Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
486/18.2YRLSB-4
Relator: DURO MATEUS CARDOSO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
SEGURADORA
MINISTÉRIO PÚBLICO
PARTICIPAÇÃO
REGISTO
AUTUAÇÃO
CITIUS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: I - O art. 1º-5-e 6-c) da Portaria nº 280/2013 de 26/8, na redacção então em vigor, refere-se claramente às acções, procedimentos cautelares, incidentes e apresentação de peças processuais e documentos nos processos.

II - Tal pressupõe que exista processo, o que não se verifica quando a participação da seguradora é enviada ao Ministério Público e ainda não foi recebida em juízo, não havendo ainda início da instância.

III- O Ministério Público só está sujeito à apresentação electrónica nos casos previstos no art. 1º-6-c) da Portaria nº 280/2013 de 26/8, designadamente na al. d) do art. 3º-1 do Estatuto do Ministério Público, ou seja no caso de patrocínio oficioso dos trabalhadores e suas famílias na defesa dos seus direitos de carácter social.

IV- O Ministério Público ao requerer o recebimento e autuação da participação enviada pela seguradora, não está em exercício de patrocínio oficioso, mas no exercício de mera competência legal decorrente do art. 22º do CPT e por lhe competir a condução da fase conciliatória do processo.

(Sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:

I AAA - COMPANHIA DE SEGUROS, remeteu ao Juízo de Competência Genérica de São Roque do Pico uma participação de acidente de trabalho ocorrida a 5/12/2017, nos termos do art. 90º da Lei nº 98/2009 de 4/9, relativamente ao sinistrado (…).

II O Digno Procurador-Adjunto do Ministério Público apôs no expediente recebido da seguradora, a seguinte promoção: “P. R. A. como Processo Especial emergente de Acidente de Trabalho. 
29.05.2018.”

III O Mmº Juiz a quo, proferiu então, também no mesmo expediente que lhe foi apresentado, o seguinte despacho: “Por ilegal recusa-se (cfr. artigo 1º, nº 5, al. c) e artigo 4º, nº 3 da Portaria nº 280/2013, de 26/8, sem prejuízo do regime outorgado no artigo 560º do Código de Processo Civil.

30 Maio 2018”
Desse despacho, o Ministério Público interpôs recurso de Apelação (fols. 10 a 20), apresentando as seguintes conclusões:
O processo para a efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho - artigos 99º a 150º do Código do Processo de Trabalho - apresenta uma estrutura bifásica, sendo composto por duas fases distintas, uma fase conciliatória (obrigatória e necessária) e uma fase contenciosa (de realização eventual) e constitui um todo processual único, sem qualquer quebra da unidade jurisdicional de toda a instância.
2 ª A fase conciliatória é dirigida pelo Ministério Público - artigo 99º , n.º 1, do Código do Processo de Trabalho - na qualidade de órgão de justiça, não defendendo quaisquer interesses particulares, mas apenas o interesse público da correcta definição dos direitos e deveres resultantes de um acidente de trabalho, não representando e não exercendo o patrocínio de qualquer dos interessados.
3 ª A participação que se destine a servir de base a processos das espécies 3ª e 4ª - processo emergente de acidente de trabalho e processos emergentes de doenças profissionais é apresentada obrigatoriamente ao Ministério Público que, em caso de urgência, deve ordenar as diligências convenientes, com precedência da distribuição - artigo 22º do Código do Processo de Trabalho.
Quando o legislador refere que as participações que se destinam a servir de base a processos emergentes de acidente de trabalho são apresentadas obrigatoriamente ao Ministério Público, como é o caso dos autos só pode querer significar que a secção central de processos deve promover a sua entrega ao Ministério Público para que providencie pela sua distribuição, não no exercício de patrocínio do sinistrado, mas apenas em cumprimento da norma legal ínsita no artigo 22º do Código do Processo de Trabalho.
Verificando-se assim que o Ministério Público, no estrito cumprimento do disposto no artigo 22º do Código do Processo de Trabalho promove o registo e a autuação dos papéis remetidos pela seguradora para darem início a um processo especial por acidente de trabalho, não está no exercício do patrocínio do sinistrado nem do trabalhador, não lhe sendo aplicável a norma contida no artigo 1º, nº 6, al c.), da Portaria nº  280/13, de 26.08.
Ao proceder conforme o artigo 22 º do Código do Processo de Trabalho, o Ministério Público não está a intervir na qualidade de representante do Estado, das Regiões Autónomas, autarquias locais, incapazes, incertos e ausentes em parte incerta, não está a exercer a acção penal, não está a exercer o patrocínio oficioso dos trabalhadores e suas famílias na defesa dos seus direitos de carácter social, não está a assumir a defesa de interesses colectivos e difusos nem a promover a execução das decisões dos tribunais e nem mesmo a interpor recurso de decisões obtidas na sequência de conluio das partes no sentido de fraudar a lei ou em que tenham sido proferidas com violação de lei expressa.
A participação de acidente de trabalho efectuada por uma seguradora não constitui uma peça processual ou um documento, para efeitos da eventual aplicação do disposto no artigo 4º nº 3 da Portaria nº 280/13, de 26.08.
Quando o Ministério Público promove o Registo e Autuação de expediente que lhe é presente por seguradora, sinistrado, ou mandatário judicial nos termos do artigo 22º do Código do Processo de Trabalho, não lhe é aplicável a norma supra mencionada nem lhe é legalmente exigível que apresente a participação remetida pela seguradora ao abrigo do artigo 90º, nº 1, da Lei nº 98/09, de 04.09, ou outras entidades ao abrigo do artigo 92 º da mesma lei, e artigos 22º e 99º, nº 1 e 2, do Código do Processo de Trabalho, através de transmissão electrónica, conforme regulado na Portaria nº 280/13, de 26.08.
No caso em apreço, impunha-se que a Mma. Juiz, por força das disposições conjugadas dos artigos 90º, nº 1, da Lei nº 98/09, de 04.09, artigos 22º e 99º nº 1 e 2, do Código do Processo de Trabalho e artigo 1º, nº 6, al, c), e 4º, nº 3, da Portaria nº 280/13, de 26.08, e artigo 3º, nº 1, da Lei 47/86, de 15/10, proferisse despacho mandando registar e autuar a participação da seguradora …, S.A." como processo especial por acidente de trabalho.
10ª Não o tendo feito, o despacho sob recurso viola o disposto nos artigos 90º, nº 1, da Lei nº 98/09, de 04.09, artigos 22º e 99º, nºs 1 e 2, do Código do Processo de Trabalho, e artigo 1º, nº 6, al. c), e 4º, nº 3, da Portaria nº 280/13, de 26.08, e artigo 3º, nº 1, da Lei 47/86, de 15/10.
12ª Deverá assim o despacho proferido em 18 de junho de 2018 e constante no rosto da participação por acidente de trabalho apresentado pela seguradora, ser revogado e substituído por outro que determine que o presente expediente seja registado e autuado como processo por acidente de trabalho, seguindo-se os ulteriores e regulares trâmites do processo.

Correram os Vistos Legais.

IV A factualidade com interesse para a decisão a proferir é a que consta do relatório supra.

V Nos termos dos arts. 635º-4, 637º-2, 608º-2 e 663º-2, todos do CPC/2013, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação; os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes, salvo se importar conhecê-las oficiosamente.

Atento o teor das conclusões das alegações apresentadas pela apelante, a questão que fundamentalmente se coloca no presente recurso é a de saber se o Ministério Público para dar entrada à participação remetida pela seguradora relativa à notícia de um acidente de trabalho, a fim de se iniciar a tramitação de um processo especial emergente de acidente de trabalho, tinha de o fazer através do sistema Citius de tramitação electrónica.

VIDecidindo.

Resulta do art. 99º do CPT que o processo especial emergente de acidente de trabalho inicia-se por uma fase conciliatória tendo por base uma participação do acidente, iniciando-se a instância com o recebimento da participação (art. 26º-4 do CPT).

No caso em apreço a participação foi feita por uma seguradora.

Por outro lado, o que o Ministério Público promoveu foi, precisamente, o recebimento e a autuação daquela participação a fim de que a instância pudesse começar.

Será então que é exigível, nestes casos de acidente de trabalho, a remessa electrónica por parte do Ministério Público, através do sistema Citius de documentação, quando a instância ainda nem sequer se iniciou?

Entendemos que não.

O art. 1º-5-e 6-c) da Portaria nº 280/2013 de 26/8, na redacção então em vigor, refere-se claramente às acções, procedimentos cautelares, incidentes e apresentação de peças processuais e documentos nos processos. Ora, isto pressupõe que exista processo, o que não era o caso, pois que a participação da seguradora ainda não fora recebida em juízo e, consequentemente, a instância ainda não se iniciara.

Ainda assim, resulta igualmente do art. 1º-6-c) da Portaria nº 280/2013 de 26/8, que o Ministério Público só está sujeito à referida apresentação electrónica nos casos ali previstos, designadamente na al. d) do art. 3º-1 do Estatuto do Ministério Público, ou seja no caso de patrocínio oficioso dos trabalhadores e suas famílias na defesa dos seus direitos de carácter social.

Ora aqui, nestes autos, manifestamente, o Ministério Público ao requerer o recebimento e autuação da participação enviada pela seguradora, não estava em exercício do referido patrocínio oficioso, mas no exercício de mera competência legal decorrente do art.º 22º do CPT e de lhe competir a condução da fase conciliatória do processo.

Não podia, pois, o Mmº Juiz a quo ter recusado o recebimento e autuação da participação de acidente de trabalho remetida pela seguradora.

VII Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogar o despacho recorrido, devendo ser substituído por outro que receba e mande autuar a referido participação e expediente remetido pela Seguradora BBB iniciando-se a normal tramitação dos autos.
Sem custas.
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Lisboa, 24 de Outubro de 2018



Duro Cardoso
Albertina Pereira
Leopoldo Soares