina com a arguição da “nulidade da sentença, nos termos previstos no art. 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC”, ou seja, em que “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
Para a justificar o que faz a recorrente é apontar, de forma pouco elegante, “…contradições, a utilização de dois pesos e duas medidas…” na motivação da decisão da matéria de facto e na fundamentação da decisão de direito, procurando evidenciar que os critérios seguidos numa e noutra são distintos para ambas as sociedades, autora e ré, daí concluindo pela nulidade da sentença.
Ao utilizar essa linha de argumentação a A. imputa ao tribunal uma dualidade de critérios, que manifestamente não existe, mas não demonstra que o raciocínio desenvolvido esteja em contradição lógica com a decisão que veio a ser proferida, impondo uma outra de sentido oposto; e como também não aponta à sentença quaisquer ambiguidades ou obscuridades, tanto assim que não emprega tal terminologia, conclui-se que não ocorre a invocada nulidade da sentença.

Passando à apreciação da impugnação da matéria de facto propriamente dita, nas conclusões D) e E) a recorrente indicou expressamente a redacção a conferir aos dois factos não provados que são, recorde-se:
1.-que os AA., quer a “P… - Sgps, S.A.” quer R…, não tivessem, à data do anúncio da deliberação impugnada, condições financeiras para participar no aumento de capital;
2.-que os administradores da “D… - … Imobiliários, S.A.” soubessem disso e, só por isso, tenham deliberado aumentar o capital social.

A conclusão D) reporta-se às condições financeiras da A. P… - Sgps, S.A. e a E) ao conhecimento, por parte dos administradores da Ré, de tal situação.

Para demonstrar a insuficiência daquelas a sociedade A. apoiou-se num “balancete” reportado aos meses de Julho e Agosto de 2013, junto aos autos com o requerimento probatório de 02/02/2016 (fls. 147 a 155 do processo impresso e 203 a 211 do electrónico), e nos depoimentos das testemunhas Adriano P. e João G.

A crítica formulada assentou no facto de o documento nem sequer ter sido apreciado pelo tribunal a quo, quando demonstrava que a sociedade apenas tinha 2.266,59 € de liquidez em depósitos bancários e que devia 1.455.960,62 € de financiamentos obtidos, daí concluindo pela ausência de liquidez e dificuldade em recorrer de novo ao crédito bancário, comprovada pelo depoimento do Dr. Adriano P.

Antes de entrar na análise da argumentação da apelante convém recordar que se exige, num processo judicial, especial rigor e transparência na produção da prova, designadamente na documental, cuja inobservância não pode deixar de ter consequências.

Aquilo que imediatamente se constata da leitura do “balancete” é que não está datado nem assinado, não oferecendo assim quaisquer garantias acerca da sua autoria e autenticidade, o que lhe retira qualquer valor probatório.

Não é por isso de admirar que o tribunal o tenha desconsiderado, omitindo qualquer referência a seu respeito.

A juntar a esta deficiência acresce a discrepância de valores entre os balanços resumidos nos factos n.ºs 23 e 37, o primeiro reportado a 31/12/2012 e o segundo “…a Julho de 2013, mas elaborado posteriormente, cuja cópia consta de fls. 593 dos autos…” (sublinhado nosso), sabendo-se ainda que “as contas anuais referentes ao exercício de 2012 da “P… - Sgps, S.A.” foram depositadas na Conservatória do Registo Comercial em 19.03.2015” (facto n.º 36).

Essa disparidade traduz-se num inexplicável aumento do passivo total, de 1.725.729,42 € para 5.347.173,92 €; numa redução do activo de 3.951.692,61 € para 3.622.899,30 €; e numa igualmente inexplicada redução do capital próprio da sociedade de 2.235.963,19 € para 1.724.274,62 €.

Temos, assim, um pretenso “balancete”, ao qual a recorrente pretende conferir especial importância insurgindo-se contra a sua omissão na sentença recorrida; e dois balanços, o segundo registado com anos de atraso e que, sem que tenha sido adiantada qualquer explicação credível, num período de seis meses transforma um activo substancialmente superior ao passivo na situação inversa, um passivo muito superior ao activo.

Esta falta de rigor e transparência só pode ter como consequência a prevalência dos números que constam do facto n.º 23; e ainda há que considerar a existência de um capital próprio de 2.235.963,19 €, perante o qual é muito difícil conceber que a sociedade, se outra solução não encontrasse, não obtivesse o financiamento necessário às exigências do aumento de capital no tempo disponível (mais adiante veremos que não era tão curto como pretende a recorrente).

Perante estes dados documentais, as mesmas exigências requeriam a produção de uma prova testemunhal de tal forma esclarecida e convincente que tudo explicasse e fizesse esquecer as incongruências encontradas.

Mas não foi o que sucedeu, longe disso.

Desde logo a própria transcrição de parte do depoimento do Dr. Adriano P. (gestor de empresas e contabilista certificado da A. P… - Sgps, S.A. desde a sua fundação) revela que o seu depoimento não foi minimamente assertivo acerca das possibilidades de recurso à banca: “não vou dizer que era impossível, mas era quase impossível… depende se tivesse linhas contratadas… em princípio não”.

Acerca do conhecimento por parte dos administradores da Ré D… - … Imobiliários, S.A. declarou que “devia saber, estou convencido de que sabia” (min. 34.30), seguindo-se hesitações; e no min. 44.10, quando a ilustre Advogada da A. perguntou à testemunha “muito categoricamente” (expressão sua) sobre tal conhecimento, a resposta foi “eu digo que eles sabiam, especialmente o Dr. Ricardo M. porque acompanhou situações no passado… quanto aos outros não sei, mas presumo… mas é presunção, não posso afirmar que saibam”, o que é manifestamente insuficiente e redutor quando estamos perante a deliberação de um órgão colegial, que por definição não se resume a uma só pessoa.

O depoimento de João…, administrador judicial (com ligações apenas à sociedade “BC – SPGS, S.A.” até 2013, “gémea” da P… - Sgps, S.A.), foi também um depoimento indirecto, conforme novamente se percebe pela transcrição, cuja parte sublinhada pela recorrente pouco ou nada adianta de concreto: “…portanto, destas sociedades, estas SGPS, portanto, é evidente que não podem ser… não eram boas, e presumo que não sejam grande coisa aos dias de hoje”.

O seu conhecimento adveio, conforme se depreende do conjunto do depoimento, de conversas a propósito de negócios ocorridos em 2011, designadamente nas negociações de vendas de participações sociais, mas nada de objectivo esclarecendo acerca do efectivo conhecimento por parte dos administradores da Ré acerca da falta de condições financeiras da sociedade A. para participar no aumento do capital social.

A este propósito também foi ouvido Ricardo V., administrador da já referenciada sociedade “BC – SPGS, S.A.”, cujo depoimento também teve como pano de fundo as conversas acerca das negociações de 2011 que, apesar de se mostrar convencido de que era conhecida a situação difícil da P… - Sgps, S.A., nada adiantou que permitisse transpô-la para 2013 ou convencer do seu conhecimento, por parte dos administradores da D… - … Imobiliários, S.A., à data da deliberação de aumento do capital social.

Para concluir importa frisar dois pontos: não foi apresentada qualquer prova documental da situação financeira da P… - Sgps, S.A. em 2011, entendendo-se que depoimentos como os prestados não são aptos a substitui-la para demonstrar que era a mesma após o decurso de dois anos, tanto mais que as alegadas dificuldades não encontram correspondência no balanço considerado na sentença; e ninguém testemunhou no sentido de que os administradores da Ré tivessem deliberado o aumento de capital só por terem conhecimento da falta de condições financeiras dos AA., porventura o aspecto mais relevante dos dois factos em discussão.
Do exposto decorre que nem a prova documental nem a testemunhal impõem uma decisão diversa da recorrida, conforme exigem a al. b) do n.º 1 do art.º 640º e o n.º 1 do art.º 662º do Código de Processo Civil.

2ª questão: aditamento de factos instrumentais à matéria de facto

Através das conclusões G) a K) a recorrente veio requerer o aditamento de diversos factos instrumentais, invocando como base legal os referidos art.ºs 640º e 662º.
Em determinadas circunstâncias, naturalmente restritas, a possibilidade de aditar factos instrumentais pode ser ponderada e concretizada.
Mas para isso é preciso não confundir os instrumentais com os essenciais, aqueles que têm de ser alegados pelas partes nos termos do n.º 1 do art.º 5º do Código de Processo Civil.
Essa confusão é patente na conclusão K), na qual a recorrente pretende que seja aditado o seguinte: “O projecto de deliberação de aumento de capital do Conselho de Administração da Ré não foi submetido ao fiscal único da Ré”; e mais adiante, na conclusão L) do recurso de direito, invoca este mesmo facto como fundamento para o pedido de anulabilidade da deliberação por violação de uma norma imperativa, o n.º 3 do art.º 456º do Código das Sociedades Comerciais.
Do nosso ponto de vista estamos claramente perante um facto essencial, tal é a evidência de que se mostra decisivo para a pretensão do correspondente pedido.
Sucede que tal facto não foi oportunamente alegado, o pedido não foi formulado nos articulados da acção e, consequentemente, a pretexto do aditamento de um facto alegadamente instrumental, o que efectivamente faz a recorrente é colocar uma questão nova, que não pode ser apreciada em sede de recurso por não ter sido previamente submetida à apreciação e decisão do tribunal de 1.ª instância.
Pelo exposto indefere-se o aditamento pretendido.

Por contraposição aos essenciais, os factos instrumentais não têm de ser alegados e, dispensando considerações de ordem dogmática que só se justificariam se fosse necessária maior precisão de conceitos, são aqueles que indiciam ou permitem inferir a verificação dos primeiros, designadamente por via de presunções judiciais ou regras de experiência.

Por outras palavras, na falta do facto essencial é através de factos instrumentais que se chegará à prova daquele.

Revestem-se, assim, de cariz probatório ao nível indiciário, mas apesar disso com interesse para a decisão da causa, na medida em que facultam ao julgador uma base factual de que não dispunha e que lhe permitirá chegar ao facto ou conjunto de factos essenciais que integram a causa de pedir da acção.

Contudo, em sede de recurso, o aditamento de factos instrumentais tem de ser encarado com naturais cautelas para que a parte não obtenha por outra via aquilo que não alcançou na discussão e julgamento públicos dos factos essenciais, que oportunamente alegou e não provou.

Com efeito, não faz qualquer sentido utilizar prova indiciária para provar aquilo que não se conseguira, incorrendo-se inclusivamente em contradição insanável no confronto da matéria de facto provada com a não provada – ou sanável, mas então teria de prevalecer o decidido quanto aos factos essenciais não provados, o que se traduz em actividade processual inútil na enunciação dos instrumentais.

O que se constata é que o objectivo da recorrente é precisamente esse: criar uma nova base factual, já em sede de recurso, que lhe permita substituir os dois factos essenciais que atempadamente alegara mas não logrou provar.

A jurisprudência dos tribunais superiores, embora não se tenham localizado decisões recentes, foi ao longo dos anos unânime no sentido de que “não deve recorrer-se à via presuntiva para suprir a falta de prova relativamente a factos devidamente discutidos e apreciados em audiência de julgamento” – acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-04-2011 (processo n.º 3840/06.3TBVCD.P1.S1), sumariado na revista “Vida Judiciária”, n.º 158, Jul./Ago./Set. 2011, página 74, e no sítio do STJ em http://www.stj.pt/index.php/jurisprudencia-42213/sumarios.

Neste mesmo sítio encontram-se sumariados diversos outros acórdãos no mesmo sentido: de 25-10-2012 (processo n.º 73127/05.0YYLSB-A.L1.S1), 17-06-2010 (n.º 5339/07.1TVLSB.L1.S1), 30-10-2008 (n.º 3033/08) e 23-09-2008 (processo n.º 2347/08).

No caso dos autos é manifesto que pela via instrumental/presuntiva se pretende suprir a falta de prova, o que pelas razões aduzidas e jurisprudência citada não é aceitável.

Em face do exposto entende este tribunal que não se justifica qualquer aditamento à matéria de facto provada nos autos.

3ª questão: nulidade da deliberação de 29 de Julho de 2013.

O litígio entre as partes tem por objecto a deliberação tomada em 29 de Julho de 2013, pelo Conselho de Administração da sociedade Ré, de aumentar o capital social de 50.000,00 € para 500.000,00 € (factos n.ºs 18 a 20).
A recorrente não se conformou com tal deliberação e, nos presentes autos, formulou como segundo pedido a declaração da sua nulidade por violação do art.º 456º, n.º 2, alínea a) do CSC e do direito de propriedade, consagrado no art.º 62º da Constituição da República Portuguesa.
Para o efeito sustenta nas conclusões M) a R) a nulidade do art.º 5º dos Estatutos da Ré, ao abrigo do qual foi tomada a deliberação, que é do seguinte teor: “O Conselho de Administração poderá elevar, por uma ou mais vezes e nas condições que entender convenientes, o capital social até ao limite de quinhentos mil euros”.
Por sua vez, o art.º 456º, n.º 2, alínea a) do CSC dispõe: “O contrato de sociedade estabelece as condições para o exercício da competência conferida de acordo com o número anterior, devendo: a) Fixar o limite máximo do aumento”.
A leitura da recorrente não é literal nem poderia ser, pois o montante máximo do aumento está expressamente fixado em 500.000,00 €, mas antes no sentido de que “deve ser um limite material que não conduza a uma alteração radical das posições dos accionistas… uma interpretação no sentido de que por limite máximo do aumento se entende qualquer valor numérico, expressamente fixado ou por remissão, independentemente do seu efeito na composição accionista seria permitir uma violação do direito de propriedade dos accionistas sobre as suas participações sociais” (cfr. conclusões P) e Q).

O problema deste enquadramento reside desde logo no conceito de “alteração radical das posições dos accionistas”, que não pode ser perspectivada quando se aprovam e alteram os estatutos da sociedade: tem de ser fixado um limite máximo numérico, porque se assim não fosse as posições dos accionistas corriam riscos muito mais elevados; e numa sociedade anónima, em que as acções são livremente transaccionáveis, em abstracto não é possível saber antecipadamente quais as concretas alterações que vão resultar de um aumento de capital, pois tudo dependerá do número de accionistas e da maior ou menor concentração de acções nas mãos de cada um.

Por outro lado a “composição accionista”, cuja salvaguarda os recorrentes encaram como um direito directamente associado ao direito de propriedade sobre as participações sociais, numa sociedade anónima não é uma realidade estática mas tendencialmente dinâmica, designadamente pela possibilidade de transacção das acções e, como sucede no caso concreto, por força das consequências derivadas da faculdade de aumento do capital social e do exercício, ou não, do direito de preferência por parte dos accionistas.

Uma interpretação como aquela que pretende a recorrente redundaria em fortes e intoleráveis entraves à dinâmica própria de uma sociedade anónima (não podemos pensar nas “familiares”, como será a dos autos, como padrão ou referência privilegiada) e na introdução de um factor aleatório particularmente difícil de gerir na salvaguarda de um direito, mais do que discutível, à manutenção de uma “composição accionista” estável, sabendo-se que a aquisição de acções societárias é uma actividade de risco e como tal deve ser encarada.

Conforme se salienta na sentença recorrida, é indiscutível que o aumento do capital próprio da sociedade teve como repercussão uma diminuição drástica do valor económico das acções da recorrente, mas isso não foi uma consequência da deliberação “…mas sim do facto de os AA. não terem subscrito as acções que lhe cabiam (em número proporcional às de que eram titulares à data da deliberação) com o direito de preferência que tinham como accionistas que já eram da sociedade”.

Também não se pode olvidar que os estatutos da sociedade Ré foram aprovados por unanimidade em assembleia geral realizada em 12 de Julho de 2011, já com intervenção da recorrente, não constando que se tenha oposto à aprovação da redacção do art.º 5º ou que na ocasião tenha proposto o entendimento que agora defende.

O que verdadeiramente se pode discutir no caso concreto – e talvez por isso é que a recorrente começou por arguir a anulabilidade e deixou como último recurso a nulidade, à partida um vício mais grave – é se, no contexto da própria sociedade e do circunstancialismo que levou ao aumento do capital social, existem razões objectivas que justifiquem a anulação da deliberação do Conselho de Administração da Ré por ter sido abusiva e contrária à lei.

Do exposto conclui-se que a interpretação proposta pela recorrente carece de base legal ou contratual, não tendo sentido a declaração de nulidade ou a alegada inconstitucionalidade do art.º 5º dos estatutos.

4ª questão: anulabilidade da deliberação de 29 de Julho de 2013.

Para fundamentar o primeiro pedido, de anulação da deliberação do Conselho de Administração da Ré de 29 de Julho de 2013, a recorrente invocou e procurou demonstrar o facto de “… ser abusiva e contrária à lei (art.ºs 58º, n.º 1, alínea b) e 411º, n.º 3, ambos do CSC e, subsidiariamente art.ºs 411º, n.º 3 do CSC e 334º do Código Civil)”; e nas conclusões D) a K) das alegações de recurso resumiu os argumentos que considera justificativos do carácter abusivo da deliberação.
No âmbito do enquadramento legislativo, a invocada alínea b) do n.º 1 do art.º 58º do Código das Sociedades Comerciais dispõe que são anuláveis as deliberações que “Sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos”; e, nos termos do n.º 3 do art.º 411º, “São anuláveis as deliberações que violem disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade, quer do contrato de sociedade”.
Finalmente, nos termos do art.º 334º do Código Civil “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.

Não merecem quaisquer reparos as considerações tecidas na sentença recorrida a propósito destas normas jurídicas e dos princípios que acolhem, a boa fé e o abuso do direito, bem como a transposição deste instituto para o campo das deliberações sociais, restando apenas salientar que o próprio enunciado legal exige um excesso manifesto aos limites da boa fé.

A este propósito revestem-se de particular interesse as oportunas citações de Pinto Furtado (“Deliberações dos sócios”, Almedina, págs. 388 e 389) quando interpreta a sanção da anulabilidade do art.º 58º no sentido de que não se aplica “à deliberação vantajosa para a maioria e desvantajosa para a minoria, a sociedade ou terceiros, mas àquela que a estas características acrescente a feição excessiva, i. e., abusiva”; “se não houver no caso concreto o traço de um excesso nas vantagens especiais aprovadas, não será esta alínea que determinará a anulabilidade da deliberação respectiva, ainda que todo o restante quadro se suponha, por hipótese, preenchido”; e, acrescenta o mesmo autor, “Não será, pois, sem mais, abusiva a deliberação da maioria apenas susceptível de causar um dano à Sociedade ou aos sócios na prossecução de vantagens especiais, mas aquela que traduza esta ideia na forma ou na dimensão de um excesso manifesto, abrindo margem à situação de clamorosa injustiça de que falam os autores e quanto à qual, só verificada ela, poderá fazer-se disparar a eficácia reparadora do abuso de direito”.

Só esta abordagem da anulabilidade das deliberações sociais, exigindo um “excesso manifesto” no abuso que se constatar, permite a autonomia essencial ao funcionamento e dinâmica das sociedades comerciais, salvaguardando uma ampla margem de liberdade na sua gestão, ainda que causadora de danos à sociedade e aos sócios (o que não equivale a impunidade, pois a lei prevê meios de responsabilização de gerentes ou administradores, que podem chegar à destituição e à responsabilidade civil ou criminal) e limitando a intervenção dos tribunais às situações verdadeiramente patológicas, aquelas em que o excesso manifesto e o abuso do direito exigem a actuação de uma autoridade pública, como um último recurso para salvaguarda de direitos legais e constitucionais.

Esse excesso manifesto não ficou demonstrado, conforme se verifica revertendo para o caso dos autos e com referência às conclusões D) a K) do “recurso de direito”:
-o entendimento supra perfilhado é incompatível com a “visão puramente objectivista das deliberações abusivas” a que alude a conclusão F), claramente minoritária e destituída de expressão jurisprudencial;
-a alusão a um “período de férias” na conclusão G) carece de sentido quando dirigida a uma sociedade anónima e gestora de participações sociais, que em qualquer altura do ano deve estar em condições de actuar com a celeridade que qualquer situação imponha;
-o “prazo curto de subscrição” não foi de apenas 20 dias (algo a que já antes se fez alusão e agora se concretiza), porque aquilo que ficou a constar do anúncio publicado (cfr. facto n.º 21) foi que “o valor das novas acções subscritas que lhes tenham sido atribuídas deverá ser realizado, em dinheiro, no prazo de 20 dias a contar da data em que tiver sido definitivamente fixado o número de novas acções atribuído a cada um dos accionistas subscritores”(sublinhado nosso),o que representa uma indefinição que não permite avaliar o prazo real de subscrição e entradas em dinheiro;
-a acusação de que não se terá equacionado outro meio de injecção de liquidez, nomeadamente o financiamento bancário, assenta numa mera suposição e numa base frágil, por força dos juros que teriam de ser pagos;
-a questão da desvalorização das acções, a que se reportam as conclusões I) a K), é uma realidade, mas constitui uma consequência inevitável da não subscrição das acções que proporcionalmente cabiam à recorrente no exercício do seu direito de preferência, conforme já se salientou neste acórdão e na sentença recorrida.

Recorde-se ainda que o aumento do capital social foi devidamente justificado na deliberação, embora não tenha sido previamente divulgado o propósito pelos accionistas minoritários, o que não será prática rara; e parte das obras necessárias foram realizadas, valorizando-se com isso a unidade hoteleira explorada pela Ré, o que talvez explique o facto de não ter sido fechada pelo Turismo de Portugal.

Alguns outros argumentos foram utilizados mas nenhum que se revista da gravidade que permita subsumir a actuação da Ré a um cenário de “abuso manifestamente excessivo”, nos termos supra referidos e com referência ao art.º 58º do Código das Sociedades Comerciais.

Para isso seria necessária a prova, por parte dos AA., dos dois factos que vieram a ser considerados não provados em 1ª instância e nesta sede; porém tal não sucedeu, nem esteve perto de se concretizar, reiterando-se que não foi inquirida qualquer testemunha nem produzido qualquer outro meio de prova que permitisse concluir que, só por saberem da falta de condições financeiras das AA., é que os administradores da Ré deliberaram aumentar o capital social.

III–Decisão.

Nestes termos acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.



Lisboa, 9 de Fevereiro de 2017



Nuno Sampaio (relator)
Maria Teresa Pardal
Carlos Marinho
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: