Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6989/12.0TCLRS.L1-6
Relator: ANABELA CALAFATE
Descritores: SERVIDÃO POR DESTINAÇÃO DO PAI DE FAMÍLIA
SERVIDÃO DE PASSAGEM
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: A declaração, no contrato de compra e venda, de que o prédio é vendido livre de quaisquer ónus ou encargos basta para impedir que sobre ele se constitua uma servidão por destinação do pai de família.
A servidão legal de passagem só pode ser constituída sobre prédios rústicos.
Não é irrelevante a questão de saber se o que pretende o autor é o reconhecimento de uma servidão por destinação do pai de família ou a constituição de uma servidão legal de passagem, pois pela constituição desta é devida indemnização nos termos do art. 1554º do Código Civil, além de que esse encargo pode ser afastado através da aquisição do prédio encravado.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


IRelatório:


S... SA, instaurou acção declarativa sob a forma de processo ordinário, em 30/08/2012 contra A... e M..., pedindo que seja «a) Declarado que a A. tem direito de passagem através do acesso ao portão traseiro de cargas e descargas, uma vez que é o único acesso que possibilita o normal desenvolvimento das actividades normais que se desenvolvem nos referidos armazéns, e «b) Sejam os RR condenados a remover o muro que construíram e que impede o acesso da A. aos portões traseiros de carga e descarga de mercadorias dos seus armazéns.».

Alegou, em síntese:
é dona de uma parcela de terreno para fins hortícolas que adquiriu por escritura pública de 17/12/2004;
  os RR são os donos de uma parcela de terreno contígua ao terreno da A.;
os dois prédios eram inicialmente um, pertencente à P... Lda;
existia e existe uma serventia de passagem sobre o prédio dos RR a favor do prédio da A. e que é necessária para o acesso ao portão traseiro de carga e descarga de mercadoria dos seus armazéns;
quando a A. adquiriu o prédio os RR levantaram um muro, retirando-lhe  a passagem.

Contestaram os RR, pugnando pela improcedência da acção.

Alegaram em síntese:
compraram o prédio à P... por escritura pública de 04/09/1996;
quando o prédio foi dividido em dois, a P..., em parceria com os RR, segundo a vontade negocial das partes, de imediato procedeu a obras com vista à autonomia dos dois prédios, ficando definitivamente afastada qualquer eventual relação de serventia entre ambos;
além disso, inexistem sinais reveladores de serventia;
deve a A. ser condenada por litigância de má-fé.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença em 02/05/2017 que julgou a acção improcedente, absolvendo os RR do pedido e não condenando a A. por litigância de má-fé.

Inconformada, apelou a A., terminando a alegação com as seguintes conclusões:
1. A douta sentença viola o disposto no art.º 1549º do Código Civil, tendo-se constituído o direito de servidão por destinação do pai de família.
2. Estabelece o citado artigo que: “se em dois prédios do mesmo dono, ou em duas fracções de um só prédio, houver sinal ou sinais visíveis e permanentes, postos em um ou em ambos, que revelem serventia de um para com o outro, serão esses sinais havidos como prova de servidão quando, em relação ao domínio, os dois prédios, ou as duas fracções do mesmo prédio, vierem a separar-se, salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respectivo documento.”

3. A douta sentença pronuncia-se sobre este artigo legal considerando que para a sua verificação são necessários quatro requisitos (Ac. STJ de 16.10.2012, disponível in www.dgsi.pt), a saber:
1.-dois prédios do mesmo dono ou duas fracções do mesmo prédio;
2.-sinais visíveis e permanentes que revelem serventia de um para com o outro;
3.-a separação dos dois prédios ou fracções; e
4.-a inexistência de declaração contrária à servidão, no documento relativo à separação.

4. A douta sentença considera estarem verificados os requisitos 1 e 2, uma vez que os imóveis já formaram um único imóvel, então da propriedade da P..., prédio que foi desanexado quando ela vendeu aos RR.
5. E em consequência considera não verificados os requisitos 3) e 4).
6. A douta sentença confunde o requisito 2 com o 3, originando em consequência o vício de erro de fundamentação, uma vez que parece querer dizer que estavam verificados os requisitos 1. e 3. em vez dos referidos 1 e 2., vício que conduz à nulidade da decisão por contradição entre a matéria de facto e de direito.
7. Para além dos factos provados na presente acção cumpre expressamente referir que a providência cautelar em apenso deu como provados os seguintes factos, que fazem parte da presente acção.
8. Tendo ficado provado que os armazéns da ora Recorrente estavam construídos de forma a que o trajecto dos veículos automóveis pesados de maiores dimensões para a carga e descarga da mercadoria era feito da forma seguinte: “entravam pelo portão principal e, fazendo o trajecto assinalado com uma seta na fotografia de fls. 14, dirigiam-se para as traseiras do edifício de armazém, então propriedade de “P... Lda”, para aí efectuarem cargas e descargas de mercadorias de maior grandeza, situação que começou a verificar-se, embora com menor frequência, à medida que a “P... Lda” diminuía a sua actividade comercial.”, (cfr. facto 6 da matéria dada como provada da providência cautelar).
9. Tendo ficado igualmente provado que “De facto os veículos pesados de mercadorias com maiores dimensões só por essa passagem podiam aceder ao prédio que era da “P... Lda” , actualmente da requerente”, facto 7 da providência cautelar.
10. Os portões para as cargas de descargas das mercadorias estão situados nas traseiras do edifício de armazéns.
11. Os portões são um sinal visível que revela de forma permanente a serventia de um prédio sobre o outro.
12. Acresce que na douta sentença expressamente se refere que: “ademais anota-se que dois dos portões traseiros dos armazéns da A. e a sua dimensão podem ser observados na fotografia de fls. 107, ao passo que o portão existente na fachada fronteiriça das instalações da demandante está retratado a fls., 137, em termos de ser perceptível que o mesmo não permite a entrada de veículos pesados de mercadorias.
13. No respeitante ao 4º requisito e se a escritura de compra e venda é omissa quanto à servidão de passagem dizendo ser feita livre de ónus ou encargos contudo, os RR. juntaram aos autos com a contestação o denominado “Contrato Promessa de compra e Venda” celebrado entre a P... e o R. A..., celebrado em 20 de Novembro de 1994 cuja cláusula G diz o seguinte: “até ao momento da realização da escritura ou da data referida em F supra, manter-se-á a favor da P... uma servidão de passagem para entrada e saída de pessoal, de veículos de mercadorias comercializadas pela P... ou para uso do seu comércio”.
14. A referida Cláusula revela já então a preocupação de assegurar que os veículos que se dirigissem às instalações da empresa ou que de lá partissem pudessem circular pela parcela de terreno desanexada e vendida ao R.
15. Significativo que na cláusula G se tenha utilizado o termo “manter” referindo-se à servidão de passagem.
16. Relevante nesta matéria o depoimento de F..., testemunha da A., ex- funcionário da P... que afirmou que até ao encerramento da empresa (P...) que ocorreu em 2002, 2003 sempre as viaturas pesadas que se dirigiam às suas instalações entravam pelo portão principal e passavam pelo terreno comprado pelo R, e entravam pelos portões traseiros dos armazéns da P....
17. Acresce que a Recorrente juntou à providência cautelar existente nos autos A uma minuta de um acordo, com a mesma data da escritura pública que formalizou a compra e venda dos RR., pela qual estes reconheciam à P..., além do mais, o direito de servidão de passagem, a título gratuito, que lhe permitia o acesso através do portão principal, na forma a poder ser utilizado o portão traseiro de cargas e descargas de mercadoria Cláusula 4.ª al a) desse acordo.
18. O documento não está assinado e por isso falta-lhe um requisito essencial para que possa ser considerado um documento particular com força probatória que a lei atribui a este tipo de documentos.
19. No entanto não deixa de ser um documento (cfr. art.º 362º do Cód. Civil) e que vem provar o 4) requisito; isto é; a existência de um documento favorável à existência da servidão.
20. Que em declaração de parte A... admite conhecer e até admitir o ter assinado.
21. Desta forma entende a Recorrente que se encontra violado o disposto no art.º 1549º do Código Civil, violando a douta sentença este normativo legal.
23. Entende a Recorrente que também foram violados os princípios da livre apreciação da prova, e que em consequência, será possível, na apreciação do recurso, ao Tribunal da Relação corrigir a matéria de facto dada com assente, dando como “provados”, factos que foram dados como não provados.
24. Em causa estão os factos referidos em AB) sob os pontos 20) a 42), da matéria de factos não provados.
25. Assim, em obediência ao disposto no art.º 640º do CPC identificam-se como pontos concretos da matéria de facto que se considera erradamente julgados os descritos em AB) sob os pontos 20) a 42) matéria de factos não provados.
26. No que tange o depoimento da testemunha P... (inquirido na sessão de 20-02-2017 e que se mostra gravado no sistema “Citius”, como consta da respectiva ata)
27. Ora esse relato (minutos 14:38:53) está em total oposição com a matéria dada como não provada, a testemunha começa por relatar que começou a trabalhar muito novo no local próximo do local dos autos, e declara que a P... antes de vender o imóvel ao Sr. A... e após a venda fazia o acesso por detrás pelas traseiras do edifício de armazém, então propriedade de “P... , Lda”, para aí efectuarem cargas e descargas de mercadorias.
28. Que mesmo após a venda do imóvel aos RR. a P... sempre usou o acesso traseiro dos armazéns.
29. Que o portão aberto pela Recorrente para ter acesso aos seus armazéns tem apenas 2,70 m de altura e 4 m da largura, não permitindo a carga e descarga de mercadorias de veículos pesados.
30. Mais refere que não havia outra hipótese senão a P... usar as traseiras do edifício de armazém, para aí efectuar as cargas e descargas de mercadorias.
31. Mais declarou que foi o R. A... quem construiu o muro de tijolo que impede o acesso aos portões traseiros dos armazéns, e que antes do muro ser efectuado existia lá um portão, colocado também por ele.
32. A providência cautelar nos autos o douto tribunal deu como provado no ponto 11: “ Os requeridos construíram no local onde se encontrava o portão das traseiras um muro que impede o acesso de veículos automóveis ao prédio da requerente pelo local assinalado com uma seta na fotografia de fls. 14.”
33. O Tribunal na providência cautelar deu como provado a existência de um portão nas traseiras do armazém e a construção do muro pelos RR: que impede o acesso de veículos automóveis ao prédio da Recorrente.
34. No que tange o depoimento da testemunha L... (inquirido na sessão de 20-02-2017 e que se mostra gravado no sistema “Citius”, como consta da respectiva acta), esse relato (minutos 15:29:15) está também em total oposição com a matéria dada como não provada, a testemunha começa por relatar que os veículos de mercadorias passavam pela propriedade dos RR. e faziam a carga e descarga de mercadorias pelos portões traseiros dos armazéns.
35. Que quando o RR A... construiu o muro que impede o acesso aos armazéns da Recorrente.
36. Esta situação impede a celebração de alguns contratos de arrendamento que é a sua actividade social da Recorrente, que por falta de acesso aos armazéns os eventuais interessados recusam-se a celebrar esses contratos.
37. Refere igualmente que os veículos dos bombeiros e de outras entidades oficiais não têm acesso aos armazéns da Recorrente.
38. O depoimento da testemunha A... (inquirido na sessão de 20-02-2017 mostra-se gravado no sistema “Citius”, como consta da respectiva acta), relato a (minutos 15:33:45) está também em total oposição com a matéria dada como não provada, a testemunha começa por relatar que a parte da frente não dava para fazer as descargas do material e que acabaram por abandonar o local por não terem maneira de fazer as descargas de mercadorias.
39. No que tange o depoimento da testemunha F... (inquirido na sessão de 20-02-2017 e que se mostra gravado no sistema “Citius”, como consta da respectiva ata), esse relato (minutos 15:29:15) está também em total oposição com a matéria dada como não provada, a testemunha começa por relatar que era funcionário da P... e que até 2002, 2003 saía tudo pelos portões traseiros e atravessavam a propriedade dos RR.
40. Mesmo quando toda a maquinaria da P... foi vendida tudo saiu pela parte traseira dos armazéns.
41. Quando o Sr. A... se tornou dono colocou um portão na parte traseira a separar o que era dele e da P....
42. Na providência cautelar foi apresentado pelos RR. a testemunha P..., ex-funcionário da P... que veio dizer exactamente o mesmo, ou seja que a P... laborou até 2002/2003 que a carga e descarga de mercadorias era pela parte traseira dos armazéns, até à saída do local da P....
43. E que o muro foi construído depois da P... deixar as instalações.
44. Os relatos referidos permitem concluir que as testemunhas dos RR. prestaram depoimentos falsos e como tal deveriam ser responsabilizados criminalmente.
45. No que tange às declarações de parte de A... (inquirido na sessão de 20-02-2017 e que se mostra gravado no sistema “Citius”, como consta da respetiva ata), esse relato (minutos 16:58:52) vem afirmar em tribunal que o muro já existia e que a entrada da P... não se fazia pelas traseiras dos armazéns mas pela sua nave; isto é; por dentro do seu armazém, depoimento que é totalmente falso.
46. Aliás, na providência cautelar nem o Declarante nem nenhuma testemunha apresentadas pelos RR. defende essa posição.
47. Na providência cautelar as testemunhas dos RR. defendem a posição que o trajecto era efectuado pelas traseiras dos armazéns.
48. Na acção os RR. mudam de testemunhas e vem defender que o trajecto para os armazéns da A. era efectuado por dentro do armazém.
49. Acresce que o Declarante disse ter visto o documento particular datado com a data da escritura de compra e venda que efectuou em 19 de Abril de 1996 e não se recordar de o ter assinado por assinar muitos documentos.
50. Esta constatação foi feita com muitas hesitações e só após a sua ilustre mandatária ter intervindo é que veio dizer que não se lembra de o ter assinado.
51. Anteriormente havia afirmado que nunca adquiria o imóvel à P... se tivesse uma servidão e passagem, para no final vir afirmar que não se lembra de o ter assinado.
52. O Declarante e as suas testemunhas litigam com falta de verdade.

53. Assim, com base nos elementos de prova referidos – é possível, no nosso entendimento, dar com provados os seguintes factos não provados:
20) Que a P... tenha desenvolvido a sua actividade no prédio referido em 1) até ao ano de 2002/2003.
21) Que, aquando da venda referida em 2), a P... tenha instituído uma passagem, a título gratuito, que lhe permitiria o acesso ao portão principal do prédio dito em 2) aos portões traseiros de carga e descarga de mercadorias dos armazéns sitos no prédio referido em 1).
22) Que existam, e sejam visíveis, no muro dito em 18) marcas de um portão que possibilitava o acesso aos portões traseiros de cargas e descargas de mercadorias referidas em 12).
23) Que aquando da compra do prédio referido em 2), os RR: tenham colocado um portão na passagem traseira do seu prédio para permitir à P...  Lda entrar e sair no prédio referido em 1) e assim proceder a cargas e descargas de mercadorias.
24) Que só através do prédio referido em 2) seja possível à A. ter acesso aos portões referidos em 12).
25) Que aquando da aquisição mencionada em 1), os RR. tenham procedido ao levantamento de um muro no local onde anteriormente existia um portão de separação entre os prédios referidos em 1) e 2), a fim de impedir a passagem da A.
26) Que diariamente, haja necessidade de transporte de mercadorias pela A. e que tanto seja impedido ou muito dificultado pela circunstância dela não ter acesso aos portões referidos em 12).
27) Que os veículos ligeiros não tenham acesso aos portões referidos em 12).
28) Que a circunstância referida em 16) dificulte as operações de carga e descarga de mercadorias.
29) Que o muro construído a toda a largura da passagem impeça o acesso de veículos automóveis para a parcela de terreno onde se situam os armazéns da A.
30) Que os veículos pesados de transporte de mercadorias da A., os veículos dos bombeiros e de outras entidades oficiais, passassem, no acesso aos armazéns dela, no local onde se situa o muro referido em 18).
31) Que por contrato, tivesse sido cedida passagem de acesso aos armazéns existentes no prédio dito em 1) através do prédio referido em 2).
32) Que a passagem aludida em 31) tivesse sido usada durante largos anos, inclusivamente pela A., após a aquisição dita em 1).  33) Que a construção dos armazéns existentes no prédio dito em 1) tivesse implicado a passagem pelo prédio dito em 2).
34) Que a construção do muro referido em 18) tenha retirado à A. a passagem através do prédio referido em 2) de que beneficiava.
35) Que a passagem da A. através do prédio referido em 2) não cause qualquer prejuízo aos RR.
36) Que, em relação da construção do muro dito em 18) a A. não tenha acesso ao prédio dito em 1), estando inviabilizado o acesso ao mesmo de veículos automóveis para o transporte de mercadorias e veículos de bombeiros.
37) Que pelos portões referidos em 12) entrassem e saíssem veículos pesados da A. que atravessavam o prédio dito em 2).
38) Que os referidos veículos transitassem em piso alcatroado junto dos portões referidos em 12) e sobre o prédio dito em 2) até ao portão exterior neste existente.
39) Que a passagem tivesse cerca de 3 m de largura e 30 m de comprimento.
40) Que a passagem, iniciando-se junto dos portões referidos em 12), percorresse dentro do prédio referido em 2) cerca de 10m pelas traseiras e 20m pela sua lateral até à Azinhaga de Fetais.
41) Que o prédio referido em 1) se encontre encravado.
42) Que os veículos pesados não tenham acesso aos armazéns existentes no prédio dito em 1).

54. Em resumo: os armazéns da Recorrente têm área de 3.600 m2, e um portão com abertura de 2,7 m de altura por 6 metros de largura, que não pode ser aumentada devido à estrutura dos armazéns e o trajecto efectuado pelos portões traseiros dos armazéns pela propriedade dos RR abrange uma largura de 6 metros pelo comprimento de 80 metros (57 m pela lateral e 25 m pelas traseiras) e encontra-se devidamente demarcada pelo muro interno que demarca a propriedade dos RR.

Nestes termos e nos mais de direito que V.ª Exas suprirão, deve:
a)- o processo ir com vista ao Ministério Público para eventual instauração de processo-crime contra as testemunhas dos RR. pela eventual prática do crime de falsas declarações
b)- a presente douta sentença proferida ser revogada, fazendo-se só assim a costumada justiça.

Os RR contra-alegaram defendendo a confirmação do julgado.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II Questões a decidir.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, pelo que as questões a decidir são estas:
- se a sentença é nula
- se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto
- se deve ser reconhecida a existência de servidão de passagem

III Fundamentação.
A) Na sentença recorrida vem dado como provado:
1) Por escritura pública datada de 17.12.2004, pelo preço de € 462 600, o legal representante de A Leiloeira, Lda., enquanto encarregada de venda no âmbito da execução fiscal nº.3...-9.../1........9 do Serviço de Finanças de L...-4, declarou vender e a legal representante da A. declarou comprar o prédio rústico, composto de parcela de terreno para fins hortícolas, situado na Quinta P... F... B..., freguesia de C..., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de L... sob o nº...... da dita freguesia.
2) Por escritura pública datada de 9.4.1996, pelo preço de 50 000 000$00, o legal representante de P... Lda. declarou vender e o R. declarou comprar, livre de ónus e encargos, uma parcela de terreno, com área de 5664 m2, a confrontar do norte com P...  Lda., do sul com M... e outros, do nascente com rua particular e do poente com quem provar pertencer, a destacar do prédio descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de L... sob o nº..... da freguesia de C.....
3) Na 2ª Conservatória do Registo Predial de L..., por apresentação de 27.5.2005, está inscrita a aquisição referida em 1).
4) Na 2ª Conservatória do Registo Predial de L..., por apresentação de 28.5.1996, está inscrita a aquisição referida em 2).
5) Os prédios referidos em 1) e 2) são contíguos.
6) O prédio referido em 2) foi desanexado do prédio referido em 1).
7) No momento anterior à desanexação referida em 6) os prédios referidos em 1) e 2) formavam um único imóvel, pertença de P...  Lda.
8) Nos prédios referidos em 1) e 2) estão construídos armazéns.
9) Em escrito intitulado de “contrato de promessa de compra e venda”, datado de 29.11.1994, e subscrito pelos legais representantes de P... Lda., na qualidade de promitente-vendedora, e pelo R., na qualidade de promitente-comprador, foi consignado que: “A) a P... é dona e legítima possuidora de uma área de terreno com a área de 10 682 m2, sita na Quinta P..., em F... B..., freguesia de C..., inscrito na matriz sob o artigo 14 da secção C e descrito sob a inscrição nº.......5 a folhas 50 verso do livro G-..., a favor da P..., na 2ª secção da Conservatória do Registo Predial de L...; B) A P... promete vender ao promitente-comprador a propriedade plena, e livre de quaisquer ónus ou encargos, de parte do prédio rústico identificado em A) supra, constituída por uma área aproximada, descoberta de 5 000 m2, conforme assinalado na planta anexa, que deste contrato faz parte; (…) D) o promitente-comprador aceita a promessa de venda, objecto deste contrato, pelo preço de escudos 50 000 000$00”.
10) Mais foi consignado que: “F) A escritura definitiva de compra e venda será efectuada em data a acordar por ambas as partes, mas nunca depois de 31 de Dezembro de 1995; G) Até ao momento da realização da escritura ou da data referidas em F) supra, manter-se-á a favor da P... uma servidão de passagem para entrada e saída de pessoal, de veículos e de mercadorias comercializadas pela P... ou para uso do seu comércio”.
11) Em escrito datado de 20.12.1994, intitulado de “aditamento ao contrato promessa de compra e venda celebrado em 29.11.94”, subscrito pelos legais representantes de P...  Lda. e pelo R. foi consignado que este entrava de imediato na posse do terreno objecto do contrato promessa com a expressa autorização da P... Lda. e que a escritura teria lugar até 31.6.1995.
12) Os dois armazéns localizados no prédio referido em 1) têm na sua parte traseira três portões de grandes dimensões.
13) Pelo exterior dos armazéns apenas através do prédio referido em 2) seria possível à A. aceder aos portões ditos em 12) e utilizá-los para carga e descarga de mercadorias.
14) Não é presentemente viável o acesso de um veículo pesado de mercadorias aos portões referidos em 12).
15) Após adquirir o prédio dito em 1) a A. fez obras nele, tendo posteriormente arrendado os armazéns.
16) Aquando da realização das obras referidas em 15) a A. abriu, na fachada principal, uma entrada comum para os seus armazéns, a qual não permite a entrada de veículos pesados no respectivo interior.
17) A A. dedica-se à actividade imobiliária, sendo o arrendamento de imóveis uma das suas actividades.
18) No troço da estrema dos prédios referidos em 1) e 2) no local mais próximo dos portões referidos em 12) existe um muro.
19) No prédio referido em 1) tem uma entrada que dá acesso directo à Azinhaga de F... com que o mesmo confronta.

B) E vem dado como não provado:
20) Que a P... tenha desenvolvido a sua actividade no prédio referido em 1) até ao ano de 2004.
21) Que, aquando da venda referida em 2), a P... tenha instituído uma passagem, a título gratuito, que lhe permitia o acesso através do portão principal do prédio dito em 2) aos portões traseiros de carga e descarga de mercadorias dos armazéns sitos no prédio referido em 1).
22) Que existam, e sejam visíveis, no muro dito em 18) marcas de um portão que possibilitava o acesso aos portões traseiros de carga e descarga de mercadorias referidos em 12).
23) Que aquando da compra do prédio referido em 2), os RR. tenham colocado um portão na passagem traseira do seu prédio para permitir à P... Lda. entrar e sair no prédio dito em 1) e assim proceder a cargas e descargas de mercadoria.
24) Que só através do prédio referido em 2) seja possível à A. ter acesso aos portões referidos em 12).
25) Que, aquando da aquisição mencionada em 1), os RR. tenham procedido ao levantamento de um muro no local onde anteriormente existia um portão de separação entre os prédios referidos em 1) e 2), a fim de impedir a passagem da A.
26) Que, diariamente, haja necessidade de transporte de mercadorias pela A. e que tanto seja impedido ou muito dificultado pela circunstância dela não ter acesso aos portões referidos em 12).
27) Que os veículos ligeiros não tenham acesso aos portões ditos em 12).
28) Que a circunstância referida em 16) dificulte as operações de carga e descarga de mercadorias.
29) Que o muro construído a toda a largura da passagem impeça o acesso de veículos automóveis para a parcela de terreno onde se situam os armazéns da A.
30) Que os veículos pesados de transporte de mercadorias da A., os veículos dos bombeiros e de outras entidades oficiais passassem, no acesso aos armazéns dela, no local onde se situa o muro referido em 18).
31) Que, por contrato, tivesse sido cedida passagem de acesso aos armazéns existentes no prédio dito em 1) através do prédio referido em 2).
32) Que a passagem aludida em 31) tivesse sido usada durante largos anos, inclusivamente pela A., após a aquisição dita em 1).
33) Que a construção dos armazéns existentes no prédio dito em 1) tivesse implicado a passagem pelo prédio dito em 2).
34) Que a construção do muro referido em 18) tenha retirado à A. a passagem através do prédio referido em 2) de que beneficiava.
35) Que a passagem da A. através do prédio referido em 2) não cause qualquer prejuízo aos RR.
36) Que, em razão da construção do muro dito em 18), a A. não tenha acesso ao prédio dito em 1), estando inviabilizado o acesso ao mesmo de veículos automóveis para o transporte de mercadorias e veículos de bombeiros.
37) Que pelos portões referidos em 12) entrassem e saíssem veículos pesados de mercadorias da A. que atravessavam o prédio dito em 2.
38) Que os referidos veículos transitassem em piso alcatroado junto dos portões referidos em 12) e sobre o prédio dito em 2) até ao portão exterior neste existente.
39) Que a passagem tivesse cerca de 3m de largura e 30m de comprimento.
40) Que a passagem, iniciando-se junto dos portões referidos em 12), percorresse dentro do prédio referido em 2) cerca de 10m pelas traseiras e 20m pela sua lateral até à Azinhaga de F....
41) Que o prédio referido em 1) se encontre encravado.
42) Que os veículos pesados não tenham acesso aos armazéns existentes no prédio dito em 1).

C) Da alegada nulidade da sentença.
Invoca a apelante nulidade da sentença na conclusão 6, dizendo que a 1ª instância confunde o requisito 2 com o 3, originando em consequência um vício de erro de fundamentação, uma vez que parece querer dizer que estavam verificados os requisitos 1. e 3. em vez dos referidos 1 e 2, vício que conduz à nulidade da decisão por contradição entre a matéria de facto e de direito.

Apreciando.

Estabelece o art. 615º nº 1 al. c) do Código de Processo Civil que a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.

Discreteou-se na sentença:
«(…) têm sido enunciados os seguintes requisitos para a constituição de uma servidão por destinação de pai de família: 1) dois prédios do mesmo dono ou duas fracções do mesmo prédio; 2) sinais visíveis e permanentes que revelem serventia de um para com outro; 3) a separação dos dois prédios ou fracções; e 4) a inexistência de declaração contrária à servidão, no documento relativo à separação.
No caso dos autos não há dúvida de que estão verificados os requisitos referidos em 1) e 2), uma vez que os imóveis actualmente pertencentes à A. e RR. já formaram um único imóvel, então propriedade da P..., prédio esse do qual foi desanexado o imóvel que ela vendeu aos RR.
Todavia não parece que os demais requisitos estejam verificados.
(…)
(…) nos autos não foram alegados, nem estão demonstrados, factos que evidenciem que, ao tempo da união predial entre os imóveis referidos em 1) e 2) da matéria de facto provada, a P..., sua proprietária, tivesse instituído uma serventia de passagem entre a parcela que hoje forma o prédio referido em 2) e a parcela que agora corresponde ao prédio indicado em 1).
Desde logo porque não se vê na matéria de facto provada dados que sejam sinal suficiente e inequívoco dessa serventia.
(…)».
É manifesto o lapso de escrita da 1ª instância no segmento em que escreveu «estão verificados os requisitos referidos em 1) e 2)» pois a leitura do que se lhe segue demonstra que se pretendeu escrever «estão verificados os requisitos referidos em 1) e 3)».
Lapsos de escrita não implicam a nulidade da sentença. São erros materiais que podem ser corrigidos por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz (cfr art. 614º nº 1 do CPC). Aliás, o art. 249º do Código Civil prevê: «O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta.».
Sem necessidade de mais considerações, julga-se improcedente a arguição de nulidade.

D) Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
A invocação, pela apelante, da matéria de facto dada como indiciariamente provada no procedimento cautelar (apenso A) não tem relevância nesta acção, pois como estatui o art. 364º nº 4 do CPC «Nem o julgamento da matéria de facto, nem a decisão final proferida no procedimento cautelar, têm qualquer influência no julgamento da ação principal».

Prosseguindo.
Pretende a apelante que seja dada como provada toda a matéria que a 1ª instância julgou não provada, invocando os depoimentos das testemunhas P..., L..., A... e M... e dizendo que o R. A... prestou declarações de parte defendendo factos que na providência cautelar nem ele nem nenhuma testemunha defendeu.
Mas os depoimentos produzidos no procedimento cautelar, não têm influência nesta acção pelo que não os iremos analisar.
Quanto àquelas três testemunhas, não indica a apelante que partes dos seus depoimentos vão no sentido do que consta na matéria dada como não provada nos pontos 20), 21), 22), 23), 26), 27), 30), 31), 33), 34), 35), 36), 37), 38), 39), 40), 41) e 42).
Diga-se, aliás, que o ponto 41) integra somente matéria de direito, pelo que nunca poderia ser julgado como facto provado.
Quanto aos pontos 26), 30), 31) e 32), a testemunha P... disse que a apelante dedica-se à actividade imobiliária de compra e venda e arrendamento e que o seu prédio dos autos é para arrendamento e está arrendado - a própria apelante diz na alegação recursiva que a sua actividade social é realizar contratos de arrendamento - pelo que é destituída de fundamento a alegação de que a apelante teve ou tem necessidade de transportar mercadorias de e para aquele prédio como consta nos pontos 26), 30), 31), 32) e 37); também a testemunha L... disse que o prédio da apelante «está arrendado actualmente»; além disso, no ponto 32) não se concretiza que entidades, além da apelante, terão usado a passagem; também nenhuma dessas testemunhas declarou que alguma vez a apelante beneficiou de passagem pelo prédio dos apelados, sendo de notar a contradição entre o que a apelante alegou e está vertido neste ponto 32) e o que alegou e está vertido no ponto 25), pois no último refere-se que o muro foi levantado logo que a apelante comprou o prédio, e a ser assim, nunca poderia ter usado tal passagem; de notar ainda que está provado em 15) que a apelante deu o prédio de arrendamento.
Quanto ao ponto 24), o que resulta dos depoimentos dessas testemunhas é o que já está dado como provado no ponto 13), ou seja, que pelo exterior dos armazéns apenas através do prédio dos apelados seria possível à apelante aceder aos portões ditos em 12) e utilizá-los para carga e descarga de mercadorias. Mas não decorre desses depoimentos que seja impossível aceder aos 3 portões das traseiras pelo interior dos armazéns da apelante com qualquer veículo, mas tão só com veículos pesados, de dimensões superiores ao portão existente na parte frontal dos seus armazéns, como aliás está já dado como provado em 16).
Quanto ao ponto 25), é de lembrar que está provado em 18) que existe um muro no troço da estrema dos dois prédios no local mais próximo dos 3 portões das traseiras do prédio da apelante e que o apelado A... disse que «O muro que lá está já lá estava. No tempo do Sr R... aquilo foi fechado conforme o nosso negócio.», a testemunha G... disse que no lugar onde está o muro existia um portão mas não revelou saber quando deixou de existir, e o mesmo se aplica aos depoimentos das testemunhas L... e F... Portanto, não decorre de nenhum depoimento que o muro tenha sido levantado aquando da aquisição do prédio pela apelante. Em consequência, não pode ser dado como provado o ponto 25).
Quanto ao ponto 28), remetemos para o que já dissemos sobre a actividade da apelante: não faz cargas e descargas de mercadorias, pois tem o prédio destinado para arrendamento e decorre do depoimento da testemunha P... que está arrendado, embora desconheça o valor da renda.
Quanto ao ponto 29), não podemos ignorar que vem provado em 19) que a apelante tem acesso directo ao seu prédio pela Azinhaga de F.... Acresce que resulta do articulado na petição inicial e das fotografias juntas aos autos que para a apelante aceder ao muro sem atravessar os seus armazéns teria sempre de pisar terreno do prédio dos apelados que está vedado e tem um portão na confluência com a Azinhaga de F....
Portanto só podia ser dado como não provado o que consta em 29).
Concluindo, improcede integralmente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

E)O Direito.
O art. 1543º do Código Civil prescreve: «Servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente; diz-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia».

O art. 1547º nº 1 dispõe: «As servidões prediais podem ser constituídas por contrato, testamento, usucapião ou destinação do pai de família».

Por sua vez, o art. 1549º estabelece: «Se em dois prédios do mesmo dono, ou em duas fracções de um só prédio, houver sinal ou sinais visíveis e permanentes, postos em um ou em ambos, que revelem serventia de um para com outro, serão esses sinais havidos como prova da servidão quando, em relação ao domínio, os dois prédios, ou as duas fracções do mesmo prédio, vierem a separar-se, salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respectivo documento».

Portanto, a lei consagra a possibilidade de a servidão se constituir com base numa situação criada entre dois prédios ou entre duas fracções do mesmo prédio durante o período em que pertenceram ao mesmo dono. Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, um dos pressupostos fundamentais «é que os dois prédios, ou as duas fracções do prédio, tenham pertencido ao mesmo dono», e «Tanto faz que os prédios sejam rústicos ou sejam urbanos, que um seja rústico e o outro urbano; (…)
Mas, salientam estes autores, é «necessária a existência de sinais visíveis e permanentes que revelem, inequivocamente, uma relação ou situação estável de serventia (…) de um prédio para com outro (…)
Se os sinais reveladores da relação de serventia forem válidos, bastará a visibilidade ou aparência e a permanência se verifiquem em relação em relação a um ou a alguns deles (…)
Não é indispensável que os sinais existam em ambos os prédios, visto a lei falar explicitamente nos sinais postos em um ou em ambos.
(…) não se exige que dos sinais tenham conhecimento o alienante e o adquirente, no acto jurídico que serve de veículo à separação (…)
Além de serem visíveisou aparentes,os sinais devem ser permanentes. (…) O que o artigo 1549º exige, para a constituição por destinação do pai de família, são os mesmos tipos de sinais que denunciam uma servidão aparente (por conseguinte, uma prestação de utilidade não transitória, mas estável), caso os dois prédios pertencessem a donos diferentes (…)
Os sinais hão-de revelar a serventia de um prédio para com o outro. Isso significa que hão-de ter sido postos ou deixados com a intenção de assegurar certa utilidade a um à custa ou por intermédio do outro. Este requisito não basta, de modo nenhum, para que se proclame o carácter negocial da servidão no momento em que os prédios se separam e a servidão realmente se constitui, porquanto se não exige nenhuma relação negocial para o efeito entre o antigo e o novo proprietário (…)
(…) a servidão, como tal, só nasce quando os prédios ou as fracções se separam quanto à sua titularidade.
(…) Para que se forme uma verdadeira servidão, exige-se, por último, que os prédios, ou as fracções do prédio, se separem quanto ao seu domínio e não haja no documento respectivo nenhuma declaração oposta à constituição do encargo.
A separação de domínios pode dar-se por qualquer título negocial (compra e venda doação, troca, partilha, testamento, etc.) ou por outro título de transmissão (expropriação, usucapião, etc).

A ressalva da declaração oposta à constituição da servidão deve constar de documento, não bastando para o efeito uma simples declaração oral (…) Não é necessário, todavia, para excluir a servidão, que as partes se refiram expressamente à relação de serventia. A declaração, por exemplo, de que um prédio é vendido livre de quaisquer ónus ou encargos» bastará para impedir que sobre ele se constitua determinada servidão (…)» (in Código Civil anotado, Vol III, 2ª ed., pág. 632 a 635).

De harmonia com o disposto no art. 342º nº 1 do Código Civil competia à apelante provar os factos dos quais se pudesse concluir ter sido constituída uma servidão por destinação do pai de família ou por contrato.

Ora, a declaração na escritura pública de compra e venda pela qual a P... Lda. declarou vender e o apelado A... declarou comprar, livre de ónus e encargos, o prédio referido em 2) exclui a constituição de uma servidão por destinação do pai de família. É certo que no contrato-promessa é referida uma servidão de passagem. Porém, também está clausulado que a servidão apenas se manteria até à celebração do contrato de compra e venda. De salientar ainda, que o contrato-promessa não é esclarecedor sobre a parte do prédio adquirido pelo apelado sujeita à servidão, ou seja, desse documento não decorre que a passagem fosse efectuada através de um portão onde se encontra o muro mencionado em 18).

Por outro lado, não bastam os três portões nas traseiras do prédio da apelante para se poder afirmar a existência da servidão de passagem, pois deitam para terreno da apelante e por isso não são inequívocos sinais reveladores de que apesar do declarado no contrato de compra e venda quiseram os outorgantes que o prédio comprado pelo apelado ficasse onerado com tal encargo.

Não se mostra, pois, que a sentença recorrida viole o disposto no art. 1549º do Código Civil.

No que respeita ao facto de ser presentemente impossível o acesso de veículos pesados de mercadorias aos portões referidos em 12), cabe dizer que nem seria fundamento para a apelante exigir a constituição de servidão legal de passagem por não estarem verificados os pressupostos legais previstos no art. 1550º do Código Civil. Na verdade, o prédio da apelante não está encravado - pois tem comunicação directa com a via pública que não se mostra insuficiente para o exercício da actividade a que o prédio está afecto - e, por outro lado, decorre dos factos provados que o prédio dos apelados - tal como o da apelante - não é rústico («Entende-se por prédio rústico uma parte delimitada do solo e as construções nele existentes que não tenham autonomia económica, e por prédio urbano qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro» - cfr art. 204º nº 2 do Código Civil ).

Mas, ainda assim, diremos que a apelante não pediu a constituição de uma servidão legal de passagem, mas sim o reconhecimento da existência de uma servidão por destinação do pai de família. E não é irrelevante esta questão, pois pela constituição da servidão legal de passagem é devida indemnização nos termos do art. 1554º do Código Civil, além de que esse encargo pode ser afastado através da aquisição do prédio encravado (cfr art. 1551º do mesmo Código).

Por quanto se explanou, não pode proceder a pretensão da apelante.

IVDecisão.
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.



Lisboa, 21 de Dezembro de 2017



Anabela Calafate
António Manuel Fernandes dos Santos       
Eduardo Petersen Silva
Decisão Texto Integral: