Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
13977/17.8T8LSB.L1-7
Relator: ANA RODRIGUES DA SILVA
Descritores: INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
SUPRIMENTO DA NULIDADE
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
IRREGULARIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/04/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1. A pluralidade subjectiva subsidiária prevista no art. 39º do CPC tem de ser alegada na petição inicial, concretizando-se os factos que se subsumem à dúvida fundamentada e finalizando com o pedido formulado de acordo com essa dúvida;
2. A mera apresentação de contestação não basta para fundamentar a aplicação do art. 186º, nº 3 do CPC, sendo também necessário que se perceba que o R. interpretou convenientemente a petição inicial e a pretensão do A.;
3. Quando o pedido deduzido não seja inteligível existe uma situação de ineptidão da petição inicial por falta de pedido, nos termos do art. 186º, n.º 2, al. a), 1 ª parte, do CPC, a qual não é suprível através do convite ao aperfeiçoamento previsto no art. 590º do CPC.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
1. A [Maria ….] intentou a presente acção declarativa de condenação contra B [ Barclays Bank, Plc, Sucursal Em Portugal ] e C Bankinter S.A. - Sucursal Em Portugal pedindo que se julgue a acção procedente, devendo:
“A) ser o negócio celebrado entre a A. e R. anulado por erro na base do negócio e condenado o R. à devolução de EUR 80.000, acrescido de juros vincendos até integral pagamento;
Se assim não se entender, o que apenas e só por mero dever de patrocínio se pede, deve a R ser condenada a:
B) pagar à A. uma indemnização no valor de EUR 80.000, acrescido de juros vincendos até integral pagamento, recorrendo ao princípio geral que preside à obrigação de indemnizar que é o da reconstituição do lesado na situação em que o mesmo se encontraria se não se tivesse verificado o ato lesivo por incumprimento dos deveres a que estava obrigado, conforme os arts. 304.º, 304.º-A, 311.º, 312.º, 312.º-B, 312C a 312.º-G, 314.º, ss, todos do CVM;
Ou caso assim não se entenda,
C) ser o negócio celebrado entre a ora A. e R. resolvido por alteração superveniente das circunstâncias e condenado o R. à devolução de EUR 80.000, acrescido de juros vincendos até integral pagamento”.
2. Citadas as RR., defenderam-se ambas alegando, além do mais, a excepção de ineptidão da petição inicial, tendo ainda o R. Barclays Bank PLC suscitado o incidente de intervenção provocada de entidades devedoras.
3. Convidada a pronunciar-se sobre as excepções deduzidas, a A. nada fez.
4. Foram as partes notificadas nos termos e para os efeitos previstos no artigo 318º, nº 2 do CPC.
5. Foi designada data para audiência prévia, tendo, no decurso desta, sido proferida decisão julgando procedente a excepção de ineptidão da petição inicial, absolvendo as RR. da instância.
6. Inconformada, a A. recorreu deste despacho, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
“I.O douto saneador-sentença julgou procedente a exceção ineptidão da petição inicial, e em consequência, declarou a nulidade de todo o processo, absolvendo a ré da instância.
II.A ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir é, efetivamente, causa de nulidade (art. 193º, 2, CPC).
III. Trata-se, no entanto, de uma nulidade sanável, nos termos do disposto no art. 193º, 3, CPC.
IV.A respetiva sanação ocorre com a prática de atos processuais da R. ou das RR., a saber:
a. Apresentação de contestação;
b. Arguição da ineptidão;
c. Verificação que a R., ou as RR., interpretaram convenientemente a PI;
d. Audição do A..
V. Condições estas que, cumulativamente, se verificam nos presentes autos.
VI. As RR. interpretaram convenientemente a PI, conforme se pode depreender das seguintes circunstâncias:
a. Extensão da contestação: arguição não apenas a ininteligibilidade do pedido e da causa de pedir, mas também cerca de duas dezenas de exceções, articulando ao longo de um total de 542 e 598 (!!!) artigos respetivamente;  
b. A R. C defendeu-se da putativa pluralidade subjetiva subsidiária a propósito da exceção ineptidão da PI;
c. A R. B deduziu a intervenção principal provocada da Portugal Telecom Internacional Finance B.V., da Oi, S.A. e das Contrapartes dos SWAP’s; VII. Motivos pelos quais deve ser considerado que a pretensa nulidade - a existir - terá sido sanada pela intervenção das RR., nos moldes em que ocorreu.
VIII. Desde que haja contestação, o juiz não pode, por força do disposto no nº. 3 do artº. 193 do CPC, julgar inepta a petição por falta de indicação da causa de pedir ou do pedido se chegar à conclusão de que o réu na contestação interpretou correctamente a dita petição, conforme o douto entendimento do Supremo Tribunal de Justiça.
IX. Ao não agir da forma descrita, nem tão pouco referindo, na douta sentença, os motivos pelos quais não entende que as RR. tenham interpretado corretamente a PI, o Juiz a quo agiu em desconformidade com a lei processual civil, o que se deixa invocado, com as legais consequências.
X. Ainda que assim não seja doutamente entendido, encontrar-nos-emos perante uma situação em que recaía sobre o Juiz um dever de convite ao aperfeiçoamento (art. 590º, 4, CPC), e conforme é concebido, também, pela R. Barclays na sua douta contestação;
XI. Isto porque só a completa ausência ou ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir é que é geradora de ineptidão, nas palavras do Tribunal da Relação de Évora, o que não sucede nos presentes autos.
XII.A douta sentença proferida viola, por isso, o disposto nos arts. 39º, 186º e 590º CPC”.
7. As RR. apresentaram contra-alegações, defendendo a improcedência do recurso, tendo ainda o R. C requerido, em caso de procedência da apelação, a pronúncia sobre a excepção de falta de personalidade judiciária e sobre as excepções de caducidade, direito de anulação, confirmação e prescrição, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 665º, nº 2 do CPC, terminando, no que ora interessa, com as seguintes conclusões:
“47- A presente acção foi proposta por uma herança já aceite.
48- A herança aceite carece de personalidade judiciária, uma vez que a lei apenas atribui personalidade judiciária à herança jacente (herança aberta mas ainda não aceite) (cfr. artigo 12.º do CPC).
49- A presente acção foi proposta por uma entidade desprovida de personalidade judiciária.
50- Como conclui o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 31-01-2006, proferido no âmbito do processo n.º 05A3992: «A herança ilíquida e indivisa, cujos herdeiros já se encontram determinados, não tem personalidade jurídica, nem judiciária. A lei apenas atribui personalidade judiciária à herança jacente e aos patrimónios autónomos semelhantes».
51- Tendo o Tribunal recorrido notificado expressamente a Autora para responder à matéria de excepção e não tendo existido essa resposta, os factos relativos à matéria de excepção não impugnados consideram-se provados.
52- Como decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa no seu recente acórdão de 11 de Outubro de 2018 (processo n.º 166/17.0T8AND.L1-6): «A determinação pelo Juiz do cumprimento do artº 3º nº 3 do CPC, tendo em vista a pronuncia pelo Autora quanto às exceções deduzidas pelo réu, tem o efeito quer cominatório, previsto no artº 574º nº 2, ex vide artº 587º nº 1 do CPC, quer preclusivo, esgotando-se a possibilidade de a parte responder em momento posterior».
53- Toda a matéria de facto relativa às excepções de caducidade, direito de anulação, confirmação e prescrição, referidos nas páginas 31 a 56 da contestação do Réu C, deve desde já ser considerada provada, sem necessidade de prova adicional.
54- As referidas excepções devem ser julgadas procedentes por este Tribunal, através do mecanismo previsto no artigo 665º, nº 2 do CPC”.
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II. QUESTÕES A DECIDIR
Considerando o disposto nos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC, nos termos dos quais as questões submetidas a recurso são delimitadas pelas conclusões de recurso, impõe-se concluir que as questões a decidir são:
- da ineptidão da petição inicial;
- da sanação do vício;
- do convite ao aperfeiçoamento;
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III. APRECIAÇÃO DO RECURSO
Pretende a apelante a procedência do presente recurso, defendendo que a ineptidão da petição inicial é uma nulidade sanável, nos termos do disposto no art. 193º, 3 do CPC, ocorrendo a respectiva sanação com a prática de actos processuais da R. ou das RR., a saber, a apresentação de contestação; arguição da ineptidão; verificação que a R., ou as RR., interpretaram convenientemente a PI e audição do A., condições estas que, cumulativamente, se verificam nos presentes autos.
Mais defende que, mesmo que não se entendesse assim, a nulidade em causa era sanável, devendo existir um convite ao aperfeiçoamento da petição inicial.
Nos presentes autos, a A. peticiona a anulação de negócio celebrado entre o A. e R. por erro na base do negócio, condenando-se o R. na devolução de € 80 000,00, e juros, ou, se assim não se entender, a pagar ao A. uma indemnização no valor de € 80 000,00, acrescido de juros, com fundamento em incumprimento dos deveres a que o R. estava obrigado, conforme os arts. 304.º, 304.º-A, 311.º, 312.º, 312.º-B, 312-C a 312.º-G, 314.º, ss, todos do CVM; ou, caso assim não se entenda, que se resolva o contrato celebrado por alteração superveniente das circunstâncias, condenando-se o R. à devolução de € 80 000,00, acrescido de juros.
Entendeu a sentença recorrida que “se a pretensão era deduzir pedido diverso ou o mesmo pedido contra R. subsidiário, sempre seria dever da Autora identificar qual o R. a título principal e qual o subsidiário, o que não é feito em sede de petição inicial.
Considerando a causa de pedir formulada pela Autora e o pedido, tem de concluir-se não ser possível saber qual dos RR é responsável pela restituição da quantia monetária peticionada, nem qual deles é responsável pelo cumprimento do contrato celebrado. 
De tudo o que se deixou exposto, há-de concluir-se que, quer o pedido, quer a causa de pedir são, afinal, ininteligíveis, o que gera a ineptidão da petição inicial, nos termos do disposto no art.º 186º, nº2, al.ª a) do CPC.
(…)(
No caso concreto, não estamos perante uma deficiência na indicação de factos, mas antes perante uma ausência de alegação dos mesmos que compromete o conhecimento do mérito da causa.
Afigura-se que a única decisão processualmente correcta é a de concluir pela ineptidão da petição inicial (sem convite ao aperfeiçoamento). 
Em face do exposto, o Tribunal julga procedente a excepção de nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial e, consequentemente, absolvem-se os RR. da instância. (arts.186º, nº2, al.ª a), 278º, nº1, al.ª b), 576º, nº2 e 577º, al.ª b) do CPC)”.
Vejamos.
A questão em apreço foi já decidida em vários acórdãos dos tribunais superiores, entre os quais o acórdão desta secção de 22-01-2019, proc. 14021/17.0T8LSB.L1 (vide www.dgis.pt), da responsabilidade da ora relatora, no qual se entendeu estarmos perante uma situação de ineptidão da petição inicial, na qual era possível proferir despacho de aperfeiçoamento.
Todavia, e pese embora a similitude dos casos, apresentava aquele caso concreto a particularidade de a decisão da primeira instância, de absolvição dos RR. da instância, se fundar na ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir e na preterição de litisconsórcio necessário passivo, não sendo os fundamentos da decisão recorrida exactamente idênticos aos dos presentes autos.
Consequentemente, e embora se tenha de seguir a linha de raciocínio plasmada em tal acórdão, com as ressalvas que o caso concreto impõe, podemos, desde já, adiantar que o resultado final não será idêntico.
Tal como ali se referiu, “ao instaurar uma acção, o autor deve formular um pedido, requerendo ao tribunal o meio de tutela pretendido para efectivar o direito por si alegado (cfr. art. 552º, nº 1, al. e) do CPC) e deve ainda, nos termos da al. d) do citado preceito, expor os factos que servem de fundamento à acção, isto é, deve indicar os factos concretos constitutivos do direito que alega, não se podendo limitar “à indicação da relação jurídica abstracta” (vide, Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, vol. I, pág. 208).
Donde, o pedido deve reportar-se à tutela de uma situação jurídica material com conexão com os factos trazidos a juízo e que constituem a causa de pedir. Quer isto dizer que o autor não se pode limitar a apresentar uma determinada pretensão ao Tribunal, sem que esta tenha uma qualquer conexão com a tutela jurídica pretendida e que, concomitantemente, se enquadre numa das previsões do art. 10º, nº 2 do CPC, o qual define, quanto às acções declarativas, o fim das várias acções, isto é, o seu objectivo.
Assim sendo, o autor deve formular o seu pedido de forma clara e inteligível, devendo o pedido ser preciso e determinado, referindo-se o destinatário da pretensão apresentada em termos tais que não se possam suscitar dúvidas quanto ao seu alcance.
Por outro lado, o autor deve invocar os factos concretos que estão na origem da sua pretensão e que tenham uma relevância jurídica tal que permitam fundamentar a acção de acordo com as várias soluções possíveis e aceites na doutrina e na jurisprudência.
