Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1120/09.1TMLSB-C.L2-1
Relator: AMÉLIA SOFIA REBELO
Descritores: CASO JULGADO FORMAL
FORMA DE PROCESSO
PRESTAÇÃO DE CONTAS
DESPESAS DE ADMINISTRAÇÃO
PATRIMÓNIO INDIVISO
BENFEITORIAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/14/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – Dissolvido o vínculo conjugal subsiste a natureza comum do património conjugal, que só termina com a partilha dos bens comuns, pelo que, até que esta ocorra, o processo de prestação de contas não corresponde à via processual adequada para proceder à ‘liquidação’ entre o ativo e o passivo comum, nem para operar as ‘compensações’ entre patrimónios, comum e próprios de cada ex-cônjuge.
II – O pagamento de dívidas comuns do casal por um dos ex-cônjuges com recurso a seus bens próprios posteriormente à data a que reporta a cessação dos efeitos patrimoniais do casamento, dá origem a crédito do ex-cônjuge pagador sobre o património comum do casal dissolvido e, só na insuficiência deste, sobre o património próprio do outro ex-cônjuge, pelo que tais dívidas ou a medida do ´reembolso´ devida ao interessado que as pagou mantêm-se no esquema de ‘liquidação’ e ‘compensações’ entre patrimónios a operar em sede de partilha do património comum, no âmbito e em conformidade com a atividade processual inerente à tramitação dos autos de inventário para o efeito pendentes entre os interessados, pelo que neste devem ser relacionados, e não em processo de prestação de contas.
III – Distintamente, as despesas/dívidas atinentes com bens comuns voluntariamente constituídas e pagas por qualquer um dos ex-cônjuges posteriormente à cessação dos efeitos patrimoniais do casamento não integram o passivo objeto das operações de compensação a cumprir no âmbito da partilha em sede de inventário; mas daí não decorre necessariamente que possam integrar o objeto da prestação de contas.
IV – O objeto do processo de prestação de contas respeita apenas a despesas de administração, não a despesas que decorrem ou que são feitas por causa e para permitir o gozo, pelos próprios ex-cônjuges, dos bens comuns que são por eles pessoalmente fruídos, com ou sem acordo tácito ou expresso de ambos quanto aos termos dessa pessoal fruição; se dessa fruição ou por causa dela um fez despesas das quais o outro também usufruiu pessoalmente, daí não decorre tratarem-se de despesas realizadas na e com a administração dos bens comuns, antes de aproveitamento pessoal de despesas próprias ou de despesas alheias, mas que em nada se confunde com administração de património alheio.
V – Sendo a lei omissa na regulação da administração dos bens que integram o património comum no período intermédio entre a cessação das relações patrimoniais do casamento e a partilha dos bens, é possível vislumbrar no art. 1678º, nº 3 do Código Civil um princípio geral aplicável à administração do património comum do casal durante esse período de indivisão patrimonial ou, com as necessárias adaptações, as regras de administração e representação do património indiviso próprias quer das situações de indivisão (cfr. o artigo 1404.º) quer do direito das sucessões.
VI – As despesas com obras realizadas por um dos cônjuges em bem comum posteriormente à cessação dos efeitos patrimoniais do casamento, ficam excluídas do esquema de compensações entre patrimónios (comum e próprios dos cônjuges) e, por isso, do processo de inventário; mas a apreciação do crédito que das mesmas é suscetível de emergir para o interessado que as realizou remete necessariamente para a prévia questão do âmbito dos poderes de administração e, consequentemente, da natureza das obras realizadas, o que não enquadra no formalismo do processo de prestação de contas.
VII - Para além da incontornável exigência da alegação e demonstração de factos que permitam a qualificação das benfeitorias realizadas para determinar se as mesmas são ou não constitutivas de direitos de crédito em benefício de quem as realizou e em que medida, importa ainda e de sobremaneira considerar que, se das obras que um dos ex-cônjuges realizou e dos equipamentos que instalou nos prédios comuns, resultou algum incremento ou mais valia patrimonial, este produziu-se diretamente nos prédios que integram o acervo do património comum do casal, ainda indiviso, e nunca na esfera jurídica patrimonial do outro ex-cônjuge que, por esse benefício ou mais valia para a qual não contribuiu, apenas terá que ‘responder’ oportunamente caso o bem assim eventualmente beneficiado lhe venha a ser adjudicado na partilha; e só então, e em princípio, de acordo com o regime legal das benfeitorias e/ou do enriquecimento sem causa.
VIII - Se, ao invés, na partilha do património comum aquele bem vier a ser adjudicado ao interessado que realizou e custeou as obras em bem comum, nada lhe será devido por conta das despesas que nele fez uma vez que a titularidade exclusiva do bem também lhe confere a exclusividade do beneficio ou mais valia que nele tenha produzido a suas expensas, o que novamente, ainda que com causa ou fundamento distinto,  nos remete à conclusão que só em sede de partilha e em função dos termos e valores atendidos na adjudicação dos bens que por esta seja realizada, se poderá aquilatar da subsistência de um qualquer direito de crédito do ex-cônjuge com fundamento nas despesas que, por sua iniciativa, decidiu realizar em prédio comum.
IX – A utilização exclusiva de bem comum por um dos ex-cônjuges na pendência da indivisão do património conjugal não gera automaticamente o direito a uma compensação na esfera jurídica do ex-cônjuge não utilizador desse mesmo bem, compensação que será ou não atribuída e reconhecida em função de uma valoração prudencial e casuística das circunstâncias pessoais e patrimoniais dos cônjuges, estribada em exigências de equidade e justiça material, na mira de um equilíbrio de interesses, pessoais e patrimoniais, durante esse mesmo período.
Decisão Texto Parcial:Acordam na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO
Por apenso a Processo Especial de Inventário instaurado por apenso a Divórcio sem consentimento do outro cônjuge, J… requereu a prestação de contas nos termos do art. 1014° e 1018° do Código Processo Civil então em vigor, contra M…., pedindo a notificação da requerida para, na qualidade de cabeça de casal, apresentar as contas da administração dos bens comuns referentes aos anos de 29.5.2009 a 29.05.2011 e dos anos seguintes até à partilha de bens, e a condenação da requerida no pagamento dos saldos que se venham a apurar a favor do requerente.
A requerida deduziu oposição ao pedido, pugnando pela sua absolvição, em síntese, por não deter na sua posse bens do património do casal geradores de receitas.
Por decisão proferida em 09.10.2013 foi reconhecida e declarada a obrigação da requerida prestar contas, restringindo-a ao prédio urbano do património comum onde reside, descrito sob o nº (….), freguesia de Porto Salvo.
Notificada para o efeito, a requerida procedeu à apresentação de contas, que o requerente impugnou e que foram rejeitadas por despacho de 09.03.2015 com fundamento no incumprimento dos requisitos formais e materiais legalmente exigidos para a prestação de contas, não obstante as respostas da requerida aos convites ao aperfeiçoamento que lhe foram dirigidos.
Devolvida ao requerente a faculdade de proceder a apresentação de contas relativamente ao referido prédio, por req. de 20.04.2015 procedeu à sua prestação referente aos anos de 01.06.2008 a 31.12.2014, concluindo por crédito seu a cargo da requerida no montante de € 209.896,37 relativamente ao prédio urbano que continuou a constituir a morada da requerida e dos filhos do casal que com eles residiam, sito em (…..), valor que atualizou para o montante de €218.727,74 à data de 31.12.2014, relacionando na partida dos débitos mensais quantias por ele pagas a título de prestação de seguro de vida-crédito à habitação, duas prestações emergentes de empréstimos hipotecários, taxa de conservação de esgotos, e imposto municipal sobre imóveis (IMI); na partida dos créditos relacionou montantes a título de arrendamento da moradia e arrendamento do recheio da moradia a cargo da requerida, à razão mensal de €2.494,97 e €155,03, respetivamente.
Requereu a aprovação das contas e a condenação da requerida no pagamento daquele valor e do saldo das contas vincendas até à partilha do património comum, atualizados à data do integral pagamento.
Juntou documentos e exposição epigrafada de Critérios utilizados na prestação de contas (fls. 623) relativamente às contrapartidas que relacionou pela utilização da moradia (arrendamento) e do respetivo recheio, considerando para a primeira as prestações bancárias emergentes dos empréstimos que relacionou como débito, que alegou beneficiarem de hipoteca constituída sobre outro imóvel do património comum mas que se destinaram à aquisição e ao pagamento dos acabamentos daquela moradia, e considerando para a segunda a amortização, durante 20 anos, do valor do recheio da casa, fixando este em € 37.207,20 (req. de 20.04.2015).
Na mesma data o requerente apresentou contas referentes ao restante património comum e ao período de 01.06.2008 a 31.12.2014, concluindo por crédito em seu favor a cargo da requerida no valor de € 88.932,98, que atualizou para o montante de € 94.277,37. Na coluna dos débitos mensais relacionou despesas que alegou ter realizado (IRS, EDP, TV cabo, PT, despesas com J…., M…, I…a, água, pagamentos por conta, Master Garden-Oliveira, limpeza Quinta, cortina de vidro, portões Quinta, Sociflora, IMI, veterinário, pinheiros, estrume, condomínio da casa de Braga, bomba e filtro piscina, caldeira, plantas, Benagro, Agriben, Marvi-Cooperativa, Decathlon, Worten, Securitas, Polisol, J. Raquel, SMAS, aquecimento); na coluna dos créditos mensais relacionou montantes a título de utilização da quinta (JAMD), no valor mensal de €166,67 até maio de 2010 e no valor de €500,00 a partir de abril de 2012, utilização da quinta (MACB), no valor mensal de € 333,33 até maio de 2010 e € 500,00 a partir de junho 2010 até abril de 2012, utilização do Ford Focus 23-22-MH (MACB), no valor mensal de € 50,00 até maio de 2013.
Requereu a aprovação das contas e a condenação da requerida no pagamento daquele valor e do saldo das contas vincendas até à partilha do património comum, atualizados à data do integral pagamento.
Arrolou testemunhas e juntou documentos, incluindo documento elaborado em forma de conta corrente referente a período de agosto de 2004 a dezembro de 2014, contendo inscritos valores a título de despesas (serviços/mão de obra, materiais, incluindo pesticidas, sementes, rações para animais, serviços de trator, combustível, reparação de bomba de rega, ingredientes para doce de tomate, operação aos olhos de José Rosa) e pagamentos realizados.
Mais juntou documento epigrafado de Critérios utilizados na prestação de contas (fls. 1146) relativamente aos valores/‘contrapartidas’ que relacionou pela utilização da Quinta e do veículo automóvel, considerando para a primeira a utilização anual que indistintamente cada um fez da Quinta (fins de semana e férias), imputando 2/3 à requerida e 1/3 ao requerente, acrescentando que de 01.06.2010 a 30.04.2012 foi exclusivamente utilizada pela requerida e, a partir dessa data, exclusivamente pelo requerente, mediante o pagamento de uma renda mensal de € 500,00; e considerando para o veículo o valor de € 3.000,00 em 2008 e um período de amortização de 60 meses, correspondente ao período de vida útil do veículo. Mais justificou as despesas relacionadas a título de pagamentos a J…, declarando que constam distribuídas pelas duas partes de forma equitativa desde 01.06.2008 até 30.04.2012 e, a partir dessa data, na proporção de 40% para a requerida e 60% para o requerente, o que justifica pelo facto de aquele também prestar serviços particulares exclusivamente a seu favor, como cuidar dos animais e da sua horta privada, sem prejuízo de outros valores percentuais, incluindo despesas que relacionou como 100% da sua responsabilidade (do requerente).
O requerente apresentou aditamento às contas, referentes ao ano de 2015 e ao prédio onde reside a requerida, sito em (….), pelas quais concluiu pelo valor de € 30.652,61 em dívida pela requerida em seu benefício, e pelo valor total em dívida até 31.12.2015 de € 240.548,98, ao qual faz corresponder o valor atualizado de €251.455,03.
O requerente apresentou aditamento às contas, referentes aos demais bens do património comum no ano de 2015, no que incluiu despesas com benfeitorias realizadas na Quinta (obras e instalação dos respetivos equipamentos), pelas quais concluiu pelo valor de €17.601,66 em dívida pela requerida em seu benefício, e pelo valor total em dívida até 31.12.215 de € 106.534,64, ao qual faz corresponder o valor atualizado de € 112.688,26.
Arrolou testemunhas e juntou documentos.
O requerente apresentou aditamento às contas, referentes ao ano de 2016 e ao prédio onde reside a requerida, sito em (….), pelas quais concluiu pelo valor de € 30.527,03 em dívida pela requerida em seu benefício, e pelo valor total em dívida até 31.12.2016 de € 271.076,01, ao qual faz corresponder o valor atualizado de € 290.101,82.
O requerente apresentou aditamento às contas referente ao ano de 2016 e aos bens do património comum, com exclusão do prédio sito em (…), no que incluiu despesas com benfeitorias realizadas na Quinta (obras e instalação dos respetivos equipamentos), pelas quais concluiu pelo valor de € 239.379,31 em dívida pela requerida em seu benefício, e pelo valor total em dívida até 31.12.2016 de € 345.913,95, ao qual faz corresponder o valor atualizado de € 353.418,83.
Com exceção das despesas a título de IMI, que aceita constituírem despesas da responsabilidade de ambos, a requerida impugnou as contas apresentadas pelo requerente, alegando desconhecer as despesas por ele relacionadas, o fim a que se destinam e a proveniência do dinheiro que as pagou, despesas que por ela não foram autorizadas e foram realizadas em benefício do próprio requerente no prédio designado Quinta (….)em (…), prédio que ela não administra, não possui e ao qual não tem acesso. Impugnou os pagamentos de empréstimos hipotecários porque nunca concretizou qualquer acordo de pagamento com a instituição bancaria e desconhece se respeitam ou não a outro património do requerente e da sua atual esposa, e os valores de arrendamento de moradia e recheio, porque não autorizados, e que não lhe podem ser imputados pela ocupação da casa de morada de família porque nem a sua atribuição nem o direito ao seu arrendamento foi objeto de decisão judicial, pelo que nenhuma legitimidade tem o requerente para peticionar valores a título de ocupação.
Arrolou testemunhas, requereu a junção de documentos pelo requerente e a requisição de outros, e a realização de prova pericial, que foi admitida e deferida para o processo de inventário.
Foi realizada audiência de julgamento com prestação de declarações de parte e inquirição das testemunhas arroladas pelas partes, e proferida sentença que, julgando totalmente improcedente a presente ação, decidiu não aprovar as contas apresentadas pelo requerente, devendo as partes resolver o diferendo noutra sede processual que não a prestação de contas. Mais condenou o requerente nas custas da ação, no máximo legal.
Desta decisão recorreu o requerente dos autos, apresentando as seguintes
11.   CONCLUSÕES:
11.1. Matéria de Facto:
1.ª A matéria de facto, dada como provada nos n° 19° a 26° da Sentença Recorrida, foi, ilegal e infundadamente, orientada no sentido da improcedência da Ação de Prestação de Contas, porque o Tribunal Recorrido aderiu, totalmente, à defesa da Recorrida, apesar de esta não ter feito prova do alegado, ou porque essa prova não era legalmente permitida (Prestação Forçada referente à moradia da (…), ou porque não Contestou, atempadamente, as Contas Apresentadas pelo Recorrente, ou, ainda, porque os elementos de prova apresentados, relativamente à Prestação Espontânea das Contas relativas ao demais Património Comum, não permitiam a prova desses factos;
2.ª Para além disso, nos raros casos em que a Recorrida contestou as Contas Apresentadas pelo Recorrente - Prestação Espontânea dos anos de 2015 e 2016 - a Recorrida fê-lo, de má-fé, abusando do direito de defesa que lhe foi conferido, na modalidade do venire contra factum proprium, porque a administração do Património Comum cabe, legalmente, à Recorrida e esta foi, por mais de uma vez, interpelada pelo Recorrente para administrar esse Património, visando a sua salvaguarda e solvência, para que não houvesse necessidade de sacrificar o património pessoal do Recorrente e da Recorrida, e, nomeadamente, do Recorrente, porque era este quem estaria em melhores condições de fazer evitar essas perdas patrimoniais, como, na verdade, viria a acontecer;
3.ª A Recorrida só poderia ter contestado as Contas Espontaneamente, com efeito útil, nos termos do n° 2 do Artigo 945° do CPC, o que esta não fez;
4.ª A matéria de facto relevante para o apuramento e a aprovação das Contas Apresentadas pelo Recorrente, não é a que se escreveu nos n° 19° a 26° da Sentença Recorrida, mas sim a seguinte:
5.ª 1. - O Recorrente apresentou, por requerimento de 20 de Abril de 2015, as Contas, de 1 de Junho de 2008 a 31 de Dezembro de 2014, juntando 134 documentos com a identificação de 3 testemunhas, e pedindo a aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas, relativamente à moradia (….), e a condenação da Ré no pagamento ao Autor no valor total histórico de € 209.896,37 e atualizado a 31 de Dezembro de 2014, de € 218.727,74, bem como no saldo das contas vincendas, depois de apresentadas e aprovadas até à data da partilha do património comum, devidamente atualizado, à data do efetivo e integral pagamento do devido; (Fls. 392 a 631)
6.ª 2. - O Recorrente apresentou, por requerimento de 20 de Abril de 2015, as Contas, de 1 de Junho de 2008 a 31 de Dezembro de 2014, relativamente a todo o Património Comum, com exceção do prédio urbano sito na (….) juntando 251 documentos com a identificação de 3 testemunhas, e pedindo a aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas (...), e a condenação da Ré no pagamento, ao Autor, do saldo já apurado, até 31 de Dezembro de 2014, da responsabilidade da Ré, no valor total histórico de € 88.932,98 e atualizado a 31-12-2014, de € 94.277,37, bem como no saldo das contas vincendas, depois de apresentadas e aprovadas, até à data da partilha do Património Comum, devidamente atualizados, à data do efetivo e integral pagamento do devido; (Fls. 632 a 1151)
7.ª    3. - O Recorrente apresentou, por requerimento de 8 de Abril de 2016, as Contas, referentes ao ano de 2015, relativas ao prédio urbano sito  (….), juntando 19 documentos com a identificação de 3 testemunhas, e pedindo a aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas (...), e a condenação da Ré no pagamento, ao Autor, do saldo já apurado, até 31 de Dezembro de 2015, no valor total histórico de € 240.548,98 e atualizado a 31-12-2015, de € 251.455,3,  da responsabilidade da Ré, no valor total de € 251.455,03, bem como no saldo das contas vincendas, depois de apresentadas e aprovadas, até à data da partilha do Património Comum, devidamente atualizados, à data do efetivo e integral pagamento do devido; (Fls. 1196 a 1242)
8.ª    4. - O Recorrente apresentou, por requerimento de 8 de Abril de 2016, as Contas, referentes ao ano de 2015, relativamente a todo o Património Comum, com exceção do prédio urbano sito (…), juntando 74 documentos com a identificação de 3 testemunhas, e pedindo a aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas (...), e a condenação da Ré no pagamento, ao Autor, do saldo já apurado, até 31 de Dezembro de 2015, no valor total histórico de € 106.534,64 e atualizado a 31-12-2015, no valor total de € 112.688,26, bem como no saldo das contas vincendas, depois de apresentadas e aprovadas, até à data da partilha do Património Comum, devidamente atualizados, à data do efetivo e integral pagamento do devido; (Fls. 1243 a 1452)
9.ª    5. - O Recorrente apresentou, por requerimento de 2 de Maio de 2017, as Contas, referentes ao ano de 2016, relativas ao prédio urbano sito (…..), Oeiras, juntando 19 documentos com a identificação de 3 testemunhas, e pedindo a aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas (...), e a condenação da Ré no pagamento, ao Autor, do saldo já apurado, até 31 de Dezembro de 2016, no valor total histórico de € 271.076,01 e atualizado a 31-12-2016, no valor total de € 290.101,82, bem como no saldo das contas vincendas, depois de apresentadas e aprovadas, até à data da partilha do Património Comum, devidamente atualizados, à data do efetivo e integral pagamento do devido; (Fls. 1734 a 1765)
10.ª  6. - O Recorrente apresentou, por requerimento de 2 de Maio de 2017, as Contas, referentes ao ano de 2016, relativamente a todo o Património Comum, com exceção do prédio urbano sito (….), juntando 74 documentos com a identificação de 4 testemunhas, e pedindo a aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas (...), e a condenação da Ré no pagamento, ao Autor, do saldo já apurado, até 31 de Dezembro de 2016, no valor total histórico de € 345.913,95 e atualizado a 31-12-2016, no valor total de € 353.419,83, bem como no saldo das contas vincendas, depois de apresentadas e aprovadas, até à data da partilha do Património Comum, devidamente atualizados, à data do efetivo e integral pagamento do devido. (Fls. 1714 a 1733)
11.ª  7. - Nas Contas Apresentadas, o Recorrente insere verbas, a débito, e verbas, a crédito, do Património Comum e faz o apuramento dos respetivos saldos anuais, que apresentam os seguintes valores: (….)
12.ª  8. - No apuramento das Contas do Património Comum, relativo aos anos de 2008 a 2016, considerando os valores inscritos, a crédito e a débito, do Recorrente e da Recorrida, verifica-se, que o Recorrente e a Recorrida têm, respetivamente, a haver e devem as seguintes quantias, no total de € 616.989,96, correspondente ao somatório dos valores (….).
13.ª  9. - Os acima referidos factos, a serem dados como provados, submetidos aos critérios que definem o Prudente Arbítrio do Julgador, revelam que as Contas Apresentadas pelo Recorrente: (i) estão incluídas no âmbito da Ação de Prestação de Contas; (ii) foram apresentadas na forma legal (conta corrente) e foram instruídas com os respetivos documentos justificativos; (iii) foram prestadas pelo Recorrente, porque, apesar de ser a cabeça de casal, a Recorrida não o fez, voluntariamente; (iv) obedecem a adequados critérios de conveniência e oportunidade; (v) obedecem a adequados critérios de ponderação e razoabilidade; (vi) os critérios utilizados são claros e lineares; e, (vii) as verbas inscritas na Contas são razoáveis, exatas e verosímeis, em face dos respetivos documentos justificativos e dos critérios utilizados na repartição de despesas partilhadas;
14.ª  A prova dos nove factos, correspondentes às Conclusões 5ª a 13ª, deverão ser dados como provados com base nos seguintes elementos de prova: a.    Prova por Documentos
i.       Prestação Forçada(….)
10)   Para além dos acima referidos documentos, há ainda a considerar os seguintes:
(…).
11.2. Matéria de Direito:
15.ª  Com a não aprovação das Contas Apresentadas pelo Recorrente, com base nos fundamentos dela constante, a Sentença Recorrida não respeitou o Caso Julgado relativamente às seguintes matérias que já tinham sido decididas, definitivamente, pelo Tribunal: (i) apenas existe a obrigação da R. prestar contas relativamente ao prédio urbano sito (…) (ii) ordenou, em consequência, a notificação da Recorrida para prestar contas no prazo de 20 dias relativamente àquele bem, sob pena de não lhe ser permitido contestar as que o A. Apresente [nota de rodapé 263: Sentença de 9 de Outubro de 2013 de Fls. 111 a 116, já transitada em julgado] ; (iii) no âmbito da prestação de contas, haverá que considerar o valor do uso exclusivo do prédio urbano por parte de um dos ex-cônjuges, que constitua bem comum, porquanto tal uso representa uma vantagem económica que se incorpora no património de tal ex-cônjuge, sob pena de ocorrer um locupletamento à custa alheia, não consentido por lei; (iv) as contas a prestar são unicamente as que respeitam à administração e utilização do imóvel onde a R. reside e devem iniciar-se a 29 de Maio de 2008, data fixada para os efeitos do art. 1789°, n.° 2 do Ccivil; (v) Não deve a R. elencar despesas tidas com os filhos pois não  constituem contas relativas ao imóvel [nota de rodapé 264: Despacho de 27 de Maio de 2014 de Fls. 238 e 239, já transitada em julgado]; (vi) Notifique o Autor nos termos e para os efeitos do artigo 943° n° 1 do CPC, em face da não admissão e rejeição das contas apresentaras pela ré [nota de rodapé 265: Despacho de 9 de Março de 2015]; e, (vii) por se ter considerado que a decisão a proferir na Ação de Prestação de Contas (Apenso C) produz efeitos no Processo de Inventário (Apenso B), ordenou-se a suspensão destes autos até trânsito em julgado da decisão do Apenso C [nota de rodapé 266: Despacho de 19 de Novembro de 2015, proferido no Apenso B];
16.ª  Em face dessas decisões, já Transitadas em Julgado, a Sentença Recorrida não poderia ter questionado, como o faz: (i) o direito do Recorrente em Apresentar Contas, na sua dupla modalidade - em substituição da Recorrida, relativamente às contas objeto da sua condenação na respetiva Apresentação, por via da rejeição destas e, em nome próprio, relativamente às Contas que lhe competia Apresentar; (ii) o direito do Recorrente a inscrever, como receita, a crédito do Património Comum, o valor do uso exclusivo dos prédios utilizados em proveito próprio e exclusivo, como é o caso da moradia da Rua (…) e dos prédios que constituem a Quinta (…) [nota de rodapé 265: Poderá assumir-se que esse reconhecimento se estende aos bens móveis comuns utilizados, exclusivamente, por um dos interessados, como é o caso do recheio da moradia acima identificada e da utilização que a Recorrida fez do veículo automóvel da marca Ford, modelo Focus com a matrícula (…). É necessário ter presente que o valor resultante da utilização deste automóvel, deixa de ser considerado quando se esgota o respetivo valor residual de amortização (€ 5.000,00)]; e, o facto da decisão a ser proferida na presente Ação de Prestação de Contas produzir, obrigatoriamente, efeitos no Processo de Inventário, no que se refere às despesas e às receitas do Património Comum;
17.ª  A sentença recorrida violou, nesta parte, o disposto nos Artigos 619º e 620° do CPC, nos mesmos termos em que se julgou a violação, por este Tribunal, do Caso Julgado, no Apenso B, constante do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20 de Dezembro de 2017 ;
18.ª  Na Prestação de Contas não cabe o ganho de créditos para os exigir na partilha do património comum, em sede de inventário, porque: se trata de uma obrigação legal emergente do dever de informação que recai sobre quem tem a obrigação de as prestar; refere-se à gestão do Património Comum, depois da sua autonomização da esfera jurídica do casal, por efeito do divórcio; e, eventuais créditos de qualquer dos interessados, sobre o Património comum, responsabilizam igualmente ambos os ex- cônjuges, pelo que o pedido de um deles, visando o reembolso dos créditos reclamados, visa, fundamentalmente, colocar os interessados em pé de igualdade perante o Património Comum;
19.ª  O Tribunal Recorrido fez uma errada interpretação dos factos e dos documentos juntos, pelo Recorrente aos autos, considerando como inscritos nas prestações de contas do Recorrente, relações contratuais (com ::::) e valores despendidos na constância do casamento (com benfeitorias da Quinta (…)), a partir de 2004 e até 30 de Abril de 2008. Contudo, é fácil verificar que os valores inscritos nas Contas Apresentadas se referem, exclusivamente, ao período que começou a 1 de Junho de 2008, data a partir da qual se produziram os efeitos patrimoniais do divórcio de Recorrente e Recorrida, e dessas Contas não constam essas despesas, com exceção das resultantes da obras em curso e dos equipamentos respetivos, de que a Requerida consentiu, beneficiou e usufruiu, diretamente, até Abril de 2012;
20.ª  A exigência dos saldos, credor ou devedor, de qualquer dos interessados, Recorrente ou Recorrida, não é matéria que tenha necessariamente de ser tida em consideração no Processo de Inventário, porque a parte final do Artigo 941° do CPC torna exigível o saldo credor que se venha a apurar, com a condenação do devedor no seu pagamento. Só assim se realiza o fim próprio da Ação de Prestação de Contas e o princípio da posição de igualdade que, Recorrente e Recorrida têm, relativamente ao Património Comum. Só no caso do Interessado devedor não revelar ter meios para pagar o devido, ou não pagar, é que os valores em dívida deverão ser tidos em consideração no Processo de Inventário, por via de compensação com a quota-parte que disser respeito ao interessado devedor.
21.ª  Por último e no que se refere às benfeitorias, que não se demonstrou terem existido, a verdade é que os melhoramentos realizados, pelo Recorrente, na Quinta (…), valorizaram o Património Comum, em proveito do Recorrente e da Recorrida, como resulta do depoimento das testemunhas. Pior é nada fazer, como acontece com a conduta omissiva da Requerida, deixando degradar o património comum, porque da sua desvalorização resultam prejuízos, que irão afetar, em igualdade de circunstâncias, Recorrente e Recorrida;
22.ª  As custas em que o Recorrente foi condenado afiguram-se-lhe como injustificadamente sancionatórias, sem que o respetivo comportamento processual o revele, pelo contrário.
12.   PEDIDO:
Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso, no que se refere à alteração da matéria de facto e no que se refere ao apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas e a condenação no pagamento do saldo apurado, em face das conclusões extraídas, que em termos de valores atualizados atingem, em 31 de Dezembro de 2017, € 655 609,58 (Doc. 13), revogando-se, em consequência, a Sentença Recorrida, que deverá ser substituída por Acórdão que julgue a Ação de Prestação de Contas, totalmente procedente, por provada, e condene a Recorrida na totalidade do pedido.
Não foram apresentadas contra-alegações.
II–DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO:
Sem perder de vista que o objeto do recurso é antes de mais o mérito da crítica que vem dirigida à decisão recorrida e não o mérito dos pedidos formulados nos articulados, balizado aquele objeto pelo âmbito das conclusões do recorrente nos termos dos art.s 635º, nº 5 e 639º, nº 1 e 3, do Código de Processo Civil, sem prejuízo de outras questões que oficiosamente cumpra conhecer e das que resultem prejudicadas pela solução dada às que as precedem, conforme conclusões enunciadas pelo recorrente e considerando o teor da sentença absolutória recorrida, pela ordem lógica do seu conhecimento, vêm submetidas a apreciação, as seguintes questões:
A) Violação do caso julgado formado pela sentença de 09.10.2013 e pelo despacho de 27.05.2014 proferidos nestes autos de prestação de contas, e pelo despacho de 19.11.2015 proferido nos autos de inventário em apenso B.
B) Caso não resulte prejudicada, ou na medida em que não resulte prejudicada pela solução da questão supra, adequação processual da ação de prestação de contas para conhecimento/definição/reconhecimento dos créditos e débitos cuja aprovação vem requerida pelo apelante.
C) Caso não resulte prejudicada pela solução da questão supra, ou na medida em que não resulte prejudicada pela solução da questão supra, erro de julgamento de facto tendo como objeto a matéria descria sob os pontos 19º a 26º dos factos provados, que o apelante pretende seja substituída pela que descreve sob os nºs 5 a 12 das conclusões de recurso, o que previamente impõe:
i) a apreciação da admissibilidade da junção aos autos dos documentos apresentados em sede de recurso;
ii) a aferição do cumprimento dos requisitos legais do recurso dirigido à decisão de facto.
D) Apuramento do saldo peticionado pelo apelante através da prévia apreciação dos créditos e débitos por ele relacionados, e na medida em que esta que não resulte prejudicada pela solução dada às questões que antecedem.
E) Adequação das custas fixadas a cargo do requerente/apelante.
III – FUNDAMENTAÇÃO:
A) Da invocada violação do caso julgado
1. Fundamentação de Facto:
a) Na sequência da contestação, pela requerida, da obrigação de prestação de contas que contra ela foi peticionada pelo apelante relativamente à totalidade do património comum do ex-casal, em 09.10.2013 foi proferida sentença que concluiu nos seguintes termos:
Pelo exposto, decide-se pela improcedência parcial da acção decidindo-se que apenas existe a obrigação da R. prestar contas relativamente ao prédio urbano sito (….).
Custas nesta parte pelo A.
Notifique a R. para prestar contas no prazo de 20 dias relativamente àquele bem, sob pena de não lhe ser permitido contestar as que o A. apresente.
Em sede de fundamentação de facto consta da referida sentença que:
A R. reside no prédio urbano sito (..), detendo a posse daquela que foi a casa de morada de família e respectivo recheio;
Em sede de fundamentação de direito foi ali consignado que:
No entanto, há um bem em relação ao qual a R. detém a posse e administra. E esse é a casa onde reside. Ao contrário do que defende a R., “no âmbito da prestação de contas, haverá que considerar o valor do uso exclusivo de prédio urbano por parte de um dos ex cônjuges, que constitua bem comum, porquanto tal uso representa uma vantagem económica que se incorpora no património de tal ex-cônjuge, sob pena de ocorrer um locupletamento à custa alheia, não consentido por lei”- Luís Filipe Pires de Sousa in “ Acções especiais de divisão de coisa comum e de prestação de contas”, Coimbra Editora, fls. 128-129.
b) Em 27.05.2014 foi proferido despacho do qual consta a final:
As contas a prestar são unicamente as que respeitam à administração e utilização do imóvel onde a R. reside e devem iniciar-se a 29 de Maio de 2008, data fixada para os efeitos do art. 1789º, n.º 2 do Ccivil. Não deve a R. elencar despesas tidas com os filhos pois não constituem contas relativas ao imóvel.  Pelo exposto, convida-se a R. a, no prazo de 15 dias, vir aos autos apresentar as contas relativas ao imóvel em forma de conta-corrente e tendo em conta o supra referido.
c) Nos autos de inventário em apenso, em 19.11.2015 foi proferido o seguinte despacho:
Considerando que a decisão a proferir no Apenso C – Prestação de Contas produz efeitos nos presentes autos, por efeito da inerente prejudicialidade, ordena-se a suspensão destes autos até trânsito em julgado da decisão do Apenso C.
d) Em sede de motivação da decisão de facto que integra a sentença recorrida, a Mmª Juiz a quo consignou o seguinte:
Quanto aos factos provados 19° e 20°, refira-se que a fls. 1146 e ss. o requerente juntou, como prova documental, um documento explicando os “critérios utilizados na prestação de contas”, justificando o porquê dos valores inseridos na conta corrente e o porquê de considerar determinadas despesas como devendo ser repartidas com a requerida, concretamente em relação à utilização dos imóveis. Ora não pode atender-se à pretensão do requerente pois que os critérios referidos são escolhidos única e exclusivamente por si, e não por acordo entre as partes, e sem que tal decisão unilateral possa ter qualquer relevância jurídica atenta a natureza das despesas invocadas, contrapartida pela utilização de imóveis ou mesmo arrendamento, conceitos que precisam de sustentação fáctica da celebração de contrato subjacente, que no caso não resultaram minimamente provados, sendo certo que não pode tal prova extrair-se do documento elaborado pelo requerente onde explica de onde surgem tais valores, segundo a sua vontade e pensamento. (…) Mais, não restaram dúvidas de que os valores lançados nas contas correntes referentes à utilização dos imóveis não podem ser considerados porque foram fixados unilateralmente pelo requerente sem qualquer fundamento fáctico ou legal.
Em sede de fundamentação de direito, mais consta:
Na verdade, o que o requerente pretende não é prestar e validar as contas, mas sim ganhar créditos para os exigir na partilha do património comum em sede de inventário.//Tanto assim que lançou nas contas valores pela utilização dos imóveis que não têm suporte documental nem testemunhal, nem encontram fundamentação fáctica ou jurídica, pelo que nesta parte não será possível aprovar as contas apresentadas.
O dispositivo da sentença foi lavrado nos seguintes termos, que novamente se reproduzem:
Face ao exposto, decide-se julgar totalmente improcedente a presente acção e não aprovar as contas apresentadas pelo requerente, devendo as partes resolver o diferendo noutra sede processual que não a prestação de contas.
2. Fundamentação de Direito:
Cumpre antes de mais referir que o dispositivo da sentença recorrida padece de aparente contradição jurídico-processual na sua formulação pois que, sem distinguir segmentos da ação ou do pedido, de forma global concluiu pela improcedência da ação - conclusão que, no pressuposto da validade do processo e da inexistência de outras exceções que obstem ao julgamento de mérito da causa, pressupõe a apreciação do pedido que por ela vem deduzido através do competente julgamento de mérito dos fundamentos de facto e de direito em que vem suportado -e, prosseguindo, novamente de forma global ou geral, ao remeter a resolução do pleito para outra sede processual que não a prestação de contas, concluiu pela exceção dilatória processual de erro na forma de processo que, considerada insuprível, conduz à anulação do processado (cfr. art. 193º, nº 1 do CPC). Aparente contradição que não obsta ao conhecimento do objeto do recurso, tanto mais que por ele não vem arguida uma qualquer nulidade da sentença.
Prevê o art. 619º, nº 1 do CPC que Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º. O art. 620º, nº 1 distingue o Caso julgado formal, o qual incide sobre As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo. No art. 628º do CPC consta prevista a noção de trânsito em julgado, que ocorre quando a decisão não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação.
Conforme dispõe o art. 580º, nº 1 e nº 2 do Código de Processo Civil, a exceção e a autoridade do caso julgado (assim como a exceção da litispendência) pressupõe a repetição de uma causa e visa evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior, produzindo um efeito de preclusão definitiva de novo e ulterior conhecimento judicial sobre a mesma questão. Os limites do caso julgado são traçados pela sobejamente conhecida coexistência da tríplice identidade dos elementos identificadores da relação ou situação jurídica, processual ou material, definida pela decisão: os sujeitos, o objeto ou pedido, e a fonte, título constitutivo ou causa de pedir.  Nos termos do art. 581º, nº 2, 3 e 4 do CPC há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico, e há identidade de causa de pedir quando os factos jurídicos que fundamentam a pretensão são os mesmos.
Sob a epígrafe Casos julgados contraditórios prevê o art. 625º, nº 1 do CPC que Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar. Acrescenta o nº 2 que É aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual. Tratando-se de uma situação de caso julgado formal, nos termos previstos pelo citado nº 2, a estabilidade adquirida pela decisão é restrita ao processo onde foi proferida, ao qual se circunscreve aquele fenómeno da preclusão de nova decisão sobre a mesma questão.
O caso julgado traduz a força obrigatória da estabilidade dos despachos e das sentenças que recaiam sobre a relação processual ou sobre a relação controvertida objeto da ação, e manifesta-se em duas vertentes ou efeitos essenciais: um, de cariz negativo, que impede que o tribunal que a proferiu se volte a pronunciar sobre a concreta questão já decidida nos autos (sem prejuízo das alterações admitidas nos termos do art. 613º, nº 2 do CPC, restritas à retificação de erros materiais, ao suprimento de nulidades e à reforma da sentença, nos termos consagrados nos artigos 614º a 616º do CPC); outro, de cariz positivo, a autoridade de caso julgado, que vincula o tribunal à decisão anteriormente proferida (nesse sentido, Rui Pinto, in Revista Julgar, on line, novembro 2018, e acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20.10.2015, processo nº 231514/11.3YIPRT.C1).
Em anotação ao acórdão da Relação do Porto de 06.06.2016 (proc. nº 1226/15.8T8PNF.P1), Miguel Teixeira de Sousa manifestou que “Quando vigora como autoridade do caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva a “repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente” (Miguel Teixeira de Sousa, “O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material”, BMJ/325º, p. 171, 176 e 179). Mais acrescentou que A força e autoridade de caso julgado (material) significa que, decidida com força de caso julgado material uma determinada questão de mérito, não mais poderá ela ser apreciada numa acção subsequente, quer nela surja a título principal, quer se apresente, tão somente, a título prejudicial, e independentemente de aproveitar ao autor ou ao réu.[1]
A respeito do âmbito ou dos limites do caso julgado, a jurisprudência superior tem vindo a flexibilizar os critérios rígidos de doutrina e jurisprudência de outrora nessa matéria, admitindo a sua extensão aos fundamentos da decisão. Nesse sentido, acórdão do STJ de 08.11.2018 (proc. nº 478/08.4TBASL.E1.S1): I - A autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreva, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, ainda que não integralmente idêntico, de modo a obstar a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa. //II. Embora, em regra, o caso julgado não se estenda aos fundamentos de facto e de direito, a força do caso julgado material abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado.//III. Assim, a eficácia de autoridade de caso julgado pressupõe uma decisão anterior definidora de direitos ou efeitos jurídicos que se apresente como pressuposto indiscutível do efeito prático-jurídico pretendido em ação posterior no quadro da relação material controvertida aqui invocada.[2]
No dizer de Miguel Teixeira de Sousa, [E]ntende-se que a eficácia do caso julgado da sentença não se estende a todos os motivos objectivos da mesma, mas abrange as questões preliminares que constituíram as premissas necessárias e indispensáveis à prolação do juízo final, da parte injuntiva, contanto que se verifiquem os outros pressupostos do caso julgado material, abrangendo, pois, todas as excepções aí suscitadas por imperativo legal e conexas com o direito a que se refere a pretensão do autor, solução que permite evitar a incoerência dos julgamentos, respeita os princípios da justiça e da estabilidade das relações jurídicas, propicia a economia processual e corresponde ao alcance do caso julgado contido no artº 621º do CPC.[3]
Com evidente assertividade para o caso em apreço, ainda no mesmo blogue, em anotação ao acórdão de RE de 11.05.2017 (proc. nº 442/16.0T8FAR.E1) Miguel Teixeira de Sousa manifestou que [A] autoridade de caso julgado, diversamente da exceção de caso julgado, pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade a que alude o artº 581º, do CPC, pressupondo, porém, a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida.//A autoridade do caso julgado justifica-se/impõe-se pela necessidade da certeza e da segurança nas relações jurídicas. E essa autoridade não é retirada, nem posta em causa mesmo que a decisão transitada em julgado não tenha apreciado corretamente os factos ou haja interpretado e aplicado erradamente a lei: no mundo do Direito tudo se passa como se a sentença fosse a expressão fiel da verdade e da justiça. (v. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, pág. 93).
No caso, o apelante exceciona e opõe o efeito de caso julgado à sentença recorrida, invocando em fundamento a decisão e despachos supra parcialmente transcritos.
É facto incontornável que, contestada pela requerida/apelada a obrigação de prestação de contas que pelo requerente lhe foi imputada, em 09.03.2013 foi nestes autos proferida sentença preliminar que, não só reconheceu e concluiu pela obrigação da R. prestar contas relativamente ao prédio urbano sito (….) como, por referência ao conteúdo dessa obrigação, reconheceu que a mesma reporta ao valor do uso exclusivo, por parte da apelada, do prédio urbano que constitui bem comum, no pressuposto de que [t]al uso representa uma vantagem económica que se incorpora no património de tal ex-cônjuge, sob pena de ocorrer um locupletamento à custa alheia, não consentido por lei.
Na sequência lógica da referida decisão, que transitou em julgado, com aquele despacho o objeto da prestação forçada de contas ficou delimitado à prestação de contas reportadas ao valor do uso exclusivo do prédio urbano comum sito em (…) que represente vantagem ou locupletamento indevido da apelada. Em conformidade com o procedimento inerente ao processo especial de prestação de contas, os autos prosseguiram para apresentação e julgamento (de facto e de direito) das referidas contas no pressuposto, por aquela decisão declarado[4],  de que estes autos de prestação de contas constituem o suporte ou a forma de processo adequada para, por apenso a inventário pendente para partilha do património comum, conhecer, ou seja, apreciar e decidir, do direito de crédito a que um dos ex-cônjuges se arroga sobre o outro com fundamento na fruição exclusiva de imóvel integrado na comunhão patrimonial conjugal.
Transpondo as considerações supra à questão aqui posta em apreciação, impõe-se concluir que o segmento da decisão recorrida que consignou deverem [a]s partes resolver o diferendo noutra sede processual que não a prestação de contas, consubstancia julgamento positivo de erro na forma de processo, concretizando assim a imputada violação da autoridade do caso julgado formal formado pela sentença proferida em 09.10.2013, por incidir sobre questão processual por esta decidida: adequação do processo de prestação de contas para conhecimento do crédito que o requerente se arroga sobre a requerida e que reporta ao uso exclusivo, por esta, do prédio urbano comum sito (…), traduzido no valor que, no âmbito das contas forçadas que apresentou em substituição da apelada, o apelante imputa à fruição do imóvel do património do casal no qual a requerida permaneceu a residir após a separação do casal, data à qual foram judicialmente reportados os efeitos patrimoniais do divórcio.
Mas urge desde já realçar que o trânsito em julgado da sentença proferida em 09.10.2013 apenas cristalizou nestes autos a questão da admissibilidade, no âmbito da prestação de contas, da discussão e apreciação do crédito que o requerente relacionou com o dito fundamento. O que vale por dizer que a força de caso julgado daquela sentença não abrange um qualquer juízo definitivo sobre a bondade ou mérito de tal pretensão e dos valores em que o apelante a concretiza, que não constituía nem podia constituir objeto de pronuncia naquela decisão preliminar e instrumental, precisamente, porque mais não alcançou do que fixar o objeto das contas que, no âmbito da prestação de contas forçada peticionada pelo apelante, competiria apresentar pela requerida para subsequente e oportuna apreciação e decisão, a operar através do enquadramento jurídico dos factos que nessa matéria resultassem demonstrados e com apelo à doutrina e jurisprudência a respeito produzida. Conforme acórdão da Relação de Coimbra de 12.12.2017[5], e com a devida adaptação, A autoridade de caso julgado de uma sentença só existe na exata correspondência com o seu conteúdo e daí que ela não possa impedir que em novo processo se discuta e dirima aquilo que ela mesmo não definiu.
Mais cumpre destacar que, conforme consta dos fundamentos da decisão de 09.10.2013 e resulta confirmado pelo devir dos autos, a autoridade do caso julgado da referida decisão que concluiu pela obrigação de prestação de contas a cargo da apelada, circunscreve-se à questão do valor de fruição ou de uso exclusivo do prédio comum onde esta permaneceu a residir e do locupletamento indevido que para ela tenha resultado. Com efeito, restringindo-se a imputação legal da obrigação de prestação de contas aos bens que o sujeito passivo tenha efetivamente administrado, e não aos que, expressa ou tacitamente, confiou à administração alheia – naquela decisão não podem considerar-se abrangidas as prestações bancárias, prémios de seguro, taxas municipais e IMI que relativamente àquele imóvel foram relacionados pelo apelante, precisamente porque, conforme por este relacionados, correspondem a pagamentos por ele – e não pela apelada – realizados. Sendo dado adquirido nos autos e confessado pelo apelante que a apelada não procedeu ao pagamento daquelas dívidas ou encargos, impõe-se concluir que era por ele conhecido que a apelada não dispunha da correspondente informação, que era o apelante e não a apelada quem estava em condições de a prestar; não dispondo daquela informação, não lhe poderia ser imputada e exigida a prestação de contas relativamente a tais despesas e/ou encargos, por corresponderem a atos de administração que não cumpriu ou realizou, e o que era do conhecimento do apelante.
Com as referidas ressalva e exclusão, procede a censura dirigida à sentença recorrida com fundamento na violação do caso julgado invocada sob as conclusões 15º a 17º do ponto 11.2, na parte em que, remetendo os interessados para [o]utra sede processual que não a prestação de contas, concluiu por erro na forma de processo para apreciação, nestes autos de prestação de contas, dos valores relacionados pelo requerente reportados ao prédio urbano sito (…) a título de dívida que em seu benefício imputa à requerida com fundamento na fruição exclusiva do dito prédio.
Para além do referido segmento, o apelante mais estende a invocada violação do caso julgado às contas que foram por si espontaneamente prestadas - e que, nos termos antes expostos, abrangem as prestações bancárias e demais encargos (impostos e taxas) que o apelante alegou ter pago relativamente à moradia sita (…). Porém, aqui sem fundamento porquanto tal matéria não foi objeto de qualquer despacho ou decisão anteriormente proferida nestes autos, nem tão pouco o despacho que ordenou a suspensão dos autos de inventário detém a virtualidade de o integrar. Com efeito, a decisão de suspensão da instância dos autos de inventário proferido no correspetivo apenso não encerra nem poderia encerrar um qualquer sentido quanto ao conteúdo da decisão que nestes autos de prestação de contas viesse a ser proferida, designadamente, a respeito da adequação processual da prestação de contas para apreciar as pretensões que o requerente nela deduziu; independentemente da bondade do decreto que ordenou e declarou a suspensão dos autos de inventário, por ele apenas foi pressuposto e considerado que a decisão que nestes autos de prestação de contas viesse a ser proferida – qualquer que ela fosse - poderia repercutir-se ou ser apta a influenciar o objeto dos autos de inventário[6]; nada mais. O efeito de prejudicialidade pressuposto pelo despacho do tribunal recorrido apenas se reporta e pode reportar ao da decisão que nestes autos vier a ser proferida relativamente aos ulteriores termos do inventário e às questões que no mesmo permanecem controvertidas; o inverso já não sucede, ou seja, a decisão de suspender os termos do inventário até à decisão final do apenso de prestação de contas não contém um qualquer efeito prejudicial ou um pré-juízo (processualmente incomportável) sobre o conteúdo e sentido da decisão que neste viesse a ser proferida, não só sobre as pretensões por ele pretendidas exercer pelo apelante, mas também sobre a regularidade dos pressupostos processuais da ação, que incluem a apreciação da adequação formal do processo que para aquele efeito o apelante lançou mão.
Neste segmento e com fundamento no despacho que determinou a suspensão da instância dos autos de inventário, a decisão recorrida não consubstancia violação da autoridade do caso julgado, pelo que improcede nesta parte a censura que pelo apelante lhe vem dirigida.
B) Adequação processual da ação de prestação de contas para conhecimento/reconhecimento dos créditos e débitos cuja aprovação vem requerida pelo apelante.
Ainda que com incorreta formulação do dispositivo da sentença recorrida, dele resulta que o tribunal recorrido concluiu que o requerente/apelante usou indevidamente da ação especial de prestação de contas para apreciação e reconhecimento dos fundamentos de facto e de direito dos créditos e dos débitos que relaciona, no pressuposto lógico de constituírem estes os fundamentos de mérito ou o prius da pretensão a que formalmente por eles o apelante se arroga credor sobre a requerida, precisamente, pelo montante correspondente ao saldo desses mesmos débitos e créditos – saldo que mais não corresponde do que a mera equação aritmética despida de qualquer julgamento jurídico-legal -, com consequente condenação da requerida no pagamento do correspetivo valor em benefício do requerente/apelante.
Conforme critério desenhado por Lopes Cardoso para resposta à questão do erro na forma do processo, Quando a lei define o campo de aplicação do processo especial respectivo pela indicação do fim a que o processo se destina, a solução do problema da determinação dos casos a que o processo é aplicável, está à vista: o processo aplicar-se-á correctamente quando se use dele para o fim designado pela lei. E como o fim para que, em cada caso concreto, se faz uso do processo se conhece através da petição inicial, pois que nesta é que o autor formula o seu pedido e o pedido enunciado pelo autor é que designa o fim a que o processo se destina, chega-se à conclusão seguinte: a questão da propriedade ou impropriedade do processo especial é uma questão, pura e simples, de ajustamento do pedido da acção à finalidade para a qual a lei criou o respectivo processo especial. Vê-se, por um lado, para que fim criou a lei o processo especial; verifica-se, por outro, para que fim o utilizou o autor. Há coincidência entre os dois fins? O processo especial está bem empregado. Há discordância entre os dois fins? Houve erro na aplicação do processo especial.[7] Tendo presente que a adequação da forma do processo se afere pelo objeto do que por ele vem submetido a apreciação e decisão, importa antes de mais realçar que a presente prestação de contas foi instaurada na pendência de processo de inventário para partilha da comunhão conjugal requerido pela apelada e que, através da prestação de contas e antes de partilhado o património, o apelante pretende a condenação desta no valor do saldo que apurou entre quantias que relacionou a crédito e a débito de um e outro, conforme alega, atinentes com a administração dos bens que integram o património comum do casal e que permanece indiviso.
Sob a epigrafe Objeto da acção, dispõe o art. 941º do CPC que, A acção de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objecto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se.[8]Nos termos do art. 944º, nº 1, As contas que o réu deva prestar são apresentadas em forma de conta-corrente e nelas se especificará a proveniência das receitas e a aplicação das despesas, bem como o respectivo saldo. Nos termos conjugados dos arts. 945º, nº 1 e 2 e 946º do CPC, tratando-se de contas espontaneamente prestadas pelo autor da ação e contestadas pelo réu, a ação segue os termos do processo comum declarativo subsequentes à contestação. Nos termos do art. 945º, nº 2 e 946º, na contestação o réu pode impugnar as verbas de receita, alegando que esta foi ou devia ter sido superior à inscrita, articular que há receita não incluída nas contas ou impugnar as verbas de despesa apresentadas pelo autor. A contestação pode ainda limitar-se a exigir que o autor justifique as verbas de receita ou de despesa que indicar. Se as contas forem apresentadas pelo autor em substituição das que deveriam ter sido apresentadas pelo réu, [o] juiz pode colher todas as informações e ordenar todas as averiguações que entender convenientes. Pode, por isso, chamar a depor como testemunhas as pessoas que espontaneamente ou por indicação do A. ou do R. julgar em condições de prestarem esclarecimentos uteis (RLJ, 78.º-311).[9]
A ação especial de prestação de contas é uma das formas de exercício deste direito de informação (…) que existe sempre que o titular de um direito tenha duvida fundada acerca da sua existência e do seu conteúdo e outrem esteja em condições de prestar as informações necessárias (Artigo 573º do Código Civil) e cujo fim é o de estabelecer o montante das receitas cobradas e das despesas efetuadas, de modo a obter a definição de um saldo e a determinar a situação de crédito ou de débito.[10]
Através de uma conta corrente são demonstradas e confrontadas transações ou fluxos de valores entre o credor e o obrigado à prestação de contas, dentro de um determinado período, mediante a inscrição em partidas de débito e de crédito dos valores que duas pessoas têm obrigação de entregar uma à outra e que, na sucessiva e reciproca liquidação, a final se resumem/liquidam a um valor de saldo, que pode ser de zero, ou de débito de um a crédito de outro. Mas o art. 944º, nº 1 do CPC [n]ão se limita a exigir que as contas sejam apresentadas em forma de conta corrente; acrescenta: especificando a proveniência das receitas e a aplicação das despesas.//Sublinhamos a palavra especificando, porque foi intencionalmente empregada para significar que ao réu incumbe discriminar e individualizar as diferentes fontes de receita e as diferentes causas de despesa (do Ac. RL, de 24.3.1976; Col. Jur., 1976, 2.º-461).[11]
Decorre não só da literalidade e semântica da redação do art. 941º - receitas obtidas e despesas realizadas (subl. nosso), mas também do conceito de conta corrente (enquanto documento contabilístico unilateralmente elaborado sem suporte ou vínculo contratual), que as receitas passíveis de objeto da prestação de contas não podem senão corresponder a rendimentos, bens ou produto efetivamente cobrados, recebidos ou colhidos pelo administrador no e por causa do exercício da administração de património alheio e, por seu turno, as despesas não podem senão corresponder às realizadas no e para cumprimento dessa mesma atividade de administração de bens alheios. Interpretação que em sede de prestação de contas referentes a património conjugal surge reforçada se, por analogia com a natureza do património correspondente à herança (comunhão indivisa), ativermos no objeto da prestação de contas a que está vinculado o exercício do cabeçalato sucessório, nos termos previstos pelo art. 2093º do CC, e por referência aos poderes de administração previstos pelos arts. 2089º e ss.
Conforme expressamente previsto pelo art. 1681º, nº 1 do Código Civil (CC), na pendência do casamento a qualidade de cônjuge administrador dos bens comuns ou próprios do outro cônjuge não é constitutiva da obrigação de prestar contas dessa mesma administração. Assim, a admitir-se a obrigação de prestação de contas pela administração do património comum do casal por um dos cônjuges sem o mandato do outro, reportará necessariamente a créditos e débitos constituídos a partir da data da cessação dos efeitos patrimoniais do casamento operada pelo divórcio. Mas daí decorre que, por referência ao disposto no citado art. 941º, o apenso de prestação de contas constitui a via processual própria para, cessados os efeitos da comunhão conjugal, aferir da existência de créditos ou débitos de um cônjuge sobre o outro quando ainda se mantém a indivisão do património comum? Ou, por outras palavras, e considerando o fim visado pelo apelante através dos presentes autos conforme por ele exposto sob a conclusão 15ª, no descrito contexto, é a ação de prestação de contas o procedimento legalmente previsto para [c]olocar os interessados em pé de igualdade perante o Património Comum?
Reportando-se à prestação de contas que respeitem ao período ulterior à cessação das relações matrimoniais e pelo tempo que a administração perdure, refere Lopes Cardoso que [A] prestação a que vem aludir-se é independente da que incumbe ao cônjuge judicialmente investido no cabeçalato e corresponde-lhe o processo especial geral do art. 941º do CPC. Acrescenta e esclarece porém, [Q]uer isto dizer, não havendo inventário, é este o tipo de processo a seguir[12](subl. nosso), afirmação da qual se extrai a contrario senso que, havendo inventário, é neste que cumpre relacionar as receitas e despesas que, reportadas ao património comum, devam ser consideradas para a justa composição das meações de cada cônjuge no âmbito das operações de partilha que têm o seu lugar processual próprio na ação especial de inventário.
Em prévia abordagem aos créditos de um dos cônjuges sobre o outro com a virtualidade de caberem no objeto do processo de inventário, pronunciando-se pela negativa, Lopes Cardoso refere que, Além disso não pode duvidar-se que nos créditos/débitos de um para com o outro não cabem os contraídos e pagos após o divórcio ou a separação.//Tão fácil questão envolve frequentes situações de obras levadas a cabo sobre imóvel que foi atribuído ao outro após a dissolução do casamento, ou reparação de automóvel realizada em circunstâncias semelhantes. Trata-se, então, de verdadeiras benfeitorias feitas sobre bem de terceiro, que tal é a categoria dos separados ou divorciados. Isto é, o pagamento já nada tem a ver com o inventário, mas tem inserção em acção comum (subl. nosso).[13]
Conforme arts. 1326º, nº 3 e 1404º, nº 1 do CPC aprovado por Decreto Lei 329-A/95 de 12.12 (regime jurídico do inventário em vigor à data da instauração dos autos de inventário em apenso B, nos termos expostos por despacho neles proferido 15.10.2012), o processo de inventário destina-se (também) à partilha consequente à extinção da comunhão de bens entre os cônjuges, norma processual que remete para as normas de direito substantivo que definem e regulam os termos em que, através do processo de inventário, se procede às operações para partilha de bens do casal.
Desde logo o art. 1691º do CC que, sob a epigrafe Partilha do casal. Pagamento de dívidas, dispõe que, Cessando as relações patrimoniais entre os cônjuges, estes ou os seus herdeiros recebem os seus bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo cada um deles o que dever a este património. Acrescenta o nº 2 que Havendo passivo a liquidar, são pagas em primeiro lugar as dívidas comunicáveis até ao valor do património comum, e só depois as restantes.; e o nº 3 que Os créditos de cada um dos cônjuges sobre o outro são pagos pela meação do cônjuge devedor no património comum; mas, não existindo bens comuns, ou sendo estes insuficientes, respondem os bens próprios do cônjuge devedor.
Sob a epígrafe Compensações devidas pelo pagamento de dívidas do casal dispõe o art. 1697º, nº 1 do CC que, Quando por dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges tenham respondido bens de um só deles, este torna-se credor do outro pelo que haja satisfeito além do que lhe competia satisfazer; mas este crédito só é exigível no momento da partilha dos bens do casal, a não ser que vigore o regime da separação.
Da conjugação das normas citadas resulta que o processo de inventário é o legalmente previsto para, na concretização das operações por elas previstas, por termo à comunhão patrimonial e à indivisão que o caracteriza, com uma fisionomia própria que o distingue do processo comum de inventário, visto não se destinar apenas a dividir os bens que integram o património comum e indiviso do casal, mas também a liquidar o passivo da responsabilidade do património comum em benefício de terceiros, e a compensar quer o que cada ex-cônjuge ‘deve’ ao património comum do casal, quer o que o património comum ‘deve’ a cada ex-cônjuge.
O património comum é um património de afetação especial que tem de ser devidamente ressarcido daquilo em que for desfalcado,[14] mas ao qual também é imputado o passivo comum que, logo à cabeça e em sede de operações de partilha, impõe a dedução do valor do passivo comum ao montante global a partilhar, sem prejuízo de, em sede de conferência de interessados, os ex-cônjuges acordarem que aquele passivo seja pago apenas por um deles (caso em que o respetivo valor é deduzido ao valor dos bens que lhe vieram a ser adjudicados aquando da composição das meações), ou venha a ser excluído da relação de bens ou das operações de partilha (lato senso) por prejudicado pela adjudicação do bem ao qual o passivo respeita ao interessado que dele é credor.
Assim, para além das dívidas comuns do casal a terceiros, é na partilha que cada um dos cônjuges confere o que deve ao património comum[15] e o que tem a haver do património comum[16], créditos sobre o património comum ou em benefício deste que, nos termos dos arts. 1689º, nº 3 e 1697º, nº 1 do CC, são ‘pagos’/compensados pela meação do cônjuge devedor no património comum.
A respeito dos créditos de cada um dos interessados sobre o património comum (daquele que pagou dívidas comuns com os seus bens próprios), no dizer de Cristina Manuela Araújo Dias[17], em rigor, e não obstante a redação conferida aos arts. 1689º, nº 3 e 1697º, nº 1 do CC, não há um crédito entre os cônjuges, estes não são credores um do outro; o que existe é [c]ompensação do património comum ao património do cônjuge que pagou dividas comuns com bens próprios, ainda que tal crédito passe pelo aumento da sua meação no património comum e por uma diminuição da meação do outro cônjuge como se este fosse o devedor, atendendo ao disposto no art. 1689º, nº 3. Mais acrescenta que [o] n.º 1 do art. 1697.º regula as compensações devidas pela comunhão a favor a favor de um dos cônjuges, quando este respondeu por dívidas comuns. O direito de crédito aí atribuído a um dos cônjuges tanto existe nos casos em que o cônjuge respondeu com os bens próprios, como obrigado solidário (nos termos do art. 1695.º, n.º 1), como nos casos em que tenha respondido como obrigado conjunto (art. 1695.º, n.º 2), uma vez que mesmo neste último caso, ele poderá ter querido satisfazer uma parte da dívida global superior à que lhe competia (...).//Pretende-se que o cônjuge que pagou mais do que devia tenha sempre o direito a ser compensado daquilo que pagou a mais.//«(...) se, no momento da partilha, houver bens comuns, é por eles que o cônjuge credor será pago em primeiro lugar (cfr. o art. 1689.º, n.º 3), tudo se passando como se o devedor fosse realmente o património comum e, a título subsidiário, o outro cônjuge.//Pretende-se que o cônjuge que pagou mais do que devia tenha sempre o direito a ser compensado daquilo que pagou a mais.//(...) É efectivamente a meação do cônjuge não credor que compensará o cônjuge que respondeu com o seu património por dívidas comuns (cfr. o art. 1689.º, n.º 3), verificando-se, desta forma, uma compensação do património comum ao próprio de um dos cônjuges. É que, note-se, dada a ausência de personalidade jurídica da comunhão, os titulares do património comum são, efectivamente, ambos os cônjuges. No final, a compensação devida a um dos cônjuges pela comunhão será paga por um acréscimo da meação do cônjuge credor nos bens comuns, de valor igual ao da compensação devida e, necessariamente, por uma diminuição, na mesma proporção, na meação do outro cônjuge.//(...) Se se trata de uma dívida comum, pela qual respondem os bens comuns, mas paga com bens próprios, temos, consequentemente, compensação e não créditos entre cônjuges.
Ainda de acordo com a mesma autora, os créditos entre cônjuges apenas existem quando um deles pagou com os seus bens próprios dívidas ‘próprias’ do outro e podem ser exigidos a todo o tempo nos termos gerais do Direito das Obrigações, portanto fora do contexto de partilha (ainda que, na realidade da vida, o mais provável é que apenas o venha a ser se e aquando da dissolução do casamento e da partilha dos bens).
Sintetizando com Lopes Cardoso, [é] na partilha a oportunidade de aplicar, em concreto, as regras do pagamento do passivo, a que já se fez referência (CCiv., art. 1689º, nº 2 e 3), a saber: a) são pagas, em primeiro lugar as dívidas comuns («comunicáveis» diz a lei) até ao valor do património comum; b) Só a seguir é que são pagas outras dívidas; c) Os créditos de cada um dos cônjuges sobre o outro são pagos pela meação do cônjuge devedor no património comum (ob. cit., vol. III, p. 358 e s.).
Como exemplo de crédito de um cônjuge sobre o outro a ‘pagar’/compensar pela meação do cônjuge devedor no património comum, em nota de rodapé Lopes Cardoso remete para o teor do acórdão da Relação de Lisboa de 15.12.2011 (proc. 1364/08.3TBMFR.L1-1): Provado que um empréstimo bancário foi contraído tanto pelo autor como pela ré, enquanto casados, sendo portanto uma dívida da responsabilidade de ambos os cônjuges (…) e, não obstante, foi apenas o Autor que, desde a data do divórcio, suportou o pagamento da totalidade das prestações do mesmo empréstimo (…) tem de concluir-se ser o Autor titular sobre a Ré dum crédito correspondente àquilo que pagou a mais do que devia, nos temos do art. 1697º, nº 1 do CC. Em conclusão, se um cônjuge pagou dívidas com bens próprios, o outro, que necessariamente participa em metade do passivo da comunhão, terá de ter a mesma participação daquele.[18]
O conjunto das operações de compensações que integram o inventário para partilha do património do casal - cuja complexidade varia em função da diversidade, natureza e imputação do passivo relacionado, e em função da qual as partes podem ou não ser remetidas para os meios comuns quando o inventário se manifesta processualmente inadequado para a sua cabal apreciação - traduz a preocupação do legislador em garantir que no concreto preenchimento das meações de cada cônjuge (rateio final), o património individual de cada um dos cônjuges não fique nem beneficiado nem prejudicado em relação ao outro. Admite-se, pois, um princípio geral que obriga às compensações entre os patrimónios próprios dos cônjuges e a massa patrimonial comum sempre que um deles, no momento da partilha, se encontre enriquecido em detrimento do outro. Caso contrário, verificar-se-ia um enriquecimento injusto da comunhão à custa do património de um dos cônjuges ou de um dos cônjuges à custa do património comum (cf. Menezes de Leitão, Enriquecimento sem Causa no Direito Civil, CEF, 1996, págs. 513 a 516).[19]
Compreende-se que o inventário constitua o repositório e suporte processual para a apreciação de todas as questões atinentes com os bens comuns e o passivo dele emergente ou com ele atinente, precisamente porque a natureza do património conjugal só termina com a partilha dos bens comuns. Com esta premissa – mas sem prejuízo do segmento do objeto destes autos de prestação de contas já abrangido pela força do caso julgado nos termos supra apreciados – forçoso é concluir que, até que ocorra a partilha dos bens comuns, o processo de prestação de contas não corresponde à via processual legalmente prevista para proceder às referidas ‘liquidação’ do património comum e compensações entre patrimónios[20]. Dito de outra forma, o processo de prestação de contas não é o adequado ao cumprimento do fim que, de acordo com a conclusão 15ª das alegações de recurso, é visado pelo apelante - [c]olocar os interessados em pé de igualdade perante o Património Comum. Desadequação que surge evidenciada pela pendência de processo de inventário para partilha do património do casal dissolvido e, mais ainda, quando neste (inventário), e na referida decorrência lógica da natureza comum dos bens e do passivo, se discutem as concretas questões de facto e de direito cujo julgamento, através da instauração dos presentes autos, o apelante pretende transferir para o processo de prestação de contas. Assim colocada, a instauração do apenso de prestação de contas a par com a pendência do processo de inventário é, além do mais, apta a consubstanciar situação de litispendência quanto aos créditos e débitos que constituem objeto de ambos os processos, posto que, ainda que através de procedimentos formais distintos, o cumprimento do desiderato de um e de outro passa pela prévia apreciação e reconhecimento daqueles (créditos e débitos), atividade que necessariamente precede o apuramento do ‘saldo’ que, no processo de inventário, será objeto de efetiva partilha e subsequente sentença homologatória, e que, no processo de prestação de contas, será objeto da obrigação de pagamento a cargo de uma das partes em benefício da outra e de uma sentença condenatória nesse sentido, conforme de resto vem peticionado pelo apelante. Assim se compreende também que, a existir alguma relação de prejudicialidade, sempre seria do resultado obtido nos autos de inventário sobre o objeto da prestação de contas, e já não o contrário; se mais não fosse porque [A] prestação de contas, por dependência do processo de inventário, está [positivamente] confinada às verbas reconhecidas no mesmo inventário.[21]E se do inventário resultar a exclusão ou não inclusão de verbas na relação de bens, daí decorre que, ou não foram ali reconhecidas para efeitos de partilha, ou ali se concluiu pela inadequação da apreciação incidental das questões a respeito das mesmas suscitadas pelo que, tornando-se incerta a sua existência, o(s) interessado(s) que se arroguem ao direito ali não reconhecido, deverão recorrer a outra via processual que, consoante a natureza e fundamentos da pretensão, poderá então ser ou a ação declarativa comum ou a ação especial para prestação de contas.
De acordo com Cristina Araújo Dias[22], que de forma clara expõe e sintetiza o âmbito do objeto do processo especial para partilha do património conjugal e respetiva finalidade, [a] compensação é o meio de prestação de contas do movimento de valores entre a comunhão e o património próprio de cada cônjuge que se verifica no decurso do regime de comunhão. A compensação aparecerá, no momento da liquidação e partilha, ou como um crédito da comunhão face ao património próprio de um dos cônjuges ou como uma dívida da comunhão face a tal património, permitindo que, no fim, uma massa de bens não enriqueça injustamente em detrimento e à custa de outra.//(…) É o activo que se partilha, mas, sempre que possível, o activo líquido, deduzindo-se o passivo, as dívidas da comunhão. A liquidação da massa comum não será completa se não incluir certos elementos que, a um ou outro título, integram o activo ou passivo da comunhão. De entre esses elementos surgem, efectivamente, as compensações que podem incluir-se na massa activa ou passiva da comunhão, consoante sejam a favor ou a cargo da mesma, respectivamente.//(…) Este conceito de conta de compensações como se de uma conta-corrente se tratasse é extraído fundamentalmente da legislação francesa (cfr. o art. 1468.° do Cód. Civil francês), que aborda a questão das compensações como uma operação integrante da fase da liquidação da comunhão. Com efeito, aí se regula detalhadamente em que situações ocorre um direito de compensação da comunhão e em que circunstâncias tal compensação se verifica a favor de um dos patrimónios próprios.//(…) Entre nós, a matéria das compensações não é objecto de uma regulamentação geral e sistemática, ou seja, é a propósito de cada problema em concreto (dívidas do casal, qualificação do bem como próprio ou comum, aquisição de bens...) que as eventuais compensações são abordadas. De qualquer forma, e articulando os diversos artigos reguladores das compensações com o art. 1689.°, remete-se a sua determinação e exigibilidade para o momento da partilha. Por isso, não nos parece descabido admitir a existência, no decurso da comunhão, de uma conta de compensações que integraria todas as situações, pontualmente previstas na lei, em que surge um crédito ou um débito a favor ou contra a comunhão. Só no momento da liquidação e partilha, altura em que, e também por isso, tais compensações são exigíveis, se determinará o saldo da referida conta.
Reportando o exposto aos fundamentos e pedido deduzido pelo requerente através das contas que espontaneamente prestou[23], por elas e relativamente aos bens que integram o património do casal dissolvido,  o apelante relacionou quantias que após 28.05.2008 e com recurso ao seu património alega ter afetado ao pagamento de:
i) dívidas (incluindo bancárias e prémios de seguro) que alega terem sido contraídas na pendência do casamento e serem da responsabilidade de ambos;
ii) pagamento de encargos inerentes à qualidade de proprietário dos prédios comuns, designadamente, a título de IMI, taxas e condomínio;
iii) despesas realizadas após 28.05.2008 em prédio misto comum (Quinta), incluindo consumos de água, eletricidade e comunicações[24], aquisição de bens e pagamentos a terceiros contratados para prestação de serviços diversos no imóvel (caseiro e empregada doméstica);
iv) instalação de equipamentos e obras que posteriormente a 28.05.2008 realizou e mantém em realização no prédio misto (Quinta).
v) Na partida dos débitos (que até determinado período imputa a ambos os interessados e, posteriormente, apenas ao apelante), inscreveu mensalmente montantes que, de mote e critério próprios - sem qualquer decisão judicial ou suporte contratual nesse sentido -, atribuiu à fruição do prédio misto que integra o património comum. Como dívida a cargo da apelada mais inscreveu montante que, nos mesmos moldes, atribuiu ao uso que após a separação do casal aquela continuou a fazer de veículo que integra o património comum.
Em cada um dos requerimentos que apresenta para prestação espontânea e sucessiva de contas que reporta ao período de 01.06.2008 a 31.12.2016, o apelante conclui que, de cada uma das contas correntes que para o efeito apresenta, se verifica que a requerida lhe deve quantias certas e determinadas, e termina pedindo que esta seja condenada no seu pagamento em benefício do apelante.
Duvida não há que, de acordo com a regra da metade prevista pelo art. 1730º, nº 1 do CC, é nessa medida que cada um dos cônjuges participa quer no ativo quer no passivo comprovadamente comum. Por isso, comprovando-se que as dívidas da natureza das referenciadas sob os pontos i) e ii) são comuns e foram pagas por um dos ex-cônjuges com recurso a seus bens próprios, este tem direito a ser reembolsado de metade do montante total que pagou. Mas o facto de o pagamento de tais dívidas ter sido realizado posteriormente à data a que reporta a cessação dos efeitos patrimoniais entre os cônjuges, não exclui que aquelas ou o respetivo ‘reembolso’ integrem o supra descrito esquema de compensações a operar em sede de partilha do património comum, no âmbito e em conformidade com a atividade processual inerente à tramitação dos autos de inventário, no caso, previamente instaurado. Com efeito, comprovando-se a natureza comum das invocadas dívidas a terceiros – por contraídas na constância do casamento por ambos os cônjuges ou por apenas um deles em proveito comum do casal -, e comprovando-se os encargos ou despesas que recaem sobre quem detém o direito de propriedade de bens (impostos, taxas camarárias, condomínio, etc.), o seu pagamento por um dos cônjuges dá origem a crédito que se constitui da esfera patrimonial deste sobre o património comum do casal dissolvido, pelo que devem ser ali relacionados, e já não em processo de prestação de contas.[25]
Solução diversa merecem as despesas/dívidas voluntariamente constituídas e pagas pelo apelante, portanto, posteriormente à cessação dos efeitos patrimoniais do casamento e que, por isso e conforme resulta da exposição supra, não integram o passivo objeto das operações de compensação a cumprir no âmbito da partilha em sede de inventário (ainda que, afigura-se-nos, sem prejuízo do acordo dos interessados nesse sentido, através da aprovação, naquela sede processual, do passivo que aquelas despesas representam).
Mas tampouco integram o objeto da prestação de contas. Com efeito, a prestação de contas respeita apenas a despesas de administração, não a despesas que decorrem ou que são feitas por causa e para permitir o gozo, pelos próprios interessados, dos bens comuns que são por eles fruídos (com acordo tácito ou expresso de ambos quanto aos termos dessa pessoal fruição). Administrar corresponde a gerir, governar, orientar mas, seguramente, não corresponde ao ato de fruir dos bens, no sentido de cada um dos interessados, no caso, cada um dos proprietários em mão comum, deles tirar proveito ou gozo pessoal. Se dessa fruição ou por causa dela um fez despesas das quais o outro também usufruiu pessoalmente, daí não decorre tratarem-se de despesas realizadas na e com a administração dos bens comuns, antes de aproveitamento pessoal de despesas próprias ou de despesas alheias, mas que em nada se confunde com administração de património alheio. Se algum proveito indevido ocorreu por parte de um dos ex-cônjuges das despesas que o outro decidiu fazer, e entendendo que lhe assiste fundamento de facto e de direito que o suporte, tanto deverá ser discutido e dirimido em ação comum, porventura com apelo ao regime legal da compropriedade, por força do art. 1404º do CC[26], designadamente, o disposto no art. 1406º que, sob a epigrafe Uso da coisa comum prevê que, Na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito.
O mesmo e ostensivamente sucede relativamente a obras realizadas em bens comuns por mote próprio de um dos cônjuges e a suas expensas, posteriormente à cessação dos efeitos patrimoniais do casamento. Conforme citação supra, Tão fácil questão envolve frequentes situações de obras levadas a cabo sobre imóvel que foi atribuído ao outro após a dissolução do casamento, ou reparação de automóvel realizada em circunstâncias semelhantes. Trata-se, então, de verdadeiras benfeitorias feitas sobre bem de terceiro, que tal é a categoria dos separados ou divorciados. Isto é, o pagamento já nada tem a ver com o inventário, mas tem inserção em acção comum (subl. nosso).
Justificando por recurso, de novo, aos ensinamentos de Lopes Cardoso, O património objeto de partilha é integrado pelos bens existentes no casal à data do proposição da ação de divórcio ou à data anterior ao qual são retroagidos os efeitos deste (art. 1789º, nº 2 CC), e ainda pelos bens adquiridos com dinheiro ou rendimentos dos bens comuns, enquanto sucedâneo desse mesmo dinheiro. O cabeça de casal apenas pode praticar atos de administração. O mesmo é válido para o cônjuge que, não sendo cabeça de casal, detém na sua posse bens comuns do casal.  “Estando em causa despesas realizadas para satisfazer dívidas contraídas posteriormente à data da instauração do divórcio, não se pode considerar que sejam comuns, nem que onerem património comum a partilhar”.[27]
Tratando-se de obras realizadas por um dos cônjuges em bem comum posteriormente à cessação dos efeitos patrimoniais do casamento, do mesmo passo que ficam excluídas do esquema de compensações entre patrimónios (comum e próprios dos cônjuges) e, por isso, do processo de inventário, a sua apreciação é necessariamente remetida para a prévia questão do âmbito dos poderes de administração e, consequentemente, da natureza das obras realizadas.
Sob a epígrafe Administração dos bens do casal prevê o art. 1678º, nº 3 do CC que Fora dos casos previstos no número anterior, cada um dos cônjuges tem legitimidade para a prática de actos de administração ordinária relativamente aos bens comuns do casal; os restantes actos de administração só podem ser praticados com o consentimento de ambos os cônjuges. É certo que os arts. 1678º e ss. do CC regulem o âmbito e objeto dos poderes de administração dos cônjuges na constância do vínculo conjugal e que a lei é omissa na regulação a administração dos bens que integram o património comum durante o referido período e estado de indivisão[28]. Porém, é possível vislumbrar na norma citada um princípio geral aplicável à administração do património comum do casal no período intermédio entre a cessação dos efeitos patrimoniais do casamento e a partilha do património comum ou, aderindo ao entendimento de Eva Dias Costa, [s]erão de aplicar, com as necessárias adaptações, as regras de administração e representação do património indiviso próprias quer das situações de indivisão (cfr. o artigo 1404.º) quer do direito das sucessões, incluindo a do cabeçalato que, nos termos artigo 2080.º, número 4, do C.C., cabe assim ao ex-cônjuge mais velho[29]. Assim, inserido no regime jurídico da compropriedade, o art. 1407º, nº 1 do CC remete para o art. 985º, em cujo nº 5 se prevê que Ainda que para a administração em geral, ou para determinada categoria de actos, seja exigido o assentimento de todos os administradores, ou da maioria deles, a qualquer dos administradores é lícito praticar os actos urgentes de administração destinados a evitar à sociedade um dano iminente. Inseridos no regime da administração da herança, dos arts. 2087º a 2091º do CC novamente ressalta que ao cabeça de casal apenas é reconhecida legitimidade para atos de administração ordinária, e na medida do necessário para evitar o perecimento de bens ou direitos.
Por recurso a qualquer um dos regimes citados e, novamente, aos ensinamentos de Lopes Cardoso, o que se extrai é que No intervalo de tempo entre a extinção dos efeitos patrimoniais do casamento e a partilha do património comum que permaneça indiviso, o cônjuge que de facto assuma o cargo de administrador dos bens, está limitado aos atos que sejam indispensáveis à segurança e conservação do património indiviso objeto de partilha (obras urgentes e indispensáveis à sua conservação ou reparação), e ao cumprimento dos encargos a cargo do proprietário que emergem e decorrem diretamente da lei e/ou da referida qualidade. E justamente porque naquele primeiro aspecto se reporta «à conservação», concluir-se-á mais que é defeso ao cabeça-de-casal a realização de benfeitorias úteis ou voluptuárias (CCiv., art. 216.º3), a alienação de bens não integrada na própria administração, a constituição de garantias patrimoniais, a aplicação de bens, a outorga em contratos para que lhe falece legitimidade, o corte de árvores que exceda a limpeza que é de usança fazer-se, etc.[30]
Para além da incontornável exigência de alegação de factos que permitam a qualificação das benfeitorias realizadas para determinar se as mesmas são ou não constitutivas de direitos de crédito em benefício de quem as realizou e em que medida, importa ainda e de sobremaneira considerar que, se das obras que o apelante realizou e dos equipamentos que instalou nos prédios comuns, resultou algum incremento ou mais valia patrimonial, este produziu-se diretamente nos prédios que integram o acervo do património comum do casal, ainda indiviso, e nunca na esfera jurídica patrimonial da requerida que, por esse benefício ou mais valia para a qual não contribuiu, apenas terá que ‘responder’ oportunamente caso o bem assim eventualmente beneficiado lhe venha a ser adjudicado na partilha; e só então, e em princípio, de acordo com o regime legal das benfeitorias e/ou do enriquecimento sem causa. Se, ao invés, na partilha do património comum aquele bem vier a ser adjudicado ao requerente, nada lhe será devido por conta das despesas que nele fez uma vez que a titularidade exclusiva do bem também lhe confere a exclusividade do beneficio ou mais valia que nele tenha produzido a suas expensas. O que novamente, ainda que com causa ou fundamento distinto,  nos remete à conclusão que só em sede de partilha e em função dos termos e valores atendidos na adjudicação dos bens que por esta seja realizada se poderá aquilatar da subsistência de um qualquer direito de crédito do apelante sobre a apelada com fundamento nas despesas que, por sua iniciativa, decidiu realizar ou continuar a realizar em prédio comum; sempre, como se imporá como óbvio, com exclusão das despesas resultantes ou realizadas tendo em vista a utilização pessoal que cada um fez de cada bem, em seu proveito.
Finalmente, e a confirmar a adequação e a justeza da solução processual adotada pelo tribunal recorrido, e que ora se confirma, a evidência dos elevados montantes relacionados, das causas, atos ou factos de que emergem (umas correspondentes a despesas emergentes da utilização, fruição ou gozo pessoal do imóvel, outras atinentes com obras realizadas para as quais o requerente não alegou o consentimento da requerida e que esta expressamente negou), e da diversa imputação que deles é feita pelo apelante, ora a cargo de um ora a cargo de outro, ora em proporções distintas para um e outro, e o grau de litigiosidade que perpassa do processado nestes e nos autos de inventário para partilha do património comum pendente nos autos em apenso B, sempre imporia a remessa das partes para os meios comuns - onde vigora em pleno o princípio do dispositivo, em cujo âmbito se integram os ónus de alegação e de prova, e os efeitos preclusivos, cominatórios ou de critério legal de julgamento aos mesmos associados -,  desde logo por carecer de adequada alegação da concreta fattispecie constitutiva dos créditos e débitos que o apelante inscreveu nas contas correntes; no que se inclui a valoração da fruição exclusiva de bens comuns por apenas um dos ex-cônjuges cujo reconhecimento, de acordo com a mais recente doutrina e jurisprudência[31], encontrará enquadramento jurídico no contexto do instituto jurídico do enriquecimento sem causa, cuja apreciação demanda a alegação e prova, a cargo de quem o invoca, de factos concretizadores dos respetivos pressupostos.
Com efeito, a causa de pedir da ação de prestação de contas – conta corrente – não se compagina com o ónus de alegação e prova que o sistema jurídico impõe e pressupõe para o reconhecimento de dívidas daquela natureza e que, no caso, totalizam montante superior a € 655.000,00; que, de resto, e a constituírem objeto de prestação de contas, que não são, demandariam que no seguimento da oposição que às mesmas foi deduzida pela apelada os autos prosseguissem os termos do processo comum declarativo (cfr. art. 945º, nº 1 do CPC). 
Ainda que tenha por referência e objeto de apreciação a obrigação (ainda mais evidente e premente na sequência da dissolução do vinculo conjugal) dos progenitores proverem ao sustento dos filhos e de assumirem as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação se estes, quando atingem a maioridade, não completaram a sua formação profissional (arts. 1879.º e 1880.º do CC), é possível estabelecer analogia entre as questões aqui submetidas a apreciação e a solução alcançada pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 02.10.2008 relatado por Maria dos Prazeres Beleza[32], sumariada nos termos que se transcrevem: II - Se um dos progenitores realizar despesas com esse objectivo, pode exigir do outro a parte que lhe compete, nomeadamente se tiverem sido casados entre si e se o casamento tiver sido dissolvido por divórcio, ainda que em data anterior à da constituição da dívida.//III - Isto não significa, todavia, impor a um dos progenitores a responsabilidade por metade (ou outra fracção) de despesas espontaneamente realizada pelo outro.//IV - Diferentemente do que o art. 1879.º dispõe quanto a filhos menores, o art. 1880.º do CC apenas obriga os pais a suportar tais despesas “na medida em que seja razoável” e “pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete”, não contendo a lei nenhuma presunção de verificação de tais requisitos.//V - Assim, na falta de acordo, é necessário o reconhecimento judicial do preenchimento dos requisitos enunciados no art. 1880.º do CC e a subsequente fixação dos termos em que a obrigação deve ser cumprida.//VI - Estando em causa despesas realizadas para satisfazer dívidas contraídas posteriormente à data da instauração do divórcio, não se pode considerar que sejam comuns, nem que onerem património comum, a partilhar.//VII - Não tendo sido reconhecidas pela recorrente, não lhe pode ser imposta a sua consideração na partilha.
Da mesma forma,  e conforme sentido que se extrai da sentença recorrida, a inscrição em conta corrente de despesas/dívidas/receitas/créditos da natureza dos supra aludidas em iii), iv) e v) para subsequente apuramento de saldo, carece de prévio reconhecimento da respetiva constituição como créditos ou débitos imputáveis à responsabilidade do casal ou de cada um dos cônjuges, a que título e em que montante. O que com mais evidência surge no que respeita à realização de obras/instalação de equipamentos, posto que só as benfeitorias necessárias poderão considerar-se despesas da responsabilidade de ambos os consortes porque só estas têm como finalidade evitar a degradação do imóvel, pelo que, no limite, só estas poderiam ser impostas à outra parte como objeto de processo de prestação de contas; dizemos no limite porque sempre exigiria a alegação e prova das características das obras efetuadas com vista à respetiva qualificação, a convocar a aplicação do regime legal das benfeitorias, nos termos dos arts. 216º e 1273º do CC, para o que não está arquitetado o formalismo do processo especial de prestação de contas.  Quanto às demais benfeitorias – uteis ou voluptuárias –, conforme já referido só após o resultado final das operações a processar em sede de inventário, designadamente da adjudicação dos bens e liquidação das tornas, é possível aferir da sua exigibilidade.
Não sendo a questão resolvida em sede de inventário (por acordo ou através da reunião, no titular das benfeitorias, da propriedade exclusiva sobre o imóvel beneficiado, com a sua adjudicação ao requerente pelo valor que detinha antes da realização das benfeitorias[33]), apenas poderão ser objeto de ação declarativa sob a forma de processo comum, a convocar o regime legal das benfeitorias previsto pelos arts. 216º e 1273º do CC.
Conforme ao exposto, improcedem as conclusões nºs 18º a 21º das alegações de recurso, com consequente manutenção da decisão recorrida no segmento em que remeteu as partes para sede processual distinta do processo de prestação de contas, por não ser esta a forma de processo adequada para apreciação dos créditos e dos débitos inscritos nos requerimentos de prestação de contas apresentados pelo apelante (excluindo-se da presente conclusão a questão do valor de uso do prédio/moradia sito em Porto Salvo e da vantagem indevida pelo mesmo auferida pela apelada, por força dos limites da autoridade de caso julgado formada por decisão proferida nos autos e que não foi objeto de recurso).
C) Da impugnação à decisão de facto, para que seja julgada provada a matéria descrita sob os nºs 5 a 12 das conclusões de recurso, em substituição da descrita sob os nºs 19º a 26º daquela decisão.
i) Documentos juntos com as alegações de recurso
Com as alegações, e como parte integrante dos fundamentos do erro de julgamento que imputa à decisão de facto proferida pelo tribunal recorrido, o apelante juntou e requereu a admissão e valoração de 13 documentos, correspondendo os nºs 4 a 7 a documentos elaborados pelo requerente e epigrafados de Tabela Síntese (…), e os demais a documentos preexistentes à data da instauração dos presentes autos ou à data do início da audiência de julgamento. Nada vem alegado para justificar a junção dos referidos documentos apenas nesta instância recursiva.
Sob a epigrafe Junção de documentos e de pareceres prevê o art. 651º do CPC que As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância. Por sua vez prevê o artigo 425º do CPC que Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
Por elucidativo na matéria, transcreve-se o sumário do acórdão da Relação de Coimbra de 08.11.2014 (processo nº 628/13.9TBGRD.C1 relatado por Teles Pereira):
I – Da articulação lógica entre o artigo 651º, nº 1 do CPC e os artigos 425º e 423º do mesmo Código resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excepcional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; (2) ter o julgamento de primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional.//II - Quanto ao primeiro elemento, a impossibilidade refere-se à superveniência do documento, referida ao momento do julgamento em primeira instância, e pode ser caracterizada como superveniência objectiva ou superveniência subjectiva.//III – Objectivamente, só é superveniente o que historicamente ocorreu depois do momento considerado, não abrangendo incidências situadas, relativamente a esse momento, no passado. Subjectivamente, é superveniente o que só foi conhecido posteriormente ao mesmo momento considerado.//IV – Neste caso (superveniência subjectiva) é necessário, como requisito de admissão do documento, a justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, não obstante o carácter pretérito da situação quanto ao momento considerado, só ocorreu posteriormente a este e por razões que se prefigurem como atendíveis.//V – Só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento.//VI – Quanto ao segundo elemento referido em I deste sumário, o caso indicado no trecho final do artigo 651º, nº 1 do CPC (a junção do documento ter-se tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância), pressupõe a novidade da questão decisória justificativa da junção do documento com o recurso, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão recorrida, o que exclui que essa decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum. (disponível no site da dgsi).
Com as alegações, e como parte integrante dos fundamentos do erro de julgamento que imputa à decisão de facto proferida pelo tribunal recorrido, o apelante juntou e requereu a admissão e valoração de 13 documentos, correspondendo os nºs 4 a 7 a documentos elaborados pelo requerente e epigrafados de Tabela Síntese (…), e os demais a documentos preexistentes à data da instauração dos presentes autos ou à data do início da audiência de julgamento. Nada vem alegado para justificar a junção dos referidos documentos apenas nesta instância recursiva.
Sem curar da relevância probatória dos documentos, no caso não se coloca a respetiva superveniência aferida pelo critério da necessidade decorrente do julgamento proferido na primeira instância porque respeita a matéria de facto incluída nos requerimentos petitórios que o apelante apresentou nos autos. Ostensivo também é que o referido requisito temporal é afastado na modalidade de superveniência objetiva, posto que a produção e existência dos documentos é cronologicamente anterior à audiência de julgamento. Resta a superveniência subjetiva do documento, que resulta prejudicada porque nada vem alegado pelo apelante com a virtualidade de justificar a junção com as alegações por referência a este ou a qualquer outro dos fundamentos para o efeito previstos, nos termos expostos.
Assim, de acordo com o critério previsto pelo citado art. 651º, nº 1 do CPC, por manifestamente intempestiva, carece de fundamento legal a junção de documentos requerida em sede de recurso pelo apelante, motivo pela qual vai a mesma rejeitada, com consequente condenação do apelante nas custas do incidente a que deu causa nos termos dos arts. 443º, nº 1 e art. 27º, nº 1 do Regulamento das Custas Processuais, a fixar em duas UC’s, por adequada à evitável atividade processual a que em consequência da mesma deu causa em sede recursiva.
Consigna-se que não se determina o desentranhamento do documento rejeitado por consubstanciar ato inútil (artigo 130º do Código de Processo Civil).
ii) Requisitos da impugnação da decisão de facto
No contra-pólo do dever de fundamentação/motivação que o art. 607º, nº 4 impõe ao julgador, dispõe o art. 640º, nº 1 do CPC que, pretendendo o recorrente a reapreciação da matéria de facto em sede de recurso, sob pena de rejeição, sobre ele recai o ónus de delimitar o objeto e o sentido da sua pretensão recursiva especificando:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
(…)
Quer em sede de motivação quer em sede de conclusões o apelante cumpre os requisitos previstos pelas citadas als. a) e b) do nº 1 e a) do nº 2 do art. 640º, através da indicação dos pontos de facto que considera incorretamente julgados provados (19º a 26º da decisão de facto) e da indicação dos meios de prova que impõem a decisão de facto que preconiza e requer, identificando os documentos e procedendo à transcrição dos depoimentos que invoca e da indicação das passagens da gravação onde os mesmos constam registados.
O mesmo não sucede quanto ao requisito previsto pela al. c) do nº 1 da referida norma - A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Com efeito, pretende o apelante que a matéria descrita sob os pontos 19 a 26 da decisão de facto seja substituída por outra que, na senda daqueles, mais não correspondem do que à enunciação dos requerimentos que sucessivamente apresentou nos autos para a por si requerida e pretendida prestação de contas[34] e à indicação do valor total histórico com que em cada um deles conclui e peticiona a condenação da apelada no seu pagamento.
Conforme defende Abrantes Geraldes, [O] recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus da alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto. (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª ed., p. 133, subl. nosso).
Ora, a matéria que o apelante pretende seja julgada provada não corresponde a questões de facto, mas a atos processuais por ele praticados, mais propriamente, os requerimentos com os quais apresentou contas correntes nas quais inscreveu verbas a título de débitos e créditos, com sumária indicação da respetiva fonte e/ou do bem a que reportam, e através dos quais deduziu as pretensões que deduziu nestes autos. Assim, o apelante pretende seja dado como provado que apresentou requerimentos através dos quais pediu a condenação da apelada no pagamento de determinadas quantias por referência a um imóvel ou por referência ao restante património comum.  Ora, os requerimentos através dos quais a matéria factual é introduzida a juízo e submetida a apreciação não consubstanciam temas de prova por não serem aqueles a fattispecie atinente com o mérito do pedido deduzido na ação. As alegações das partes inscritas nos requerimentos que juntam ao processo não são factos, são alegações; sendo que só os factos por elas alegados sustentam ou fundamentam o mérito do pedido que deduzem na ação, factos cuja prova/verificação tem de ser feita pela parte a quem aproveita.
Do princípio fundamental da separação entre os factos e o direito decorre que o autor deve expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir, ou seja, o conjunto dos factos constitutivos da situação jurídica que quer fazer valer, que integram a previsão da norma ou das normas materiais que suportam a pretensão que deduz. Da mesma forma que não basta invocar alegar e peticionar o direito, impõe-se a alegação e a prova dos factos fundamento do pedido cuja subsunção permitam o reconhecimento desse direito, sendo que só esses factos – e não os requerimentos através dos quais são alegados - constituem o thema probandum, e apenas estes integram o thema decidendum.
Assim, a alteração requerida à decisão de facto apenas pode recair sobre os factos reais e concretos que, constando descritos nos articulados das partes, correspondem à causa de pedir. No caso, correspondem-lhe os factos que de acordo com o invocado pelo apelante suportam as verbas que inscreveu nas contas correntes, quer quanto ao concreto facto de que emergem quer quanto ao seu concreto montante; mais concretamente, e por referência ao objeto da prestação forçada de contas (a única cuja apreciação não resultou prejudicada pela resolução das questões precedentes), a procedência da pretensão do apelante pressupunha dar como provado o valor do uso ou gozo exclusivo do prédio comum onde a apelada continuou a residir, e a ausência de causa para a fruição, por esta, do uso/gozo exclusivo desse mesmo imóvel.
A irrelevância jurídico-processual da matéria que o apelante pretende seja integrada na decisão de facto obsta assim à admissibilidade do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto por incumprimento do requisito previsto pela al. c) do nº 1 do art. 640º do CPC, na medida em que a matéria por si indicada não consubstancia uma qualquer questão de facto e, por isso, não cumpre o ónus de delimitar com precisão o sentido da pretensão recursória em sede de julgamento de facto.
Afastado que está o convite ao aperfeiçoamento em sede de incumprimento dos ónus de alegação no recurso dirigido à decisão de facto (cfr. Ac. do STJ de 27.09.2018, disponível no site da dgsi), improcedem as conclusões 1ª a 14ª das alegações de recurso.
D) Apuramento das receitas e despesas emergentes da administração de/dos bens comuns do casal dissolvido, de acordo com a decisão de facto proferida pelo tribunal recorrido.
Da solução dada às questões que previamente foram objeto de apreciação resultou prejudicado o conhecimento do segmento do objeto do recurso ora em referência, exceto quanto à questão cujo julgamento ficou vinculado a estes autos por decisão transitada em julgado, correspondente ao crédito que em sede de prestação forçada de contas e em substituição da apelada o apelante relacionou como dívida a cargo desta, a título de valor da utilização ou gozo exclusivo da moradia sita em Porto Salvo, por referência à vantagem ou locupletamento indevido que daquela utilização tenha resultado para a apelada.
Iniciando a abordagem da pretensão pela perspetiva do apelante, o que desde logo e com evidência ressalta dos autos é que, independentemente da problematização jurídica da questão, o apelante não produziu nem requereu a produção de qualquer meio de prova com aptidão para demonstrar o valor de uso mensal da moradia (que, pela natureza da matéria, não se vislumbra que possa dispensar a prova pericial), valor que, desde já se adianta e refuta, não se confunde com uma qualquer rubrica do passivo que onere o património comum do ex-casal, ainda que este corresponda aos mútuos contraídos para aquisição ou realização de obra no imóvel, e muito menos com o valor de amortização mensal desse mesmo passivo, imputando-o na totalidade a cargo da apelada a pretexto da utilização exclusiva do imóvel por esta, conforme critério unilateralmente invocado pelo apelante para justificar o valor mensal de € 2.494,97. E, repete-se, alegação não é facto, e muito menos facto provado; é mera alegação, que carece de verificação através da competente produção de prova para que, em função da mesma, seja ou não considerada como matéria de facto passível de sustentar a decisão do litígio, e sobre a qual esta recai. E, relembra-se, na ausência de contestação das contas, a lei não prevê que o juiz considere admitidas por acordo as verbas das receitas e despesas (cfr. art. 945º, nº 3 do CPC), pelo que, para além de desde a primeira intervenção nos autos a apelada negar a obtenção de uma qualquer receita emergente do prédio que constituía a casa de morada de família – no qual permaneceu a residir com os filhos do casal após a separação deste -, é dado adquirido que o valor que pelo apelante é pretendido atribuir à sua utilização não corresponde de facto a uma qualquer receita efetivamente obtida, pela apelada ou por outrem, mas sim a um crédito a que sobre ela se arroga e que pelos presentes autos pretende ver reconhecido, pretensão que por si só afasta a possibilidade de aquele montante ser confirmado no moldes que, por natureza e em regra, caracterizam a instrução  da prestação de contas: através de documento. Da mesma forma, a sua inscrição na conta corrente não faz prova contra a apelada nos termos do art. 944º, nº 4 do CPC porque, não tendo sido por ela apresentada, não vale como confissão desse valor.
Vinculados porém pela autoridade do caso julgado produzida a respeito da forma de processo aplicável, impõe-se aqui conhecer do mérito desse mesmo crédito.
O valor de uso de uma coisa é intrínseco à utilidade ou vantagens dessa mesma coisa, de acordo com a afetação que à mesma é comummente dada e o valor que por isso lhe é suscetível de ser atribuído e reconhecido. Reportado a imóveis, é de aceitar o critério traduzido no valor da ocupação/utilização, ou seja, no chamado valor locativo, ou seja, no rendimento que do mesmo seria possível obter no mercado do arrendamento. Tal valor será ou não apto a integrar o conteúdo de um direito de crédito despojado de fonte contratual sobre quem ocupou ou exclusivamente fruiu do imóvel, mas que no mínimo exigirá que esta ocupação ocorra sem qualquer título ou legitimidade, e à custa do património de outrem.
Sucede porém que, conforme é revelado pelo teor da sentença recorrida, os [v]alores pela utilização dos imóveis lançados pelo apelante na conta corrente [n)ão têm suporte documental nem testemunhal, e isso mesmo surge confirmado quer pela ausência nos autos de elementos documentais que o justifiquem, quer pelo teor dos depoimentos transcritos pelo apelante, quer ainda pela ausência de um qualquer relatório pericial nos autos, concluindo-se assim pela ausência de aquisição, no processo, do valor de uso do imóvel.
Ora, no âmbito de uma ação de condenação – categoria em que se insere o processo de prestação de contas[35] - incumbe ao autor a alegação e a prova do facto constitutivo da situação jurídica alegada; só perante esta prova se devolve à outra parte a prova do facto impeditivo, modificativo ou extintivo daquela. Se o autor não prova o facto constitutivo, a ação é julgada improcedente segundo o princípio actore non probante reus absolvitur, mesmo que o réu não prove qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito que invoca. Malograda a prova do facto, este tem-se por inexistente, com a consequente impossibilidade de suportar a pretensão que com fundamento no mesmo vem deduzida.
Apesar de, conforme já antes referido, não se compadecer com a natureza da pretensão – pois que em causa estão os pressupostos ou factos constitutivos da mesma e não apenas a respetiva quantificação -, mas ainda que, na falência da prova produzida pelo autor, se considere que nos termos do art. 945º, nº 5 do CPC subsiste o poder-dever de o juiz conhecer e decidir com recurso ao seu prudente arbítrio, impõe-se que este encontre estribo em concretos factos alegados e/ou adquiridos nos autos que, ainda que de natureza circunstancial ou não essencial, suportem a decisão num ou outro sentido, pois que só assim se demarca de uma decisão de pendor discricionário, por natureza, insindicável, que nem o processo especial de prestação de contas admite. No dizer de Alberto dos Reis, [N]o julgamento das contas o juiz move-se com grande liberdade e largueza, mas não pode emitir decisão que lhe apetecer; há-de lavrar a sentença que, em seu prudente arbítrio, corresponder ao estado dos autos.[36]Elementos ou fundamentos de facto que do teor da decisão recorrida ressalta que o tribunal a quo concluiu não existirem ou, melhor dizendo, que fossem de molde a suportar a pretensão do apelante. Nesse sentido, veja-se em sede de motivação da decisão de facto da sentença recorrida a referência feita ao teor dos depoimentos das testemunhas Ana Travassos, irmã da apelada, que [e]sclareceu que era a requerida quem suportava desde a separação (e até antes) as despesas dos filhos do casal, e de Iuri Miranda Dias, [f]ilho do ex-casal, que confirmou que quer as despesas da casa de Porto Salvo, quer as suas despesas e dos seus irmãos eram suportadas integralmente pela requerida, que apenas tem acesso a este imóvel do acervo conjugal. Confirmou que há sete anos que deixaram de ir à Quinta por terem sido impedidos pelo requerente. E ainda, [a] referência final no sentido de esclarecer as partes de que o facto de não ter sido fixada qualquer contrapartida pela atribuição da casa de morada de família, nem ter sido fixada prestação de alimentos aos filhos, dificulta uma verdadeiro acerto de contas, de acordo com a justiça material, pois que da prova produzida também resultou evidente que existiu um acordo tácito de que ficando a requerida a suportar tais despesas não lhe seriam exigidas quaisquer outros valores em relação à manutenção do património comum.
Na senda das referidas considerações, somos de entender que a solução para a problemática da imposição de compensação ao ex-cônjuge beneficiário do uso exclusivo de bem comum no período intermédio entre a cessação das relações patrimoniais até à partilha, pela identidade de interesses e valores em jogo – que no limiar também aqui pode corresponder à tutela imediata dos interesses de um dos cônjuges possuir uma habitação onde possa residir -, deve encontrar farol na solução jurisprudencial apontada para igual problemática no âmbito da atribuição da casa de morada de família a um dos cônjuges, por acordo de ambos ou por decisão judicial, quando aquela corresponda a bem próprio do casal e não tenha sido fixada qualquer compensação ao outro cônjuge, por acordo ou por decisão, nos moldes a respeito preconizados por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.10.2016, relatado por Lopes do Rego[37] nos termos que se transcrevem: [a] jurisprudência das Relações tem oscilado, quanto a esta questão, entre duas visões, rígidas e extremadas, entendendo uma das orientações, plasmada, por exemplo, no acórdão recorrido, que (independentemente de qualquer valoração ou ponderação concreta da situação dos cônjuges dissidentes) a fixação de tal compensação é legalmente inadmissível, ao passo que a outra corrente jurisprudencial considera que tal atribuição compensatória deverá ter necessariamente lugar, como forma de obviar a um inadmissível enriquecimento do cônjuge a quem o imóvel foi provisoriamente atribuído à custa do outro interessado.//Considera-se que nenhuma destas posições extremadas, assentes fundamentalmente numa análise conceitual do regime jurídico em causa, é adequada às exigências de ponderação equitativa das circunstâncias do caso concreto, especialmente prementes no campo da definição provisória das relações entre os cônjuges, na pendência do processo de divórcio: na verdade, a formulação legal – ao limitar-se a prescrever a possibilidade de o juiz proferir decisão provisória acerca da utilização da casa de morada de família na pendência do processo - é suficientemente ampla, indeterminada e flexível para consentir, em função de uma valoração prudencial e casuística das circunstâncias pessoais e patrimoniais dos cônjuges, quer numa atribuição do bem imóvel a título gratuito, quer numa atribuição a título oneroso; no primeiro caso, o julgador entenderá que, perante o resultado de tal ponderação casuística, a vantagem auferida pelo cônjuge beneficiário com o uso exclusivo do imóvel não justifica a atribuição de uma contrapartida patrimonial ao outro cônjuge, privado temporariamente do uso do bem; na segunda situação, pode o juiz temperar tal atribuição exclusiva com a imposição da obrigação do pagamento ao outro cônjuge de uma contrapartida económica, fundada em razões de equidade e justiça, aproximando-se, neste caso, ao menos por analogia, do regime de arrendamento que está legalmente previsto para a atribuição definitiva da casa de morada de família.//Note-se que a resposta à questão que nos ocupa não pode fluir directamente de uma simples análise do regime da compropriedade, nomeadamente da norma que consta do art. 1406º, nº1, do CC: para além de as relações patrimoniais entre cônjuges ou ex-cônjuges se não poderem reconduzir, de um ponto de vista funcional, aos precisos quadros do regime legal da compropriedade em bens determinados, a referida norma, ao estabelecer uma possibilidade de uso individual do bem comum por cada comproprietário sem, todavia, privar de forma inadmissível os restantes contitulares de tal direito de uso, não contempla obviamente a específica situação litigiosa que nos ocupa, em que a atribuição do imóvel, em uso exclusivo a um dos contitulares, radicou numa decisão jurisdicional, que resolveu provisoriamente a situação de conflito, real ou latente, entre os interessados.//Tal significa, como é evidente, que o uso, individual e exclusivo, do bem pelo cônjuge a quem o mesmo foi judicialmente atribuído é lícito, encontrando ainda causa ou suporte precisamente na dita decisão, ou seja, na hétero composição de interesses que a mesma - injuntivamente – contém. Mas a circunstância de não existir efectivamente uma situação de responsabilidade civil do beneficiário da atribuição ou de enriquecimento sem causa deste não significa que se deva afastar em absoluto a possibilidade de, por exigências de justiça e equidade, face às circunstâncias concretas da vida dos cônjuges, tal atribuição exclusiva poder ser temperada com a compensação, no plano patrimonial, do outro cônjuge, privado do uso referido imóvel e, por isso, eventualmente obrigado a suportar outras despesas ou incómodos graves com o estabelecimento da sua residência, até à partilha dos bens…//(…) Interpreta-se, pois, a norma constante do nº 7 do art. 931º do CPC no sentido de a medida provisória e cautelar de atribuição da casa de morada de família poder ou não comportar, em função de uma valoração judicial concreta das circunstâncias dos cônjuges e atentas as exigências de equidade e de justiça, a fixação de uma compensação pecuniária ao cônjuge privado do uso daquele bem, pressupondo esta eventual atribuição a título oneroso uma aplicação analógica do regime que está previsto para a atribuição definitiva da casa de morada de família.//Desta configuração normativa conferida à decisão que atribui, a título provisório, a um dos cônjuges a casa de morada de família decorre que só existe direito a uma compensação pelo uso exclusivo se o juiz a tiver efectivamente atribuído na decisão proferida: ou seja, tal direito a uma compensação patrimonial pressupõe necessariamente, em termos constitutivos, a formulação de um juízo equitativo, em que o julgador, ponderadas as circunstâncias concretas da vida dos cônjuges e por imperiosas razões de justiça material, considera que o equilíbrio dos interesses em confronto só se satisfaz com a imposição ao beneficiário da utilização do imóvel de uma contrapartida por tal uso exclusivo; e, assim sendo, não existe direito à compensação pelo uso exclusivo se se consolidar a decisão provisória acerca do uso da casa de morada, sem nela se prever explicitamente qualquer obrigação de pagamento por parte do cônjuge beneficiado com o uso exclusivo – estando, deste modo, excluída a possibilidade de o outro cônjuge vir ulteriormente, como sucede no caso dos autos, em nova acção, apensada ao processo de divórcio, pretender obter compensação, não prevista na decisão provisória oportunamente proferida nos autos sobre esse tema.//Acresce, no caso dos autos, que a referida decisão provisória foi, de algum modo, a partir do decretamento do divórcio, substituída ou consumida pelo acordo, celebrado pelos cônjuges, judicialmente homologado, no qual identicamente se não prevê o pagamento de qualquer compensação pecuniária pelo uso exclusivo da casa, nele explicitamente atribuído ao R.: saliente-se que tal acordo, interpretado à luz do princípio da impressão do destinatário, só pode significar que nele se não contemplava o pagamento de qualquer quantia como contrapartida da utilização expressamente permitida ao R – implicando a pretensão formulada na presente acção uma modificação substancial dos termos de tal acordo, ao pretender transformar a utilização incondicionada, ali efectivamente prevista, numa utilização condicionada ao pagamento de quantia pecuniária, que não encontrava o mínimo rasto ou traço nas cláusulas que o integravam.//Deste modo, não estando prevista, quer na decisão provisória, proferida no início do processo de divórcio acerca da utilização provisória da casa de morada de família, quer no acordo dos cônjuges acerca desta matéria, judicialmente homologado, o pagamento de qualquer compensação à A. pela utilização exclusiva da casa de morada da família, atribuída ao R., não existe fundamento bastante para obter o reconhecimento ulterior de tal obrigação, que não decorre automática e necessariamente dessa atribuição provisória, pressupondo antes uma valoração judicial constitutiva que, no caso, se não verificou (subl. nossos).
E se assim se admite quando existe uma decisão de atribuição da casa de morada de família, por maioria de razão se imporá adotar igual critério quando, por inércia de cada um dos cônjuges, a utilização da casa de morada de família em exclusivo por um dos cônjuges (ou ex-cônjuges), não foi objeto de prévio acordo nem por nenhum deles submetida a apreciação e decisão judicial.
Por referência aos critérios que um e outro definem, surpreende-se igual posição no acórdão desta Relação de 26.03.2019[38], que pela similitude com a questão sub iudice aqui parcialmente se transcreve: É certo que resulta dos autos que apelante e apelado estão divorciados desde 16 de outubro de 2012, retroagindo efeitos do divórcio a 1 de maio de 2010, data a partir da qual passaram a residir em casas separadas, continuando, no entanto, o apelado a residir naquela que foi, até então, a casa de morada de família.//Ora, nada há nos autos que indique que a utilização, em exclusivo, que o réu vem fazendo da fração “_”, não assenta num acordo, pelo menos tácito, entre ele e a autora.//Na verdade, a autora nada alega no sentido de que alguma vez tivesse pretendido usar a fração “_” e disso tivesse sido impedida pelo réu.//Além disso, se pretendesse:
- opor-se ao uso exclusivo que o réu dela vem fazendo; ou
- ser ela a usá-la,
poderia, em todos estes anos, ter-se socorrido do mecanismo previsto nos arts. 1047.º, n.º 7 do C.P.C./95-96, e 931.º, n.º 7, do C.P.C./13, e requerido ao tribunal a fixação de um regime provisório quanto à utilização da casa de morada da família e à eventual compensação devida pela ocupação que o réu dela vem fazendo.//Sucede que a apelante não o fez, pelo que aceitou, deu o seu acordo, ainda que tácito, à utilização que o réu vem fazendo da fração “I, ou seja, da casa de morada da família.//Nada há nos autos que revele ter existido um qualquer acordo entre autora e réu relativamente a quaisquer contrapartidas a suportar por este, pelo uso que vem fazendo da fração.//Por outras palavras, nada há nos autos que comprove que o réu vem utilizando a casa de morada da família de modo injustificado ou indevido, suscetível de permitir à autora a invocação de um enriquecimento ilegítimo daquele em prejuízo do seu património.//É que, tal como se salienta no Ac. do S.T.J. de 17.01.2013, Proc. n.º 2324/07.7TBVCD.P1.L1 (Abrantes Geraldes), in www.dgsi.pt, não basta para o reconhecimento do direito de crédito a prova de factos reveladores de um enriquecimento de um interessado e do correspectivo empobrecimento patrimonial do outro. Necessária é ainda a prova de factos que, como elemento constitutivo do direito, revelem a ausência de causa justificativa para uma tal transferência patrimonial.//A situação em que se encontra o imóvel que foi casa de morada de família da autora e do réu, enquanto foram casados, apresenta uma causa bem visível e justificada: o facto de, após o trânsito em julgado da sentença que decretou o divórcio, não ter promovido:
- nem o mecanismo previsto nos arts. 1407.º, n.º 7, do C.P.C./95-95, e 931.º, n.º 7, do C.P.C./13;
- nem o mecanismo previsto nos arts. 1413.º, do C.P.C./95-96, e 990.º, do C.P.C./13, enquanto instrumentais do art. 1793.º, do C.C.;
- nem tão pouco, obviamente, a partilha dos bens comuns do casal,
antes se tendo remetido a uma postura, pelo que decorre dos autos, de total inércia.
Na doutrina encontramos critério que vai desembocar a idêntica solução. Assim, Lopes Cardoso, manifesta-se pela não justificação de qualquer compensação quando nenhum dos cônjuges tenha exercido o direito de obter provisoriamente a atribuição da morada de família ou até o seu arrendamento[39] e, qualificando-a como o justo ponto de partida nesta matéria, prossegue citando a tese defendida por Salter Cid: A separação de facto – entendida como manifestação da ruptura da comunhão de vida que o casamento deve visar, e que constitui a sua essência -, em si mesma, não tem por efeito o de desqualificar uma habitação como ‘residência da família’ (e, consequentemente, como casa de morada de família). Para tanto, é necessário que, a par dessa separação, exista (tenha existido) um acordo entre os cônjuges no sentido daquela desqualificação, ou que a própria separação traduza a existência de um tal acordo (cfr. art. 217º, nº 1). Ora, se o importante neste aspecto é – como parece ser – assegurar que um dos cônjuges não possa, por si só – sem o acordo do outro ou decisão judicial -, desqualificar a residência em causa, provado que seja terem ambos perdido o interesse nessa qualificação, desaparece – deve desaparecer – a garantia legal da sua subsistência. No fundo, e em resumo, ‘o interesse atendível’ de, pelo menos, um dos cônjuges na qualificação ou na não desqualificação de uma habitação como residência da família funciona como pressuposto subjetivo duma e doutra (A Protecção da Casa de Morada de Família no Direito Português, págs. 153 e 154).
Divergindo do sentido antes defendido por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.03.2004, novamente chamado a pronunciar-se sobre a questão, por acórdão de 18.11.2008 também o Supremo Tribunal de Justiça decidiu que [T]endo o aqui Autor saído da casa de morada de família e aí permanecendo sua mulher, aqui Ré, não mais sendo reatada a vida em comum, não tem aquele (que nem sequer alega se ter oposto a tal situação) direito a ser compensado por aquela em termos do valor locativo do prédio. Mas, salvaguardando efetivas e comprovadas situações de empobrecimento do outro cônjuge, mais ali se acrescentou [P]or ultimo, teremos de reconhecer que poderão surgir situações sensivelmente idênticas em que a solução a dar não coincida com aquela que aqui perfilhamos. Suponhamos esta hipótese: Com a separação de um casal um dos cônjuges mantém-se a habitar a casa de morada de família, bem comum do casal, enquanto que o outro cônjuge se vê na necessidade de ir ocupar uma outra casa, adquirida por empréstimo bancário ou tomada de arrendamento. Este segundo cônjuge passa a ter de suportar um novo encargo, traduzido no pagamento de uma prestação mensal para juros e amortização do empréstimo ou para pagamento de uma renda. Ocupado o primeiro cônjuge uma habitação sem qualquer pagamento e tendo o segundo de proceder a um pagamento pela utilização de outra casa que teve necessidade de arranjar, não nos repugna admitir que, aquando da partilha dos bens comuns do casal, possa haver um acerto de contas, nomeadamente, através da reclamação de um crédito por parte do segundo cônjuge, sobre o acervo patrimonial a partilhar, não sobre o outro cônjuge.
Aderindo in totum ao sentido das orientações expostas, na ausência de elementos de facto que permitam concluir pela constituição do direito a que o apelante se arroga a título de compensação pela utilização exclusiva, pela apelada, do imóvel correspondente à casa de morada de família do ex-casal, também aqui a sentença recorrida merece confirmação, agora no sentido da não aprovação dos montantes relacionados pelo apelante a título de contrapartida pela utilização exclusiva, pela apelada, do prédio sito em Porto Salvo, na Rua Magalhães Coutinho, com a consequente improcedência da ação no referido segmento.
E) Das custas fixadas a cargo do requerente/apelante
Perante o total decaimento do requerente, a sentença recorrida decretou Custas no máximo legal pelo requerente.
Alega o apelante que as custas em que foi condenado afiguram-se-lhe como injustificadamente sancionatórias, sem que o respetivo comportamento processual o revele, pelo contrário.
Conforme prevê o art. 529º, nº 1 do CPC As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte. Acrescenta o nº 2 que A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa, nos termos do Regulamento das Custas Processuais.
De acordo com a norma citada, os arts. 6º e 7º do Regulamento das Custas Processuais, e as Tabelas a este anexas, situações há em que o valor da taxa de justiça devida a final não coincide com o valor da taxa de justiça inicialmente pago e devido pelo impulso processual. Assim ocorre quando o juiz determine a aplicação dos valores de taxa de justiça constantes da Tabela i-C com fundamento na especial complexidade da ação (art. 6º, nº 5), quando a taxa de justiça foi auto-liquidada pelo valor mínimo no âmbito de processo previsto pela Tabela ii, a qual prevê taxas de justiça variáveis entre valores mínimo e máximo independentemente do valor da causa (art. 6º, nº 6), ou quando a ação declarativa detenha valor superior a 275.000,00€, caso em que a taxa de justiça remanescente é paga a final exceto se o juiz, oficiosamente ou a requerimento do responsável, dispensar o seu pagamento (art. 6º, nº 7), ou o processo termine antes de concluída a fase de instrução (art. 6º, nº 8).
Nos termos do art. 7º, nº 1 do Regulamento das Custas Processuais (RCP) A taxa de justiça nos processos especiais fixa-se nos termos da tabela i, salvo os casos expressamente referidos na tabela ii, que fazem parte integrante do presente Regulamento.  Considerando que, ainda que por apenso a processo de inventário, o processo de prestação de contas consubstancia processo especial autónomo (e não mero incidente daquele, como parece ter sido considerado pelo tribunal recorrido) e que não consta previsto na tabela ii, por exclusão, cai na previsão da tabela i[40]. Considerando que pela tabela i são previstos valores de taxa de justiça que variam única e exclusivamente em função do valor tributário da ação, daqui decorre que, não tendo o tribunal recorrido emitido qualquer juízo sobre a complexidade do processo, para além dos encargos, as custas devidas a juízo nestes autos apenas podem reportar-se e reconduzir-se à taxa de justiça que for devida em função do valor da causa, nos termos da referida tabela, sem prejuízo, quando é o caso, da possibilidade de ser parcialmente dispensada, nos termos do art. 6º, nº 7 do RCP.
Assim, a apreciação da censura que o apelante dirige à condenação em custas depende antes de mais da determinação da taxa de justiça aplicável que, por sua vez, depende do valor da ação.
Conforme arts. 11º do RCP e 306º do CPC, a fixação do valor da ação é da competência do Juiz da causa. Constata-se porém que, no caso, o tribunal recorrido não fixou o valor da ação, nem em sede de sentença nem aquando da admissão do recurso. Cumpre a respeito consignar que, sabido que é também pelo valor da ação que resulta delineado o valor de alçada para efeitos de recurso, a omissão da sua fixação pelo tribunal recorrido não contende(u) com a aferição, pela positiva, do referido requisito de admissibilidade do presente recurso, na medida em que resultaria preenchido em qualquer caso, quer se considere o valor da ação indicado pelo requerente na petição inicial, quer se considere qualquer um dos valores apresentados pelo requerente a título de receitas e de despesas (cfr. critério legal previsto pelo art. 298º, nº 4 do CPC), quer se considere ainda o saldo correspondente ao pedido de condenação que pela presente ação vem deduzido.
Sob a epigrafe Critérios especiais, no art. 298º, nº 4 do CPC prevê-se que Nas ações de prestação de contas, o valor é o da receita bruta ou o da despesa apresentada, se lhe for superior. Entre a receita bruta e a despesa elege-se o mais elevado mas, tratando-se de um processo análogo a processo de liquidação em que, [a] utilidade económica do pedido só se define na sequência da ação, o valor inicialmente aceite é corrigido logo que o processo forneça os elementos necessários (cfr. at. 299º, nº 4 do CPC). Nesse sentido, de determinação a final do valor tributário da ação, acórdão desta Relação de 15.10.2009: [n]ão obstante o escopo da acção de prestação de contas seja, além do mais e no que à economia dos presentes autos concerne, o apuramento e aprovação das receitas obtidas por quem administra bens alheios e a sua eventual condenação no pagamento do saldo que se venha a apurar, o valor da causa não corresponde a este saldo, mas antes ao da receita qual é, in casu, a correspondente ao valor de € 10.000 pelo qual foi vendido o imóvel.[41]
Porém, no caso, a ação foi julgada improcedente sem que tenham sido declarados provados quaisquer montantes, quer a título de receitas, quer a título de despesas, situação processual que com pertinência se nos afigura acolher a solução preconizada por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.02.2019: I - Nas acções de liquidação e noutras análogas, como sejam os processos de inventário ou de prestação de contas, em que a utilidade económica só se define na sequência da acção, o art. 299.º, n.º 4, do CPC permite que o valor da causa possa ser definido ou alterado logo que o processo forneça os elementos necessários e esse momento se não ocorrer antes, ocorrerá necessariamente na sentença.//II - Se o Sr. Juiz, na sentença, resolveu não alterar o valor da causa que anteriormente fixara ou nada disse sobre o valor inicialmente indicado e nenhuma das partes entendeu necessária tal alteração, nem arguiu a nulidade da sentença por omitir tal alteração, considera-se sanado o eventual vício de omissão de actualização do valor da causa e para todos os efeitos legais, subsiste como valor da causa o anteriormente fixado (se tal tiver ocorrido) ou na falta de fixação em concreto o valor inicialmente indicado pelo autor. [42]
Em conformidade, adotando o critério do valor indicado na petição inicial, de € 30.001,00, e considerando que, cfr. ponto 6 da Tabela i anexa ao RCP, lhe corresponde taxa de justiça no montante de € 612,00 (€ 102,00x6), resulta juridicamente inconsequente a condenação em custas no máximo legal, do mesmo passo que não existe fundamento legal para a redução daquele valor (nem a complexidade do processo o justificaria), nada subsistindo que seja suscetível de alteração no segmento condenatório das custas, para além da eliminação da menção no máximo legal, por juridicamente inconsequente/irrelevante no confronto com a Tabela de Custas aplicável.
IV - DECISÃO:
Por todo o exposto, os juízes desta secção acordam em julgar improcedente a apelação e manter a decisão recorrida, no sentido:
i) Da improcedência da ação relativamente aos montantes relacionados a título de contrapartida pela utilização exclusiva, pela apelada, do prédio sito em (…);
ii) Da verificação da exceção de erro na forma do processo de prestação de contas para apreciação do que demais por eles o apelante submeteu a apreciação;
iii) Da condenação do apelante nas custas do processo, considerando como valor da ação o indicado na petição inicial.
Mais acordam em condenar a apelante no pagamento:
iv) Das custas do incidente a que deu causa com a requerida mas intempestiva junção dos documentos que apresentou com as alegações, que se fixam em duas UC’s de taxa de justiça, nos termos dos arts. 443º, nº 1 e art. 27º, nº 1 do Regulamento das Custas Processuais;
v) Das custas do recurso.
                                   
Lisboa, 14.01.2020
Amélia Rebelo
Manuela Espadaneira
Fernando Barroso Cabanelas

[1]Consultável no blogue do IPPC https://blogippc.blogspot.com/search?q=caso+julgado
[2]  Consultável na página da dgsi.
[3] Local/blogue cit.
[4] Independentemente do discutível acerto jurídico-processual da mesma, mas que a este tribunal está vedado sindicar por não integrar matéria objeto do presente recurso.
[5] Proc. nº 3435/16.3T8VIS-A.C1, consultável na página a dgsi.
[6]  Objeto que, conforme consulta a que procedemos, nesta data, e por força da ordenada suspensão da instância, ainda inclui e mantém pendente a apreciação das questões controvertidas atinentes com a relação de bens apresentada pela apelada e suscitadas pela reclamação que à mesma foi deduzida pelo apelante, pugnando este pela inclusão, no passivo da relação de bens, das despesas/passivo que aqui relaciona (quanto à sua causa ou origem, divergindo porém na quantificação total das mesmas pelo facto de ali se reportarem a um menor período de tempo).
[7] Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, p. 288.
[8] Correspondente, ipsis verbis, ao teor do art. 1014º do CPC aprovado pelo DL n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, com as sucessivas alterações, em vigor à data da instauração destes autos.
[9] In Abilio Neto, CPC Anotado, 15ª ed., p. 1254.
[10] Luis Filipe Pereira de Sousa, in Processos Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, Almedina 2017, p. 121.
[11] Abílio Neto, CPC Anotado, 15ª ed., p. 1254.
[12]  Partilhas Litigiosas, Vol. III, p. 373.
[13] Ob. cit., p. 359.
[14] Lopes Cardoso, Partilhas Litigiosas, Vol. III, p. 332 e 335.
[15]  Ou seja, valores a crédito do património comum, e não a crédito do cônjuge não devedor, no que se incluem as dividas da responsabilidade de um só dos cônjuges pagas com bens comuns.
[16]  Ou seja, valores a débito do património comum, e não do cônjuge não credor, no que se incluem benfeitorias necessárias feitas em bem comum do casal com recurso a bens próprios de um dos cônjuges.
[17] Do Regime da Responsabilidade por Dívidas dos Cônjuges, Problemas, Críticas e Sugestões, Coimbra Editora, 2009, pp. 774 a 792.
[18] Ob. cit., p. 358 e s.
[19] Acórdão da Relação do Porto de 31.01.2013, processo n.º 2941/11.0TBVFR.P1, disponível na página do dgsi.
[20] No sentido de que os preceitos dos arts. 1014º e ss. do CPC (aprovado pelo DL nº 329-A/95), em contraposição com as contas anuais devidas pelo cabeça de casal da herança (cfr. art. 2093º, nº 3 do CC), apenas são aplicáveis à prestação de contas depois de terminado o ato que as originou, vd. acórdão desta Relação de 17.03.1983, Col. Jurisprudência 1983, 2.º-120, cit. por Abílio Neto, CPC Anotado, 15ª ed., p. 1255).
[21] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.04.2008, processo nº 874/08, da 6ª secção, disponível na página da dgsi.
[22] Ob. cit.
[23] Relembra-se que, por força dos limites do caso julgado formado nos autos nos termos expostos em A), são espontâneas todas as contas apresentadas pelo apelante, com exceção das referentes ao valor de uso ou fruição exclusiva da moradia sita em Porto Salvo e da vantagem indevida por ela auferida pela apelada.
[24] Neste particular assinala-se a disparidade de critérios do apelante, manifestada na oposição que por requerimento de 11.09.2014 dirigiu às contas prestadas pela apelada, onde, sob o art. 11º, afirmou que nada têm a ver com o objeto da prestação de contas as relacionadas pela apelada a titulo de despesas com apólices de seguro pessoal (saúde, dentário e hospitalização), despesas com reparação automóvel, consumos domésticos (água, eletricidade, gas e telefone), e serviços de assistência técnica a equipamento da casa objeto da prestação de contas (frigorífico e caldeira), por se relacionarem com o uso da casa para habitação.
[25] Acórdão da Relação do Porto de 17.06.2019, proc. nº 1975/17.6T8VLG.P1, relatado por Manuel Domingues Fernandes.
[26] Nesse sentido, Eva Dias Costa, em Breves Considerações Acerca do Regime Transitório Aplicável às Relações Patrimoniais dos Ex-Cônjuges Entre a Dissolução do Casamento e a Liquidação do Património do Casal, Universidade Portucalense, Departamento de Direito, Instituto Jurídico, Doutoramento em Direito (3.º Ciclo).
[27] Ac. STJ de 02.10.2008, citado por Lopes Cardoso em ob. cit. p. 327.
[28] Eva Dias Costa, ob. cit.
[29] Ob. cit.
[30] Ob. cit., Vol. I, p. 479 e s.
[31] A que infra se fará referência.
[32] Revista nº 472/08, da 7ª secção, disponível na página da dgsi.
[33] Com interesse na questão, acórdão do STJ de 01.04.2008, relatado por João Camilo, Revista n.º 563/08, 6.ª Secção, disponível na página da dgsi.
[34] Conforme consta das conclusões 5º a 12º das alegações, O recorrente apresentou, por requerimento de …, as contas de … juntando … documentos … testemunhas… e pedindo a aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas… relativamente a…)
[35] Nesse sentido, acórdão desta Relação de 24.10.2019, processo nº 287/14.1TVLSB.L1-2, relatado por Carlos Castelo Branco.
[36] Processos Especiais, p. 323.
[37] Processo nº 135/12.7TBPBL-C.C1.S1, disponível na página da dgsi.
[38] Processo nº 2225/18.3T8LS.L1-7, relatado por José Capacete, disponível na página da dgsi.
[39] Ob. cit. p. 374.
[40] Conforme anotado por Abrantes Geraldes (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª ed., p. 39, nota nº 46), Importa notar que em casos de apensação de acções o valor que serve de aferidor é o correspondente a cada uma delas (Ac. Do STJ, de 9-3-10, CJSTJ, tomo I, pág. 115).
[41] Proc. nº 5290/08.8TBOER-A.L1-2, disponível na página da dgsi.
[42] Proc. nº 6645/11.6TBCSC-A.L1-A.S1, disponível na página da dgsi.
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