Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
48/13.5TTTVD-A.L1-4
Relator: FRANCISCA MENDES
Descritores: INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/18/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: 1-Pretendendo a ora recorrente ampliar o depoimento de testemunha e não tendo alicerçado o seu requerimento no facto de não ter sido excedido o limite legal de testemunha a inquirir sobre tal matéria, mas sim nos princípios da descoberta da verdade material e do inquisitório, cumpre verificar se estão reunidos os requisitos do art. 645º do pretérito CPC. 
2- Após a reforma do DL 329-A/95, qualquer meio probatório pode hoje servir de veículo de transmissão do conhecimento da importância da testemunha e o juiz, para efeitos de aplicação do referido preceito legal, não tem um poder discricionário, mas um poder vinculado.
3-Não é, no entanto, suficiente a mera alegação da parte para determinar a inquirição por iniciativa do Tribunal.
                   (Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam os juízes na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
 
         I- Relatório

AA instaurou a presente acção declarativa de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra BB, SA.
A entidade empregadora apresentou articulado a motivar o despedimento, alegando em síntese que o trabalhador não lhe entregou a quantia de € 2482,87 que recebeu de um cliente.
         O trabalhador contestou, impugnando os factos alegados pela entidade empregadora e defendendo a ilicitude do despedimento.
         O trabalhador optou pelo pagamento de uma indemnização no montante de €15 675 em substituição da reintegração.
Mais pediu a condenação da entidade empregadora no pagamento ao trabalhador de todas as retribuições que este deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença.
Em sede de reconvenção pediu a condenação da entidade empregadora no pagamento de créditos laborais no montante de € 8958,35.
O trabalhador peticionou ainda a condenação da entidade empregadora no pagamento de juros moratórios, à taxa legal, sobre todas as quantias reclamadas.
         Foi proferido despacho saneador e procedeu-se à organização da Base Instrutória
                                                                      *
A primeira sessão de audiência de discussão e julgamento ocorreu no dia 08.07.2013 e a segunda sessão de produção de prova ocorreu no dia 17 de Julho de 2013.
        No decurso desta última sessão foi formulado pelo mandatário da entidade empregadora o seguinte requerimento, no decurso da inquirição da testemunha TACS:
  « A testemunha TACS tem conhecimento directo dos factos discutidos no presente processo, nomeadamente, os constantes dos quesitos 12º a 19º inclusive da base instrutória, pelo que, ao abrigo do princípio da descoberta da verdade material e do princípio do inquisitório, o qual é amplamente reforçado no âmbito do direito laboral, requer-se a Vª Exª que a testemunha possa ser ouvida em audiência, não só no que toca ao respeitante aos quesitos 9,10,11,20, 21, 22,23, 24, 25, 26, 27 ,27, 28, 29, 30, 31 e 32, assim como no que toca aos arts. 12º a 19º ».
  Pela mandatária do trabalhador foi dito : «As testemunhas GRD, VM  e JS já  foram questionadas sobre os quesitos indicados e as mesmas responderam de acordo com aquilo que sabiam, não se limitando apenas a dizer que sobre esses factos nada sabiam, mas algumas delas afirmaram que tinham conhecimento dos factos através do “diz que disse” dos colegas, pelo que foi ultrapassado o número de testemunhas sobre estes factos.
Considerando que estamos no âmbito de um processo de impugnação judicial regularidade e licitude de despedimento que teve um prévio processo disciplinar com inquirição de testemunhas, no âmbito desse inquérito, competia à Ré seleccionar as testemunhas, quanto aos quesitos a ouvir».
         Pela Exmª juiz foi proferido em acta o seguinte despacho:
   « Nos termos do art. 65º do CPT, sobre cada facto que se propõe provar não pode a parte produzir mais de três testemunhas, nas mesmas não se contando as que tenham declarado nada saber.
        Relativamente aos factos da base instrutória com os números 12 a 19, a empregadora, sobre quem cai o ónus da prova nos presentes autos, já indicou três testemunhas a cada um deles, as quais inquiriu como bem entendeu.
         Não tendo requerido durante os seus depoimentos a retirada indicação de qualquer facto com base na inquirição da testemunha nos termos da parte final, do art. 65º citado. 
         Não se ignora a relevância do princípio do inquisitório em sede de audiência de discussão e julgamento em processo laboral.
         Porém, afigura-se que o mesmo visa a descoberta da verdade e a consideração de factos relevantes para a decisão da causa nos termos previstos, designadamente, no art. 72º, nºs 1 e 2 do C.P. Trabalho e não como de revogação dos ónus probatórios que sobre as partes recai.
         Como refere o trabalhador a prévia instância do processo disciplinar facultou à empregadora a possibilidade de inquirição de testemunhas, colocando-a, numa posição privilegiada para distribuição das mesmas pelo facto da base instrutória.
Por outro lado e face à alegação que a testemunha TACS possui conhecimento de factos.
         Revelando o esclarecimento dos factos não pode o Tribunal deixar de constar que a mesma não foi requerida por qualquer outra das testemunhas já inquiridas como tendo tido conhecimento ou intervenção nos factos em causa nos autos, pelo que se entende não estar verificada a previsão do art. 645º do CPC.
         Pelo exposto indefere-se a inquirição nos termos requeridos aos factos que integram os pontos 12 a 19 da base instrutória, sendo a testemunha ouvida quanto aos restantes, com desconsideração a qualquer referência que faça aos factos dos nºs 12 a 19.
         Notifique».     

A  entidade empregadora recorreu deste despacho e formulou as seguintes conclusões:
         (…)

O trabalhador contra-alegou e formulou as seguintes conclusões:
         (…)
A Exmª Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
                                                           *
II- Importa solucionar as seguintes questões :
- Se deve ser admitida a inquirição da testemunha TACS aos factos constantes da base instrutória sob 12º a 19º, porque não tinha ainda sido excedido o limite do número de testemunhas quanto a estes factos;
- Se o referido depoimento deverá ser admitido ao abrigo do disposto no art. 645º do CPC.
                                                           *

 III- Apreciação

De acordo com o disposto no art. 65º do CPT, «sobre cada facto que se propõe provar não pode a parte produzir mais de três testemunhas, não se contando as que tenham declarado nada saber».
Resulta da acta de audiência de discussão e julgamento ( sessões de  08/07/2013 e de 17/07/2013) que, antes do requerimento formulado pelo ora recorrente que deu azo ao presente recurso, já tinham sido ouvidas aos factos constantes da base instrutória sob 12º a 19º três testemunhas.
Quando requereu a inquirição da testemunha TACS aos factos constantes da base instrutória sob 12 a 19 a ora recorrente não referiu que ainda não tinha sido excedido o limite legal de testemunhas e apenas fundamentou o seu requerimento ao abrigo do princípio da descoberta da verdade material e do princípio do inquisitório.
No entanto, sempre se dirá que a ora recorrente deveria, no momento da inquirição das testemunhas anteriormente ouvidas, requerido que constasse da acta que determinada testemunha ( designadamente a testemunha GRD mencionada em sede de alegações de recurso) nada sabia.
Dir-se-á ainda que saber pouco ou falar sobre factos instrumentais não equivale a nada saber ( vide Acórdão da Relação de Évora de  17.04.1997, CJ 1997, II, pag. 260 e “Código de Processo Civil Anotado, vol.II, de Lebre de Freitas em anotação ao art. 633º).
Nesta perspectiva, ouvido o depoimento da testemunha GRD, poderemos afirmar que o mesmo não se enquadra na situação de nada saber.
Consideramos, no entanto, conveniente salientar que a recorrente não alicerçou o seu requerimento no facto de não ter excedido o limite legal de testemunhas, mas sim ao abrigo dos já referidos princípios da descoberta da verdade material e do inquisitório.
Ou seja, a própria R., no requerimento efectuado no decurso da audiência de discussão e julgamento, ao invocar estes princípios, admite que o limite legal de testemunhas a ouvir quanto aos factos constantes da base instrutória sob 12º a 19º estava excedido, porque, caso contrário, não faria sentido a invocação dos referidos princípios.
                                                           *
Vejamos, então, se o referido depoimento deverá ser admitido à matéria dos factos constantes sob 12º a 19º da Base Instrutória, ao abrigo do disposto no art. 645º do CPC.
À data da realização da audiência de julgamento ainda não estava em vigor o NCPC pelo que dever-se-á atender ao disposto no art. 645ºdo pretérito CPC ( a que corresponde o art. 526º do NCPC).
Um dos princípios do processo laboral é o princípio da prevalência da justiça material sobre a justiça formal. Uma das manifestações deste princípio é a possibilidade de ampliação da Base Instrutória nos termos previstos no art. 72º do CPT.
  O art. 27º a) do mesmo diploma legal consagra ainda a possibilidade de modificação subjectiva da instância, por iniciativa do juiz.
Porém, para resolução da questão que ora nos ocupa, importa atender ao referido art. 645º do CPC que diz o seguinte sob a epígrafe “inquirição por iniciativa do Tribunal”:
«1- Quando, no decurso da acção, haja razões para presumir que determinada pessoa, não oferecida com testemunha, tem conhecimento de factos importantes para a boa decisão da causa, deve o juiz ordenar que seja notificada para depor.
2- O depoimento só se realizará depois de decorridos cinco dias, se alguma das partes requerer a fixação de prazo para inquirição.»
Pese embora TACS já ter sido indicado como testemunha, entendemos que este preceito, por maioria de razão, dever-se-ia aplicar, se estivessem reunidos os respectivos pressupostos, de forma a permitir a inquirição da testemunha sobre matéria sobre a qual já tinha sido atingido o limite legal de testemunhas.
Com a reforma do DL 329-A/95 foram introduzidas alterações no citado preceito legal. Conforme refere Lebre de Freitas ( op. cit, pág. 599), « a inquirição oficiosa deixou de poder ter lugar apenas quando o conhecimento da importância da testemunha chegasse ao juiz através de outros depoimentos (…) Qualquer meio probatório ( um documento, uma alegação confirmada pela parte contrária ou por ela não impugnada, uma confissão espontânea) pode hoje servir de veículo de transmissão desse conhecimento».  Refere ainda o mesmo autor ( op.cit. págs. 599 e 600) : « o juiz não tem um poder discricionário (…) mas um poder vinculado, devendo tomar a iniciativa da prova quando os requisitos do nº1 se verifiquem, sob pena de nulidade, nos termos gerais do art. 201º».
Retornando ao caso em apreço, verificamos que a recorrente não indicou as razões que permitiriam ao Tribunal presumir que a referida testemunha tinha conhecimento dos factos em causa.
Conforme refere a Exª juiz a quo, da prova testemunhal já produzida não resultava a necessidade da inquirição da testemunha TACS à matéria em causa.
É certo que a necessidade de inquirição da referida testemunha poderia resultar de outro meio probatório, mas a ora recorrente não o indicou e a verificação dos pressupostos do art. 645º do CPC não poderá estar dependente de mera alegação da parte.
A correcção do despacho recorrido deverá ser averiguada com base nos elementos que o Tribunal dispunha à data da prolação do referido despacho.
E, no referido momento, o Tribunal a quo não dispunha de elementos que lhe permitissem admitir o depoimento da testemunha TACS à matéria dos factos nºs 12 a 19 da Base Instrutória, conforme resulta da audição da prova.
        O despacho que fixou os factos provados é posterior, sendo certo que o Tribunal a quo aludiu ao depoimento da referida testemunha, porque a mesma respondeu à matéria sobre o qual foi perguntado ( designadamente, aos factos constantes dos nºs 11 e 20 da Base Instrutória.).
   Após ter sido proferido o despacho recorrido, nada impediria, na nossa perspectiva, que o requerimento da ora recorrente, com vista à inquirição da testemunha TACS à matéria dos factos nºs 12 a 19 da Base Instrutória, tivesse sido reiterado, com base em novas circunstâncias ( não verificadas) que fundamentassem a aplicação do art. 645 CPC, o que não sucedeu.
Consideramos, assim, improcedente o presente recurso de apelação.
                                                                       *
                        IV- Decisão
Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente o presente recurso de apelação e confirma-se a decisão recorrida.
                        Custas pela recorrente.
                        Registe e notifique.
                                                                                  
Lisboa, 18 de Junho de 2014

Francisca Mendes
Maria Celina de J. de Nóbrega
Alda Martins
Decisão Texto Integral: