Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1481/16.6T8CSC.L1-4
Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Descritores: CONCLUSÕES DE RECURSO
PRESCRIÇÃO
APOIO JUDICIÁRIO
CITAÇÃO URGENTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: I– As conclusões do recurso de Apelação interposto pela Autora não se mostram desconformes com o imposto pelo artigo 639.º do NCPC e ainda que ser caracterizassem por ser extensas, excessivas ou complexas, tal irregularidade não implicava a sua falta ou inexistência jurídicas.

II– A Autora tinha o prazo de 1 ano contado nos termos do artigo 337.º do Código do Trabalho, ou seja, a partir do dia imediato à cessação do vínculo laboral, para propor a correspondente ação judicial de carácter laboral, tendo de provocar a interrupção do mesmo, conforme estipulado no artigo 323.º do Código Civil, até às 24 horas do último dia desse prazo, podendo lançar para o efeito mão da citação urgente, tudo sem prejuízo do disposto no número 2 da transcrita disposição do Código Civil.

III– O pedido de citação urgente possui riscos que, por exemplo e fora das hipóteses raras em que o autor atua abaixo da diligência mínima reclamada pelas circunstâncias práticas existentes no caso concreto, não se verificam nas situações contempladas no n.º 2 do art.º 323.º do Código Civil, pois que aqui o prazo prescricional presume-se interrompido no 6.º dia após a propositura da ação, ao passo que ali tal interrupção só opera se o tribunal, em termos globais e nas condições de boa-fé, diligência e adequação eficaz dos meios colocados ao seu dispor, lograr a sua concretização até às 23 horas, 59 minutos e 59 segundos do último dia do prazo de prescrição que está a decorrer e que se busca interromper antes do seu esgotamento.

IV– Não era possível proceder à citação urgente da Ré durante o último dia do prazo prescricional de 1 ano, em termos de normalidade da sua tramitação e posterior concretização em comarca diversa daquela onde o correspondente pedido foi deduzido.

V– A circunstância de a Segurança Social ter indeferido o pedido de apoio judiciário na modalidade da dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos por a Autora não ter respondido à sua audiência prévia ou de a mesma anteriormente ter informado que o respetivo procedimento administrativo estava pendente (em instrução) e de que estava a decorrer o prazo da aludida audiência prévia, não significa que não se pudesse ter formado efetivamente, em 12/12/2015, sobre o pedido de proteção jurídica formulado em 11/11/2015, o ato tácito previsto no artigo 25.º e invocado pela trabalhadora na sua Petição Inicial entrada em juízo em 18/05/2016, competindo tal juízo ao julgador depois de estar munido dos dados fornecidos pela Segurança Social e ainda que esta última não confirme essa formação do ato tácito.

VI– A simples leitura dos 3 primeiros números do artigo 25.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, aponta claramente no sentido de que o ato tácito de deferimento se forma independentemente da vontade, oposição ou declaração negatória do mesmo por parte da Segurança Social, não bastando uma mera informação do estado de pendência ativa do procedimento ou até do ato que está naquela altura a ser praticado para arredar tal formação do ato tácito, tendo aquele organismo, para ilidir a presunção legal do número 2 do artigo 25.º, de invocar os factos relevantes e suscetíveis de terem suspendido o decurso do prazo legal de 30 dias, juntando, de imediato, a correspondente prova documental.

VII– Nas circunstâncias concretas vividas nos presentes autoes, a não citação da Ré dentro do prazo de 5 dias não foi devida a uma conduta culposa imputável à Autora, o que implicou o funcionamento do mecanismo excecional previsto do n.º 2 do art.º 323.º do Código Civil, com a interrupção do prazo prescricional no 6.º dia após a propositura da ação.

(Sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


I– RELATÓRIO:


AAA solteira, NIF (…) residente na (…) Parede, veio instaurar, em 18/05/2016, os presentes autos de acção declarativa de condenação com processo comum laboral contra BBB., NUPC (…), com sede na Rua (…) Lisboa, pedindo, em síntese, o seguinte:
«Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, deve a presente ação ser declarada procedente e provada e ser a Ré condenada a pagar à Autora as quantias peticionadas que se cifram no total de € 8.606,37 (oito mil, cento e seis euros e trinta e sete cêntimos).
Mais se requer a condenação da Ré no pagamento de custas e procuradoria.
Requer-se igualmente que V. Exa aceite o presente requerimento de AJ como deferido tacitamente nos termos da Lei e na vertente solicitada de isenção do pagamento de taxas de justiça e demais encargos com o processo.»

A Autora alega, muito em síntese, o seguinte (Petição Inicial de fls. 1 a 8 + Documentos de fls. 9 a 21 + procuração [[1]]):
- Que foi admitida ao serviço da Ré em Maio de 2013, para exercer as funções inerentes à categoria de «Project Manager», auferindo mensalmente € 800,00 até ao final de 2013 em regime de recibos verdes, passando a partir de 2014 a ter um contrato de trabalho e a auferir um vencimento superior, com o limite de € 1.200,00 mensais;
- Que aquando da primeira permanência da Autora no Dubai a Ré aumentou o seu salário para € 1.500,00;
- Que a partir de Agosto de 2014, a Ré deixou de pagar pontualmente o salário, pagando apenas pequenas quantias, atingindo o montante em dívida o valor de € 4.106,37, levando a Autora a despedir-se, para além de lhe conferir direito a uma indemnização que reclama, a par dos créditos laborais em atraso.
*

O juiz do processo proferiu então o despacho de fls. 25, com data de 24/5/2016:
«Considerando o disposto no artigo 25.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29/07, antes de mais oficie ao competente serviço de segurança social, como nota de urgente, solicitando a confirmação da formação do ato tácito».
*

Oficiado à Segurança Social nos moldes ordenados, com menção de muito urgente (fls. 26 – 30/5/2016), vieram os correspondentes serviços a, fls. 27 e 28 e em 14/6/2016, informar que o processo estava em instrução e que se encontrava a decorrer o prazo para a requerente responder à audiência prévia, vindo a Autora, depois de lhe ter sido dado conhecimento (notificação de 16/6/2016), apresentar o requerimento de fls. 30 a 34, com data de 23/6/2016, onde se conclui nos moldes seguintes:
«Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, deve o requerimento de AJ ser considerado como deferido tacitamente nos termos da Lei e na vertente solicitada de isenção do pagamento de taxas de justiça de demais encargos com o processo.
Mais se requer que a ação prossiga os seus termos com a notificação do Réu para a audiência de partes prevista no artigo 54.º, n.º2 do Código de Processo de Trabalho».
*

A Autora, em 30/6/2016, vem apresentar novo requerimento onde afirma o seguinte:
AAA, Autora, melhor identificada nos autos, confrontada com a demora subsequente da falta de pronúncia da Segurança Social relativamente ao apoio judiciário que a mesma considerar deferido tacitamente, vem, ainda assim, juntar DUC e comprovativo de pagamento da 1.ª prestação da taxa de justiça, com vista ao prosseguimento dos autos.
Mais se requer que ação prossiga os seus termos, com citação urgente do Réu para a audiência de partes prevista no artigo 54.º, n.º 2, do Código de Processo de Trabalho.»
Juntou DUC e comprovativo de pagamento da 1.ª prestação da taxa de justiça (fls. 37 e 38).  
*

Foi, finalmente, agendada data para a realização da Audiência de Partes (despacho de fls. 41, datado de 4/7/2016, onde não se faz qualquer menção ao pedido de citação urgente da Autora) e concretizada a citação da Ré através de carta registada com Aviso de Receção (remetida no dia 5/7/2016 e depois no dia 21/07/2016), tendo a última carta sido deixada no recetáculo postal existente em 25/7/2016, por o A/R não ter podido ser entregue por ninguém ter atendido na morada indicada pela Autora e que foi repetida na segunda citação, conforme ressalta de fls. 44 a 49 dos autos.
A Ré, a fls. 50 e seguintes e em 9/9/2016, teve a sua primeira intervenção nos autos, com a junção de procuração passada a favor do seu advogado. 
Mostrando-se inviável a conciliação das partes (fls. 57 e 58), foi a Ré notificada, no quadro da Audiência de Partes, para, no prazo e sob a cominação legal, contestar (fls. 57), o que a Ré fez, em tempo devido, e nos seguintes termos (fls. 60 e seguintes):

“POR EXCEPÇÃO
16.º- A Autora peticiona o pagamento de créditos laborais no valor de € 8.106,37 (oito mil, cento e seis euros e trinta e sete cêntimos) alegadamente não pagos pela Ré.,
17.º- Não concebendo – nem devendo conceber – a Ré como devedora de tais créditos, porquanto tal como supra exposto não prestou a Autora qualquer serviço àquela, mas sim a outra sociedade sediada no Dubai.
18.º- A Autora alega que encetou uma relação contratual com a (…) com início em maio de 2013 até junho de 2015, Cfr. artigos 4.º, 10.º e 11.º da P.I.
19.º- Ora, dispõe o artigo 337.º, n.º 1 do Código do Trabalho, sob a epígrafe “Prescrição e prova do crédito”, que: “O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.” (Sublinhado nosso)
20.º- Mesmo não se sabendo o dia certo, a Autora teria até ao último dia do mês de junho de 2016 para tomar as devidas diligências por forma a acautelar o seu direito aos alegados créditos laborais.
21.º- Sucede que a citação ocorreu numa data muito posterior. A Ré só teve conhecimento do processo contra si instaurado, no dia 25 de julho de 2016, e pelo que se pode depreender dos elementos constantes neste processo.
22.º- Deste modo, os créditos laborais peticionados pela Autora encontravam-se prescritos pelo menos no dia 1 de julho de 2016,
23.º- Assim, a citação, apesar de urgente, não alcançou o objetivo de interromper a prescrição, previsto no artigo 323.º n.º 1 do Código Civil.
24.º- Razão pela qual, deve ser a Ré absolvida do pedido mediante a procedência desta exceção perentória de prescrição.
Contudo, à cautela, caso assim V. Exa. não entenda, por mero dever de patrocínio, há que esclarecer o acervo fáctico desta ação:”
*

A Autora, notificada da contestação, veio responder à exceção de prescrição aí invocada, dentro do prazo legal e nos seguintes termos (fls. 89 e seguintes):

«II.– DA EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA – PRESCRIÇÃO DOS CRÉDITOS LABORAIS

17.º- É verdade que o artigo 337.º, n.º 1 do CT dispõe que os créditos laborais prescrevem decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
18.º- Se é igualmente verdade que a Autora deixou de se deslocar à empresa a partir de final de Junho de 2015, também é verdade que ainda no decorrer do mês de Julho de 2015 manteve-se ligada à empresa, nomeadamente a prestar acessória aos colegas que estavam em Lisboa, tendo mesmo sido criado um E-mail específico para o efeito: (…) Foi igualmente utilizado o E-mail pessoal da Autora para troca de E-mails com funcionários e mesmo com (…), CEO da (…), conforme se alcança pela visualização dos mesmos que se juntam como Documentos n.ºs 6, 7, 8 e 9 e que constituem E-mails compreendidos entre 9 e 30 de julho de 2015 com teor claramente profissional.
19.º- Da mesma forma, o computador e o telemóvel só foram entregues a 31.07.2015, à colaboradora da Ré, (…), conforme se demonstra pela visualização do E-mail trocado em 30.07.2015 (vide Doc. n.º 9)
20.º- Tendo sido efetivamente nesta data que cessou qualquer vínculo laboral entre a Autora e a Ré.
21.º- Assim, a citação da Ré ocorreu antes de ter decorrido um ano conforme prevê o artigo 337.º, n.º 1 CT, tendo-se interrompido o prazo de prescrição 5 dias após o requerimento de citação da Ré, nos termos do artigo 323.º, n.º 2 CC, independentemente da Ré só ter tido conhecimento da ação contra si movida em data posterior.»
*

A Ré veio responder ao articulado de resposta da Autora a fls. 102 e seguintes, por referência aos documentos juntos pela mesma - o que mereceu a oposição da mesma, nos moldes de fls. 123 a 126, por entender que não era processualmente admitido esse novo articulado – vindo a demandada, por seu turno, a juntar documentos, a aditar o seu Rol de Testemunhas (que reiterou a fls. 141 e 142) e a pedir a notificação da Segurança Social para efeitos de recebimento pela Autora do subsídio de desemprego.
*

A Segurança Social, através dos correspondentes serviços vieram, oficiosamente e a fls. 150 e em 12/1/2017, informar que o pedido de proteção jurídica da Autora havia sido indeferido, com fundamento na mesma não ter respondido à audiência prévia.
*

Foi proferido o despacho pré-saneador de fls. 152 e 153, onde se admitiu a contra resposta da Ré apenas no que toca à pronúncia sobre os documentos juntos pela Autora com a sua resposta, à junção por seu turno de outros documentos e ao adiamento do rol de testemunhas, no mais sendo considerado como não escrito.
Foi ainda prolatado despacho de aperfeiçoamento da Petição Inicial da Autora, o que esta veio a fazer a fls. 156 e seguintes, com a apresentação de um articulado complementar de aperfeiçoamento, onde situou a sua saída da empresa Ré no dia 31/7/2015 (artigo 10.º).
A Ré respondeu a tal articulado de aperfeiçoamento a fls. 163 a 173.
*

Frustrou-se a Tentativa de Conciliação designada oficiosamente pelo Tribunal do Trabalho de Cascais (fls. 186 a 189)
*

Foi proferido despacho pré-saneador (dos factos atendíveis na presente ação) e saneador, no qual foi dispensada a realização da Audiência Prévia, fixado o valor à causa de € 8.106,37, indeferida a exceção dilatória de ilegitimidade passiva da Ré que foi arguida por esta última na sua contestação, considerada regularizada a instância, relegada para final o julgamento da exceção perentória da prescrição, enunciado o objeto do litígio assim como fixados os temas da prova, admitidos os róis de testemunhas das partes e aditamento posterior (fls. 88/89, 70 e 153 [[2]]) e designada a data para a realização da Audiência Final (fls. 190 a 193). 

Procedeu-se à realização de Audiência de Discussão e Julgamento com observância do legal formalismo (fls. 228 a 229 verso e 245 a 247), tendo aí sido juntos documentos e a produção de prova relativamente à factualidade controvertida sido alvo de registo informático.
*
      
Foi proferido, a fls. 252 a 265 e com data de 15/04/2018, sentença, onde se se decidiu, a afinal, o seguinte:

«III.–DECISÃO
Pelo exposto, julga-se procedente a exceção de prescrição invocada pela Ré BBB, e, em consequência, ao abrigo do disposto no artigo 576.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho, absolve-se a ré dos pedidos contra si deduzidos pela autora AAA.
Custas pela autora – artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho.
Registe e notifique.»
*

A sentença recorrida, para sustentar a decisão tomada, desenvolveu a seguinte argumentação jurídica:
 “Assentes que estão os factos, cumpre agora, à luz do direito aplicável, determinar se e em que medida poderá proceder a pretensão formulada pela autora.
*

A primeira questão a apreciar é a da prescrição invocada pela ré e que [atento o carácter controvertido da data da cessação do contrato] havia sido relegada para este momento.
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Da prescrição

A ré, na sua contestação, alega que os créditos laborais invocados pela autora se encontram extintos em virtude de ter decorrido mais de um ano desde a data da cessação do contrato, que ocorreu pelo menos no final do mês de Junho de 2015.
A autora contestou, alegando que apesar de ter deixado de se deslocar à empresa a partir de final de Junho de 2015, durante o mês de Julho de 2015 manteve-se ligada à empresa, a prestar assessoria aos seus colegas, tendo entregado o computador e o telemóvel apenas no final de Julho de 2015.

Vejamos.

Com pertinência para a apreciação da invocada exceção, provou-se que:
- A autora foi admitida ao serviço da ré em Maio de 2013;
- No final de Junho de 2015 a autora comunicou verbalmente à ré a resolução do seu contrato, por motivo de remunerações em atraso;
- A partir de Junho de 2015 a autora deixou de se deslocar à empresa, tendo continuado, durante o mês de Julho de 2015, a prestar colaboração aos seus ex-colegas relativamente a um dos projetos em que esteve envolvida (…), mantendo até ao final desse mês na sua posse o computador e o telemóvel;
- A presente ação deu entrada no dia 18-05-2016 (fls. 23);
- Tendo a autora invocado, na petição inicial, a formação de ato tácito de deferimento de pedido de apoio judiciário (não tendo autoliquidado a taxa de justiça inicial), foi por despacho de 24-05-2016 (fls. 25) determinado que fosse oficiado à segurança social a confirmação do ato tácito;
- Em 14-06-2016 a segurança social informou que o pedido de apoio judiciário formulado pela autora se encontrava em fase de instrução (fls. 27/28), ofício que foi notificado à autora por notificação eletrónica expedida no dia 16-06-2016 (fls. 29);
- No dia 23-06-2016 (fls. 34) a autora apresentou um requerimento reiterando que o apoio judiciário se deve considerar a tacitamente deferido, requerendo em consequência o prosseguimento da ação;
-No dia 30-06-2016 (fls. 39) a autora apresentou novo requerimento, juntando aos autos DUC e comprovativo do pagamento da 1.ª prestação da taxa de justiça, com vista ao prosseguimento dos autos;
- Os autos foram conclusos em 04-07-2016 (fls. 41), tendo nessa mesma data sido proferido despacho que convocou audiência de partes e ordenou a citação da ré;
- A ré viria a ser citada em 25-07-2016 (fls. 49);
- O apoio judiciário requerido pela autora veio a ser indeferido por decisão da segurança social comunicada aos autos em 12-01-2017 (fls. 150), notificado à autora em 19-01-2017 (fls. 151).
III.– De acordo com o disposto no artigo 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho, «O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho».

A prescrição consiste na perda ou extinção de um direito disponível ou que a lei não declare isento de prescrição, por virtude do seu não exercício durante certo tempo (cfr. artigo 298.º n.º 1 do Código Civil).

No que tange aos créditos laborais, a lei prevê um prazo relativamente curto, que encontra a sua justificação essencialmente em razões de segurança e certeza das relações laborais, mas que é simultaneamente contrapartida da circunstância de os créditos laborais não prescreverem durante a manutenção da relação laboral.

A autora sustenta que o prazo de prescrição se iniciou apenas após a data em que a mesma deixou de prestar qualquer colaboração para a ré, uma vez que durante o mês de Julho continuou a prestar colaboração aos seus colegas num projeto em que esteve envolvida, pelo que aquando da citação da ré – ocorrida em 25-07-2016 – não havia ainda decorrido o prazo de um ano de prescrição.

De facto, caso se tomasse tal data como termo inicial da contagem do prazo de prescrição, assim seria.

Todavia, tem sido entendimento praticamente pacífico entre a doutrina e a jurisprudência que para efeitos de início de contagem do prazo de prescrição a que alude o artigo 337.º do Código do Trabalho [como antes o artigo 381.º do CT/2003 e antes ainda o artigo 38.º, n.º 1, da LCT] o que releva é a data em que efetivamente cessou a relação laboral, ou seja, a data em que ocorreu a rutura factual da relação de dependência, independentemente da sua validade ou invalidade jurídica.

Como refere ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES (in Direito do Trabalho, Almedina, 15.ª edição, Abril de 2010, p. 513), «A contagem do prazo prescricional faz-se de acordo com o seu fundamento, que é o de que, durante a vigência do contrato, a situação de dependência do trabalhador não lhe permite, presumivelmente, exercer em pleno os seus direitos. Assim, o que importa (para o início da contagem) é o momento da rutura da relação de dependência, não o momento da cessação efetiva do vínculo jurídico, a qual, em virtude de decisão judicial que (por exemplo) declare ilícito o despedimento, pode até ser juridicamente neutralizada. O momento decisivo é, por conseguinte, aquele em que a relação factual de trabalho cessa, ainda que posteriormente, o ato que lhe tenha posto termo venha a ser invalidado». Neste mesmo sentido, cfr. ainda ABÍLIO NETO (in Novo Código do Trabalho Anotado, EDIFORUM, 1.ª edição, Maio de 2009, p. 577), bem como o acórdão de 20-01-2014 do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO (no processo n.º RP20140120426/13.0TTPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt) e o acórdão de 21-03-2012 do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA (processo n.º 1015/10.6TTALM.L1-4; disponível em www.dgsi.pt), bem como a doutrina e jurisprudência aí citadas.

No caso vertente, provou-se que no final de Junho de 2015 a autora comunicou verbalmente à ré a resolução do seu contrato, por motivo de remunerações em atraso, e que a partir de Junho de 2015 a autora deixou de se deslocar à empresa.

Afigura-se-nos, pois, inquestionável que a partir do final de Junho de 2015 cessou a relação laboral entre a autora e a ré, tendo igualmente cessado a relação de dependência para com a ré, não se afigurando relevante – para este efeito – que durante o mês de Julho a autora tivesse continuado a colaborar com os seus ex-colegas, à distância, num projeto em que esteve envolvida, já depois de ter cessado a sua relação laboral. Note-se, de resto, que a autora não reclama quaisquer créditos laborais relativamente ao mês de Julho de 2015, mas apenas até ao final do mês de Junho de 2015.

Assim sendo, e por força do disposto no artigo 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho, o prazo de prescrição iniciou-se em 1 de Julho de 2015, terminando às 24 horas do dia 1 de Julho de 2016 (artigo 279.º, alínea c) do Código Civil, aplicável ex vi do artigo 296.º do mesmo diploma).

O prazo de prescrição, enquanto não decorrer na sua totalidade, é suscetível de ser interrompido. A interrupção pode ocorrer por promoção do titular do direito (artigo 323.º do Código Civil), por compromisso arbitral (artigo 324.º do Código Civil) ou pelo reconhecimento do direito (artigo 325.º do Código Civil).

A interrupção da prescrição promovida pelo titular do direito ocorre designadamente pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito (artigo 323.º, n.º 1, do Código Civil).

Tendo a ré sido citada apenas em 25 de Julho de 2016 – ou seja, 25 dias depois de ter decorrido o referido prazo de um ano – importa aquilatar se até ao termo do referido prazo de um ano ocorreu alguma causa de interrupção da prescrição.

Ora – desde já se vai adiantando –, salvo melhor apreciação, afigura-se-nos que a resposta não pode deixar de ser negativa.

Desde logo, tem-se por inequívoco que ao caso vertente não é aplicável o disposto no artigo 323.º, n.º 2 do Código Civil [nos termos do qual «Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias»].

Com efeito, aquando da interposição da ação a autora não comprovou o pagamento, como lhe competia, da taxa de justiça inicial, não podendo por isso dizer-se que a citação da ré apenas não ocorreu nos cinco dias subsequentes por causa não imputável ao requerente.

Apenas a partir de 30-06-2016 (data em que a autora juntou requerimento comprovando o pagamento da taxa de justiça) a presente ação estava em condições de prosseguir, pelo que a considerar-se aplicável o disposto no artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil, tal efeito interruptivo nunca poderia operar antes de decorridos 5 dias, ou seja, apenas se verificaria no dia 05-07-2016 (data em que já se mostrava esgotado o prazo de prescrição).

Por outro lado, o apoio judiciário pedido pela autora não contempla a nomeação e pagamento de compensação de patrono, pelo que não cabe cogitar a eventual interrupção da prescrição por via da conjugação do disposto no artigo 33.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29/07 com o artigo 323.º, n.º 2 do Código Civil.

Ter-se-á que concluir, em face do exposto, que até à data da citação da ré não ocorreu qualquer facto suscetível de interromper a prescrição, pelo que nessa data já se encontravam prescritos os créditos reclamados pela autora.»
*

A Autora AAA, inconformada com tal sentença, veio, a fls. 266 e seguintes, interpor recurso da mesma, que foi admitido a fls. 284 dos autos, como de Apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
*

A Apelante apresentou, a fls. 267 e seguintes, alegações de recurso e formulou as seguintes conclusões:

“I.– O presente recurso tem como objeto a matéria de facto e de direito relativa à apreciação da exceção da prescrição, a qual foi determinante uma vez que a sentença do tribunal a quo julgou procedente a exceção de prescrição e, em consequência absolveu a Ré do pedido contra si deduzido pela Autora.

II.– O tribunal a quo deu, designadamente, como provado que:
- A partir de Junho de 2015 a autora deixou de se deslocar à empresa, tendo continuado, durante o mês de julho de 2015, a prestar colaboração aos seus ex-colegas relativamente a um dos projetos em que esteve envolvida (…), mantendo até ao final desse mês o computador e o telemóvel.

III.– O tribunal a quo formulou a sua convicção e entendeu estar provado que a Autora manteve-se com ferramentas de trabalho da empresa Ré, a colaborar em projetos durante o mês de Julho de 2015, pelas declarações de parte da Autora e pelos testemunhos de (…) e (…).

IV.– A testemunha (…) referiu que a Autora continuou a acompanhar à distância, a partir de casa, o trabalho que tinham em comum (uma plataforma de oncologia para a (…))

V.– A testemunha (…) corroborou o teor dos E-mails de fls. 97 a 99, trocados durante o mês de Julho de 2015, referindo ainda que o E-mail de fls. 99 se referia à versão 3 da plataforma de oncologia e que a mesma teria tido 11 versões, sempre acompanhadas pela Autora.

VI.– Entendeu com valor probatório os E-mails de fls. 11, 12, 13, 14, 15 e 100, trocados entre a Autora e (…), dos quais decorre para além do mais que em Julho de 2015 a Autora continuava a trocar E-mails com clientes da Ré.

VII.– Entendeu, formando a sua convicção de que a Autora acompanhou ao serviço da Ré, o projeto (…), pelo menos até 13 de Julho de 2015, conforme E-mails trocados a fls. 97 a 99.

VIII.– A presente ação deu entrada no dia 18.05.2016, tendo a Autora invocado na PI o deferimento tácito do deferimento do pedido de apoio judiciário na vertente de isenção do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo, já que o requerimento de AJ tinha dado entrada na SS em 17.03.2016.

IX.– Foi oficiado o ISS, em 24.05.2016 para que fosse confirmado o ato tácito.

X.– O ISS informou em 14.06.2016 que o pedido se encontrava em instrução, tendo a autora sido notificada pelo ISS em carta expedida em 16.06.2016.

XI.– Em 23.06.2016 a Autora volta a requer ao tribunal a quo o ato tácito e o prosseguimento da ação.

XII.– Em 30.06.2016, face ao silêncio, a Autora apresenta novo requerimento, junta aos autos DUC e comprovativo do pagamento da 1.ª prestação da taxa de justiça.

XIII.– Apesar de a ação ter dado entrada em 18.05.2016, só foi considerada apta a prosseguir os seus termos e conclusa após 30.06.2016, data em que, após sucessivas contrariedades, a Autora decidiu efetuar o pagamento da 1.ª prestação da taxa de justiça.

XIV.– Mesmo atendendo somente a essa data, 30.06.2016, nos termos do artigo 323.º, n.º 2 do CC, o prazo de prescrição considera-se interrompido logo que decorram cinco dias, mesmo que o Réu não haja sido citado ainda.

XV.– Assim, por esta análise teríamos o prazo de prescrição interrompido em 05.07.2016.

XVI.– O tribunal a quo, considerou o final de Junho de 2015 como data em que cessou a relação laboral, não obstante ter ficado provado que a Autora se manteve ligada à empresa da Ré, acompanhando projetos, pelo menos até 13.07.2015.

XVII.– Baseou a sua decisão em dois acórdãos que, salvo melhor opinião e com o devido respeito pela douta sentença, nunca serão de aplicação ao caso concreto, senão vejamos: o acórdão mencionado do TRP de 20.01.2014 no processo RP20140120426/13.0TTPRT.P1, refere-se a um caso em que o empregador comunica ao trabalhador a intenção de não renovação do contrato de trabalho com 1 mês de antecedência relativamente à data da cessação.

XVIII.– Para efeitos de início da contagem do prazo de prescrição, entendeu aquele tribunal que a data determinante não é a da comunicação mas sim a da cessação do vínculo laboral, o que na nossa modesta opinião, a aplicar-se ao caso em apreço, seria sempre na perspetiva de aproveitar a Autora e não a prejudicar.

XIX.– O acórdão do TRL, de 21.03.2012 no processo 1015/10.6TTALM.L1-4 refere-se a um caso em que o trabalhador pretendia que, o inicio da contagem do prazo de prescrição se iniciasse, não com a cessação do vínculo laboral que coincidiu com o fim do contrato mas 22 dias depois, alegando que eram dias de férias que não tinha gozado, pelo que deviam fazer adiar o início da contagem daquele prazo. Não entendemos a analogia ao caso concreto!

XX.– Assim, estando provado que a Autora prestou serviço, acompanhando projetos, pelo menos até dia 13.07.2015, e estando o prazo de prescrição, em última análise, interrompido em 05.07.2015, não deveria ter sido julgada procedente a exceção da prescrição, uma vez que não estava ainda decorrido o prazo de 1 ano.

XXI.– Por outro lado, são vastíssimos os acórdãos que consideram suspenso o prazo no caso de ter sido requerido apoio judiciário na vertente da nomeação e compensação de patrono nomeado, mas teremos muitas dificuldades em encontrar um acórdão que se debruce sobre a mesma suspensão do prazo de prescrição nos casos em que há mandatário constituído.

XXII.– Nos presentes autos, a ação foi proposta em 18.05.2016, muito antes de decorrido o prazo de prescrição, todavia, os autos não prosseguiram por não ter sido efetuado o pagamento da taxa de justiça e, pese embora a Autora tenha alegado o deferimento tácito do requerimento apresentado ao ISS, o tribunal a quo não prosseguiu com os autos sem obter, ou o pagamento da taxa de justiça, ou a confirmação por parte do ISS da formação de ato tácito.

XXIII.– Só que, também aqui o tribunal a quo não esteve bem. Não considerou o artigo 25.º, n.º 3 da Lei 34/2004 de 29 de julho que prevê que é suficiente a menção em tribunal da formação de ato tácito.

XXIV.– Não esteve bem, já que, não havendo norma específica, deverá ser aplicada, por analogia, a estatuição prevista no artigo 18.º, n.º 3 da supra mencionada lei que prevê: “Se se verificar insuficiência económica superveniente, suspende-se o prazo para o pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo até à decisão definitiva do pedido de apoio judiciário, aplicando-se o disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 24.º”

XXV.– Aplicando-se esta norma, deveria ter sido suspenso o prazo para pagamento da taxa de justiça e consequentemente suspenso o prazo de prescrição, na data em que o pedido de apoio judiciário deu entrada, ou seja, 17.03.2016 e até à decisão final de indeferimento que só veio a acontecer em 17.01.2017.

Nestes termos e nos demais, e com o mui douto suprimento de V. Ex.ªs, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência dever o tribunal a quo substituir a sentença por outra que julgue improcedente a exceção da prescrição e como tal condenando ou absolvendo o Réu tendo em consideração os factos dados como provados!”.
*

A Ré, notificada de tais alegações, veio responder-lhes dentro do prazo legal, tendo para o efeito apresentado as contra-alegações de fls. 274 e seguintes, aí tendo formulado as seguintes conclusões:

“A)– As alegações da Recorrente não abalam minimamente nem a fundamentação, nem a consistente construção jurídica da sentença proferida pela digníssimo Tribunal a quo, proferida nos presentes autos, que faz a correta valoração dos factos e a aplicação do Direito aos mesmos, sem esperar que de outro modo fosse, ora sob escrutínio de V.ªs Ex.ªs, o que por si só justificaria que a melhor resposta fosse, singelamente, o oferecimento do mérito da douta Sentença impugnada.

B)– A Recorrida mantém o entendimento de que é parte ilegítima na presente ação.

C)– O recurso não deve ser admitido por falta de conclusões – Art.º 639.º, n.º 1 e 641.º, n.º2, alínea a) do CPC.

D)– A Recorrente devia ter apresentado as suas Conclusões de forma sintética, com a indicação dos fundamentos porque pede a alteração ou anulação da decisão.

E)– Salvo o devido respeito, as conclusões apresentadas nas Alegações são desproporcionadas e, para além de reproduzirem o corpo das suas alegações, ainda excedem as mesmas, o que viola o dever legal de apresentar conclusões, nos termos do art.º 639.º, n.º 1 do CPC.

F)– À cautela e se assim não se entender, o que apenas se concebe por mero dever de patrocínio, sempre se dirá que a exceção perentória da prescrição deve ser considerada procedente, por verificada.

G)– A Recorrente alegou, em sede de articulados, que iniciou a relação contratual com a ora Recorrida, em Maio de 2013 e que terminou em Junho de 2015.

H)– Nos termos do art.º 337.º do CT, os créditos laborais prescreveram no dia 1 de Julho de 2015.

I)– A Recorrida entende não ser de aplicar o art.º 323.º, n.º 2 do CC, uma vez que se verificou uma causa não imputável à Requerente, aqui Recorrente, já que devia ter sido diligente e intentar a ação mais cedo ou, pelo menos, ter requerido a citação urgente da Recorrida, o que não aconteceu.

J)– Mesmo aplicando a interpretação da Recorrida, o que não se concebe, entendemos que não será de aplicar o regime previsto no art.º 323.º, n.º 2 do Código Civil, pelo que a interrupção do prazo prescricional, não ocorreu em 5 de Julho de 2015, uma vez que a prescrição já tinha operado efeitos no dia 1 de Julho e portanto não poderia ser interrompida a posteriori.

K)– Por outro lado, a tese de que a Recorrente cessou a relação laboral em Julho de 2015 não pode, obviamente, proceder.

L)– Desde logo, porque foi dado como provado sob o n.º 8 da douta Sentença recorrida, que a relação laboral cessou “no final de Junho de 2015”, o qual não foi posto em crise pela Recorrente no seu recurso, de acordo com o qual: “8. No final de Junho de 2015 a autora comunicou verbalmente à ré a resolução do seu contrato, por motivo de remunerações em atraso [artigos 10.º, 11.º e 13.º da PETIÇÃO INICIAL, artigo 18.º da CONTESTAÇÃO, artigo 18.º da RESPOSTA À CONTESTAÇÃO, artigo 3.º do ARTICULADO DE APERFEIÇOAMENTO e artigo 39.º da RESPOSTA DA RÉ]”.

M)– Uma vez que a ora Recorrida apenas foi citada a 25 de Julho de 2015, os créditos laborais estavam seguramente prescritos naquela data.

N)– Vindo posteriormente a Recorrente, já depois de a Recorrida ter invocado a prescrição, alterar a sua versão dos factos e referir que, afinal, teria cessado a relação laboral em Julho de 2015.

O)– Acresce que a Recorrente nunca esclareceu qual teria sido o dia concreto do mês de Julho de 2015 em que cessou (alegadamente) a relação laboral, facto esse de extrema importância se esta versão fosse procedente.

P)– Isto é, mesmo que a relação tivesse cessado em Julho de 2015, o que não se admite e apenas se concebe por dever de patrocínio, a prescrição também operou os seus efeitos, considerando que a Recorrida apenas foi citada no dia 25 de Julho de 2015.

Q)– Repare-se que cabia à Recorrente ter indicado o dia em concreto em que a cessação do contrato alegadamente ocorreu - art.º 342.º CC - o que claramente não fez.

R)– Assim sendo, não indicou a Recorrente o dia concreto em que, no seu entender, ocorreu a cessação do alegado contrato de trabalho, sendo certo que a prova de tal facto incumbia à Recorrente.

S)– Importa igualmente reiterar a declaração da Autora, na sua Petição Inicial, na qual reconheceu que a alegada relação laboral terminou em Junho de 2015.

T)– Acresce que nenhuma das testemunhas inquiridas em audiência de discussão e julgamento conseguiu precisar a data da cessação do vínculo da Recorrente com a Recorrida.

U)– Mais, se dúvidas restassem, importa chamar à colação outro argumento de extrema relevância, uma vez que a Recorrente não peticionou o pagamento do salário correspondente ao mês de Julho de 2015, como bem se refere na douta Sentença!

V)– Ora, se a Recorrente tivesse trabalhado no mês de Julho de 2015, naturalmente que teria peticionado esse salário na Petição Inicial, o que não fez.

W)– Face ao supra exposto, é forçoso concluir que foi em Junho de 2015 que a ora Recorrente cessou a alegada relação laboral com a Ré, ora Recorrida, tal como resulta do facto provado sob o n.º 8 da douta Sentença recorrida.

X)– Bem como não procede a argumentação e a interpretação da Recorrente em relação aos art.ºs 25.º, n.º 3 e 18.º, n.º 3 da Lei 34/2004, de 29 de Julho, não podendo ser realizada aplicação analógica deste preceitos legais, nem tais artigos em nada versam sobre a interrupção da prescrição!

Y)– Assim sendo, o prazo de prescrição não se interrompeu, até porque, o pedido de proteção jurídica apresentado pela Recorrente veio a ser indeferido pela Segurança Social.

Z)– Só em 30/06/2015 é que a Recorrente requereu a junção aos autos do comprovativo do pagamento da taxa de justiça.

AA)– Ora, se assim é, a Recorrente devia ter sido diligente e tê-lo feito, pelo menos 5 dias de antecedência em relação ao término do prazo que ditaria a prescrição – o dia 1 de Julho de 2015.

BB)– Não o fez por motivos que a ora Recorrida desconhece – nem teria que conhecer – mas a verdade é que não o fez e a prescrição operou no dia 1 de Julho de 2015.

CC)– Motivos pelos quais nos louvamos no que doutamente decidiu o Tribunal a quo, ao declarar a improcedência da ação, reconhecendo a exceção perentória da prescrição, pelo que a Apelação da Recorrente não poderá obter provimento.

Nos termos expostos e nos mais que V. Exas. Venerandos Desembargadores doutamente suprirão, a presente Apelação não deverá ser admitida por violação do art.º 641.º, n.º 2, alínea a) do CPC ou, à cautela, caso assim não se entenda, deverá ser negado provimento à Apelação, mantendo-se a douta sentença sob recurso, fazendo-se a tão costumada JUSTIÇA!” 
*

O ilustre magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, com a rejeição da impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto (fls. 292 a 297).
*

As partes, notificadas para se pronunciarem acerca do parecer do ilustre magistrado do Ministério Público, vieram-lhe responder dentro do prazo legal e nos moldes seguintes:
a)- A Ré veio, a fls. 300 a 303, pugnar pela manutenção da sentença recorrida;
b)- A Autora, a fls. 304 a 309, sustenta que deve proceder o recurso por si interposto e ser revogada a sentença.        
*

Tendo os autos ido aos vistos, cumpre apreciar e decidir.

II– OS FACTOS

O tribunal da 1.ª instância deu como provados e não provados os seguintes factos:

«II.1.a)– FACTOS PROVADOS.

Discutida a causa, e com pertinência, mostram-se provados os seguintes factos:

1.– Em Maio de 2013, a Autora foi convidada pela Ré para exercer as funções inerentes à categoria de “Project Manager”, que consistiriam no desenvolvimento de novos negócios, apoio ao desenvolvimento de projetos junto da carteira de clientes da empresa, apoio e suporte à estrutura que a empresa detinha no Dubai e envolvimento direto com a estrutura da empresa, em Barcelona [artigos 1.º e 2.º da PETIÇÃO INICIAL].

2.– De acordo com a proposta apresentada, a Autora, como contrapartida monetária, receberia a quantia de € 800,00 (oitocentos euros), a recibos verdes, até final de 2013 e, em Janeiro de 2014 passaria a ter um contrato de trabalho com a empresa, com vencimento superior embora com limite máximo de € 1.200,00 (mil e duzentos euros). A Autora teria ainda que ter disponibilidade para se deslocar ao Dubai e a Barcelona. Como ferramentas de trabalho a Autora tinha um telemóvel e um computador portátil fornecidos pela Ré [artigo 3.º da PETIÇÃO INICIAL].

3.– A Autora aceitou a proposta e iniciou funções ainda durante o mês de Maio de 2013, tendo exercido a sua atividade para a Ré em Lisboa, nas instalações da empresa sita na Av. (…), Lisboa [artigos 4.º e 5.º da PETIÇÃO INICIAL].

4.– A partir de 2014, a Autora passou a deslocar-se com regularidade ao Dubai, sendo que nesses períodos ficava hospedada em casa de (…) e (…) [artigo 6.º da PETIÇÃO INICIAL].

5.– Sempre que a permanência no Dubai era superior a 30 dias, a Autora tinha que sair do país, ir a Omã e regressar, já que não possuía visto de trabalho para permanecer no país [artigo 7.º da PETIÇÃO INICIAL].

6.– Até Agosto de 2014 foi sempre tudo pago [artigo 9.º da PETIÇÃO INICIAL].

7.– Após Agosto de 2014 e até Junho de 2015 foram efetuados os seguintes pagamentos à Autora:
7.1.- Em 06-10-2014, € 800,00 através de transferência bancária efetuada pela Ré;
7.2.- Em 20-10-2014, € 500,00 através de transferência bancária efetuada pela Ré;
7.3.- Em 08-12-2014, a quantia de € 2.500,00 através de transferência bancária efetuada pela sociedade (…) e
7.4.- Em 18-02-2015, o valor de € 3.800,00 através transferência bancária efetuada pela sociedade (…) [artigo 11.º da PETIÇÃO INICIAL].

8.– No final de Junho de 2015, a Autora comunicou verbalmente à Ré a resolução do seu contrato, por motivo de remunerações em atraso [artigos 10.º, 11.º e 13.º da PETIÇÃO INICIAL, artigo 18.º da CONTESTAÇÃO, artigo 18.º da RESPOSTA À CONTESTAÇÃO, artigo 3.º do ARTICULADO DE APERFEIÇOAMENTO e artigo 39.º da RESPOSTA DA RÉ].

9.– A partir de Junho de 2015 a Autora deixou de se deslocar à empresa, tendo continuado, durante o mês de Julho de 2015, a prestar colaboração aos seus ex-colegas relativamente a um dos projetos em que esteve envolvida ((…)), mantendo até ao final desse mês o computador e o telemóvel [artigos 18.º e 19.º da RESPOSTA À CONTESTAÇÃO].
**

II.1.b)– FACTOS NÃO PROVADOS.

Com pertinência, não se provaram os seguintes factos:
Artigo 8.º da PETIÇÃO INICIAL. [[3]]
Artigo 9.º da PETIÇÃO INICIAL [para além do supra dado como provado em 6]. [[4]]
Artigo 26.º da CONTESTAÇÃO. [[5]]
Artigo 34.º da CONTESTAÇÃO.» [[6]]/[[7]]

III– OS FACTOS E O DIREITO.

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 639.º e 635.º n.º 4, ambos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC).
*

A– REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS
Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos presentes autos, atendendo à circunstância da presente ação ter dado entrada em tribunal em 18/05/2016, ou seja, depois da entrada em vigor das alterações introduzidas no Código do Processo do Trabalho pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13/10, que segundo o seu artigo 6.º, só se aplicam às ações que se iniciem após a sua entrada em vigor, tendo tal acontecido, de acordo com o artigo 9.º do mesmo diploma legal, em 1/01/2010.
(…)

B– DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
Realce-se que a Recorrente não impugnou a decisão sobre a matéria de facto, nos termos e para os efeitos dos artigos 80.º do Código do Processo do Trabalho e 640.º e 662.º do Novo Código de Processo Civil, não tendo, por seu turno, o recorrido requerido a ampliação subsidiária do recurso nos termos dos artigos 81.º do Código do Processo do Trabalho e 636.º do segundo diploma legal referenciado, o que implica que, sem prejuízo dos poderes oficiosos que são conferidos a este Tribunal da Relação pelo artigo 662.º do Código de Processo Civil, temos de encarar a atitude processual das partes como de aceitação e conformação com os factos dados como assentes pelo tribunal da 1.ª instância.

C– CONCLUSÕES DO RECURSO DA AUTORA – SUA DESCONFORMIDADE COM O REGIME LEGAL

A Ré veio nas suas contra-alegações sustentar a rejeição do recurso de Apelação da Autora por falta de conclusões.

Sustenta a sua posição na seguinte argumentação jurídica:
«C)– O recurso não deve ser admitido por falta de conclusões – Art.º 639.º, n.º 1 e 641.º, n.º2, alínea a) do CPC.
D)– A Recorrente devia ter apresentado as suas Conclusões de forma sintética, com a indicação dos fundamentos porque pede a alteração ou anulação da decisão.
E)– Salvo o devido respeito, as conclusões apresentadas nas Alegações são desproporcionadas e, para além de reproduzirem o corpo das suas alegações, ainda excedem as mesmas, o que viola o dever legal de apresentar conclusões, nos termos do art.º 639.º, n.º 1 do CPC.»

A objeção levantada pela Recorrida não deixa, desde logo, de ser algo contraditória e irónica, pois se compararmos o número de conclusões elaboradas pela Apelante (25) com as que constam das contra alegações da Ré (29), facilmente constatamos que estas são quantitativamente mais numerosas, ainda que um pouco menos extensas por referência aquelas primeiras.

De qualquer maneira, tal não impediu a Apelada de qualificar como excessivas as conclusões formuladas pela recorrente e, nessa medida, qualificá-las como juridicamente inexistentes.

Impõe-se referir, desde logo, que não encaramos as conclusões recursórias de qualquer uma das partes como extensas ou verborreicas, o que lhes retira esse peso de poderem ser encaradas como complexas, para efeitos do artigo 639.º do NCPC.
Achamos mesmo a posição assumida pela recorrida nas suas contra-alegações como temerária e vizinha da litigância de má-fé, na concreta situação dos autos.
      
O artigo 639.º do NCPC, no que concerne ao ónus de alegação e formulação de conclusões estatui o seguinte (importando ainda conexionar tais normas com o disposto no artigo 640.º, quanto à impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto: 

Artigo 639.º
Ónus de alegar e formular conclusões
1– O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2– Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a)-As normas jurídicas violadas;
b)-O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c)-Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
3– Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.
4– O recorrido pode responder ao aditamento ou esclarecimento no prazo de cinco dias.
5– O disposto nos números anteriores não é aplicável aos recursos interpostos pelo Ministério Público, quando recorra por imposição da lei.     
 
Ora, se interpretamos corretamente tais regras jurídicas de cariz adjetivo - e não obstante já termos reconhecido a regularidade e validade jurídicas das conclusões de recurso da Autora - sempre diremos que a qualificação das referidas conclusões como deficientes, obscuras, complexas ou omissas recai exclusivamente sobre o relator do recurso e sobre os seus adjuntos, caso os mesmos entendam suscitar tal questão junto do relator, estando o referido relator ou coletivo, na hipótese de se defrontarem objetivamente com umas conclusões dessa índole ou com a falta de indicação de qualquer um dos elementos obrigatórios elencados no número 2 do artigo 639.º ou no artigo 640.º do NCPC, vinculados, junto da parte relapsa, a convidá-la a corrigir as mesmas no prazo fixado, sob pena da sua desconsideração nessa parte [[8]].

Logo, até por confronto com o disposto no artigo 641.º do NCPC, verificamos que, afinal, o efeito extremo perseguido pela recorrida é que é juridicamente excessivo, por não se mostrar suportado no regime legal aplicável, dado não existir qualquer equiparação entre a total falta de conclusões e a sua deficiência por defeito ou excesso, sendo que, ao contrário do que acontece com aquele primeiro cenário mais radical, há lugar no segundo a um prévio despacho de aperfeiçoamento.

Sendo assim, nada obsta a que seja admitido o recurso de Apelação com base nas conclusões finais que formulou.

D– OBJECTO DO RECURSO.
Atendendo ao teor da decisão judicial recorrida, é natural que as alegações de recurso e as conclusões delas extraídas, questionem unicamente a circunstância do tribunal da 1.ª instância ter considerado verificada a prescrição dos direitos laborais reclamados pelo Apelante no âmbito da presente acção.

E– PRESCRIÇÃO.
Conforme já deixámos referido, a Ré, na sua contestação, arguiu a exceção perentória da prescrição dos créditos laborais de que a Autora se afirma credora, conforme prevista e regulada nos artigos 300.º e seguintes do Código Civil.

Importa chamar à boca de cena do presente Aresto os artigos 337.º, número 1 do Código do Trabalho de 2009, 323.º do Código Civil, 552.º e 561.º do Novo Código de Processo Civil, que respeitam, respectivamente, aos prazos prescricionais vigentes no direito laboral, à forma como o decurso da prescrição pode ser interrompido, aos requisitos da Petição Inicial da ação declarativa, que não são contrariados pelo regime especial dos artigos 54.º e seguintes do CPT e à citação urgente: 
     
Artigo 337.º
Prescrição e prova de crédito
1– O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
2– O crédito correspondente a compensação por violação do direito a férias, indemnização por aplicação de sanção abusiva ou pagamento de trabalho suplementar, vencido há mais de cinco anos, só pode ser provado por documento idóneo.

Artigo 323.º
Interrupção promovida pelo titular
1.– A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
2.– Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.
3.– A anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números anteriores.
4. É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido.

Artigo 552.º
Requisitos da petição inicial
1– Na petição, com que propõe a ação, deve o autor:
a)- Designar o tribunal e respetivo juízo em que a ação é proposta e identificar as partes, indicando os seus nomes, domicílios ou sedes e, sempre que possível, números de identificação civil e de identificação fiscal, profissões e locais de trabalho;
b)- Indicar o domicílio profissional do mandatário judicial;
c)- Indicar a forma do processo;
d)- Expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação;
e)- Formular o pedido;
f)- Declarar o valor da causa;
g)- Designar o agente de execução incumbido de efetuar a citação ou o mandatário judicial responsável pela sua promoção.
2– No final da petição, o autor deve apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova; caso o réu conteste, o autor é admitido a alterar o requerimento probatório inicialmente apresentado, podendo fazê-lo na réplica, caso haja lugar a esta, ou no prazo de 10 dias a contar da notificação da contestação.
3– O autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo.
4– Quando a petição inicial seja apresentada por transmissão eletrónica de dados, o prévio pagamento da taxa de justiça ou a concessão do benefício do apoio judiciário são comprovados nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 132.º.
5– Sendo requerida a citação nos termos do artigo 561.º, faltando, à data da apresentação da petição em juízo, menos de cinco dias para o termo do prazo de caducidade ou ocorrendo outra razão de urgência, deve o autor apresentar documento comprovativo do pedido de apoio judiciário requerido, mas ainda não concedido.
6– No caso previsto no número anterior, o autor deve efetuar o pagamento da taxa de justiça no prazo de 10 dias a contar da data da notificação da decisão definitiva que indefira o pedido de apoio judiciário, sob pena de desentranhamento da petição inicial apresentada, salvo se o indeferimento do pedido de apoio judiciário só for notificado depois de efetuada a citação do réu.
7– Para o efeito da alínea g) do n.º 1, o autor designa agente de execução inscrito ou registado na comarca ou em comarca limítrofe ou, na sua falta, em outra comarca pertencente à mesma área de competência do respetivo tribunal da Relação, sem prejuízo do disposto no n.º 9 do artigo 231.º.
8– A designação do agente de execução fica sem efeito se ele declarar que não a aceita, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.

Artigo 561.º
Citação urgente
1– O juiz pode, a requerimento do autor, e caso o considere justificado, determinar que a citação seja urgente.
2– A citação declarada urgente tem prioridade sobre as restantes, nomeadamente no que respeita à realização de diligências realizadas pela secretaria nos termos do artigo seguinte. [[9]].

Logo, a recorrente tinha o prazo de 1 ano contado nos termos do artigo 337.º do Código do Trabalho, ou seja, a partir do dia imediato à cessação do vínculo laboral, para propor a correspondente acção judicial de carácter laboral, tendo de provocar a interrupção do mesmo, conforme estipulado no artigo 323.º do Código Civil, até às 24 horas do último dia desse prazo, podendo lançar mão da citação urgente (como aliás, veio a fazer, numa segunda fase da sua intervenção processual), tudo sem prejuízo do disposto no número 2 da transcrita disposição do Código Civil.

F– FIM DA RELAÇÃO LABORAL DOS AUTOS.
Importa, em primeiro lugar, determinar quando cessou efetivamente a relação laboral dos autos, tendo o tribunal da 1.ª instância dado como assentes os dois seguintes Pontos de Facto:

«8.– No final de Junho de 2015, a Autora comunicou verbalmente à Ré a resolução do seu contrato, por motivo de remunerações em atraso [artigos 10.º, 11.º e 13.º da PETIÇÃO INICIAL, artigo 18.º da CONTESTAÇÃO, artigo 18.º da RESPOSTA À CONTESTAÇÃO, artigo 3.º do ARTICULADO DE APERFEIÇOAMENTO e artigo 39.º da RESPOSTA DA RÉ].
9.– A partir de Junho de 2015 a Autora deixou de se deslocar à empresa, tendo continuado, durante o mês de Julho de 2015, a prestar colaboração aos seus ex-colegas relativamente a um dos projetos em que esteve envolvida (…), mantendo até ao final desse mês o computador e o telemóvel [artigos 18.º e 19.º da RESPOSTA À CONTESTAÇÃO].»

A redação destes dois Pontos de facto está longe de ser feliz e clara, pois se, por um lado, diz em 8. que a Autora rescindiu verbalmente o contrato de trabalho que havia celebrado com a Ré no final do mês de junho de 2015, vem depois em 9. afirmar que já em junho a trabalhadora não se deslocava às instalações da empresa, ficando nós sem saber se esta ausência só ocorreu após a referida resolução ou se já ocorria anteriormente, em que dia em concreto foi feita tal comunicação oral e, finalmente, como se explica e justifica a colaboração profissional que a Apelante continuou a prestar à Apelada, ainda que apenas no âmbito do dito projeto (…), tendo para o efeito mantido até ao final do mês de julho o computador e o telemóvel pertencentes à (…).

Face a tais factos, findou o vínculo laboral nos finais de junho ou no dia 31/7/2015?

Pensamos que a página da Internet da Ré (fls. 11 e 12, ao referir o mês de julho de 2015, relativamente à Autora) e os E-mails que se mostram juntos a fls. 96 a 100 e que datam de 9/7, 12/7, 13/7 e 30/7 confirmam a dita colaboração em julho de 2015 e parecem apoiar a interpretação dos factos que situa o termo do vínculo laboral em 31/7/2015, mas, por outro lado e em sentido oposto, deparamo-nos com o documento (tabela ou quadro) elaborado pela Autora e junto a fls. 10 e depois a fls. 161, onde se faz um resumo do percurso remuneratório da Autora ao serviço da Ré, onde se constata, muito significativamente, que a mesma considera como último mês de trabalho desenvolvido para a recorrida o mês de junho de 2015, aí referindo o salário por inteiro de 1.500,00 como estando em débito.

Se compulsarmos a Petição Inicial da Autora a mesma é totalmente imprecisa no que respeita à data em que pôs termo ao contrato de trabalho dos autos, parecendo tal ter acontecido em junho de 2015 (artigo 10.º) mas também podendo ter acontecido até meados do mês seguinte (artigo 13.º), só a referida tabela ou quadro sendo objetiva e específica, através dos vencimentos devidos, quanto ao fim do dito contrato de trabalho, como anteriormente se referiu.

O Tribunal do Trabalho de Lisboa proferiu, a fls. 153, despacho de aperfeiçoamento que veio dar origem ao articulado da Autora de fls. 157 a 161, onde ela, de uma forma algo confusa e contraditória com o alegado anteriormente (resolução com justa causa), fala em denúncia e no respeito do aviso prévio e no termo da relação de trabalho em 31/7/2015, embora junte e mantenha o quadro de fls. 10, onde o último salário pedido é o de junho de 2015.

De qualquer forma, impõe-se frisar, nesta matéria, que o Ponto 9. refere que a Autora, no mês de julho de 2015, esteve «a prestar colaboração aos seus ex-colegas», afirmação fáctica que não foi impugnada pelas partes e que importa também aqui relevar.

Diremos assim que, face ao que ficou dado como assente nesses dois Pontos da Matéria de Facto dada como Provada (embora de forma algo equívoca e ambígua) e na conjugação que haverá que fazer com os documentos juntos aos autos que a complementam e com a posição assumida por Autora e Ré no âmbito da ação, o vínculo laboral que mantinha ambas mutuamente vinculadas cessou no dia 30/06/2015 (último dia do mês de junho, sendo que é essa a data limite para a relação laboral assumida pela Autora na dita tabela/quadro por si elaborado).

Ainda que assim não fosse, nos termos da regra que consta do artigo 414.º do NCPC e perante a dúvida sobre o dia correspondente ao final do mês de junho de 2015, sempre teria que se resolver a mesma contra a Apelada e situar tal fim do contrato nesse dia 30/6/2015.

Não obsta ou conflitua com tal conclusão a circunstância de a trabalhadora ter mantido ainda algum relacionamento de cariz profissional (digamos assim), por referência ao projeto e até que o mesmo transitasse totalmente para a pessoa responsável dentro da empresa, em cumprimento de deveres acessórios que, embora emergente do contrato de trabalho já cessado, vêm a ser cumpridos já fora do correspondente âmbito de vigência.

G– PRAZO DE PRESCRIÇÃO E CITAÇÃO DA RÉ
Logo, face a tal cessação do contrato de trabalho em 30/6/2015, o prazo prescricional de 1 ano começaria a correr no dia 1/7/2015 e cessaria no correspondente dia do ano de 2016, ou seja, às 24 horas do mesmo dia 1 de julho (sexta-feira).
Segundo a decisão recorrida, que aí abraça a tese da Ré, a acção deu entrada em juízo no dia 18/05/2016 (quarta-feira), tendo a Petição Inicial sido enviada por correio eletrónico nessa data, tendo a citação da Ré somente se concretizado no dia 25/7/2016, por carta registada, remetida para a morada indicada pelo Autor e deixada no respetivo recetáculo postal, nos termos conjugados dos artigos 246.º, 230.º e 229.º do NCPC (convirá referir que a demandada e aqui Apelada interveio nos autos sem arguir qualquer falta ou nulidade de citação).

H– CITAÇÃO URGENTE – REGIME LEGAL
Dir-se-á, contudo, que a Autora veio pedir a citação urgente da Ré, ao abrigo do artigo 561.º do NCPC e nessa medida deveria tal citação ter ocorrido ainda dentro do prazo prescricional que estava em curso.

Impõe-se, talvez, fazer o devido e correto enquadramento do regime legal que prevê e regula o instituto da citação urgente, desde logo para rebater posições que sustentam que o demandante está obrigado a propor a respetiva ação até ao 6.º dia antes do prazo de prescrição atingir o seu termo, por forma a fazer funcionar o mecanismo legal constante do n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil.

Ora, se a jurisprudência das cautelas, como se usa dizer, aconselha uma tal atuação adjetiva, a circunstância do autor propor uma ação de cariz laboral ou de outra natureza já para além dessa fronteira ou limite de segurança (ainda que relativo, pois convirá não olvidar que tal regime de exceção só se aplicará desde que a não realização da citação do réu dentro do prazo de 5 dias não seja imputável ao autor, como poderá acontecer com a errada e injustificada indicação da sede ou domicílio do demandado) não significa – não pode nem deve significar – que a citação do réu não possa ser concretizada ainda dentro do prazo prescricional em curso.

Se assim fosse, a figura da citação urgente, ou seja, prévia à distribuição dos autos (ainda que tal regra, com a distribuição eletrónica e processamento eletrónico dos processos, possa ter perdido grande parte da sua razão de ser) e com a tramitação prevista nos artigos 137.º, n.ºs 1 e 2, 138.º, n.º 1, 156.º, n.ºs 1 e 3 e 162.º, n.º 1, 226.º, 561.º e 562.º do NCPC, deixaria de ter conteúdo útil ou apenas muito residual, propósito que seguramente não esteve na mente do legislador quanto criou tal instituto processual (cfr. artigo 9.º, n.º 3 do Código Civil).

Adivinha-se em tal argumentação jurídica um juízo de censura sobre a propositura das ações já dentro do prazo de 5 dias do n.º 2 do art.º 323.º do Código Civil que parece presumir, como regra, a negligência, incompetência ou preguiça de quem instaurou os autos nesses moldes (autor e/ou advogado ou Ministério Público) e que, por tal motivo, deve ser “castigado” por tal conduta displicente, temerária e desnecessária.

Ora, ainda que se admita que, em muitas situações de propositura de ações já nos últimos dias do prazo prescricional, possa haver da parte da parte e/ou do seu mandatário ou patrono uma atitude descuidada, temporalmente descontrolada, de guarda para o último momento da feitura do articulado inicial, muitas outras haverá que não se radicam em tais cenários (subjetivamente) censuráveis e antes em razões objetivas perfeitamente plausíveis e aceitáveis como será o caso de negociações prolongadas no sentido de se tentar chegar a um acordo extrajudicial (com ou sem má fé da parte contrária), obtenção de elementos documentais de busca difícil e demorada, quer em território nacional ou como no estrangeiro, dificuldades de comunicação entre o cliente e o seu mandatário, o excesso de trabalho pendente nas mãos deste último, etc.

Não será irrazoável recordar, nesta matéria, as diferenças de regime que existem entre os institutos da prescrição e da caducidade (sendo que esta se interrompe com a mera propositura da ação – artigo 328.º do C. Civ.) e as dúvidas legítimas que, por vezes, os prazos legais suscitam no intérprete e aplicador do direito, podendo o Ministério Público ou o advogado do autor estar convencido de que está face a um prazo de caducidade mas, à cautela e não vá o Diabo tecê-las, requerer ainda assim a citação prévia e urgente do réu, a fim de cobrir todas as possibilidades temporais envolvidas nos autos (cfr., aliás, os artigos 298.º e 299.º do mesmo texto legal).  

Logo, ainda que se aceite como perfeitamente legítima, dado se integrar na estratégia da defesa do réu, a explanação na contestação desses juízos de valor negativos, já não é de admitir que, quer o julgador, como a secretaria do tribunal, na ausência de dados objetivos e concretos que lhes sejam fornecidos nesse sentido pelo processo, possam pautar a sua decisão e atuação pelos mesmos, fazendo refletir estes últimos, de alguma maneira, quer nos despachos prolatados, como no subsequente cumprimento pelos oficiais de justiça.

Também não podem colher aqui considerações logísticas ou operacionais, de muito serviço e/ou falta de funcionários judiciais (para mais, quando é possível, para esse mesmo efeito e desde que garantida a sua atuação imediata, lançar mão do corpo dos solicitadores de execução) para obviar, atrasar ou negligenciar, para além do admissível e razoável, a concretização pelo juiz e/ou pelos serviços de secretaria de tal ato judicial urgente.   
  
A justiça material, aqui como em qualquer outro processo em que ocorram cenários com o que estamos a analisar, sobrepõe-se à mera justiça formal, demandando uma atitude proactiva e direcionada a conseguir, de forma séria, empenhada e eficiente, a pretendida citação do réu ainda dentro do prazo prescricional [[10]].

Impõe-se dizer, para desvanecer qualquer dúvida, que as considerações que se deixaram feitas não visam, minimamente, a situação efetiva espelhada nos presentes autos mas procuram, tão só e apenas, justificar a nossa posição, em moldes gerais e abstratos.

Claro que o pedido de citação urgente possui riscos que, por exemplo e fora das hipóteses raras em que o autor atua abaixo da diligência mínima reclamada pelas circunstâncias práticas existentes no caso concreto, não se verificam nas situações contempladas no n.º 2 do art.º 323.º do Código Civil, pois que aqui o prazo prescricional presume-se interrompido no 6.º dia após a propositura da ação, ao passo que ali tal interrupção só opera se o tribunal, em termos globais e nas condições de boa-fé, diligência e adequação eficaz dos meios colocados ao seu dispor, lograr a sua concretização até às 23 horas, 59 minutos e 59 segundos do último dia do prazo de prescrição que está a decorrer e que se busca interromper antes do seu esgotamento.

Tal risco corre exclusivamente por conta e às custas do autor, tendo o mesmo que se conformar com o insucesso das diligências corretas e possíveis levadas a cabo pelo tribunal no sentido de lograr a referida citação urgente (o réu pode ter-se ausentado, temporária ou definitivamente, do local indicado, ou a morada referida é a incorreta ou simplesmente o demandado, sabendo do propósito do demandante em o acionar judicialmente, furta-se simplesmente a qualquer contacto com o oficial de justiça ou com o solicitador de execução).
                                   
Esse risco que, como bem se percebe, varia de demandado para demandado, existe sempre e de forma agravada ou acentuada em ações como a presente, nada podendo ser imputado ou censurado ao tribunal (aqui olhado em sentido lato) quando atuou de forma sensata, rigorosa e cuidada na tentativa de conseguir atempadamente a pretendida citação urgente mas não logrou atingir tal desiderato.

Salvo melhor opinião, parece-nos ser esta a melhor interpretação do regime jurídico que deixámos enunciado e analisado.    
          
I– CITAÇÃO URGENTE – SITUAÇÃO DOS AUTOS
O pedido de citação urgente deu entrada em juízo pelas 17:38:31 horas do dia 30/06/2016 por via eletrónica (cfr. fls. 35 a 39) e não foi objeto de despacho imediato, conforme determinado, na parte aplicável, pelo artigo 561.º, número 2, do Novo Código de Processo Civil, ordenando a citação urgente.

Dir-se-á que a secretaria judicial, face ao pedido de citação urgente deduzido pela Autora no referido requerimento, que impunha a apresentação, logo no dia seguinte (1/7/2016) ao juiz titular do processo, não cumpriu diligentemente os deveres funcionais derivados do regime legal aplicável, pois só abriu conclusão ao juiz do processo no dia 4/7/2016, conforme ressalta de fls. 41.

Tal conduta da secretaria, algo displicente, em abstrato, será contudo explicável pela circunstância de o requerimento em questão ter chegado ao fim da tarde do dia 30/6/2016, quando a secção central já não estava a funcionar, tendo sido remetido somente na manhã do dia seguinte para a secretaria que depois de identificar o respetivo processo, juntou tal expediente ao mesmo e procedeu à procura e inserção do comprovativo da efetiva liquidação da taxa de justiça nessa mesma ação, o que veio a acontecer ainda nesse dia 1/7/2016 (cf. fls. 40).

Chegados aqui e ainda que se entenda que o pedido de citação urgente se sobrepunha a essa busca e junção do dito comprovativo, devendo ter sido aberta conclusão de imediato ao juiz, para proferir o competente despacho urgente, afigura-se-nos que, ainda assim, estando-se em momento incerto do último dia do prazo prescricional e tendo a citação de ser ordenada e solicitada em comarca distinta daquela onde a presente ação corria termos, seria, temporal e espacialmente inviável, concretizar a citação em causa até às 24 horas dessa sexta-feira, mesmo com o recurso a oficial de justiça e a solicitador de execução.

Impõe-se ainda recordar que a citação postal não foi feita por contacto pessoal com algum responsável ou trabalhador da Ré mas apenas pela colocação de carta registada no correspondente recetáculo postal. 

Sendo assim, afigura-se-nos que, neste particular circunstancialismo, tem ainda de ser imputada a responsabilidade da não realização oportuna de tal citação urgente à Autora.

Tal não aconteceria se, não obstante a invulgaridade da situação criada nos autos (pendência bloqueada ou suspensa da ação), a trabalhadora demandante tivesse liquidado a referida taxa de justiça no 5.º ou mesmo 4.º dia antes do esgotamento do prazo prescricional de 1 ano e viesse pedir, em simultâneo, a citação urgente da Ré, o que implicaria a imediata apresentação do processo ao juiz titular e o desenvolvimento das diligências pela secretaria que, em concreto, se revelassem mais céleres, eficientes e eficazes ao propósito requerido: a citação atempada da aqui demandada.    
   
Logo, pelos motivos expostos, entendemos que a citação urgente da Ré não conseguiria ser feita dentro do prazo de 1 ano após a cessação do contrato de trabalho dos autos.

J– APOIO JUDICIÁRIO E FORMAÇÃO DO ATO TÁCITO
Face ao que se deixou referido quanto à impossibilidade da concretização da citação urgente em tempo útil, tal significa que se verifica a exceção perentória da prescrição conforme foi reconhecido e declarado pelo tribunal recorrido?  

A resposta a tal questão passa por saber se se verificou ou não nos autos a situação prevista no número 2 do artigo 323.º do Código Civil, com a inerente interrupção do prazo prescricional de 1 ano do artigo 337.º do CT/2009.

Para que tal mecanismo excecional seja acionado impõe-se que não nos deparemos com uma atuação da trabalhadora demandante que, de forma culposa, tenha obstado à atempada citação da demandada e aqui recorrida.

ANA FILIPA MORAIS ANTUNES [[11]] refere o seguinte acerca do regime do número 2 do artigo 323.º do Código Civil:
«2.- O n.º 2 do artigo estabelece um mecanismo de acautelamento da posição do titular do direito, aplicável na hipótese de a citação ou notificação não se realizar no prazo de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, portanto, sem culpa sua. Nessa situação, a interrupção opera logo que decorram esses cinco dias. Relevante é, pois, a ausência de culpa por parte do autor ou requerente. Por outro lado, o regime pressupõe a efetiva realização - embora inválida e extemporânea - da citação ou notificação, pois só assim poderá o devedor ter conhecimento da pretensão do credor de exercer o seu direito. V. CUNHA DE SÁ, Modos de Extinção das Obrigações, cit., p. 256.

Na vigência do CPC de 1939, sustentou-se que a citação era demorada, para efeitos do então artigo 253.º, quando tinha lugar depois do prazo com que o autor devia contar, isto é, sempre que ocorresse depois do lapso de tempo normalmente necessário, por negligência da secretaria, facto de terceiro, caso fortuito ou caso de força maior Nesse sentido, v. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, cit. Vol. I, anotação ao artigo 253.º

No âmbito do C.C. de Seabra, v., ainda, DIAS MARQUES, Prescrição extintiva, cit., pp 148-150. O autor exigia, como pressuposto de aplicação do normativo, dois elementos: a) demora da citação; b) não imputabilidade dessa demora ao autor. O primeiro dos requisitos deveria ser precisado à luz do caso concreto, entendendo-se como tal a realização da citação depois do prazo razoavelmente necessário para a sua efetivação, isto é, decorridos três ou quatro dias desde a entrada e consequente preparo da petição. A imputabilidade pressuporia a existência de um facto do autor e de um nexo de causalidade entre esse facto e a demora da citação. Assim, o segundo requisito encontrar-se-ia preenchido se fosse demonstrada a existência de um comportamento do autor não censurável. Nessa medida, se entre o autor e o facto não houvesse mais do que um simples nexo de causalidade material, não acompanhado de dolo ou de culpa, o artigo seria plenamente aplicável. Seriam factos imputáveis ao autor, designadamente: não ter requerido a citação com precedência da distribuição, não ter identificado corretamente o réu, ter demorado o pagamento do preparo inicial. Diversamente, estar-se-ia perante causas não imputáveis ao autor, se o atraso fosse devido: ao facto de o réu ter procurado esquivar-se à citação, ao facto de o juiz não ter ordenado imediatamente a citação, ao mau funcionamento da secretaria, a caso fortuito ou de força maior (ob. cit., p. 150)

O atual CPC acolhe, igualmente, o princípio exposto, como resulta, nomeadamente, do disposto no artigo 146.º, que consagra a figura do justo impedimento, dos artigos 150.º, 150.º-A e 152.º, que preveem prazos para a prática de formalidades necessárias para a perfeição dos atos processuais, bem como do artigo 467.º, relativo aos requisitos da petição inicial»

A decisão recorrida entendeu que, estando o tribunal face a uma causa imputável ao requerente para a não realização atempada da citação, o cenário adjetivo que ressalta dos autos não implicou que ao 6.º dia após a propositura da ação, ou seja, no dia 24 de maio de 2016 (segunda-feira) se tenha operado aquele mecanismo excecional da dita norma da lei civil.

Tal aconteceu não obstante o prazo prescricional em presença se achar ainda muito longe de se se mostrar esgotado, pois ainda distava desse preclusivo momento os últimos 7 dias desse mês de maio e ainda todo o mês de junho de 2016 e tal dilação temporal não impor à Autora o recurso ao instrumento de emergência que era o pedido de citação urgente do artigo 561.º do NCPC. 

O raciocínio exposto na sentença impugnada radica-se na circunstância da Autora não ter dado cumprimento ao disposto no número 3 do artigo 552.º do NCPC - «O autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo» - não obstante aquela ter vindo invocar, para o efeito, o regime jurídico constante do artigo 26.º da Lei do Apoio Judiciário [[12]], que reza o seguinte:

Artigo 25.º
Prazo
1– O prazo para a conclusão do procedimento administrativo e decisão sobre o pedido de proteção jurídica é de 30 dias, é contínuo, não se suspende durante as férias judiciais e, se terminar em dia em que os serviços da segurança social estejam encerrados, transfere-se o seu termo para o 1.º dia útil seguinte.
2– Decorrido o prazo referido no número anterior sem que tenha sido proferida uma decisão, considera-se tacitamente deferido e concedido o pedido de proteção jurídica.
3– No caso previsto no número anterior, é suficiente a menção em tribunal da formação do ato tácito e, quando estiver em causa um pedido de nomeação de patrono, a tramitação subsequente à formação do ato tácito obedecerá às seguintes regras:
a)- Quando o pedido tiver sido apresentado na pendência de ação judicial, o tribunal em que a causa está pendente solicita à Ordem dos Advogados que proceda à nomeação do patrono, nos termos da portaria referida no n.º 2 do artigo 45.º;
b)- Quando o pedido não tiver sido apresentado na pendência de ação judicial, incumbe ao interessado solicitar a nomeação do patrono, nos termos da portaria referida no n.º 2 do artigo 45.º
4– O tribunal ou, no caso referido na alínea b) do número anterior, a Ordem dos Advogados devem confirmar junto dos serviços da segurança social a formação do ato tácito, devendo estes serviços responder no prazo máximo de dois dias úteis.
5– Enquanto não for possível disponibilizar a informação de forma desmaterializada e em tempo real, os serviços da segurança social enviam mensalmente a informação relativa aos pedidos de proteção jurídica tacitamente deferidos ao Gabinete para a Resolução Alternativa de Litígios, à Ordem dos Advogados, se o pedido envolver a nomeação de patrono, e ao tribunal em que a ação se encontra, se o requerimento tiver sido apresentado na pendência de ação judicial.

A respeito desta disposição - com especial relevância para os seus números 1, 2, 3 (1.ª parte do corpo desse número) e 5 – diz-nos o Juiz Conselheiro SALVADOR DA COSTA [[13]] o seguinte (não se referem as notas de rodapé que não têm interesse para a matéria em discussão):
«1.– Versa este artigo, inovador no que concerne à sua inserção pela Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro - alterado em pontos de forma pela Lei do Apoio Judiciário de 2004 - sobre o prazo de conclusão do procedimento administrativo e da decisão sobre o pedido de proteção jurídica, incluindo o caso de deferimento tácito.
2.– Prevê o n.º 1 o prazo de conclusão do procedimento administrativo e de decisão sobre o pedido de concessão de proteção jurídica e estatui, por um lado, que ele é de trinta dias, e, por outro, ser o mesmo contínuo, não se suspender durante as férias judiciais e, se terminar em dia de encerramento dos serviços da segurança social, transferir-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte.

A segunda parte deste normativo corresponde ao desiderato de aplicação no procedimento administrativo, no que concerne à prolação do ato administrativo de deferimento ou de indeferimento do pedido de proteção jurídica, o regime de prazos previsto no artigo 144.º do Código de Processo Civil, com a exceção relativa à não suspensão durante os períodos das férias judiciais, ou seja, afastou-se do regime de contagem de prazos previsto no Código de Procedimento Administrativo, em conformidade com o prescrito no artigo 38.º desta Lei e do regime de contagem de prazos do Código de Processo Civil [[14]].

O mencionado prazo suspende-se sempre que o procedimento relativo à proteção jurídica esteja parado por causa imputável ao requerente, designadamente no caso da prolação de despacho de aperfeiçoamento do requerimento, o que será a regra (artigo 108 °, n ° 4, do Código do Procedimento Administrativo).

Ademais„ a falta de apresentação dos documentos necessários à instrução do requerimento de proteção Jurídica implica a suspensão do prazo de produção do efeito de deferimento tácito (artigo 1.º, n.º 2, da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto).

O pedido de proteção jurídica a que este normativo se reporta é o que visa a concessão de consulta Jurídica, de patrocínio judiciário - nomeação de patrono com assunção pelo Cofre Geral dos Tribunais, ou de outra entidade financiadora do sistema, da obrigação de pagamento de honorários - de assistência judiciária - dispensa de pagamento de taxa de justiça inicial ou subsequente, de preparos para despesas ou de outros encargos com o processo ou de pagamento da remunerada ao solicitador de execução designado - ou todas ou alguma das referidas vertentes se cumulativamente formuladas

A conclusão do procedimento administrativo em causa coincide, naturalmente, com a prolação da decisão sobre o mérito do pedido de proteção jurídica, pelo que é inútil a referência a esta última vertente.

O referido prazo inicia-se no dia seguinte ao da entrada do requerimento respetivo nos serviços de segurança social onde funciona o órgão competente para a decisão respetiva, mas, ao invés do que ocorre quanto ao procedimento administrativo em geral, não se suspende nos sábados, domingos e feriados (artigos 72.º, n.º 1, alíneas a) e b), e 109.º, n.º 3, alínea a), do Código do Procedimento Administrativo, 38.º desta Lei e 144.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil)

Todavia, se o referido prazo terminar em dia em que os serviços de segurança social estejam encerrados, designadamente em sábados, domingos ou feriados, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte (artigos 38 ° desta Lei e 144.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).

3.– O n.º 2 prevê a hipótese de haver decorrido o referido prazo de trinta dias, contado nos termos previstos no n ° 1, desde a entrada nos serviços de segurança social competentes do instrumento com o pedido de proteção jurídica sem que haja decisão sobre ele, e estatui que se considera concedida a proteção jurídica na modalidade requerida.

O deferimento tácito ou presumido é uma ficção legal tendente a conduzir a definição jurídica da situação do administrado do ponto de vista material, destituída de fundamentação de facto e de direito.

No quadro do procedimento administrativo, a falta, no prazo fixado para a sua emissão ou no geral de noventa dias, de decisão final sobre a pretensão dirigida ao órgão administrativo competente, confere ao interessado a faculdade de presumir indeferida a sua pretensão, para poder exercer o respetivo meio legal de impugnação (artigo 109.º, n.ºs 1 e 2, do Código do Procedimento Administrativo).

Mas nesta matéria de proteção jurídica, porém, a lei afastou-se do regime regra do direito administrativo, não só quanto ao prazo, que reduziu substancialmente, como também quanto ao efeito da omissão de decisão nesse prazo.

É uma solução que favorece o requerente da proteção jurídica, mas que é suscetível de objetivar, em razão da inércia ou da incapacidade de gestão da resolução dos pedidos em causa, a injustiça de ser concedido o benefício a quem dele realmente não carece, com encargos para todos os cidadãos contribuintes, cuja maioria não recorre aos tribunais, contra o espírito do próprio sistema de acesso ao direito e aos tribunais.

Trata-se, por outro lado, de uma solução assaz curiosa, porventura baseada no prognóstico, face à experiência nesta matéria de se pedir, não raro, a proteção jurídica sem fundamento legal para o efeito, de que os serviços de segurança social, perante a avalanche desses pedidos e a limitação de quadros de pessoal ou as deficiências na sua preparação ou sentido de profissão, de que a regra vai ser a de não haver decisão final no procedimento no curto prazo que a lei prevê.

Esta solução e outras que decorrem da reforma do acesso ao direito e aos tribunais implementada pela Lei do Apoio Judiciário de 2000 revelam que a opção legislativa foi mais no sentido de descongestionar as pendências processuais nos tribunais e menos no de estabelecer regras de equidade e de segurança jurídica, sem ponderação das negativas implicações orçamentais.

É uma solução que proporciona, num quadro de má-fé, ou até de ignorância de quem pede a concessão de proteção jurídica, que ela seta concedida ao mais abastado dos cidadãos ou a uma pessoa coletiva, incluindo as sociedades, que disponha de lucros elevadíssimos, ou mesmo a um cidadão estrangeiro que a ela não tenha direito.

4.– Prevê o n ° 3 o procedimento comprovativo em tribunal do deferimento do pedido de proteção jurídica na modalidade de assistência judiciária ou de patrocínio judiciário, e estatui, para qualquer desses casos, ser suficiente a menção da formação do ato tácito.

Assim, para efeito de justificar em juízo a dispensa de pagamento de taxa de justiça inicial ou subsequente, de preparos para despesas ou de outros encargos com o processo ou provocar a nomeação de patrono basta que o requerente do apoio judiciário informe ter-se formado o ato tácito de deferimento, naturalmente por instrumento documental escrito onde se refira a data da apresentação do pedido de apoio judiciário e a sua não decisão no prazo de trinta dias, juntando documento comprovativo daquela apresentação. (…)

Não raro, a informação em juízo prestada pelos requerentes da proteção Jurídica da ocorrência de ato tácito não corresponde a realidade, porque o referido prazo de 30 dias suspende-se, além do mais, nos casos previstos no artigo 1.º, n.º 3, da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto [[15]].

Em consequência, os tribunais não devem extrair da referida informação de formação do ato tácito as pertinentes soluções jurídicas relativas ao processo em causa sem que ela seja confirmada pelo órgão decisor da segurança social» (sublinhados a negrito da nossa autoria).

Ora, face ao transcrito regime legal, à interpretação que a nossa melhor doutrina dele faz, ao requerimento de proteção jurídica apresentado na Segurança Social pela Autora (fls. 17 a 21 – 17/3/2016), à resposta ao pedido de informação solicitado pelo tribunal por parte da Segurança Social (fls. 25 a 29 – 14/6/2016) e à informação final de fls. 150 e com data de 12/1/2017, onde o indeferimento do dito pedido era imputado à inércia da Autora, pode ou não ser, no circunstancialismo descrito, assacada à mesma a demora na citação oportuna da Ré [[16]]?

A perspetiva que perpassa pela sentença recorrida é que não somente não logrou a demandante demonstrar que se tinha verificado o deferimento tácito do seu pedido de proteção jurídica na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos do processo – que, aliás, como mais tarde foi informado nos autos, não veio a ser concedido por falta de colaboração e/ou resposta da mesma no âmbito da audiência prévia promovida pela Segurança Social – como não veio, oportunamente e em tempo útil, a lançar mão da única saída jurídica viável para o desbloqueamento da tramitação dos presentes autos e que seria o do pagamento da taxa de justiça em falta. 

Importa realçar nesta matéria, como é, aliás, assinalado pelo Dr. SALVADOR DA COSTA, que a formação do ato tácito necessita de confirmação junto dos serviços competentes da Segurança Social, quando não é oficiosamente comunicada por estes ao tribunal e aos outros organismos elencados na lei, pois existem causas de suspensão do prazo de 30 dias que podem impedir tal formação tácita do deferimento do pedido.

Ora, tendo o tribunal da 1.ª instância procedido cautelarmente dessa forma, há que perguntar se a informação prestada pela Segurança Social a pedido do Tribunal do Trabalho de Cascais veio a confirmar efetivamente nos autos – melhor dizendo, a comprovar na presente ação - com a segurança, rigor e certeza jurídicas mínimas exigíveis, que não tinha havido formação desse ato tácito de deferimento ou que tal, ao invés, não aconteceu, por os elementos fornecidos serem inócuos ou, pelo menos, insuficientes para o julgador poder formar um juízo esclarecido e fundamentado sobre tal matéria?

Não será despiciendo recordar que o teor de tal informação da Segurança Social foi notificada à Autora, que, mais uma vez, veio persistir na formação do referido ato tácito, por entender que os dados fornecidos por aquela entidade não demonstravam ou inquinavam a mencionada formação.

Impõe-se, a este respeito, frisar o seguinte aspeto, que nos parece fundamental: a circunstância de a Segurança Social ter indeferido o pedido de apoio judiciário na modalidade da dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos por a Autora não ter respondido à sua audiência prévia ou de a mesma anteriormente ter informado que o respetivo procedimento administrativo estava pendente (em instrução) e de que estava a decorrer o prazo da aludida audiência prévia, não significa que não se pudesse ter formado efetivamente, em 12/12/2015, sobre o pedido de proteção jurídica formulado em 11/11/2015, o ato tácito previsto no artigo 25.º e invocado pela trabalhadora na sua Petição Inicial entrada em juízo em 18/05/2016.

Pensamos que esse juízo tem de ser feito pelo julgador depois de estar munido dos dados fornecidos pela Segurança Social e ainda que esta última não confirme essa formação do ato tácito.

A simples leitura dos 3 primeiros números do artigo 25.º aponta claramente no sentido de que o ato tácito de deferimento se forma independentemente da vontade, oposição ou declaração negatória do mesmo por parte da Segurança Social, não bastando uma mera informação do estado de pendência ativa do procedimento ou até do ato que está naquela altura a ser praticado para arredar tal formação do ato tácito, tendo aquele organismo, para ilidir a presunção legal do número 2 do artigo 25.º, de invocar os factos relevantes e suscetíveis de terem suspendido o decurso do prazo legal de 30 dias, juntando, de imediato, a correspondente prova documental.

Ora, não foi isso que correu no âmbito desta ação, dado a Segurança Social se ter limitado a prestar informações inócuas ou, pelo menos, claramente insuficientes para o juiz titular daquela poder extrair a conclusão que tirou: que não se tinha formado, em concreto, o alegado ato tácito de deferimento do pedido de apoio judiciário na modalidade da dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos. 
      
Logo, não andou bem o tribunal da 1.ª instância ao decidir aguardar [[17]] pela reação adequada e desbloqueadora da situação de impasse adjetivo que era vivida nos autos e que, no seu entender, para que a ação pudesse prosseguir os seus termos, obrigava ao pagamento da taxa de justiça inicial por alguns dos meios legalmente consentidos. [[18]]

Em conclusão, tendo como pano de fundo as disposições legais acima transcritas e o quadro factual e jurídico exposto, há que revogar a sentença impugnada, tendo, nessa medida, o presente recurso de Apelação de ser julgado procedente, decidindo-se, em sua substituição, que o prazo prescricional de 1 ano se interrompeu no dia 23/5/2016, nos termos do número 2 do artigo 323.º do Código Civil, por a não realização atempada da citação da Ré não ser devida a uma qualquer conduta culposa e imputável, para efeitos do não funcionamento do aludido mecanismo interruptivo, à Autora e aqui Apelante, mas antes a um atuação do juiz do processo, que se satisfez, indevidamente, com as parcas e inconclusivas informações prestadas pela Segurança Social quanto à não formação do ato tácito de deferimento do pedido de apoio judiciário na modalidade da dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos. 

K– DEMAIS QUESTÕES SUSCITADAS NOS AUTOS – ARTIGO 665.º, NÚMERO 2 DO NCPC
Chegados aqui, vemos-nos confrontados com uma situação de não apreciação e julgamento dos pedidos formulados pela Autora por parte do tribunal recorrido, dado ter considerado que os créditos reclamados pela demandante já se encontravam prescritos, ao abrigo do número 1 do artigo 337.º do CT/2009, tendo este Tribunal da Relação de Lisboa de lançar mão do disposto no número 2 do artigo 665.º do NCPC e substituir-se ao juiz da 1.ª instância na análise e decisão das questões que ficaram por ponderar.

No que toca a essas pretensões, convirá chamar à colação o que a Autora reclama no final do seu articulado inicial, a título de petitório, e que é o seguinte:

«Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, deve a presente ação ser declarada procedente e provada e ser a Ré condenada a pagar à Autora as quantias peticionadas que se cifram no total de € 8.606,37 (oito mil, cento e seis euros e trinta e sete cêntimos).»

Importa desdobrar e justificar tal pedido global com base nas duas causas de pedir que o sustentam e que são, por um lado, a resolução (verbal) com justa causa do contrato de trabalho e a correspondente indemnização e, por outro, os montantes em dívida que fundaram tal resolução e que são concomitantemente reclamados neste processo.

Impõe-se ainda recordar que a problemática relativa à resolução com justa causa já se mostra decidida em desfavor da Autora no despacho saneador, do qual ela não recorreu oportunamente, tendo aí se entendido que inexistem quaisquer factos atendíveis que possam fundar a referida resolução (não escrita).

Sendo assim, resta-nos os créditos laborais peticionados pela recorrente e que são no valor global de € 4.106,37.

Logo, resta-nos atender à factualidade dada como demonstrada e procurar aplicar-lhe as normas legais de cariz laboral que forem concretamente demandadas no litígio existente entre as partes.

Os factos provados que são para aqui relevantes são os seguintes:
«1.– Em Maio de 2013, a Autora foi convidada pela Ré para exercer as funções inerentes à categoria de “Project Manager”, que consistiriam no desenvolvimento de novos negócios, apoio ao desenvolvimento de projetos junto da carteira de clientes da empresa, apoio e suporte à estrutura que a empresa detinha no Dubai e envolvimento direto com a estrutura da empresa, em Barcelona [artigos 1.º e 2.º da PETIÇÃO INICIAL].
2.– De acordo com a proposta apresentada, a Autora, como contrapartida monetária, receberia a quantia de € 800,00 (oitocentos euros), a recibos verdes, até final de 2013 e, em Janeiro de 2014 passaria a ter um contrato de trabalho com a empresa, com vencimento superior embora com limite máximo de € 1.200,00 (mil e duzentos euros). A Autora teria ainda que ter disponibilidade para se deslocar ao Dubai e a Barcelona. Como ferramentas de trabalho a Autora tinha um telemóvel e um computador portátil fornecidos pela Ré [artigo 3.º da PETIÇÃO INICIAL].
3.– A Autora aceitou a proposta e iniciou funções ainda durante o mês de Maio de 2013, tendo exercido a sua atividade para a Ré em Lisboa, nas instalações da empresa sita na Av. (…) Lisboa [artigos 4.º e 5.º da PETIÇÃO INICIAL].
4.– A partir de 2014, a Autora passou a deslocar-se com regularidade ao Dubai, sendo que nesses períodos ficava hospedada em casa de (…) e (…) [artigo 6.º da PETIÇÃO INICIAL].
5.– Sempre que a permanência no Dubai era superior a 30 dias, a Autora tinha que sair do país, ir a Omã e regressar, já que não possuía visto de trabalho para permanecer no país [artigo 7.º da PETIÇÃO INICIAL].
6.– Até Agosto de 2014 foi sempre tudo pago [artigo 9.º da PETIÇÃO INICIAL].

7– Após Agosto de 2014 e até Junho de 2015 foram efetuados os seguintes pagamentos à Autora:
7.1.- Em 06-10-2014, € 800,00 através de transferência bancária efetuada pela Ré;
7.2.- Em 20-10-2014, € 500,00 através de transferência bancária efetuada pela Ré;
7.3.- Em 08-12-2014, a quantia de € 2.500,00 através de transferência bancária efetuada pela sociedade (…); e
7.4.- Em 18-02-2015, o valor de € 3.800,00 através transferência bancária efetuada pela sociedade (…).»

Muito embora a Ré tivesse negado na sua contestação qualquer relação jurídico-profissional com a Autora (que teria sido firmada com uma outra empresa do mesmo grupo), veio também, para além da exceção perentória da prescrição que já foi por nós julgada improcedente, alegar, à cautela, que tal vínculo jurídico-profissional, embora não celebrado com ela, não emergia de um contrato de trabalho mas de uma mera prestação de serviços.

Ora, quanto a tal primeiro aspeto, diremos que não somente os factos constantes dos Pontos 2. e 3. (devidamente complementados pela Documento n.º 1 junto com a P.I.) sustentam o estabelecimento de uma relação jurídico-profissional entre as partes a dois tempos – no ano de 2003, de natureza autónoma (recibos verdes) e partir do início de 2014, de cariz laboral -, como alguns dos demais Pontos de Facto, também complementados pela referida proposta (Doc. n.º 1) e pelas mensagens de correio eletrónico juntas pela Autora com a Petição Inicial (Docs. n.ºs 3 a 8), indicam que a Apelante desempenhava as suas funções com instrumentos de trabalho pertencentes e fornecidos pela Ré (computador portátil e telemóvel, com plafond de 50 Euros mensais), nas instalações ou nos locais indicados pela empresa e onde a mesma desenvolvida a sua atividade económica, integrada na estrutura da Ré e recebendo um montante certo mensal por mês como contrapartida da atividade continuada desenvolvida.

Ora, cruzando tais factos com as diversas alíneas do número 1 do artigo 12.º do CT/2009, constatamos que, pelo menos, se mostram preenchidas as identificadas sob as letras a), b) e d), o que faz funcionara a presunção de laboralidade aí contida e que não logrou ser minimamente ilidida pela Apelada.

Assente que está a natureza laboral do contrato firmado entre Autora e Ré e demonstrado que está que a trabalhadora tinha direito a uma retribuição mensal máxima de 1.200,00 € (conforme proposta junta como Doc. n.º 1, que a Autora aceitou e o facto não provado de um aumento intercalar, ocorrido, pelo menos, em agosto de 2014, para € 1.500,00) e que com referência a agosto de 2014 e junho de 2015 (inclusive) lhe foram apenas liquidados a título de remuneração mensal o valor total de € 7.600,00, quando lhe seriam devidos, pelo menos, 13.200,00 €, sem esquecer os montantes respeitantes a férias vencidas em 1/1/2015, correspondente subsídio e subsídio de natal, assim como os proporcionais do ano de cessação do contrato (que, contudo, não são alegados e peticionados), alcançamos uma diferença global de € 5.600,00.

Verificando-se que a demandante só peticiona a quantia de € 4.106,37, será nela que a Ré apenas será condenada, por força do artigo 609.º, número 1, do NCPC e por não aplicação ao caso dos autos do regime excecional do artigo 74.º do CPT.

Não são devidos juros de mora à Autora, dado esta última não ter expressamente reclamado a condenação da Ré nos mesmos. 
                                                       
IV–DECISÃO
Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º, n.º 1 do Código do Processo do Trabalho e 663.º e 665.º, número 2, do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar procedente o presente recurso de apelação interposto por AAA, com a revogação da sentença recorrida, por se entender que não se verificou a exceção perentória da prescrição invocada pela Ré na sua contestação.   
Decide-se, ainda, em substituição do tribunal da 1.ª instância, em julgar parcialmente procedente a ação e nessa medida condenar a Ré BBB a pagar à Autora AAA a título de salários em dívida, o montante global de € 4.106,37.  
Custas da ação na proporção do decaimento e do presente recurso a cargo da Apelada – artigo 527.º, número 1, do NCPC.
Registe e notifique.


Lisboa, 7 de novembro de 2018

     
(José Eduardo Sapateiro)
(Alves Duarte)
(Maria José Costa Pinto)


[1]Esta Petição Inicial há-de ser objeto de um despacho de aperfeiçoamento, no âmbito do despacho pré-saneador, que se mostra prolatado, com data de 6/3/2017, a fls. 152 e 153 e de um inerente articulado complementar de aperfeiçoamento junto a fls. 156 e seguintes.
[2]Por despacho de fls. 194 foi depois admitido o aditamento ao rol de testemunhas da Autora de 18/10/2017.
[3]«8.º - Aquando da primeira “permanência” no Dubai, a Ré aumentou o salário da Autora para os € 1500,00 (mil e quinhentos euros).»
[4]«9.º - O vencimento foi sempre pago por transferência bancária. Apesar de não existir qualquer contrato escrito e de nem nunca ser solicitado à Autora qualquer recibo referente aos pagamentos relativos a salários, a verdade é que, até Agosto de 2014, foi sempre tudo pago.»
[5]«26.º- A Autora não foi admitida pela Ré como colaboradora; nem sob o regime de prestação de serviços, nem celebrou qualquer contrato de trabalho com a Ré, contrariamente ao alegado nos artigos 1.º a 14.º da P.I.»
[6]«34.º - Não detinha quaisquer instrumentos de trabalho fornecidos pela Ré».
[7]A Motivação da Decisão sobre a Matéria de Facto é a seguinte (fls. 256 a 260):
(…) 
[8]Cfr., a este respeito, ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES em “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, Almedina, páginas 114 e seguintes (com especial relevo para as páginas 116 a 121, Notas 4 a 8), em anotação ao artigo 639.º.
[9]O artigo 562.º do NCPC possui a seguinte redação:
Artigo 562.º
Diligências destinadas à realização da citação
Incumbe à secretaria proceder às diligências necessárias à citação do réu, nos termos previstos nos n.ºs 1 a 3 do artigo 226.º.
Por seu turno, o artigo 226.º do mesmo diploma legal tem o seguinte teor, na parte que para aqui releva:
Artigo 226.º
Regra da oficiosidade das diligências destinadas à citação
1- Incumbe à secretaria promover oficiosamente, sem necessidade de despacho prévio, as diligências que se mostrem adequadas à efetivação da regular citação pessoal do réu e à rápida remoção das dificuldades que obstem à realização do ato, sem prejuízo do disposto no n.º 4 e da citação por agente de execução ou promovida por mandatário judicial.
2- Passados 30 dias sem que a citação se mostre efetuada, é o autor informado das diligências efetuadas e dos motivos da não realização do ato.
3- Decorridos 30 dias sobre o termo do prazo a que alude o número anterior sem que a citação se mostre efetuada, é o processo imediatamente concluso ao juiz, com informação das diligências efetuadas e das razões da não realização atempada do ato.
4- A citação depende, porém, de prévio despacho judicial:
a)- Nos casos especialmente previstos na lei;
b)- (…)
f)- Quando se trate de citação urgente.
5- Não cabe recurso do despacho que mande citar os réus ou requeridos, não se considerando precludidas as questões que podiam ter sido motivo de indeferimento liminar.
6- Não tendo o autor designado o agente de execução que deva efetuar a citação nem feito a declaração prevista no n.º 8 do artigo 231.º, ou ficando a designação sem efeito, aplica-se o disposto no n.º 2 do artigo 720.º.
Finalmente, os artigos 231.º e 720.º, na parte que para aqui importa, têm o seguinte conteúdo:
Artigo 231.º
Citação por agente de execução ou funcionário judicial
1- (…)
2- Os elementos a comunicar ao citando, nos termos do artigo 227.º, são especificados pelo próprio agente de execução, que elabora nota com essas indicações para ser entregue ao citando.
3- No ato da citação, o agente de execução entrega ao citando a nota referida no número anterior, bem como o duplicado da petição inicial, recebido da secretaria e por esta carimbado, e a cópia dos documentos que a acompanhem, e lavra certidão, que o citado assina.
4- Recusando-se o citando a assinar a certidão ou a receber o duplicado, o agente de execução dá-lhe conhecimento de que o mesmo fica à sua disposição na secretaria judicial, mencionando tais ocorrências na certidão do ato.
5- No caso previsto no número anterior, a secretaria notifica ainda o citando, enviando-lhe carta registada com a indicação de que o duplicado nela se encontra à sua disposição.
6-O agente de execução designado pode, sob sua responsabilidade, promover a citação por outro agente de execução, ou por um seu empregado credenciado pela entidade com competência para tal nos termos da lei.
7- Nos casos em que a citação é promovida por um empregado do agente de execução, nos termos do número anterior, a citação só é válida se o citado assinar a certidão, que o agente de execução posteriormente também deve assinar.
8- A citação por agente de execução tem também lugar, não se usando previamente o meio da citação por via postal, quando o autor assim declare pretender na petição inicial.
9- A citação é feita por funcionário judicial, nos termos dos números anteriores, devidamente adaptados, quando o autor declare, na petição inicial, que assim pretende, pagando para o efeito a taxa fixada no Regulamento das Custas Processuais, bem como quando não haja agente de execução inscrito ou registado em qualquer das comarcas pertencentes à área de competência do respetivo tribunal da Relação.
10- Quando a diligência se configure útil, pode o citando ser previamente convocado por aviso postal registado, para comparecer na secretaria judicial, a fim de aí se proceder à citação.
11- Aplica-se à citação por agente de execução o disposto no n.º 2 do artigo 226.º.
Artigo 720.º
Agente de execução
1- (…)
2- Não tendo o exequente designado o agente de execução ou ficando a designação sem efeito, esta é feita pela secretaria, segundo a escala constante da lista oficial, através de meios eletrónicos que garantam a aleatoriedade no resultado e a igualdade na distribuição.
3- (…)
[10]Ainda que tal justiça formal se revele muito conveniente, porque mata rapidamente um litígio judicial, assim contribuindo positivamente para a baixa da estatística e para o cumprimento dos objetivos fixados.
[11]Em «Prescrição e Caducidade – Anotação aos artigos 296.º a 333.º do Código Civil (“O tempo e a sua repercussão nas relações jurídicas”)», 2008, Coimbra Editora, páginas 130 e 131, Nota 2 ao artigo 323.º do Código Civil.
[12]Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais publicado pela Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, foi alterado pelas Leis n.º 47/2007, de 28 de Agosto, que entrou em vigor em 1/1/2008 e n.º 40/2018, de 8 de Agosto, com entrada em vigor em 13 de Agosto de 2018.
[13]Em «O apoio judiciário», 6.ª Edição atualizada e ampliada, 2007, Almedina, páginas 162 e seguintes, em anotação ao artigo 25.º da Lei correspondente.
[14]«Na contagem dos prazos em procedimento administrativo não se inclui o dia em que ocorreu o evento a partir do qual o prazo começa a correr, o prazo começa a correr independentemente de quaisquer formalidades e suspende-se nos sábados, domingos e feriados (artigo 72.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código do Procedimento Administrativo)» - NOTA DE RODAPÉ DO TEXTO TRANSCRITO COM O NÚMERO 155.
[15]O artigo 1.º da referida Portaria reza o seguinte:
Artigo 1.º
Apresentação de documentos
1- Com o requerimento de proteção jurídica devem ser juntos os documentos referidos nos artigos 3.º a 5.º e 14.º e 15.º da presente portaria.
2- O requerente deve juntar ainda, com o requerimento de proteção jurídica, outros documentos comprovativos das declarações prestadas, incluindo documentos de identificação pessoal do requerente e do respetivo agregado familiar, no caso de se tratar de pessoa singular, ou, tratando-se de pessoa coletiva ou equiparada, cópia do pacto social atualizado, no caso das sociedades, e outros documentos de identificação do requerente e respetivos representantes legais, se existirem.
3- Sem prejuízo do pedido de apresentação de provas a que haja lugar nos termos da lei, a falta de entrega dos documentos referidos nos números anteriores suspende o prazo de produção do deferimento tácito do pedido de proteção jurídica.
[16]A Segurança Social, conforme ressalta do Relatório do presente Aresto, teve duas intervenções nos autos:
«Oficiado à Segurança Social nos moldes ordenados, com menção de muito urgente (fls. 26 – 30/5/2016), vieram os correspondentes serviços a, fls. 27 e 28 e em 14/6/2016, informar que o processo estava em instrução e que se encontrava a decorrer o prazo para a requerente responder à audiência prévia…
(…)
A Segurança Social, através dos correspondentes serviços vieram, oficiosamente e a fls. 150 e em 12/1/2017, informar que o pedido de proteção jurídica da Autora havia sido indeferido, com fundamento na mesma não ter respondido à audiência prévia.»  
[17]Diremos até que a atitude adjetivamente mais acertada - em função dos pressupostos de facto e de direito de que o tribunal da 1.ª instância partiu e com os quis não concordamos pelas razões que constam do corpo do Aresto - seria a de o julgador rejeitar liminarmente a petição inicial, por falta de cumprimento das obrigações tributárias iniciais por banda da trabalhadora demandante (cf., a este respeito, os artigos 145.º, 552.º, 558.º, 559.º, 590.º, 560.º e 570.º do NCPC e 54.º do CPT), pois não vemos por que, podendo a secretaria com o fundamento aqui em discussão recusar a petição inicial, o mesmo não possa ser feito pelo juiz do processo.
[18]Cf., embora sem grandes desenvolvimento das questões aqui em discussão, PAULO PIMENTA, em “Processo Civil Declarativo”, 2015, Almedina, página 142 e Nota de Rodapé 314; JORGE AUGUSTO PAIS DE AMARAL, “Direito Processual Civil”, 11.ª Edição, 2014, Almedina, página 187 e 193 e 194 e FERNANDO PEREIRA RODRIGUES, «Noções Fundamentais de Processo Civil», 2107, Almedina, páginas 364 e 370 e 371.