Desta forma, a factualidade invocada pelo autor deverá ser concretizada por forma a individualizar a pretensão e o objecto do processo e, por essa via, possibilitar a definição do caso julgado e, assim, evitar uma eventual repetição de causas.
Ao especificar os factos integradores da causa de pedir, o autor deve recorrer apenas aos factos essenciais, isto é, àqueles “factos que preenchem a previsão da norma que concede a situação subjectiva alegada pela parte” (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in Introdução ao Processo Civil, Lisboa, 1993, pág. 24), e que sejam juridicamente relevantes para fundamentar a pretensão do autor, ou, como ensina o Prof. A. Reis, in CPC Anotado, vol. II, pág. 351, “os factos pertinentes à causa e que sejam indispensáveis para a solução que o autor quer obter: os factos necessários e suficientes para justificar o pedido”. Ou seja, ao falar em factos essenciais, tem-se em vista todos aqueles factos constitutivos do direito alegado que se incluem no quadro fáctico da norma legal em que se apoia a pretensão do autor e que possam servir para a fundamentar.
O Autor tem, assim, o ónus de alegar e provar aqueles factos que correspondem à situação de facto prevista na norma em que baseia a sua pretensão. Daqui resulta que a causa de pedir deverá ser estruturada de acordo com a interpretação do direito substantivo aplicável e em harmonia com a previsão normativa, o que significa que os factos constitutivos essenciais integradores da causa de pedir devem ser aferidos caso a caso, segundo um critério funcional que tenha em consideração o efeito pretendido pelo autor dentro da norma legal invocada.
Isto é, o objecto da acção define-se através da harmonização entre pedido e causa de pedir, sendo este o efeito jurídico que o autor pretende obter com a acção”.
Todas estas considerações gerais têm pleno cabimento no caso dos autos, já que foi alegada a ineptidão da petição inicial, tendo os RR. sido absolvidos da instância com esse fundamento.
Tal como referido na sentença recorrida, a A. propôs a presente acção contra dois RR., mantendo essa intenção em todo o processo e em todas as suas intervenções processuais, embora refira no início da petição inicial ter tido conhecimento da compra e venda de activos e passivos ocorrida entre os RR. e termine o seu pedido com a menção a um único R..
Nos termos do pedido principal deduzido, pretende a A. a anulação de um negócio celebrado entre A. e R. por erro na base do negócio, levando essa anulação à condenação do R. à devolução de € 80 000,00 e juros, mais resultando da petição inicial que este negócio é a subscrição das obrigações com a descrição PT 2016 6,25%, alegando a A. no art. 16º que foi o R. o responsável pela intermediação da subscrição dos indicados títulos.
Na tese da A., explanada na petição inicial, os factos por si alegados levam à responsabilização do R. por violação dos seus deveres de intermediação na sua actividade financeira, assim levando à devolução do dinheiro por si investido no negócio de subscrição de obrigações em causa nos autos.
Todavia, não está alegada a existência de um qualquer contrato celebrado com o R. Bankinter no âmbito da intermediação financeira.
Por esse motivo, a sentença recorrida concluiu pela impossibilidade de determinar a quem se dirigem os pedidos, o que redunda numa situação de inintigibilidade do pedido.
Da leitura da petição inicial resulta que, de facto, assim é, na medida em que, nesta peça processual não resulta, com clareza, contra qual dos RR. é dirigida a pretensão de ressarcimento do crédito invocado, nomeadamente por se tratarem de duas entidades bancárias distintas, cuja responsabilização terá de ser claramente diferenciada.
Refira-se que não tem aplicação ao caso dos autos o disposto no art. 39º do CPC, tal como parece defender a A. nas suas alegações (embora tal não tenha sido vertido de forma cabal para as conclusões), por não estar em causa qualquer dúvida sobre o sujeito da relação material controvertida.
Nos termos do art. 39º do CPC há lugar à dedução de um mesmo pedido por autor ou contra réu diverso do que aquele que demanda ou é demandado a título principal, nos casos em que exista dúvida fundada sobre os sujeitos que são titulares da relação material controvertida.
Como se refere no Ac. TRE, de 07-06-2018, proc. 2279/15.4T8EVR-A.E1, relator Tomé de Carvalho, “haverá litisconsórcio subsidiário quando o mesmo pedido é deduzido por ou contra uma parte a título principal e por ou contra outra a título subsidiário. Na opinião de Remédio Marques «trata-se de situações em que, por um lado, (1) o credor da pretensão ignora, sem culpa, a que título ou em que qualidade o devedor interveio no acto ou no facto que serve de causa de pedir; e, por outro, de eventualidades em que o (2) o credor da pretensão ignora se é titular activo dela ou se é o único titular activo» (…) A este respeito, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre afiançam que «na base do litisconsórcio subsidiário pode estar a necessidade de apurar quem disparou o tiro ou atropelou o autor (dúvida sobre factos, se o autor ou o réu principal interveio em certo contrato em nome próprio ou em nome alheio (dúvida sobre factos ou sobre a interpretação da norma aplicável) ou se a cessão de crédito do autor principal em data em que ainda não se constituíra» ”.
Diz a apelante, que “pretendeu deduzir, a título principal, os pedidos contra a R. Barclays, por ser aquela que terá praticado os atos que sustentam o pedido. Pretendendo deduzir, a título subsidiário, os pedidos contra a R. C, atenta a dúvida fundamentada vertida no art. 4º da PI, e que é um requisito legal, conforme previsão no art. 39º CPC”.
Ora, não tendo a apelante alegado a existência da pluralidade subjectiva subsidiária prevista no art. 39º do CPC, nem tendo invocado as razões dessa pluralidade e os fundamentos de responsabilização de ambos os RR., não s epode concluir nesse sentido.
Por outro lado, a dúvida fundamentada não resulta dos factos alegados, mas sim da alegação efectuada pela A., que refere o contrato de compra e venda de activos e passivos ocorrida entre ambos os RR., situando-o no tempo, sem que avance quaisquer factos relativos a essa dúvida ou a reflicta no pedido deduzindo a sua pretensão contra ambos os RR. ao abrigo do disposto no art. 39º do CPC.
Acresce que não pode a apelante recorrer a este mecanismo processual apenas em sede de recurso, sem possibilitar a discussão sobre a sua admissibilidade processual, nem sobre a existência dos seus pressupostos no caso concreto.
Considerando que a causa de pedir é, juntamente com o pedido, um dos elementos fundamentais da petição inicial, nos termos do art. 552º, nº 1, als. d) e e) do CPC, não tendo a A. alegado os factos constitutivos essenciais do direito por si alegado, formulando de forma clara a sua pretensão, verifica-se uma situação de ininteligibilidade da causa de pedir, tal como decidido em primeira instância.
Aqui chegados, e atendendo às questões a decidir tal como as mesmas resultam das conclusões formulados, importa averiguar se ocorreu a sanação desta nulidade, nos termos alegados pela A., e se, não tendo ocorrido, deveria ou não ter existido um convite do tribunal com vista ao aperfeiçoamento da petição inicial.
No que se refere à sanação da nulidade invocada, defende a A. que as RR. interpretaram convenientemente a petição inicial, tendo contestado de forma abundante, alegando o referido vício.
Nos termos do art. 186º, nº 3 do CPC, “Se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial”.
Há que relembrar que a A., apesar de notificada para se pronunciar sobre as excepções deduzidas, nada fez ou requereu, não permitindo ao tribunal perceber o alcance do pedido e dissipar as dúvidas dele resultantes, em particular quanto à responsabilização do R. C e a aplicação aos autos do disposto no art. 39º do CPC.
Com efeito, e indo de encontro ao já antes decidido no processo supra citado, “não basta a existência de uma contestação, ainda que apresentando factos ou impugnando a versão dada pelo A., ou até requerendo a intervenção de terceiros, para se concluir pela sanação pretendida. Ao invés, ouvido o A. e analisada a petição inicial e a resposta à contestação subsequente é que se poderá apurar se o R. percebeu bem ou não a petição inicial e, consequentemente, concluir pela sanação do aludido vício”.
Donde, sendo impossível concluir que os RR. apreenderam tudo aquilo que vem espelhado na contestação, não se mostra possível recorrer ao citado art. 186º, nº 3, e consequentemente, dizer que o vício em causa se mostra sanado, nomeadamente quanto ao R. C.
No que diz respeito à prolação de despacho de aperfeiçoamento, ao abrigo do disposto no art. 590º, nº 4 do CPC, importa referir que a decisão sobre tal questão depende do vício existente.
Nos termos do art. 6º, nº 1 do CPC, “ Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável”, referindo-se no nº 2 que “O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo”.
Por seu turno, dispõe o art. 590º do CPC que:
“1 - Nos casos em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, aplicando-se o disposto no artigo 560.º.
2 - Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho pré-saneador destinado a:
a) Providenciar pelo suprimento de exceções dilatórias, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º;
b) Providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes;
c) Determinar a junção de documentos com vista a permitir a apreciação de exceções dilatórias ou o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador.
3 - O juiz convida as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa.
4 - Incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido”.
Da conjugação destes preceitos resulta que, face à existência de um vício que possa ser suprido, deve o juiz providenciar pelo seu suprimento através de convite à parte para o efeito.
Relativamente a esta questão, defendeu o tribunal recorrido a impossibilidade de convidar a A. a suprir as falhas apontadas.
Haverá, antes de mais, que salientar que o raciocínio do tribunal recorrido é perfeitamente exacto para situações de total inexistência de factos.
Tal como se pode ler no Ac. TRL de 07-11-2019, relator Manuel Rodrigues, proc. 14013/17.0T8LSB.L1, no qual está também em causa uma situação como a dos autos, e no qual se decidiu que a petição inicial é inepta apenas quanto ao R. C, que assim deverá ser absolvido da instância, prosseguindo os autos quanto ao R. B, “O convite ao aperfeiçoamento de articulados previsto no artigo 590.º, n.ºs 2, alínea b), 3 e 4, do CPC, não compreende o suprimento da falta de indicação do pedido ou de omissões de alegação de um núcleo de factos essências e estruturantes da causa de pedir.
Tal convite, destina-se somente a suprir irregularidades dos articulados, designadamente quando careça de requisitos legais, imperfeições ou imprecisões na exposição da matéria de facto alegada.
As deficiências passíveis de suprimento através do convite têm de ser estritamente formais ou de natureza secundária, sob pena de se reabrir a possibilidade de reformulação substancial da própria pretensão ou da impugnação e dos termos em que assentam (artigos 590.º, n.º 6 e 265.º, do CPC)”.
Contrariamente ao já antes por nós decidido, parece-nos que será este o caso dos autos.
Na verdade, apresentam estes autos, relativamente àqueles do aresto citado, a particularidade de a decisão recorrida assentar na ininteligibilidade do pedido, não tendo sido apresentado qualquer articulado de resposta às excepções deduzidas, pese embora o convite dirigido pelo tribunal para o efeito.
Por outro lado, naqueles autos, estava em causa o suprimento de uma deficiência na alegação efectuada e não a omissão de um pedido ou a ausência total de factos quanto aos RR., tendo sido a decisão recorrida nesse sentido.
Nestes autos, ao invés, a decisão sobre a ausência de pedido quanto ao R. C advém de uma clara omissão de factos nesse sentido e sem correspondência no pedido deduzido.
Com efeito, e se quanto ao R. Barclays estão alegados factos dos quais se retira o objecto da causa, tal não sucede quanto ao R. C.
As consequências a extrair desta conclusão são, por conseguinte, distintas das que constam da decisão recorrida.
Senão, vejamos.
Entendendo, como se explanou, que está em causa a ausência total de indicação de pedido quanto ao R. B, ter-se-á de concluir pela impossibilidade de convite ao aperfeiçoamento, nos termos expostos.
Porém, verificando-se que essa deficiência não existe quanto ao R. Barclays, ter-se-á de determinar o prosseguimento dos autos, já que não está em causa a ininteligibilidade do pedido contra este deduzido, o qual é claro, no contexto dos factos alegados, não cumprindo aqui analisar a qualificação jurídica efectuada.
Do que se vem de expor, resulta que a presente apelação terá de ser julgada parcialmente procedente, determinando-se que os autos prossigam quanto ao R. Barclays, com a análise das excepções deduzidas e eventual suprimento, e estabilização da instância relativamente aos pedidos de intervenção deduzidos, mas mantendo-se a decisão em causa no que tange ao R. C, assim não se tornando necessário apreciar o pedido deste nos termos do art. 665º, nº 2 do CPC.
V. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar a apelação parcialmente procedente, revogando-se a decisão recorrida na parte em que absolveu da instância o R. B, contra quem os autos devem seguir os seus ulteriores trâmites, mantendo-se a mesma no demais.
Custas da apelação por apelante e apelado B, na proporção de 2/3 para aquela e 1/3 para este.
                                             *
Lisboa, 4 de Fevereiro de 2020
Ana Rodrigues da Silva
Micaela Sousa
Cristina Silva Maximiano