Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2411/14.5T8OER-B.L1-6
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: PRESCRIÇÃO
PRESTAÇÕES PERIÓDICAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/27/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: -Para que uma obrigação exequenda deva considerar-se prescrita pelo decurso do prazo de cinco anos, tal como o estabelecido no art. 310.º, alínea e), do C. Civil, o qual tem por objecto as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros, basta que a mesma tenha por objecto, não uma obrigação unitária, de prestação fraccionada, mas antes prestações periódicas renováveis, que se prolongam no tempo e que correspondem à utilização de um capital a prazo.
-Apesar de concreta obrigação exequenda incidir sobre quotas vencidas e vincendas - de amortização do capital pagáveis com os juros - nos termos do artº 781º, do C. Civil, tal não obsta à aplicação do prazo de prescrição a que se alude na al. e) do artº 310º do C. Cível, pois que a prescrição respeitará a cada uma das quotas e não ao todo em dívida, não se impondo a aplicação do prazo prescricional ordinário, de 20 anos, previsto no artº 309º do C. Civil.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

                                              
1.-Relatório:

                       
Na sequência da instauração de acção executiva movida por A ( BANCO, SA) , contra B e outro,  com vista à cobrança coerciva da quantia de 39.736.38€, proveniente e titulada por Livrança, veio o executado deduzir oposição à execução, pugnando pela respectiva desobrigação de efectuar o pagamento da quantia referida e  respectivos juros.

Para tanto, alegou, em síntese, que :
-Os Embargantes e mutuários encontram-se em incumprimento desde 27 de Abril de 2004, sendo que os Executados nunca foram interpelados pelo Exequente, nem receberam uma qualquer carta, em tempo algum, a denunciar o contrato, pelo que desconhecem a data da denúncia do mesmo ;
-A livrança terá sido preenchida pelo Exequente no dia 3 de Outubro de 2014 e, resultando do disposto no artigo 310.°, alínea e), do Código Civil, que prescrevem no prazo de cinco anos, as quotas de amortização do capital pagáveis com juros, e bem assim, a alínea d) do mesmo artigo ,que prescrevem no mesmo prazo de cinco anos, os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, então tanto a dívida de capital, bem como a de juros , há muito se encontra prescrita ;
-Acresce que,  e sem prescindir do referido, os montantes indicados pelo Exequente como sendo a dívida dos Executados, não correspondem de todo à verdade, estando os mesmos incorrectos.

1.1.-Notificada a exequente da oposição, apresentou a mesma articulado/contestação, no essencial deduzindo oposição por impugnação motivada, e sustentando que não se verifica de todo a prescrição invocada, razão porque se impõe a total improcedência da referida oposição e o consequente prosseguimento da execução.
1.2.-Proferido de seguida despacho saneador , tabelar, e considerando -se que o estado dos autos permitia de imediato conhecer-se do mérito da oposição, foi então proferida a competente sentença, sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor :
III-DECISÃO
Em face de tudo quanto ficou exposto, julgo PROCEDENTES os presentes embargos de executado e, em consequência, determino o arquivamento dos autos principais de execução quanto ao embargante nos termos do disposto no artigo 732.°, n.º 4, do Código de Processo Civil.
Custas pelo(a) exequente/embargado(a)- artigo 527.°, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Fixa-se o valor da causa no montante da causa dos autos de execução a que se reporta, ou seja, em €39.736,38 (trinta e nove mil, setecentos e trinta e seis Euros e trinta e oito cêntimos), nos termos do disposto nos artigos 306.°, n." 1 e 2, e 307.°, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Registe e notifique, incluindo ota) agente de execução.
Oeiras, 05.04.2016”.

1.4.-Inconformada com a sentenciada procedência da oposição, veio então a exequente/embargada A ( BANCO,SA), da referida sentença interpor recurso de apelação, que admitido foi e com efeito devolutivo, formulando na respectiva peça recursória as seguintes conclusões:
I.-O objecto do presente recurso de Apelação, diz respeito à excepção da prescrição invocada pelo embargante B e que levou o Meritissimo Juiz "a quo" a julgar procedentes os embargos deduzidos pelo mesmo e a determinar o arquivamento da execução em relação àquele embargante, decisão essa com a qual  a A ( BANCO,SA),., não se conforma.
II.-A douta sentença recorrida, declarou a prescrição do crédito do embargado, por considerar que: " ... Na data da denúncia já tinham decorrido mais de cinco anos, quer sobre a data em que o executado omitiu o pagamento das prestações devidas, quer sobre a data estabelecida para o reembolso do empréstimo. Assim, é inequívoco que se completara o prazo de prescrição de cinco anos(…). Assim, as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros não deixam de prescrever no prazo de cinco anos, reportando-se o início deste prazo à data de vencimento de cada uma das prestações ."
III.-Os mútuos bancários, todos os mútuos bancários, independentemente, das mais variadas formas que possam revestir ( Crédito ao consumo, Crédito à Habitação, Aberturas de Crédito, etc ... ) nunca prescrevem antes de decorridos, pelo menos, 20 anos, é a chamada "prescrição ordinária" (art.º 309° do Código Civil).
IV.-Não podemos confundir, a dívida de capital, com a dívida da remuneração do capital, os juros. A primeira, prescreve no prazo de 20 anos e a segunda poderá, na eventualidade da dívida de juros ser superior a 5 anos, sofrer uma penalização que poderá ocorrer para o credor/mutuante em relação à remuneração do capital, por não ter exercido o seu direito mais cedo, devido à arguição da prescrição. Sempre foi assim e não poderá deixar de continuar a ser, a lei não foi alterada.
V.-A existir prescrição de juros, para além dos 5 anos, então a dívida, poderá ser reduzida, na parte em que a capitalização excedeu os 5 anos, o que estava ao alcance do Tribunal "a quo" , nos termos, do disposto designadamente, no art. ° 609°/2 do CPC, devendo aproveitar-se, por uma questão de economia processual, todos os actos que já foram praticados, no âmbito da execução, com a consequente notificação do exequente, para apresentar um nova liquidação.
VI.-A livrança dada à execução, vive independentemente do negócio que lhe deu causa, e como é sabido, as características gerais dos títulos de crédito são : autonomia, literalidade e abstracção ( artigos 17°,28°,43º ex vi art,º 77° da LULL). O que está em causa objectivamente é o próprio documento.
VII.-No caso dos autos, tendo em conta, o título executivo, preenchido em virtude do incumprimento do contrato subjacente, é aplicável o disposto no artº 311°/1 do CC, sendo, assim, também, por essa via, seria sempre aplicável, o prazo ordinário de 20 anos. Neste sentido, vide o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, ( proferido em 27/05/2003, processo nº 03B1324, disponível em www.dgsi.pt ) onde se pode ler:
" ... Certo é que, estando a dívida incorporada em título executivo, fica a mesma sujeita ao prazo ordinário de prescrição nos termos do art. 311º, nº 1 do CC, não se aplicando a alínea d) do art. 310º ... "
VIII.-No caso sub judice, existe em relação à livrança, que foi dada à execução, um contrato subjacente à emissão da mesma que constitui a relação causal ou subjacente do empréstimo bancário, também, poderia ter sido accionado como alternativa à livrança, para cobrar a dívida, aqui em causa, sendo que, a dívida, em nada divergiria daquela que foi aposta na livrança, em termos de valor.
IX.-Entre embargante e embargado foi celebrado um contrato de mútuo, denominado "Crédito ao Consumo BES", entregando o ultimo uma quantia ao primeiro que este se comprometeu a devolver-lhe, acrescida da respectiva renumeração, em 84 prestações, mensais e sucessivas, de capital e juros, prestações essas que correspondem ao fraccionamento da obrigação da restituição do capital mutuado ( artº 11420 e 7810 do CC ) e compreendem parte do capital e respectivos juros remuneratórios ( artigos 11450 do CC e 3950 do Código Comercial).
X.-O embargante só satisfez as prestações até 05/03/2004, o que determinou o vencimento das restantes, uma vez que para além do disposto no artº 7810 do CC, as partes tinham acordado que a falta de pagamento de qualquer das prestações na data do respectivo vencimento implicava o vencimento imediato de todas ( vide ponto 8 das Condições Gerais do Doc. I junto com a contestação).
XI.-O art.º 7810 do Código Civil é expresso ao estabelecer que : " Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas. ", sendo que estando perante obrigações com prazo certo, o devedor constitui-se em mora independentemente de interpelação, ex vi alínea a) do n° 2 do art.º 8050 do Código Civil, pelo que, o seu vencimento é imediato.
XII.-O vencimento imediato das prestações restantes, significa que o plano de pagamento escalonado anteriormente acordado deixa de estar em vigor, ocorrendo uma perda do beneficio do prazo contido em cada uma das prestações: desfeito o plano de amortização da dívida inicialmente acordado, os valores em dívida voltam a assumir a sua natureza original de capital e de juros. Desfeita a ligação anteriormente contida em cada uma das prestações entre uma parcela de capital e outra a título de juros, nenhuma razão subsiste para sujeitar a dívida de capital e a dívida de juros ao mesmo prazo prescricional: os juros que se forem vencendo prescreverão no prazo de cinco anos , e o capital, no valor de €17.189,55, encontrar-se-á sujeito ao prazo ordinário de prescrição de 20 anos.
XIII.-Acresce que, foi alegado pelo exequente/embargado na contestação, (art.º 9°) que o executado/embargante foi interpelado por diversas vezes, pelo embargado para pagar a dívida, aqui em causa, a última das quais, através da carta datada de 08-09-2014, o que foi ignorado pelo Tribunal " a quo", sendo necessária a produção de prova, a fim de determinar em que data tal interpelação ocorreu, pelo que, violou a douta sentença recorrida, designadamente, o disposto no art.º 608°/2 do CPC.
XIV.-O tempo de duração do contrato e a inerente remuneração do capital mutuado fazem parte da actividade social do apelante, o qual empresta capital com o propósito de receber os juros respectivos e, com isso, realizar lucros.
XV.-O decurso do prazo de duração do contrato e o percebimento dos juros fazem parte desse mesmo contrato. E assim é que, reconhecendo essa realidade contratual, o artº 11470 do CC dispõe que: " No mútuo oneroso o prazo presume-se estipulado a favor de ambas as partes, mas o mutuário pode antecipar o pagamento, desde que, satisfaça os juros por inteiro ." E também o art.º 9° do Decreto-Lei nº 359/91 estabelece a obrigação do pagamento de juros remuneratórios ( embora em termos substancialmente diversos do disposto no art.º 1147° do CC) para o caso de antecipação de reembolso.
XVI.-É o próprio legislador a estabelecer um regime legal que implica o vencimento de juros remuneratórios independentemente do decurso do prazo respectivo e da inerente indisponibilidade do capital por parte do mutuante.
XVII.-A A ( BANCO,SA), é uma instituição de crédito, sendo certo que, é admissível a capitalização de juros por parte das instituições de crédito ou parabancárias que incluem no capital já vencido, sobre o qual incidem juros de mora, salvo se tal capitalização incidir sobre juros correspondentes a um período inferior a três meses.
XVIII.-A capitalização de juros é, pois, inteiramente válida, sendo que, no caso do contrato dos autos, os juros vencidos, foram capitalizados na livrança.
XIX.-A partir do momento em que foram capitalizados, não se pode mais falar em juros, mas em capital, capital esse, com direito a ser remunerado, com juros à taxa legal, desde o vencimento da livrança, o que está previsto na Lei ( cfr. art. 560°/3 do CC e art. 5°/6, a contrario, do Dec. Lei n° 344/78, de 17 de Novembro, com as alterações introduzidas, pelos Dec. Lei nº 83/86 de 06 de Maio e 204/87 de 16 de Maio). Neste sentido, veja-se, o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 27/05/2003, processo nº 03B1324, disponível em www.dgsi.pt. onde se pode ler a respeito, desta questão:
" ... Com efeito, é admissível a capitalização de juros por parte das instituições de crédito ou para bancárias, os quais se incluem no capital já vencido sobre o qual incidam juros de mora, salvo se tal capitalização incidir sobre juros correspondentes a um período inferior a três meses - hipótese esta última que não é a dos autos ( os próprios recorrentes referem que a capitalização ocorreu sobre juros semestrais) -  nos termos dos arts. 5º , 6° e 7º, nº 3 do Decreto­-Lei nº 344/78, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 83/6. E, perante a capitalização feita na hipótese dos autos, os aludidos juros compensatórios passaram a incluir-se no capital vencido ... "
XX.-Considerando que o contrato de mútuo denominado " Crédito ao Consumo B…", foi celebrado no dia 29/05/2001 e que a livrança se venceu em 03-10-2014, é manifesto que ainda não tinha decorrido o prazo ordinário de 20 anos ( art.º  309° do CC).
XXI.-Se uma prestação que abranja juros remuneratórios for satisfeita pontualmente, apenas deverão ser pagos tais juros remuneratórios, não sendo devidos juros moratórios, mas, se o não for, então vencem-se, por um lado, os juros que compensam a disponibilidade do capital (juros remuneratórios), e, por outro lado, a partir do momento em que o capital devia ter sido devolvido, os juros compensatórios dos prejuízos decorrentes da mora ( juros moratórios ).
XXII.-Nunca a douta sentença recorrida podia ter extinguido a execução, eximindo o executado de pagar a dívida, de capital, no valor de €17.189,55, do qual se encontra desembolsado o exequente, desde 29-05-2001 , e, pelo menos, 5 anos de juros, caso se entendesse que os outros estavam prescritos.
XXIII.-Não ignora, o exequente, as razões justificativas de curto prazo do art.º 310° do CC, designadamente a de evitar que o credor deixasse de acumular excessivamente os seus créditos, para proteger o devedor da onerosidade excessiva que representaria, muito mais tarde, a exigência do pagamento, procurando-se obstar-se a situações de ruína económica, mas tal dispositivo legal só pode ser interpretado como aplicável aos frutos civil, ou rendimentos ou a créditos inerentes ao gozo continuado de uma coisa, isto é, às prestações periódicas , dependentes do factos tempo ( neste sentido, veja-se o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 16/09/2008, processo nº 469312008-1, disponível em www.dgsi.pt, e o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 15/10/2013, processo nº 3992112.3TBPRD.Pl,disponível em www.dgsi.pt.)
XXIV.-Interpretar o art.º 310º do CC como aplicável ao capital, restringindo, o prazo de 20 anos, para 5 anos, como fez a douta sentença recorrida, constitui, salvo o devido respeito, um absurdo, tendo em conta, a própria natureza do contrato de mútuo, que tem inerente a obrigação de restituição de capital (artº  1142º do CC). A obrigação de capital cabe na previsão do artº 3090 do CC.
XXV.-Cabe ao julgador interpretar a lei, tendo em conta os interesses do devedor, não o onerando excessivamente, mas não olvidando, como fez a douta sentença recorrida, também os interesses do credor que tem direito à restituição do capital e à compensação/remuneração pelo tempo, em que disponibilizou o mesmo, ao devedor  ( artº 90 do C.C.)
XXVI.-O Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, foi chamado a pronunciar-se, muito recentemente, numa situação em tudo semelhante, à dos presentes autos, e decidiu, através do douto acórdão proferido, em 26/04/2016, no âmbito do processo n° 525/14.0TBMGR-A.CI ( 2a Secção ), o qual tem como Relator, a Veneranda Juíza Desembargadora, Maria João Areias: " ... 3. No mútuo cambiário, em que o reembolso da dívida foi objecto de um plano de amortização, composto por diversas quotas que compreendem uma parcela de capital e outra de juros remuneratórios, que se traduzem na existência de várias prestações periódicas, com prazos de vencimento autónomos, cada uma destas prestações mensais encontrar-se-á sujeita, ao prazo prescricional privativo de cinco anos, previsto na al. g) do art.º 310º do CC. 4. Se, em caso de incumprimento, o mutuante considerar vencidas todas as prestações, ficando sem efeito o plano de pagamento acordado, os valores em dívida voltam a assumir em pleno a sua natureza original de capital e de juros, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos." (transcrição parcial do sumário)
XXVII.-A douta sentença recorrida, fez, assim, uma errónea aplicação do Direito aos factos, na parte que diz respeito à alegada prescrição, pois a factualidade provada, impunha ao Tribunal " a quo" que a oposição fosse julgada também nesta parte, improcedente, o que acarreta a nulidade da sentença, nos termos do art.º 615°/l/c) do CPC.
XXVIII.-Violou, assim, a douta sentença recorrida, o disposto, designadamente, nos artigos 9º, 309º, 310°,311°,560°, 781º e 1142º do CC,  e arts.ºs  608º/2 e 609º/2 do CPC.

Nestes termos,
E nos do mui Douto e sempre invocado suprimento de V. Exas., deve o presente Recurso de Apelação ser julgado procedente, por provado, e, outrossim, a douta sentença recorrida ser revogada, e substituída por outra que julgue improcedente a excepção da prescrição, invocada pelo embargante prosseguindo a execução também quanto ao executado/embargante, com todas as demais consequências legais, no que farão V.Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, a vossa habitual JUSTIÇA!
1.5.-Os apelados/executados, não apresentaram contra-alegações.
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Thema decidendum.

1.6.-Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho , e tendo presente o disposto no artº 5º, nº1 e 7º,nº1, ambos deste último diploma legal ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a decidir  são as seguintes  :
I-Se a sentença recorrida se encontra ferida de nulidade, nos termos da alínea c) , do nº1, do artº 668º, do CPC ;
II-Se em face da factualidade assente, se impõe revogar a sentença apelada, sendo a oposição à execução julgada como improcedente.
                                                          
2.-Motivação de Facto.
Mostra-se fixada pelo tribunal a quo a seguinte factualidade :

2.1.-A 14 de Outubro de 2014, foi apresentado à execução ordinária n.º 2411/14.ST80ER, em apenso, uma livrança, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, na qual consta, numa, como local e data de emissão "Cascais 2001.05.29”, como data de vencimento "2014.10.03", como importância "€39.736,38", como valor "caução", a seguinte menção " no seu vencimento pagarei(emos) por esta única via de livrança à ou à sua ordem a quantia de trinta e nove mil setecentos e trinta e seis Euros e trinta e oito cêntimos".
2.2.-Consta igualmente a identificação do executado/embargante como subscritor e a sua  assinatura.
2.3.-A referida livrança foi entregue, em branco, ao exequente, pelos executados, B e C, para garantir/caucionar, o pagamento de um empréstimo/crédito ao consumo que o primeiro, concedeu, aos segundos, no valor de €25.090,43 ( 5.030.181$00 ) de capital, respectivos juros e demais encargos, o qual foi formalizado, por ambas as partes, através de contrato datado e assinado, em 29 de Maio de 2001.
2.4.-Foram acordadas 84 mensalidades, devendo a última ter sido paga a 05 de Junho de 2008 - cf. contrato junto com a contestação que aqui se dá por integralmente reproduzido.
2.5.-Desde 05 de Março de 2004 que o embargante deixou de cumprir com o pagamento das referidas mensalidades.
2.6.-O exequente denunciou o mencionado contrato a 08 de Setembro de 2014, comunicando ao embargante, nessa data, de que iria preencher a livrança.

2.7.-[ Porque tal decorre do teor do contrato identificado em 2.3. ( junto aos autos ) , importa outrossim atentar, porque provado ( a atender nos termos do disposto no artº 607º,nº4, ex vi do 663º,nº2, do CPC, que no referido contrato ficou acordado que , em sede de crédito ao consumo ] :
“ (…)
Montante ( Inclui prémio de seguro, se aderiu ) 5 030 181,00PTE
prazo: 84 Meses Carência: 0 Meses
Amortização: 84 Meses
Taxa de Juro: a taxa de juro anual e nominal será de 9,750% ; a taxa de juro anual de encargos efectiva global inicial (TAEG) será de 10,946%.
Reembolso: em prestações MENSAIS sucessivas de capital e juros, podendo a primeira prestação ser de valor diferente, por débito da vossa conta a ordem nº 246/42326/000.7.
Para garantia e segurança do cumprimento das responsabilidades ora assumidas, V.Exas.(s) entrega(m) ao BES uma livrança com a cláusula " não à ordem" subscrita por
        Manuel ……
        Isabel ……
E avalizada por
       João …..
       Maria …….
livrança esta cujo montante e data de vencimento se encontram em branco para que o Banco os fixe na data que julgar conveniente pelo montante que compreenderá o saldo em dívida , comissões , juros remuneratórios e de mora e outros encargos, completando assim o seu preenchimento.
Todos os intervenientes dão o seu assentimento à entrega desta livrança nos termos e condições em que ela é feita, pelo que também assinam este contrato.
        Isabel …….             
       Manuel …….
2.8.-Do contrato identificado em 2.3, e em sede de condições gerais, ficou a constar que :
8 – Incumprimento
O não cumprimento de qualquer das obrigações de natureza pecuniária assumida neste contrato, implicará a obrigatoriedade do pagamento de todas as prestações em falta, acrescidas de juros de mora à taxa de 2 %, assim como de todas as prestações vincendas, podendo o Banco, para cobrança dos créditos, fazer uso dos direitos decorrentes dos títulos ou garantias que lhe forem pesadas pelo Beneficiário”
*

3.-Se a sentença recorrida se encontra ferida de nulidade, nos termos da alínea c), do nº1, do artº 615º, do CPC.
Na respectiva peça recursória, invoca a apelante a nulidade da sentença recorrida, alegando para tanto que a mesma padece do vício a que alude a alínea c), do artº. 615° do CPC , pois que , justifica  a recorrente, a factualidade considerada provada pelo tribunal a quo impunha que a oposição apresentada pelos apelados tivesse sito julgada improcedente.
Reafirmando tal nulidade de sentença em sede de conclusões da apelação , e importando decidir, adianta-se desde já que de todo não padece a sentença apelada do vício apontado pela apelante.

Senão, vejamos .

Como é por demais consabido, a invocada – pela apelante - nulidade de sentença decorrente de pretensa contradição entre a fundamentação e a decisão, apenas existe quando os fundamentos invocados - de facto e de direito - devessem, necessária e logicamente (qual vício lógico), conduzir a uma decisão diferente/oposta àquela que a sentença expressa, sob pena de existir entre ambos uma contradição insanável e incompreensível (a decisão colide com os fundamentos em que ostensivamente se apoia ) . (1)

Dito de uma outra forma, e como ensinam Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (2), na alínea c), do nº1, do artº 668º do pretérito CPC, a lei refere-se à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não à hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão.

É que, e em rigor, como bem explicam ainda os mesmos e ilustres Prof.s (3) citados, na situação referida, “há um vício real no raciocínio do julgador ( e não um simples lapsus calami do autor da sentença ): a fundamentação aponta num sentido ; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente”.

Ainda como referência ao vício formal ora em apreço, e agora nas palavras de Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto (4),” Entre os fundamentos da decisão não pode haver contradição lógica : se na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença”.

E, logo a seguir, os mesmos autores advertem que  Esta oposição não se confunde com o erro de subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correcta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora da ineptidão da petição inicial (art. 193-2-b).”

Em suma, a hipótese da alínea c),primeira parte, do actual artº 615º, do CPC, pressupõe a existência de uma oposição real entre os fundamentos e a própria decisão, isto é, situações em que os fundamentos invocados pelo julgador devessem ter conduzido, logicamente e coerentemente , a um  resultado diferente do expresso na decisão .(5)

Dito isto, tal “obriga“ por si só e desde logo, a  arredar o invocado vício de nulidade de sentença, com base em pretensa contradição entre a fundamentação e a decisão ou comando /dispositivo - a solução dada ao litígio - , pois que, analisado o grosso ( a globalidade) da fundamentação do tribunal  a quo aduzida na sentença, não se descortina, antes pelo contrário, que aponte ela necessária e obrigatoriamente para um único sentido, tendo porém o Exmº julgador enveredado, contraditoriamente, por diferente desfecho/solução.

É que, logo em sede de fundamentação, explica e conclui o julgador que , em face da factualidade assente, inevitável era subsumir a obrigação exequenda à alínea e), do artº 310º, do CC , logo, as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros não deixavam de prescrever no prazo de 5 anos, devendo o inicio do referido prazo reportar-se à data de vencimento de cada uma das prestações.

É certo que, para a recorrente, e ainda que perante a factualidade assente , nada justificava a prolação pelo tribunal a quo de comando decisório da sentença que julgou a oposição como procedentes, e isto porque, no respectivo entendimento, não permite ela - tal factualidade provada - concluir pela subsunção da obrigação exequenda na alínea e), do artº 310º, do CC.

Sucede que, a ter a recorrente razão, então o vício que atinge a sentença será já de natureza substantiva ( error in judicando), que não adjectiva, não sendo ele subsumível à previsão do artº 615º, do CPC.

Em suma, e mais uma vez, o que de resto integra prática nefasta e confrangedoramente repetitiva em sede de instâncias recursórias, confunde a recorrente o error in judicando com o mero error in procedendo, ou seja , trata um pretenso erro no julgar, ou erro material ou de conteúdo, como se fosse ele um mero erro adjectivo ou um vício de forma.

Destarte, e sem necessidade de mais considerações, improcedem portanto in totum as conclusões da recorrente atinentes e relacionadas com a invocada nulidade da sentença apelada.
3.1.-Se em face da factualidade assente, se impõe revogar a sentença apelada, sendo a oposição à execução julgada como improcedente.

Importando de imediato delimitar o thema decidendum fulcral da presente apelação, recorda-se que o Exmº Juiz do Tribunal “a quo”, alinhando pelo entendimento dos apelados/executados sustentado na oposição, veio a considerar que o crédito exequendo se encontrava prescrito, nos termos do disposto no art.º 310º, alínea e), do Código Civil, ou seja, almejando a exequente lograr a cobrança coerciva de quotas de amortização de capital pagáveis com os juros, inevitável era estar o referido crédito sujeito ao prazo de  prescrição de cinco anos.

Ao invés, para a exequente e ora apelante, nenhum sentido faz aplicar-se in casu o prazo - de 5 anos - estabelecido no artº 310º, antes o aplicável é o do artº 309º do Código Civil, ou seja, vinte anos.
 
Perante o objecto da dissensão, vejamos o que nos dizem algumas das disposições legais – do CCivil - relevantes para a resolução do dissídio.

Antes de mais, dizem-nos os artºs 298º , 303º e 304º, todos do CC, que estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição, sendo que, não podendo o tribunal supri-la de ofício – carece, assim, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita - , certo é que, uma vez completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito.

Já o artº 309º, do CC, estabelece que o prazo ordinário da prescrição é de vinte anos,  sendo porém apenas de cinco anos ( cfr. artº 310º) quando v.g.na presença de :
   (…)
  d) Os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades;
    e) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros;
    f) As pensões alimentícias vencidas;
    g) Quaisquer outras prestações periodicamente renováveis.

Por fim, reza o nº1, do artº 311º, que “ O direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo”.

Porque a resolução do objecto da apelação exige no essencial aferir da pertinência de subsumir o crédito exequendo na previsão da alínea e), do artº 310º, do CC, recorda-se que,  com referência às situações comtempladas no artº 310º e com prazos de prescrição mais reduzidos ( 5 anos ), explica Ana Filipa Morais Antunes (6), que em causa estão “ direitos que têm, por objecto, prestações periódicas ”, valendo o prazo de cinco anos “para cada uma das prestações que se vai vencendo e não para a obrigação no seu todo”.

E, mais adiante, especificamente no tocante à alínea e), do artº 310º, esclarece que é a mesma aplicável “sempre que se tenha estipulado o pagamento  do capital em prestações, com os juros”, ou seja, “A previsão normativa  é   aplicável   às   prestações  de capital repartidas  no  tempo,  a que se somam juros - a pagar conjuntamente – e que representam quotas correspondentes à amortização do capital e ao rendimento do capital disponibilizado.

Insistindo, refere Ana Filipa Morais Antunes que “Só estão contempladas as quotas de amortização que devam ser pagas como adjunção aos juros”, isto é, “ A previsão normativa abrange, pois, as hipóteses de obrigações pecuniárias, com natureza de prestações periódicas, pagáveis em prestações sucessivas e que correspondam a duas fracções distintas: uma , de capital e, outra, de juros, em proporções variáveis, a pagar conjuntamente ”.

Ou seja, ainda segundo Ana Filipa Morais Antunes, “Na situação prevista na alínea e), não está em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizado num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração. O referido plano obedece a um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respectiva liquidação em prestações autónomas, de montante mais reduzido”.

Já em sede de conclusão, remata Ana Filipa Morais Antunes  (7), que “As quotas de amortização representam, assim, pagamentos parciais do capital devido”, sendo que o prazo prescricional de “cinco anos inicia-se para cada uma  das quotas que se vencer e não para a obrigação no seu todo”.

Por fim, “advertindo”que o preenchimento da situação prevista na alínea e), obriga a que se atenda às circunstâncias do caso concreto, a verdade é que, esclarece Ana Filipa Morais Antunes , relevante será sempre o facto de o reembolso da dívida ter sido objecto de um plano de amortização, composto por diversas quotas, ou seja, serão sempre “indícios reveladores da existência de quotas de amortização do capital pagáveis com juros: em primeiro lugar, a circunstância de nos encontrarmos perante quotas integradas por duas fracções: uma de capital e outra de juros, a pagar conjuntamente; em segundo lugar, o facto de serem acordadas prestações periódicas, isto é, várias obrigações distintas, embora todas emergentes do mesmo vínculo fundamental, de que nascem sucessivamente, e que se vencerão uma após outra”.

Postas estas breves considerações de natureza doutrinal, e porque nas decisões a proferir, exigível é que o julgador tenha sempre em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, “a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito “ ( cfr. artº 8º,nº3, do CC), pertinente é atentar que, em situação relacionada com empréstimo concedido por entidade Bancária e devendo o mesmo ser reembolsado em prestações mensais, iguais de capital e juros (que seriam pagas por débito em conta), decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, em Ac. de 27/3/2014 (8), e acompanhando o entendimento de Ana Filipa Morais Antunes, que existindo uma obrigação assumida compartimentada num mútuo e respectivos juros, por sua vez convertida numa prestação mensal de fraccionada quantia global, e que iria sendo amortizada na medida em que se processasse o seu cumprimento, de facticidade se tratava que está abrangida pelo regime jurídico descrito no artigo 310.º, alínea e), do C. Civil.

“Alinhando” por semelhante solução, e no âmbito de execução ancorada em livrança que havia sido entregue em branco ao exequente, como garantia de financiamento concedido pagável em 60 meses sucessivos, com taxa de juro anual e nominal de 15,00%,  veio também o Tribunal da Relação do Porto, através de Ac. de 24/3/2014 (9), a julgar que as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros não deixam de prescrever no prazo de cinco anos, reportando-se o início deste prazo à data de vencimento de cada uma das prestações, ou seja, em causa estava uma obrigação exequenda subsumível à alínea e),  do artigo 310.º, do Código Civil.

Já mais recentemente ( em 21/1/2016 ), e no âmbito de execução “sustentada” em  escritura pública de compra e venda, e de mútuo com hipoteca , através da qual a  exequente concedeu aos executados um empréstimo a ser reembolsado em 300 prestações mensais, crescentes, integrantes de capital amortizável com juros, veio o Tribunal da Relação de Évora (10) a concluir/decidir que a obrigação exequenda sindicada estava abrangida pelo regime jurídico descrito no artº 310º, alíneas d)  e  e), do C. Civil, e cujo prazo de prescrição é de cinco anos.

Mas, dissentindo dos “julgamentos” referidos, e por intermédio  de douto Ac. de 26/4/2016 (11), veio o tribunal da Relação de Coimbra a considerar que “ o mútuo bancário, em que o reembolso da dívida foi objecto de um plano de amortização, composto por diversas quotas, que compreendem uma parcela de capital e outra de juros remuneratórios, que se traduzem na existência de várias prestações periódicas, com prazos de vencimento autónomos, cada uma destas prestações mensais encontrar-se-á sujeita ao prazo prescricional privativo de cinco anos, previsto na al. g), do artigo 310º, do CC “,  mas , assim já não sucederá  se, “ em caso de incumprimento, o mutuante considerar vencidas todas as prestações, ficando sem efeito o plano de pagamento acordado, voltando os valores em divida a assumir em pleno a sua natureza original de capital e de juros, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos “..

Este último entendimento, recorda-se, é precisamente aquele que, compreensivelmente, vem a merecer a preferência da apelante  exequente.

Por fim, por Acórdão bem recente [ de 29/9/2016 (12) ], reincide o STJ no entendimento já sufragado pelo mesmo tribunal em 27/3/2014, concluindo que:
I.-Prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. e) do art. 310º do CC, as obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos.
II.-Na verdade, neste caso – apesar de obrigação de pagamento das quotas de capital se traduzir numa obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações, - a circunstância de a amortização fraccionada do capital em dívida ser realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, determinou, por expressa determinação legislativa, a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição.”

Aqui chegados, e conhecedores das duas teses/posições aparentemente em confronto, é tempo de , em face da factualidade assente, que o mesmo é dizer em razão das circunstâncias do caso concreto que o autos revelam, decidir/optar pela solução que melhor resolve o diferendo, e que é aquela que o dever de obediência à lei impõe ( cfr. artº 8, nº2, do CC ).

Ora bem.
Antes de mais, e tendo presente a factualidade vertida em 2.7.  do presente Ac., é para nós pacífico que in casu tem a obrigação exequenda por objecto, não uma obrigação unitária, de prestação fraccionada, mas antes prestações periódicas renováveis, que se prolongam no tempo e que correspondem à utilização de um capital a prazo, ou seja, a prestação é renovável consecutivamente e não é determinada pelo seu montante total, mas pelo quantum atinente a cada período de utilização reiterada . (13)

Por outra banda, é igualmente para nós de alguma forma evidente que, qualquer das prestações periódicas integram uma componente de capital e uma outra de juros,a pagar conjuntamente,  e  , bem assim , apesar de periódicasem causa estão obrigações distintas,  ainda que todas alicerçadas num único  e mesmo vínculo fundamental.

No essencial, portanto, tudo aponta para que, o tribunal a quo, ao subsumir a obrigação exequenda – porque integrante de prestações periódicas renováveis – à previsão da alínea  g), do artº 310º, do CC, não cometeu um qualquer Error in Judicando, sendo que – como vimos supra - o prazo prescricional de cinco anos se inicia para cada uma das quotas/prestações  vencidas .

É certo que, importa não olvidar, que o título executivo – a livrança - que justifica a cobrança coerciva da obrigação exequenda , mostra-se preenchido com o montante correspondente ao saldo em dívida, comissões , juros remuneratórios e de mora e outros encargos, e justifica-se ele pelo facto de , deixando os executados de cumprir com o pagamento das prestações acordadas, veio a exequente a denunciar o contrato subjacente em  08 de Setembro de 2014.

Ocorre que, e de resto tal como o acordado no contrato identificado em 2.3, e em sede de condições gerais, o não cumprimento de qualquer das obrigações de natureza pecuniária assumida no contrato, implicava a obrigatoriedade do pagamento de todas as prestações em falta, acrescidas de juros de mora à taxa de 2 %, assim como de todas as prestações vincendaslogo,  pertinente não é concluir-se que o caso dos presentes autos corresponde e ou assemelha-se exactamente à situação julgada no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 26/4/2016, acima referido, e no qual a obrigação exequenda não correspondia à soma de cada uma das restantes prestações vencidas e vincendas,  mas , sim , à totalidade do capital em dívida à data do incumprimento.

Acresce que, recorda-se, no âmbito do contrato de crédito ao consumo por apelante e apelados  outorgado,  foram acordadas 84 mensalidades, devendo a última ser paga a 05 de Junho de 2008 , e, tendo desde  05 de Março de 2004 os embargantes deixado de cumprir com o pagamento das prestações/mensalidades devidas , a verdade é que apenas em 08 de Setembro de 2014  vem a ora apelante a denunciar o mencionado contrato e a comunicar que iria preencher a livrança,  ou seja,  age em momento em que o plano de pagamento acordado há muito que se encontrava já - ipso factoesgotado, não havendo  sequer lugar a prestações vincendas, porque todas as inicialmente fixadas se mostram já vencidas .

Dir-se-á que, in casu , não vem o plano de pagamento escalonado anteriormente acordado a deixar de estar em vigor, ocorrendo uma perda do benefício do prazo de pagamento contido em cada uma das prestações, sendo desfeito o plano de amortização da dívida inicialmente acordado, e tendo os valores em dívida voltado a assumir a sua natureza original de capital e de juros [ tal como o sustentado no Ac. a que se alude em nota 11 ] .

Destarte, no caso dos autos (14) , mais sentido faz o entendimento de que, “o facto de vencida uma quota e não paga, se vencerem todas as posteriores, nada releva para o problema em causa, porque nesse caso a prescrição respeitará a cada uma das quotas de amortização e não ao todo em dívida” sendo que na aplicação do prazo de prescrição a que se alude na al. e) do artº 310º do C. Cível, não obsta a que o não pagamento de uma das prestações provoque o vencimento das restantes, não sendo de aplicar o prazo prescricional ordinário, de 20 anos, previsto no artº 309º do C. Civil “.

Isto dito, e sabendo-se que (15) “ A prescrição é um efeito jurídico da inércia prolongada do titular do direito no seu exercício, e traduz-se em o direito prescrito sofrer na sua eficácia um enfraquecimento consistente em a pessoa vinculada poder recusar o cumprimento ou a conduta a que esteja adstrita”, porque a apelante/exequente vem instaurar a execução depois de decorridos  mais de 10 anos (!!! ) após o não cumprimento pelos executados das primeiras prestações vencidas ( logo em Março de 2004 ) , e , inclusive , decorridos mais de 6 anos após o vencimento da última mensalidade acordada ( vencida em 5 de Junho de 2008 ) , inevitável é a improcedência da apelação ( em razão da bem decidida – pelo tribunal a quoaplicação do prazo de prescrição a que se alude na al. e) do artº 310º do C. Cível ) .
                                                           
4–Sumariando  ( cfr. nº 7, do artº 663º, do cpc ) .
4.1-Para que uma obrigação exequenda deva considerar-se prescrita pelo decurso do prazo de cinco anos, tal como o estabelecido no art.º 310.º, alínea e), do C. Civil, o qual tem por objecto as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros, basta que a mesma tenha por objecto, não uma obrigação unitária, de prestação fraccionada, mas antes prestações periódicas renováveis, que se prolongam no tempo e que correspondem à utilização de um capital a prazo ;
4.2.-Apesar de concreta obrigação exequenda incidir sobre quotas vencidas e vincendas – de amortização do capital pagáveis com os juros -  nos termos do artº 781º, do C. Civil, tal não obsta à aplicação do prazo de prescrição a que se alude na al. e) do artº 310º do C. Cível, pois que, a prescrição respeitará a cada uma das quotas e não ao todo em dívida, não se impondo a aplicação do prazo prescricional ordinário, de 20 anos, previsto no artº 309º do C. Civil.
                                                          
5.-Decisão.

Em face de tudo o supra exposto,
acordam os Juízes na ...ª Secção Cível, do Tribunal da Relação de Lisboa, em, não concedendo provimento à apelação :
5.1.-Manter e confirmar a sentença da primeira instância.
                                                          
Custas pela apelante .


Lisboa, 27/10/2016

                                      
António Manuel Fernandes dos Santos (Relator)
Francisca da Mata Mendes (1º Adjunto)                                           
Eduardo Petersen Silva (2º Adjunto)                          

                                                     
(1)Cfr. José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, anotado, 5ª , pág. 141.
(2)In Manual de Processo Civil, 1984, Coimbra editora, pág. 671.
(3)In ob. citada, pág. 671.
(4)In Código de Processo Civil, Anotado, Coimbra Editora, vol. II, pág. 670,
(5)Cfr. J.O. Cardona Ferreira, in Guia de Recursos em Processo Civil, 5ª Edição, pág. 71.
(6)In Prescrição E Caducidade, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2014,  págs. 124 e segs..
(7)Ibidem, pág. 126/127.
(8)In Proc. nº 189/12.6TBHRT-A.L1.S1, sendo Relator SILVA GONÇALVES, e in www.dgsi.pt;
(9)In Proc. nº 4273/11.5TBMTS-A.P1, sendo Relator Correia Pinto, e in www.dgsi.pt.
(10) In Proc. nº 1583/14.3TBSTB-A.E1, sendo Relator CONCEIÇÃO FERREIRA, e in www.dgsi.pt.
(11)In Proc. nº 525/14.0TBMGR-A.C1, sendo Relator MARIA JOÃO AREIAS e in www.dgsi.pt.
(12)In Proc. nº 201/13.1TBMIR-A.C1.S1, sendo Relator LOPES DO REGO e in www.dgsi.pt
(13)Cfr. Ac. do TRL, de 16/9/2008, Proc. nº 4693/2008-1, sendo Relator  JOÃO AVEIRO PEREIRA e in www.dgsi.pt.
(14)cfr. Ac. do STJ de 04/05/1993 in CJ tomo 2, 82, e Menezes Cordeiro in Tratado de Direito Civil Português I, Parte Geral, tomo IV, 175, citados no Ac. a que se refere a nota 10.
(15)Cfr. Pedro Pais de Vasconcelos, in “Teoria Geral do Direito Civil”, 2005, pág. 756.
                                                          
Decisão Texto Integral: