Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
11165/18.5T8LRS.L2-6
Relator: ANA DE AZEREDO COELHO
Descritores: INDEMNIZAÇÃO
OBRAS DE REPARAÇÃO
IVA
CRITÉRIOS DE EQUIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/09/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I) O montante a suportar pelo lesado a título de IVA no pagamento de obras de reparação deve ser ponderado na fixação da indemnização, segundo critérios de equidade.
II) O devedor tributário é o prestador de serviços e a relação tributária estabelece-se entre o obrigado e o Estado, sendo o lesado e o lesante alheios a essa relação; todavia, na fixação da indemnização está em causa a determinação do montante adequado à reparação do dano, o qual engloba as quantias que o lesado tem de despender com a reparação, incluindo o pagamento de IVA.
III) As regras de determinação do IVA devem ser consideradas na fixação da indemnização como base de critérios de equidade, uma vez que não se trata de liquidação da obrigação tributária.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM na 6ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I) RELATÓRIO[1]
M…, SOCIEDADE DE ARQUITECTURA .., LDA., veio instaurar incidente de liquidação, nos termos do disposto no artigo 358.º e seguintes do Código de Processo Civil, contra SOCIEDADE FUNERÁRIA …., LDA., e SOCIEDADE I…, LDA., pedindo a liquidação no montante de € 16.445,10, da condenação ilíquida e solidária das Rés em indemnização à Autora, conforme acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido nos autos e transitado em julgado, de cujo dispositivo consta:
Em face do exposto, acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar procedente o recurso e, revogando a sentença recorrida, condenam solidariamente as rés a:
a)- Indemnizarem a autora pela quantia de 6 000€, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legar, contados desde a citação;
b)- Indemnizarem a autora em quantia a liquidar, correspondente ao valor necessário à reparação da parte do tecto falso e da parte do chão que ficaram danificados em consequência das inundações de 23/08/2017, Outubro de 2017 e Julho de 2018.
Alegou, em resumida síntese, que as rés foram condenadas a indemnizar a Autora em quantia a liquidar posteriormente, face ao que a Autora solicitou um orçamento para reparação do tecto e do pavimento, tendo-se concluído pela necessidade de substituir a totalidade do pavimento, uma vez que o existente no imóvel se encontra descontinuado no mercado, sendo o custo total dos trabalhos a realizar e dos materiais a empregar cerca de € 16.445,10.
A Ré Funerária , Lda., veio contestar impugnando a alegação da autora, invocando que a autora não pode pedir a condenação da ré no pagamento de materiais diferentes dos que havia no imóvel, nem em maior quantidade em termos de área.
Cumprido o demais legal, houve audiência de julgamento após a qual foi proferida sentença que liquidou a quantia da indemnização como segue:
Pelo exposto, decido julgar parcialmente procedente o presente incidente de liquidação e, em consequência:
- Condeno as rés…., a pagarem à autora a quantia global de 4.230,00€ (quatro mil duzentos e trinta euros), acrescida de juros moratórios legais, calculados à taxa legal em vigor, sobre tal quantia desde a notificação para o presente incidente até efectivo e integral pagamento;
- Absolvo as rés do remanescente do pedido.
A Autora interpôs o presente recurso dessa sentença e, alegando, apresentou o seguinte como conclusões:
1.ª O presente recurso de Apelação tem por objecto o presente recurso da sentença cuja decisão determinou que: “Pelo exposto, decido julgar parcialmente procedente o presente incidente de liquidação e, em consequência: Condeno as Rés …Ld.ª, a pagarem à Autora a quantia global de 4.230,00 € (quatro mil duzentos e trinta euros), acrescida de juros moratórios legais, calculados à taxa legal em vigor, sobre tal quantia desde a notificação para o presente incidente até efectivo e integral pagamento; Absolvo as rés do remanescente do pedido.”
2.ª Sentença que julgou o incidente onde a Autora, ora Recorrente, pediu a condenação solidária das Rés no pagamento da quantia de € 16.445,10 (€ 13.370,00 + 23% de IVA) correspondente ao orçamento apresentado para a reparação do tecto e do pavimento, acrescida de juros moratórios contabilizados desde a citação.
3.ª Condenação que tinha por base o aresto proferido no dia 14 de Julho de 2020, onde decidiu a 6.ª Secção do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa que: “Em face do exposto, acordam na 6.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar procedente o recurso e, revogando a sentença recorrida, condenam solidariamente as rés a: a) – Indemnizarem a autora pela quantia de € 6.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, contados desde a citação; b) – Indemnizarem a autora em quantia a liquidar, correspondente ao valor necessário à reparação da parte do tecto falso e da parte do chão que ficaram danificados em consequência das inundações de 23/08/2017, Outubro de 2017 e Julho de 2018” .
4.ª Foi somente relativamente a esta segunda condenação [acima identificada e destacada como b)], de indemnização a favor da Autora do valor necessário à reparação da parte do tecto falso e da parte do chão que ficaram danificados em consequência das inundações de 23/08/2017, Outubro de 2017 e Julho de 2018 que se promoveu presente incidente de liquidação.
5.ª Incidente onde ficou cabalmente demonstrado, que: (i) inexistem, porque estão descontinuados no mercado – à data em que foi promovido o incidente – os materiais actualmente existentes (no chão da fração) de modo a cumprir o que o Tribunal da Relação determinou, o que impossibilita que se coloque um “remendo” ou, se se preferir, que haja uma “reparação parcial”; (ii) qualquer outra solução, sempre significaria a manutenção do problema, já que o pagamento de um valor parcial afecto às áreas directamente atingidas é sinónimo de nada resolver: colocar materiais díspares, com comportamentos diferentes e cuja imagem estética não é conforme/nem se compadece com a satisfação do dever de indemnizar, ficando o pavimento uma verdadeira “manta de retalhos”.
6.ª E, portanto, impunha-se ao Tribunal a quo a aplicação linear do dispositivo consagrado no art.º 566.º do Código Civil: sempre que a (i) reconstituição natural não seja possível, deve a indemnização ser fixada em dinheiro, cumulativamente, com o (ii) cumprimento integral do princípio que rege a chamada teoria da diferença.
7.ª Dito de outro modo, não sendo possível in natura, deve ser a indemnização dinheiro, e mesmo aqui, a reparação tem de ser adequada/idónea ao que pretende resolver: não sendo possível substituir parte, tem se substituir tudo.
8.ª Repete-se à saciedade, a frase que é a questão chave de todo este processo: “não sendo possível substituir parte, tem se substituir tudo”.
9.ª Não poderia o Tribunal a quo terminar o raciocínio numa liquidação parcial, atingida com recurso à equidade, quando existiam vários meios de prova que impunham decisão diversa: é que o dinheiro que pagaria a “parte” que ficou danificada, em nada repõe a situação antes do evento lesivo: o material (do pavimento) inexiste atualmente!
10.ª Dito de outro modo, o Tribunal entendeu, que perante a impossibilidade de serem averiguados o valor dos danos, sobrou o recurso ao mecanismo da equidade, ao passo que a Recorrente entende estar demonstrado que o recurso à equidade e portanto ao n.º 03 do art.º 566.º do CC não deve ter lugar, porque precisamente ficou amplamente demonstrado o valor exacto dos danos!
11.ª Ficou amplamente demonstrado na produção de prova, quer a junta aos articulados quer a prova produzida em julgamento, que só a substituição integral do pavimento bem como a substituição de parte significativa do tecto, satisfazia os interesses da Autora, ora Recorrente.
12.ª Facto que, de resto, foi alegado pela Recorrente no seu incidente, de onde expressamente consta que: “16. Por outras palavras, o orçamento apresentado constitui o meio idóneo/adequado para repôr o espaço da Autora, na situação em que se encontrava antes do evento lesivo, conforme entendimento do aresto proferido no passado dia 14 de Julho de 2020, decidiu a 6.ª Secção do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.” – vide ponto 16 da pág 04 do incidente.
13.ª Ora, a substituição do pavimento na íntegra, não se deve a qualquer capricho ou tentativa de enriquecimento da Autora, ora Recorrente, em desvio ao que decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa quando determinou a condenação genérica, mas antes por razões muito simples e intuitivas: (i) O pavimento existente já está descontinuado no mercado, uma vez que a empresa deixou de fabricar tais materiais – recorde-se que as inundações ocorreram em 2017 e 2018 e o incidente foi tramitado em 2021! (ii) Os pavimentos existentes no mercado são incompatíveis com o existente, o que impossibilita, ab initio, uma substituição parcial. É necessário um material com características físicas (em termos de densidade e comportamento) idênticas e/semelhantes às existentes, e para tal não ficar numa “manta de retalhos” ter-se-á de tudo substituir, sob pena de nada se repôr! (iii) Por último, há uma preocupação estética – colocada logo em sede do orçamento que foi pedido - que impede a colocação de um pavimento diferente, sob pena de a fração ficar uma “manta de retalhos”! (iv) Qualquer outra solução, desvaloriza o espaço da Autora, ora Recorrente!
14.ª Não era portanto lícito ao Tribunal recorrer ao mecanismo da equidade – sem fazer qualquer análise probatória - quer do que constava dos articulados quer do que foi feito em sede de julgamento.
15.ª Pelo depoimento da primeira Testemunha (….)
18.ª Ora, constitui inequívoco elemento de desconsideração, pela M.ª Juiz a quo, a inexistência daquele concreto pavimento no mercado e ainda imperiosa necessidade de ser aceite o orçamento e o valor nele plasmado para satisfação do interesse da Autora, ora Recorrente, elemento que não se deu como provado e deveria tê-lo sido.
19.ª Pelo que, nesta matéria e porque se trata de factos alegados e que até constam de documento que foi dado por reproduzido no Requerimento Inicial deste Incidente, se imporia – e imporá a este Venerando Tribunal, se outra razão não existisse, até por imposição do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil – ter dado/dar como provado que: – ter dado como provado que: Inexiste no mercado o pavimento atualmente existente na fração da Autora e que o orçamento apresentado como doc.º n.º 03 pela Autora garante a reposição do espaço à situação em que se encontrava antes das inundações de 23/08/2017, Outubro de 2018 e Julho de 2018.
20.ª Factos que também foram alegados pela Recorrente no incidente, sob o artigo 13: “13. Nos termos do referido orçamento, cumpre executar os seguintes trabalhos: 13.1. O pavimento terá de ser reposto na íntegra sob as paredes identificadas na planta; 13.2. As referidas paredes terão de ser retiradas e posteriormente construídas de novo; 13.3. A janela da parede 1 bem como as três portas da parede 2 e 4, serão desmontadas e posteriormente montadas nas novas paredes – assim se garantido a reposição do espaço na sua plenitude; 13.4. O pavimento neste momento existente de três (03) lamelas encontra-se descontinuado no mercado, pelo que a fim de evitar repercussões nas questões estéticas, tornando o espaço numa “manta de retalhos”, o pavimento terá de ser substituído na íntegra; e 13.5. A duração da execução dos trabalhos levará, no mínimo, quinze (15) dias consecutivos – doc.º n.º 03 e 04 juntos.”
21.ª Por outro lado, ficou claro em sede de julgamento que o valor do orçamento contempla todos os trabalhos e obras para a colocação do referido pavimento e não a execução de um melhoramento ou mesmo de uma qualquer benfeitoria: todos os trabalhos e respectivos valores orçamentos são determinantes para se garantir a reposição do espaço!
22.ª Declarou a primeira Testemunha, (….)
24.ª Pelo que, nesta matéria, se imporia – e imporá a este Venerando Tribunal – ter dado como provado que: Os trabalhos e os valores constantes do orçamento, mesmo que impliquem ou envolvam outros materiais e mais intervenções, são os necessários para se repor a fração à situação que estava antes das inundações. Facto que também foi alegado sob o art.º 15 do incidente: “Em boa verdade, os trabalhos a realizar consistem, conforme resulta do orçamento apresentado, numa “intervenção” para que “num futuro poder ser devolvido o espaço à sua originalidade de open space” – doc.º n.º 03 reproduzido junto ao incidente de liquidação.
25.ª Em terceiro lugar, sempre se refira que, mesmo no que respeita ao tecto, só o orçamento apresentado – mais uma vez – que não envolvia já a substituição da totalidade do mesmo, assegurava que era substituída a parte afectava!
26.ª Declarou a primeira Testemunha, (…)
28.ª Pelo que, nesta matéria, se imporia – e imporá a este Venerando Tribunal – ter dado como provado que: Os trabalhos e os valores constantes do orçamento e que respeitam ao tecto são os necessários para se repor a fração à situação que estava antes das inundações.
29.ª Apesar da relevância destes factos – essenciais na instrução do processo, tendo sobre os mesmos, as partes tido a possibilidade de se pronunciar – a M.ª Juiz a quo, desconsiderou totalmente a sua relevância.
30.ª Espera o Recorrente que este Tribunal atenda e supra a desconsideração do dever inserto na alínea a) do n.º 02 do art.º 5.º do CPC em matéria de dever (não mero poder, como parece ter sido a interpretação da M.ª Juiz a quo) de cognição.
31.ª Também este aspeto foi, inexplicavelmente, mal tratado pelo Tribunal a quo, o que deverá ser corrigido por este Venerando Tribunal em correcta interpretação do n.º 01 do art.º 662.º do CPC que verdadeiramente constitui um dever de alterar a matéria de facto quando a prova produzida o justificar.
32.ª É que, o problema radica no facto de o depoimento de todas as testemunhas, cujas declarações é afirmado terem sido determinantes para formar a convicção do Tribunal, não ter sido considerado pelo último no sentido da prolação de uma decisão contrária há que efectivamente foi tomada!
33.ª Daí a escalpelização que o Recorrente faz, na presente Apelação, da prova testemunhal produzida em Julgamento.
34.ª Sinteticamente, refere-se que, para cabal cumprimento da alínea b) do n.º 01 do art.º 640.º do CPC, o Tribunal a quo julgou erradamente os seguintes pontos (factos não provados) quando refere que não ficaram por provar factos que tivessem sido alegados pelas partes com relevância para a decisão da causa, tal como constava do incidente de liquidação.
35.ª Assim, devem ser julgados provados os seguintes factos, pelas razões antes expostas:
- Inexiste no mercado o pavimento atualmente existente na fração da Autora;
- o orçamento apresentado como doc.º n.º 03 pela Autora garante a reposição do espaço à situação em que se encontrava antes das inundações de 23/08/2017, Outubro de 2018 e Julho de 2018;
- Os trabalhos e os valores constantes do orçamento, mesmo que impliquem ou envolvam outros materiais e mais intervenções, são os necessários para se repor a fração à situação que estava antes das inundações;
- Os trabalhos e os valores constantes do orçamento e que respeitam ao tecto são os necessários para se repor a fração à situação que estava antes das inundações.
36.ª Não querendo prolongar um recurso que já vai longo, entende o Recorrente que não poderia o Tribunal a quo, desconsiderar na íntegra a prova produzida ao abrigo de uma “obediência devida ao caso julgado material” – cfr. pág 07 da Sentença – para recorrer ao mecanismo da equidade. Levando o raciocínio do Tribunal ao limite – e estando a Recorrente “presa” pelo espartilho do que foi decidido na anterior ação declarativa (no que respeita à matéria de facto dada como provada) então estaria esvaziado todo o propósito do que foi determinado por este mui Venerando Tribunal da Relação a 14 de Julho de 2020: condenação das Rés a indemnizarem a Autora pelo evento lesivo.
37.ª É que não desconhece a Recorrente que consta do segmento decisório citado a referência a “valor necessário à reparação da parte do tecto falso e da parte do chão“.
38.ª Nem pretende a Recorrente escamotear ou ocultar esse facto: é, “clarinho como água” que este mesmo Venerando Tribunal da Relação determinou a condenação em parte. Não determinou todo o pavimento. E, em obediência ao que este mui Venerando Tribunal decidiu, tentou a Autora, por inúmeros meios, arranjar o material para substituir as tais partes. Mas tal não foi possível! Não havia nem há esse mesmo material!
39.ª Pelo que a questão se coloca ao nível da efetividade da obrigação de indemnizar, no momento em que o incidente de liquidação foi apreciado.
40.ª Esta é a verdadeira questão que patrocina o recurso: não sendo factualmente possível substituir parte, e pretendendo repor o que existia antes dos eventos lesivos, o que deve ser feito?
41.ª A resposta do Tribunal a quo, quiçá presa num excessivo formalismo, condenou as Rés numa indemnização que em nada resolve o problema da Recorrente:
a) Primeiro, terá de ficar com a sua “manta de retalhos”, pois terá de utilizar um material diferente, de qualidade díspar, o que se traduz, de resto, numa fortíssima desvalorização comercial do espaço! É que o sócio gerente da Autora, presta serviços de arquitectura. Dito de outro modo, tem uma actividade comercial que é a sua principal fonte de rendimento, pelo que o arranjo estético do espaço é fundamental, quer para a angariação de Clientes quer para o trabalho que ali é desenvolvido diariamente.
b) Segundo, o sócio gerente da Autora é arquitecto! Escusa-se o Signatário de argumentar o impacto que tem um profissional - cujo traço distintivo da sua actividade é o arranjo estético e funcional do espaço - ter precisamente um atelier (que é a sua “montra profissional” e o seu “cartão de visita”) esteticamente desarranjado..
42.ª Ora, a única questão que está em causa nos presentes autos (com excepção da análise subsidiária que à frente se fará) é a interpretação do art.º 566.º do Código Civil à luz dos acontecimentos
43.ª Assim, não resta ao Recorrente qualquer remédio que não seja colocar uma (01) só questão ao Colectivo e, caso assim não entendam, só já eventualmente “polir” o quantum decisório. A questão é a seguinte: Quando se liquida – em sede de incidente próprio para o efeito – uma condenação genérica de um determinado dever de indemnizar, o juízo que o Tribunal chamado a apreciar, faz no referido incidente é: a) uma densificação/manifestação acrítica do que ficou fixado na condenação genérica, não olhando, em termos práticos, à efetivação (resolução) do problema do lesado, à prova produzida? b) Ou um verdadeiro juízo de responsabilidade civil, onde fixada a obrigação de indemnizar, tudo estará em aberto? Num juízo ex novo onde se avalia o montante e extensão de danos? Se sindica a possibilidade de reconstituição natural ou reconstituição por equivalente?
44.ª O Recorrente é partidário do segundo entendimento. E por isso entende que muito mal andou o Tribunal a quo “as questões ora suscitadas pela autora, que levem à realização de obras e trabalhos de maior extensão só na ação principal poderiam ter sido apreciadas, não podendo ser apreciadas autonomamente no incidente de liquidação, porquanto extravasam o objecto deste incidente” – pág. 08 da Sentença proferida pelo Tribunal ad quo.
45.ª É que esta interpretação esvazia de conteúdo qualquer densificação/liquidação do dever de indemnizar. Então, pergunta o Recorrente, para que serve o incidente? Não deverá o dever de indemnizar que se propõe densificar ser sindicado, à luz e com os elementos de prova existentes, no momento em que se está a liquidar a obrigação? Ou é remeter-se para um momento anterior, de modo acrítico, não olhando à idoneidade/adequação do mesmo para satisfazer o crédito existente? Entende o Recorrente que se exige, nesta sede, uma análise nova, “fresca”, e sobretudo actualizada relativamente à condenação genérica – que perante a impossibilidade de cumprimento - sempre impunha uma decisão diversa à que foi tomada.
46.ª Daí a inadmissibilidade da utilização do “válvula de escape” que é a equidade no sistema jurídico, quando não pode ser usada como um mecanismo alternativo com a prova produzida nos autos. Por todos, nesta sede, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proc.º n.º 1087/14.4T8CHV.G1.S1, relator ASSUNÇÃO RAIMUNDO, de 10 de Dezembro de 2019: “ I - A necessidade de fazermos apelo aos critérios da equidade, nos termos do n.º 3 do artigo 566.º da lei civil, segundo a qual, “se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”, surge quando se encontre esgotada a possibilidade de recurso aos elementos com base nos quais se determinaria com precisão o montante dos danos.” Disponível em www.dgsi.pt.
47.ª Em suma, e desde já se refira, nos termos e para os efeitos do n.º 02 do art.º 639.º do CPC, que, nesta sede violou o Tribunal a quo, por um lado, (i) o art.º 566.º n.º 2 e 3.º do Código Civil, desconsiderando a prova produzida e recorrendo à equidade como meio alternativo, na medida em que tal mecanismo lhe estava vedado, uma vez que é o próprio enunciado que determina que “se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos”, devendo ter uma interpretação que, à luz do art.º 566.º, perante a impossibilidade da reconstituição natural, e, sobretudo, à luz da prova, lhe confere uma reconstituição por equivalente no valor de € 16.445,10, tendo também (ii) violado o art.º 619 do Código de Processo Civil quando refere que se “impõe a obediência devida ao caso julgado material” quando em causa, em todo este incidente, estava todo o segmento decisório que precisamente não estava abrangido pelo caso julgado material, o que sempre impunha uma outra decisão diversa da tomada.
48.ª Por último sempre se refira, que o Tribunal a quo incorreu num vício que inquina de nulidade a sentença ora em crise quando não se pronunciou – por omissão – relativamente à questão do IVA que é peticionado em sede de incidente.
49.ª Argumenta o Tribunal que: “ Importa ainda salientar que a autora nem sequer alegou esta questão concreta, nem pediu expressamente a condenação das rés no pagamento de IVA, fosse qual fosse o valor da indemnização a arbitrar, pelo que o Tribunal se encontrava adstrito ao princípio do pedido. É que a autora pressupõe ter direito ao recebimento de valores de IVA que venham a incidir sobre bens/serviços que adquira para reparação dos danos do imóvel, mas esse seu raciocínio não pode ser automático.” – resposta à reclamação apresentada – referência 151633026.
50.ª Esta afirmação é falsa: a Autora alegou essa questão, pediu expressamente a condenação das Rés no pagamento do IVA e argumentar nesta sede com o princípio do pedido é, pura e simplesmente, errado.
51.ª Veja-se na matéria alegada, o ponto 14 do incidente de liquidação bem como o pedido formulado: “14. O valor de tal orçamento ascende a um somatório total de € 16.445,10 (dezasseis mil quatrocentos e quarenta e cinco euros e dez cêntimos) correspondente ao valor do trabalho a realizar que ascende a € 13.370,00 (treze mil trezentos e setenta euros) a que acresce o IVA à taxa em vigor - € 3.075,10 (três mil e setenta e cinco euros e dez cêntimos) – cfr. pág. 02 do doc.º 03 reproduzido” Sublinhado e destacado nosso. E em sede de pedido:“ Serem as Rés, sociedade Funerária ..., Ld.ª; sociedade …  Cabeleireiros, Ld.ª e a Seguradoras Unidas, S.A., solidariamente condenadas a pagar à Autora a quantia total de € 16.445,10 (dezasseis mil quatrocentos e quarenta e cinco euros e dez cêntimos) com todas as demais consequências, nomeadamente com juros moratórios contados desde a citação e demais custas a cargo das Rés.”
52.ª Assim, e perante a omissão de pronúncia, entende a Recorrente que o valor da Sentença deve ser rectificado.
53.ª A quantia da condenação não faz qualquer referência ao IVA que as Recorridas teriam de liquidar à Recorrente. Ora, a Recorrente peticionou a condenação das Recorridas com base num valor € 16.445,10 (sendo que € 13.370,00 correspondiam ao valor do trabalho e € 3.075,10 correspondiam ao valor do IVA) - cfr. pedido do incidente de liquidação.
54.ª Do que a Recorrente consegue descortinar, os cálculos elaborados pelo Tribunal tiveram como base o orçamento apresentado pela primeira e junto aos autos como doc.º n.º 03. Orçamento do qual consta na parte final “IVA a incluir à taxa de 23 %” – cfr. pág. 02 do doc.º n.º 03 do incidente de liquidação.
55.ª Cogita a Recorrente que na base do cálculo atingido pelo Tribunal - cfr. factos provados com relevância para a decisão do incidente - estará o seguinte: “7. Por força das inundações, ficou danificado cerca de 30 m2 de tecto falso.” 30m2 x € 19,00 (ponto 2.3. do orçamento) = € 570,00 “8. O custo da remoção desse tecto falso danificado falso é de 60,00€” 2 unidades x € 30,00 (ponto 1.2. do orçamento) = € 60,00 “9. O custo de remoção do pavimento de soalho existente é de 7,00€ cada m2”79 unidades x € 7,00 (ponto 1.2. do orçamento) = € 553,00 “ 10. A colocação de 30 m2 de novo tecto falso tem um custo de 570,00 €” “ 11. Cada m2 de soalho em carvalho custa cerca de 98,00€” Logo 30 unidades x € 98.00 (ponto 2.1 do orçamento) = € 2.940,00 “12. O custo de montagem de cada m2 de soalho é de cerca de 15,00€” Logo 18 unidades x € 15.00 = € 270,00. No total, € 570,00 + € 60,00 +€ 553,00 + € 2.940,00 + € 270,00 = € 4393,00.
56.ª Não se compreendendo como é que o Tribunal atinge o valor de € 4.230,00.
57.ª Ora, e independentemente desta diferença de valor, a verdade é que a qualquer dos valores apresentados: a) € 4.393,00 – cálculo da Recorrente ou b) € 4.230,00 - cálculo do Tribunal, sempre terá de ser acrescentado o IVA à taxa legal que corresponde a 23% do valor da condenação.
58.ª Assim se obtendo, em alternativa:
a) € 4.393,00 + 23,00 % de IVA (€ 1010,39) = € 5.403.39 no cálculo da Recorrente ou
b) € 4.230,00 + 23,00 % de IVA (€ 972,90) = € 5.202,90 no cálculo do Tribunal.
59.ª Em suma, vem a Autora pelo presente recurso, caso não entenda (o que se admite por mera hipótese) revogar a decisão recorrida e condenar as Rés no pagamento de € 16.445,10 (€ 13.370,00 + 23% de IVA) correspondente ao orçamento apresentado para a reparação do tecto e do pavimento, acrescida de juros moratórios contabilizados desde a citação, requerer que seja rectificado o valor constante da condenação e substituído por outro de onde consta a Condenação das Rés a pagarem à Autora (a) o valor de € 5.403.39 (cinco mil quatrocentos e três euros e trinta e nove cêntimos) ou (b) o valor de € 5.202,90 (cinco mil duzentos e dois euros e noventa cêntimos), acrescida de juros legais, calculados à taxa legal em vigor, sobre tal quantia desde a notificação para o presente incidente até efectivo e integral pagamento.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II) OBJECTO DO RECURSO
Tendo em atenção as conclusões da Recorrente - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC -, cumpre apreciar as seguintes questões:
1. Da nulidade da sentença.
2. Da impugnação da decisão de facto.
3. Do mérito da liquidação.
III) FUNDAMENTAÇÃO
1. DA NULIDADE
1. A Recorrente entende que a sentença é nula por ter omitido pronúncia quanto ao montante pedido a título de IVA a pagar pela Ré à Autora, devendo ser rectificada (sic).
A primeira instância considerou não se verificarem os requisitos necessários à rectificação nem a indicada nulidade, porque a autora nem sequer alegou esta questão concreta, nem pediu expressamente a condenação das rés no pagamento de IVA, fosse qual fosse o valor da indemnização a arbitrar.
A omissão de pronúncia está prevista na alínea d), do n.º 1, do artigo 615.º, do Código de Processo Civil. A nulidade a que se refere a norma citada decorre de a decisão arguida ter omitido pronúncia quanto a questões submetidas pelas partes de que lhe cumpra conhecer. Ou seja, a norma não impõe que a decisão se pronuncie sobre todos os argumentos esgrimidos pelas partes em prol das posições que defendem, mas, antes, que a decisão resolva todas as questões que as partes submeteram a juízo, ou seja todas as pretensões adjectivas ou substantivas para as quais foi promovida a intervenção judicial e em que esta é imperativa por a omissão de pronúncia lhe estar vedada.
Esta nulidade decorre assim da violação do dever geral de julgamento, estabelecido no artigo 8.º, n.º 1, do Código Civil, com o âmbito delimitado nos termos dos artigos 3.º, 5.º e 608.º do Código de Processo Civil[2].
Em suma, o tribunal tem de pronunciar-se sobre as questões submetidas ao seu juízo jurisdicional não tem de avaliar, ponderar e debater os argumentos das partes quanto à bondade das soluções que propugnam.
No caso dos autos o pedido de liquidação foi formulado pela Autora como segue:
Nestes termos, e nos demais de Direito que Vossa Excelência não deixará de doutamente suprir, deve o presente incidente de liquidação ser julgado procedente, por provada, e, em consequência:
(i) Ser a presente instância declarativa renovada, nos termos do n.º 2 do art.º 358.º do Código de Processo Civil, a fim de ser tramitado o presente incidente,
(ii) Serem as Rés, , solidariamente condenadas a pagar à Autora a quantia total de € 16.445,10 (dezasseis mil quatrocentos e quarenta e cinco euros e dez cêntimos) com todas as demais consequências, nomeadamente com juros moratórios contados desde a citação e demais custas a cargo das Rés.
O montante vem explicitado no artigo 14 como correspondendo ao valor do trabalho e materiais acrescido do do IVA:
14 - O valor de tal orçamento ascende a um somatório total de € 16.445,10 (dezasseis mil quatrocentos e quarenta e cinco euros e dez cêntimos) correspondente ao valor do trabalho a realizar que ascende a € 13.370,00 (treze mil trezentos e setenta euros) a que acresce o IVA à taxa em vigor - € 3.075,10 (três mil e setenta e cinco euros e dez cêntimos).
Entendemos em consequência que se encontrava colocada a questão de ser ou não devida a condenação no pagamento do IVA, o que determina que se conclua ser a sentença nula na parte em que não apreciou o pedido de condenação no pagamento do IVA.
Sendo nula, cabe à Relação apreciar tal questão em substituição, nos termos do artigo 665.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o que se fará infra.
2. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. Da impugnação da decisão de facto
1.1. Pretende a Recorrente que sejam considerados provados os seguintes factos (nossa numeração):
1 - Inexiste no mercado o pavimento atualmente existente [esclarece que à data do incidente de liquidação] na fração da Autora;
2 - o orçamento apresentado como doc.º n.º 03 pela Autora garante a reposição do espaço à situação em que se encontrava antes das inundações de 23/08/2017, Outubro de 2018 e Julho de 2018;
3 - Os trabalhos e os valores constantes do orçamento, mesmo que impliquem ou envolvam outros materiais e mais intervenções, são os necessários para se repor a fração à situação que estava antes das inundações;
4 - Os trabalhos e os valores constantes do orçamento e que respeitam ao tecto são os necessários para se repor a fração à situação que estava antes das inundações.
1.2. O facto 1 foi apreciado na decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa que condenou as Rés, tendo sido julgado não provado.
É o que decorre do acórdão condenatório ao indicar na fixação da matéria de facto que não se provou o seguinte: m. o soalho é produto descontinuado no mercado.
Refere o acórdão condenatório:
Por outro lado, apurou-se que o tecto falso da fracção da autora, que é constituído por material de gesso cartonado, ficou parcialmente danificado na sala mais reservada do estúdio conhecida como gabinete de direcção; e que a água que caiu infiltrou-se no chão, fazendo deslocar parte do soalho flutuante, revestido a carvalho.
Não se apurou o custo/valor necessário à reparação desses danos. Ou seja, apurou-se que há danos, mas desconhece-se o seu valor/montante.
Quando assim sucede, deve o tribunal condenar no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação na parte que já seja líquida (artº 609º nº 2 do CPC e 565º do CC). 
 A condenação genérica tem como fundamento a inexistência de elementos para fixar o objecto ou a quantidade, no caso, o montante necessário à reparação dos danos, mas aprecia como esse montante deve ser determinado: relativamente ao necessário a reparar a parte do soalho que foi deslocada.
Por isso que conclui no dispositivo, como já indicámos: quantia a liquidar, correspondente ao valor necessário à reparação da parte do tecto falso e da parte do chão que ficaram danificados em consequência das inundações de 23/08/2017, Outubro de 2017 e Julho de 2018.
É isto que está em causa na liquidação. Se, entretanto, outros danos se verificam em razão de factos supervenientes, essa não é matéria de liquidação uma vez que esta se limita a tornar líquida condenação genérica nos limites desta.
Não deve assim ser reapreciada a matéria em causa.
1.3. Quanto à matéria indicada de 2 a 4 é de natureza valorativa e conclusiva, não cumprindo decidir quanto a ela.
Como resulta do mero enunciado dos pontos transcritos, os mesmos contêm um juízo de valor (adequação dos trabalhos a repor uma dada situação) baseado numa conclusão de factos (os que permitem a caracterização da situação a repor e dos trabalhos a efectuar).
Explicitando, os pontos em causa indicam que foi feita uma ponderação – cujos termos factuais não indicam – e conclui pelo juízo de adequação.
Nessa medida, contêm conclusões e juízos, não factos.
Ora, em sede de decisão da factualidade assente e não assente, o tribunal pronuncia-se sobre factos, destinando-se as provas a demonstrarem a realidade desses factos - artigo 341.º, do Código Civil. É o que também resulta do n.º 4, do artigo 607.º, do Código de Processo Civil: o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados.
A impugnação não se refere a factos, mas a juízos e conclusões, o que determine que soçobre.
Improcede in totum a impugnação de facto.
2. Da fixação da matéria de facto
Estão assentes os factos constantes da decisão de primeira instância, na ausência de impugnação procedente ou reapreciação oficiosa:
1. Por sentença proferida na presente acção declarativa, transitada em julgado, as rés foram condenadas a indemnizar a autora, em quantia a liquidar, correspondente ao valor necessário à reparação da parte do tecto falso e da parte do chão que ficaram danificados em consequência das inundações de 23/08/2017, Outubro de 2018 e Julho de 2018;
2. Nessa sentença, ficou provado o seguinte:
a. O tecto falso da Fracção BF é constituído por material de gesso cartonado e ficou parcialmente danificado na sala mais reservada do estúdio conhecida como gabinete de direcção;
b. A água que caiu infiltrou-se no chão fazendo deslocar parte do soalho flutuante revestido a carvalho;
3. Nessa mesma sentença, foi julgado não provado o seguinte:
a. O descolamento do chão atingiu toda a área do atelier, à excepção da cozinha e das instalações sanitárias, revestidas a material cerâmico;
b. Em função da quantidade de água absorvida, o soalho flutuante escureceu, descolaram-se lamelas e abriram-se fendas entre as réguas de soalho não sendo possível a recuperação;
c. O soalho é produto descontinuado no mercado;
4. A autora solicitou um orçamento para a realização dos trabalhos de reparação do tecto falso e do pavimento;
5. A sociedade Itex, Lda., apresentou um orçamento no valor de 13.370,00€ mais IVA;
6. Nesse orçamento foi proposta a substituição da integralidade do pavimento da fracção; a retirada das paredes e posteriormente a sua nova construção; a desmontagem e montagem de portas e janelas e a desmontagem, tratamento e montagem de rodapés;
7. Por força das inundações, ficou danificado cerca de 30 m2 de tecto falso;
8. O custo da remoção desse tecto falso danificado falso é de 60,00€;
9. O custo de remoção do pavimento de soalho existente é de 7,00€ cada m2;
10. A colocação de 30 m2 de novo tecto falso tem um custo de 570,00€;
11. Cada m2 de soalho em carvalho custa cerca de 98,00€;
12. O custo de montagem de cada m2 de soalho é de cerca de 15,00€.
3. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1. A Recorrente funda a sua discordância quanto ao mérito da decisão de liquidação na ilegalidade do recurso à equidade e em lapsos de cálculo, havendo ainda que apreciar a questão do IVA, não apreciada em primeira instância.
2. Quanto ao recurso à equidade lê-se na decisão recorrida:
Deste modo, cabia à autora alegar e provar a extensão do tecto falso e a extensão do soalho flutuante que ficaram danificados, bem como o custo da sua reparação e/ou substituição (parcial).
As questões ora suscitadas pela autora, que levem à realização de obras e trabalhos e maior extensão só na acção principal poderiam ter sido apreciadas, não podendo ser apreciadas autonomamente no incidente de liquidação, porquanto extravasam o objecto deste incidente.
A verdade é que, quanto ao chão danificado, a autora não logrou sequer alegar, quantificando, a pate do soalho que se encontrava danificada.
Porém, tendo em conta a condenação genérica na sentença proferida e o que se apurou no âmbito do presente incidente, designadamente nos pontos 7 a 11, importa fixar o montante indemnizatório possível com recurso à equidade.
Na verdade, se em sede de liquidação se constatar a impossibilidade de fixação do valor exacto dos danos a indemnizar, por falta de prova do seu quantitativo, tal impossibilidade não pode significar a eliminação do direito à indemnização, cabendo ao tribunal fixar tal indemnização com recurso à equidade, nos termos do disposto no artigo 566.º n.º 3 do CC.
Ou seja, o tribunal entendeu que não estando provada a área do soalho que estava danificada, havia que recorrer à equidade para fixar a indemnização.
Como decorre das alegações e das conclusões de recurso, a Recorrente entende que o recurso à equidade está vedado por estar provado o prejuízo efectivo verificado. Para tal, considera que está provada a inexistência de soalho igual ao danificado o que determina que todo deva ser substituído.
Como já dissemos a questão colocada pela Recorrente reconduz-se a reverter o acórdão condenatório na parte em que julgou que não se justificava a substituição de todo o soalho, mas apenas a da área danificada. Está vedada essa reversão.
Em consequência, a situação é a descrita na sentença recorrida: ausência de prova da área danificada a substituir. O recurso à equidade encontra-se assim justificado, não tendo sido colocado em causa o critério utilizado.
 2. Quanto aos lapsos de cálculo não se vislumbra que se verifiquem.
Com base nos factos provados de 7. a 12. e do critério de equidade seguido - corresponder a área do soalho danificado à do tecto, ou seja, a 30 m2 -, a sentença liquidou os seguintes danos:
Tecto - € 60,00 (remoção) + € 570,00 (colocação) = € 630,00
Soalho - € 210,00 (remoção a € 7,00/m2) + € 2.940,00 (material a € 98,00/m2) + € 450,00 (colocação a € 15,00/m2) = € 3.600,00
Total - € 630,00 (tecto) + € 3.600,00 (soalho) = € 4.230,00
Improcede o recurso nesta parte.
3. Quanto à condenação no pagamento de IVA, como no mais, importa ter em atenção o que foi decidido no acórdão condenatório.
Na petição a Autora pediu a condenação das Rés a pagarem solidariamente à A. a quantia de €18.460,00 (dezoito mil quatrocentos e sessenta euros), a título de danos emergentes e lucros cessantes.
Resulta do teor da petição que este pedido engloba o montante de IVA, atento o que vem referido quanto aos danos emergentes:
33.º Importando a quantia de 10.130,00€ (dez mil cento e trinta euros), acrescido de IVA à taxa legal, num valor total de 12.460,00€
Tendo em atenção que a Autora liquidou em € 6.000,00 os lucros cessantes, temos de considerar que pediu a condenação no pagamento do montante de IVA quanto aos danos emergentes, sendo nessa sede que se situa a liquidação.
O acórdão condenatório não contém qualquer segmento absolutório, v.g. quanto ao IVA peticionado (o que aliás também resulta dos termos da condenação em custas). Entendemos por isso que tem de considerar-se o pedido de IVA abrangido pela condenação genérica, tanto mais quanto o seu montante sempre dependeria do dos valores necessários à realização das obras de reparação.
A liquidação do IVA está sujeita às regras do CIVA e obedece a normas específicas quanto a incidência objectiva e subjectiva e a taxas aplicáveis.
Dessas normas resulta desde logo que o devedor tributário é, no caso, o prestador de serviços – artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do CIVA. A relação tributária estabelece-se entre o obrigado (no caso a entidade que fizer as reparações) e o Estado, do que resulta que as partes nesta acção são inteiramente alheias, nessa sua qualidade, à relação tributária[3].
Todavia, em sede de liquidação da obrigação não é a liquidação da obrigação tributária que está em causa, antes o é a determinação do montante adequado à reparação do dano, o qual tem de considerar as quantias que o lesado tem de despender com a reparação. Ora, na perspetiva de reparação do dano é indiferente que essas quantias hajam de ser despendidas na aquisição de materiais, no pagamento de mão de obra ou no pagamento do IVA devido. Interessa é que o lesado as tenha de despender e a medida é a do artigo 663.º, n.º 1, do Código Civil.
O regime legal do IVA implica que a sua taxa e momento de incidência se rejam por regras específicas, como já referido. Se essas regras se não podem aplicar directamente, porque não nos encontramos em sede de liquidação do imposto, podem ser consideradas na liquidação como base para critérios de equidade.
A realidade é que a indemnização em dinheiro é sempre substitutiva.
E por isso, impondo-se a fixação de um valor, traçam-se critérios legais ajustados a permitir a máxima aproximação à restauração total. E a eles já antes nos referimos; concretizar e suprir a falha entre a situação real e hipotética do lesado na data mais recente que puder ser atendida (artigo 566º, nº 2); ou, no limite, o recurso à equidade, ao que parecer apropriado e justo (artigo 566º, nº 3)[4].
Ponderando que a Autora, lesada, terá de suportar esse montante, o mesmo deve ser objecto de liquidação neste momento, ponderando o montante provável do imposto.
Uma vez que a fracção não se destina a habitação, inexiste motivo para a ponderação de taxa diversa da taxa normal de 23% (distinguindo entre trabalhos e materiais). Não se vê motivo de equidade que imponha intervenção na alteração do valor resultante.
Entendemos em suma que tem razão a Recorrente e que deve acrescer à indemnização fixada o montante de € 972,90, correspondente ao que a lesada suportará a título de imposto.

IV) DECISÃO
Pelo exposto, ACORDAM em julgar parcialmente procedente o recurso e, em consequência:
1) Julgar nula a sentença na parte em que não apreciou o pedido de liquidação de IVA;
2) Liquidar em € 972,90 (novecentos e setenta e dois euros e noventa cêntimos) o montante indemnizatório a acrescer ao fixado na sentença recorrida e a suportar pelas Rés, em liquidação da condenação genérica proferida no acórdão de 14 de Julho de 2020;
3) Manter no mais a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente e pelas Recorrida na proporção do decaimento, em primeira e segunda instância, a qual se fixa em, respectivamente, 68,36% e 31,64% – artigo 527.º, n.º 2, do CPC.
*
Data constante das assinaturas electrónicas 
Ana de Azeredo Coelho
Eduardo Petersen Silva
Manuel Rodrigues
_______________________________________________________
[1] Beneficia do relatório da decisão recorrida.
[2] Assim, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Janeiro de 2021, proferido no processo  189.18.2.T8GRD.C1.S1 (Bernardo Domingos) em cujo sumário se lê: I - A nulidade prevista no art.º 615º, n.º 1 al. d)  só ocorre quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Esta nulidade está directamente relacionada com o comando previsto no art.º 608º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil, e serve de cominação para o seu desrespeito. II – As questões objecto do recurso não se confundem com os argumentos. Só aquelas relevam para determinar a existência da referida nulidade.
[3] Com esse fundamento já entendemos que não haveria lugar a ponderar o IVA em acções de condenação com fundamento indemnizatório, o que ora consideramos menos ajustado uma vez que essa ponderação pode prescindir da obrigação tributária em sentido estrito, reconduzindo-se à determinação do montante indemnizatório adequado a ressarcir o dano. É que vem defendido no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 15 de Maio de 2012, proferido no processo 1981/04.0YXLSB.L1-7 (Luís Lameiras) a cujos argumentos aderimos.
[4] Do acórdão que citámos que seguimos de perto.