Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
413/15.3PELSB.L1-3
Relator: ADELINA BARRADAS DE OLIVEIRA
Descritores: REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: 1.-Tendo havido arquivamento, o requerimento de abertura de instrução tem de ser uma verdadeira acusação e conter em si a identificação do sujeito e dos factos por si praticados que merecem punição e devem conter o elemento subjectivo e objectivo e tudo o mais que é necessário a uma verdadeira acusação, como as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou ao despacho de arquivamento, sendo aplicável ao requerimento do assistente, o disposto no artº 283°, nº3 CPP.
2.-A estrutura acusatória do processo e as garantias de defesa do arguido seriam incontornavelmente acometidas se fosse lícito ao juiz de instrução (ou se tal lhe fosse exigível) ir aproveitar de outrem ou outra acusação os elemento objectivo e subjectivo, a disposições incriminadoras ou completar uma pretensa acusação que não chega a sê-lo ou até mandar aperfeiçoar a mesma.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


Nos presentes autos veio A.H., recorrer do despacho que indeferiu o requerimento de abertura de instrução por si apresentada.

Apresentou para tanto as seguintes
Conclusões:

O presente recurso vem interposto do douto despacho que indeferiu o pedido de abertura de instrução apresentado pelo assistente com fundamento na sua inadmissibilidade legal;
Salvo o devido respeito e melhor opinião não existe fundamento para o indeferimento do pedido de abertura de instrução, nomeadamente, a sua invocada inadmissibilidade legal.
O requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente, ora recorrente, contém de forma clara os razões que consubstanciam a sua discordância relativamente à decisão de arquivamento, bem como a indicação dos actos de instrução que o assistente pretende que sejam levados a cabo e dos meios de prova que não foram considerados no inquérito;
Diz o douto despacho recorrido que o assistente, em requerimento por si apresentado, veio imputar ao arguido - o qual se encontra devidamente identificado no inquérito - factos suscetíveis de consubstanciar prática de crimes de ameaça p.p. pelos art°s 153 e 155, nº 1, alínea a) e um crime de perseguição, p.p.p. ARTº 154° - A, todos do Código Penal;
Assim, está feito o enquadramento legal dos factos imputados ao arguido no presente inquérito e tal enquadramento é, expressamente, mencionado no despacho de arquivamento.
Tal enquadramento legal não é questionado pelo assistente, até porque foi este quem o fez;
O assistente expressamente, indica que o que o levou a discordar do despacho de arquivamento se prende exclusivamente com a análise feita às provas existentes no inquérito e com os conclusões que das mesmos o despacho de arquivamento retirou;
O assistente expressamente invoca que existem outras diligências de prova a realizar que se mostram pertinentes para demonstrar a prática pelo arguido já devidamente qualificados;
A aplicação ao requerimento de abertura de instrução, quando apresentado pelo assistente, das alíneas b) e c), do nº3, do artº 283º do CPP, tem que ser devidamente adaptada e não pode ser interpretada como se, naquele seu requerimento, o assistente tenha que fazer tábua rasa de tudo quanto já foi trazido aos autos de inquérito e deles conste;

Do requerimento de abertura de instrução, conjugado com o despacho de arquivamento ao qual reage e com o aditamento por si produzido no inquérito resulta perfeitamente identificado: a) quem é o arguido; b} quais os crimes cuja prática o assistente lhe imputa e quais os factos que os consubstanciam c) quais as motivos de discordância do assistente relativamente ao despacho de arquivamento; d) as provas complementares que o assistente entende serem úteis e que [unto: e} as diligências complementares de prova que o assistente reputo importantes para o descoberto da verdade;
O requerimento de abertura de instrução contém por isso, todos os elementos necessários para a delimitação do objeto do processo e da atividade cognitiva do Tribunal.
Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis e invocando ainda o douto suprimento, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser o douto despacho recorrido revogado, poro todos os efeitos legais e o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente, aceite, como é de direito e de JUSTIÇA!
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Pronunciou-se o MP em 1ª Instância pela improcedência do recurso
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Pronunciou-se o arguido
O princípio constitucional da presunção de inocência, a ter provimento o Recurso, encontra-se violado;
Alega que o assistente apresentou um Requerimento de abertura de Instrução que não cumpre com os requisitos, exigidos pelo artigo 287 nº 2 do CPP.

Nem o Ministério Público encontrou indícios suficientes no processo, e por essa via, arquivou e bem os autos, e bem andou o Mmo Juiz de instrução ao indeferir o Requerimento de Abertura de Instrução, com os fundamentos aduzidos.

Pugnou pela improcedência do Recurso apresentado e arquivamento do processo.
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Também neste Tribunal o Excelentíssimo Procurador Geral Adjunto pugnou pelo não provimento
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No requerimento de abertura de instrução pode ler-se:
A.H., Denunciante nos autos de Inquérito à margem identificado notificado do despacho de arquivamento nos mesmos proferido, vem nos termos do art. 287 n. 1 do C.P.P., requerer a Abertura de Instrução,

Nos termos e com os fundamentos seguintes:
O Denunciante, ora Requerente, vem desde já manifestar a sua vontade de se constituir como assistente nos termos do artº 68 do C.P.P., tendo procedido ao pagamento da taxa de justiça devida.
Foi proferido despacho de arquivamento no presente Inquérito com base na inexistência de prova para os factos denunciados, face à alegada negação peremptória por parte do Denunciado da prática dos factos, não se vislumbrando outras diligências de prova que pudessem ter efeito útil.
Sucede porém, que fundamentação em causa não está, salvo o devido respeito e melhor opinião correcta.
Em primeiro lugar, porque o Denunciante foi notificado, por carta depositada na sua caixa de correio no dia 14 de Setembro de 2015, cfr Doc. 2 se junta, para em 10 dias indicar testemunhas.
Por requerimento enviado no dia 23 de Setembro de 2015, o Denunciante procedeu à indicação das referidas testemunhas.
As testemunhas indicadas pelo Denunciante não foram ouvidas antes de ser proferido o despacho de arquivamento em causa.
Em segundo lugar, porque consta dos autos um relatório elaborado por médica psiquiatra acerca do Denunciado.
Por esse motivo e tendo em conta que o Denunciado , se limitou a negar ter praticado os factos mas não postou quaisquer esclarecimentos, em sede de Inquérito nos órgãos de Policia Criminal, sempre se justificaria que Denunciado fosse ouvido directamente pelo Ex.mo Senhor Procurador.
Em terceiro lugar, porque compulsado o sistema certamente que o mesmo já terá a indicação dos episódios seguintes aos factos objecto do presente Inquérito e que levaram à intervenção dos Agentes de Policia de Segurança Pública, pelo menos, mais três vezes por o denunciado agredir verbalmente o denunciante e impedir a sua entrada de casa, entre outras coisas.

Pelos motivos acima referidos justifica-se plenamente que seja aberta a Instrução no âmbito da qual deverão ser realizadas as seguintes diligências de prova:
A) Seja oficiada a divisão da P.S.P. de Lisboa, sediada no largo do Rato para enviar para o presente Inquérito: A1) Cópia de todos os autos de ocorrência ali registados em que as forças policiais foram chamadas a Intervir, a pedido do Denunciante ora Requerente por factos praticados pelo Denunciado; A2.) Identificação dos Agentes que no dia 21 de Setembro de 2015, quando efectuavam a sua ronda normal foram interpelados pelo Denunciante uma vez que o Denunciado não o deixava entrar em casa. Este episódio ocorreu antes de o Denunciante no mesmo dia ter, de novo mais tarde tido necessidade de chamar Agentes à morada da sua residência.

Prestação de depoimento do Denunciado.

Oferece testemunhas
Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis vem requerer a V. Exa. se digne a aceitar a sua constituição como Assistente no presente Inquérito bem como aceitar a requerida Abertura de Instrução, seguindo os ulteriores termos até final.
Junta: 2 (dois) documentos, DUC, comprovativo de pagamento.

Cumpre decidir:
O presente e pretenso requerimento de instrução só podia ser indeferido.
Na verdade, tendo havido arquivamento o requerimento de abertura de instrução tem de ser uma verdadeira acusação e conter em si a identificação do sujeito e dos factos por si praticados que merecem punição e  devem conter o elemento subjectivo e objectivo e tudo o mais que é necessário a uma verdadeira acusação, como as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou ao despacho de arquivamento, sendo aplicável ao requerimento do assistente, o disposto no artº 283°, nº3 CPP.
Inconformado com o despacho de arquivamento proferido, o assistente veio requerer abertura de instrução, alegando vários motivos de discordância relativos ao referido despacho de arquivamento e pretendendo que seja proferido despacho de pronúncia.
O que o assistente veio fazer foi “reclamar” do despacho de arquivamento.
Tal devia ter merecido da sua parte uma reclamação hierárquica e não um pedido de abertura de instrução.

O requerimento de abertura de instrução a apresentar pelo assistente devia ter obedecido às exigências dos  art. 287.° nº 1 º b) CPP, e aos requisitos dos artºs. 283.° nº 3 º b) e c) e 287.° nº 2 CPP.

O que o requerente deveria ter oferecido ao  Juiz de Instrução Criminal para que este se pronunciasse era factos  que levassem o tribunal a concluir que determinado crime, nomeadamente o de ameaça estava suficientemente indiciado ou não e o respectivo enquadramento jurídico-penal, sendo certo que são tais factos, que limitam e constituem o objecto da instrução, permitindo o cabal exercício da defesa pelo arguido.

No caso concreto como muito bem entendeu o tribunal a quo, tal não sucedeu.

E bem andou o mesmo tribunal quando decidiu que
“O requerimento de abertura de instrução apresentado não obedece a estes requisitos, não sendo claro quanto à conduta imputada a um arguido que não identifica sequer, local e circunstâncias dos factos, sendo omisso quanto a factos susceptíveis de se reconduzirem ao elemento subjectivo típico dos crimes que menciona, ameaças, coacção, perseguição, relativamente aos quais não refere as normas aplicáveis.
Assim, não se pode considerar que o requerimento de abertura de instrução apresentado constitua uma acusação alternativa, susceptível de delimitar o objecto do processo e a actividade cognitiva do Tribunal. “

Se a prova indiciária não tem ou não atinge, no momento da acusação ou da pronúncia, a força necessária para formar a convicção razoável sobre a futura condenação, a certeza inabalável de que alguém será sujeito a julgamento e com certeza condenado, então não deverá o processo prosseguir, pois certamente essa convicção não será alcançada nas fases posteriores uma vez que a tendência é, como sabemos o atenuar dos indícios existentes quer pela possibilidade que tem o arguido de não falar, quer pela hipótese das testemunhas e até mesmo os ofendidos não irem prestar depoimento, quer porque a preparação da defesa pode criar dúvidas razoáveis no espírito do julgador.

Pensar de outra forma, seria colocar em causa desde logo o princípio do in dubio pro reo, enquanto corolário do princípio da presunção da inocência, que deve ter aplicação em todas as fases do processo penal, mormente na formulação do juízo de probabilidade de futura condenação.

Assim há que ter em conta que, está vedado ao Juiz submeter uma pessoa a julgamento imputando-lhe factos sobre os quais, findo o inquérito ou a instrução, subsistam dúvidas razoáveis porque inexistem indícios suficientes da prática do ilícito como a lei o formula.

Fala o requerente  em omissão de  diligências por parte do MP. É o inquérito da competência do MP ele é que deve determinar as que acha ou não necessárias  para a recolha de indícios. Caso se entenda que o não fez, tal actuação é passível de reclamação hierárquica como já dissemos.

O inquérito não tem mais a característica que tinha no código de 1929. Já não  é admissível ao juiz censurar o modo como foi  realizado o inquérito e devolver o processo ao MºPº para prosseguir a investigação de forma a abranger outros factos, e/ ou outros agentes, ou, simplesmente, para reformular a acusação . Só a ele MP compete decidir da oportunidade deste ou daquela forma de investigar.

Tudo está limitado apenas ao princípio da legalidade.

Alega ainda o recorrente que há falta de fundamentação do despacho.
O art. 205.º n.º 1 da CRP dispõe que: «As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».
O art. 97.º n.º 5 do CPP dispõe que «Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão».
“Dispõe a Constituição, no n.° l do art. 205.°, que « as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei .
Como sabemos, a falta de fundamentação das decisões judiciais só acarreta nulidade no caso de sentença, enfermando de irregularidade no caso dos despachos.
O despacho recorrido decidiu fundamentadamente sobre a inadmissibilidade do requerimento de abertura de instrução.

Do Ministério Público, espera-se uma utilização criteriosa dos poderes que lhe estão conferidos e uma  actuação vinculada pelo princípio da legalidade. Da judicatura, espera-se uma actuação que respeite o princípio do acusatório.

A estrutura acusatória do processo e as garantias de defesa do arguido seriam incontornavelmente acometidas se fosse lícito ao juiz de instrução (ou se tal lhe fosse exigível) ir aproveitar de outrem ou outra acusação os elemento objectivo e subjectivo, a  disposições incriminadoras ou completar uma pretensa acusação que não chega a sê-lo ou até mandar aperfeiçoar a mesma.

Se, como já supra se referiu o C.P.P. – artº 287º nº 2 - diz que ao requerimento do assistente é aplicável" o disposto no artº 283º nº 3 alíneas b) e c)" , e o artº 283º nº 3 refere que a acusação deve conter, sob pena de nulidade, " a narração .. ,dos factos que fundamentem a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança", e a indicação das disposições legais aplicáveis" , sem eles, nada feito. O Juiz não pode colmatar a acusação do MP nem a do assistente.

Sendo tal requerimento nulo, essa nulidade é do conhecimento oficioso por força da remissão do artº 287º nº 2 e tem como consequência a rejeição do requerimento de abertura da instrução apresentado.

Dessa forma não podia o Mmº Juiz ter dado outro despacho se não o que deu. Não poderia ter decidido de outra forma se não da forma como decidiu.

Entende-se assim, que o despacho recorrido deve ser mantido sem qualquer alteração por não ser o mesmo atacável tendo em conta o requerimento de abertura de instrução elaborado pelo recorrente.

Nega-se provimento ao recurso e mantem-se o despacho de arquivamento dado.

Custas pelo requerente fixando a taxa de justiça em 3 Ucs



Lisboa 12 Julho de 2017



Adelina Barradas de Oliveira - (Ac elaborado e revisto pela relatora)
 Jorge Raposo