Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
40/16.8PMFUN.L1-3
Relator: MORAES ROCHA
Descritores: OBJECTIVIDADE
MATÉRIA DE FACTO
ALTERAÇÃO DE FACTOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: 1–  A dissecação da objectividade judicial deve ser construída e não somente dada ou descrita.

2–  A relação entre uma palavra (vox) e uma coisa (res) ou um ser (aliqua) pressupõe um sentido e esse sentido pode ser expresso por diversas palavras sem que para qualquer receptor se perca o referente.

3–  A expressão diversa de uma mesma realidade não constitui alteração de referente.

(Sumário elaborado pelo relator

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência no Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


..., notificado da sentença que o condenou pela prática, em autoria material, de um crime de desobediência, p.e p, pelos art.ºs 152.º n.ºs al. a)  e 3 do CE e art.º 348.º n.º 1 al. a) na pena de 80 dias de multa à razão diária de 6€, num total de 480,00€, e ainda na sanção acessória de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de três meses, não se conformando com a mesma, dela vem interpor recurso para este Tribunal da Relação de Lisboa.

Proferido despacho sumário, vem deste reclamar para a Conferência.

Importa, assim, conhecer do recurso em Conferência nos termos do art. 419.º, n.º 3, al. a) do CPP.

Vejamos as motivações apresentadas pelo recorrente que delimitam o objecto do recurso:
1.– Vem o presente recurso interposto da douta sentença que condenou o arguido como autor material pela prática de um crime de desobediência p.ep. pelos art.ºs 152.º n.ºs al.a)  e 3 do CE e art.º 348.º n.º 1 al. a) na pena de 80 dias de multa à razão diária de 6€, num total de 480,00€, e ainda na sanção acessória de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de três meses, por considerar que i) a sentença padece do vício de nulidade; ii) por entender que in casu se verifica o vício intrínseco de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; iii) e finalmente por entender que, o tribunal a quo fez uma incorrecta apreciação da matéria de facto submetida à sua apreciação, iv)  violou o disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 348.º do CP e art.º 152.º n.º1 al. a) do CE.
2.– Dispõe a al. b) do n.º 1 do art.º 379.º do CPP : “ 1. É nula a sentença: b) que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora e das condições previstos nos art.ºs 358.º e 359.º.”.
3.– Desde logo, saliente-se que na Acusação pública, refere-se que o arguido (…) ao ser submetido ao exame de pesquisa de álcool no local da ocorrência, recusou terminantemente efectuar o teste (…).
4.– Contrariamente, na sentença recorrida, considerou-se para efeitos de apuramento da responsabilidade criminal do arguido que (…) Quando um dos agentes da P.S.P que integrava a patrulha o pretendeu submeter ao exame de pesquisa de álcool no sangue, pelo método expirado(…) o arguido recusou-se terminantemente a fazê-lo (…)”.
5.–  Ora, há que admitir efectivamente, que a factualidade que é imputada ao arguido, na douta acusação pública, assume um figurino jurídico-penal distinto da “ moldação” dos factos que o tribunal a quo operou.
6.–  Com efeito, ao passo que o titular da acção penal refere que o arguido “foi submetido ao exame de pesquisa de álcool (…)”, embora tenha “recusado fazê-lo”- na douta sentença sob recurso refere-se que o arguido nem foi submetido ao referido exame, já que, e segundo a fundamentação expendida na douta sentença, “ quando um dos agentes da PSP, que integrava a patrulha o pretendeu submeter ao exame(…) o arguido recusou-se(…).”
7.– Por conseguinte, é notória, a alteração do quadro factual, operado pelo tribunal a quo, por referência, à delimitação operada pelo titular da acção penal.
8.– Pelo que, impunha-se, salvo melhor e devido respeito, que, o tribunal a quo, desse cumprimento ao disposto no n.º 1 do art.º 358.º do CPP, pelo que ao ter violado o disposto no n.º 1 do art.º 358.º do CPP, irremediavelmente, entende o recorrente que a sentença recorrida, está ferida do vício de nulidade.
9.– Na acusação pública, refere-se apenas que o arguido foi sujeito à uma  fiscalização rodoviária, tendo sido submetido ao exame de pesquisa de álcool no sangue ( tendo recusado, nesse âmbito a realização do teste de pesquisa quer qualitativo, quer quantitativo), sem nunca se referir que a realização de tal teste lhe tenha sido imposta, isto é, que lhe tenha sido dada uma ordem expressa por parte do agente que realizou à sobredita fiscalização, e que o mesmo tenha desacatado/ inobservado essa ordem, consubstanciada na não realização do teste.
10.– Diferentemente, na sentença proferida pelo insigne tribunal a quo, refere-se- que “(…) quando um dos agentes da PSP que integrava a patrulha o pretendeu submeter ao exame de pesquisa de álcool no sangue(…)o arguido recusou-se terminantemente a fazê-lo(…)”
11.– Ou seja, adita-se à douta acusação pública elementos factuais relevantes- a saber- a pretensão que um dos agentes da PSP, que integrava a patrulha de fiscalização em pretender submeter o arguido ao exame de pesquisa de álcool no sangue”, que não constavam naquele acto processual , que delimitava os poderes de cognição do tribunal recorrido.
12.– Não tendo sido, neste concreto aspecto, mais uma vez, sido dado cumprimento ao disposto no n.º 1 do art.º 358.º do CPP.
13.– Assim, em face do supra exposto, entende o recorrente, que a douta sentença recorrida padece o vício de nulidade a que alude a alínea b) do art.º 358.º do CPP.
14.– Considera ainda o recorrente que a douta sentença recorrida padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
15.– Urge salientar, que o arguido foi acusado da prática de um crime de desobediência p.e.p pela al. a) do n.º 1 do art.º 348.º do CPP por referencia ao art.º 152.º do CE.
16.– Dispõe o supra referido dispositivo legal que : “ 1. Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimo, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 12 dias se: a) uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples;”.
17.– Destarte, conforme resulta do próprio tipo legal de crime, tal como fora gizado pelo legislador penal, na configuração especifica deste tipo legal de crime,  só poderá falar-se da existência de um crime de desobediência quando, ante uma ordem ou mandado legítimo, regularmente comunicado por autoridade ou funcionário competente, tal ordem ou mandado não for acatado.
18.– Ora, no caso dos presentes autos, resultou provado, segunda a convicção do douto tribunal- com a qual não nos conformamos, e que infra se impugnará especificadamente a matéria factual julgada como provada, que (…)  Quando um dos agentes da P.SP que integrava a patrulha o pretendeu submeter ao exame de pesquisa de álcool no sangue(…) o arguido recusou-se terminantemente a fazê-lo(…).”.- sublinhado e granito nosso.
19.– Ou seja, o que o tribunal a quo considerou como demonstrado, é que o arguido recusou efectuar o teste de alcoolemia, na sequência da pretensão manifestada por parte do Agente da PSP, em submetê-lo a tal procedimento de fiscalização.
20.– Ou seja, segundo o que se afere da decisão recorrida, o arguido efectivamente recusou submeter-se à realização do exame em causa, mas essa recusa, não foi precedida, da emanação de qualquer ordem ou mandado, dimanado por parte daquele Sr. Agente da P.S.P que integrava a patrulha.
21.– Antes pelo contrário. Não resulta da decisão, designadamente do elenco de factos julgados como provados,  que o referido agente da PSP tenha dado em circunstância alguma,  ordem expressa, para que o arguido se submetesse aos métodos de fiscalização/ pesquisa de álcool no sangue, in casu, à realização o teste por ar expirado.
22.–  Antes resulta que, a recusa, como sustenta o tribunal a quo, surgiu, na sequência da manifestação da pretensão do referido agente, em submeter o arguido ao mesmo.
23.– Ora, não podemos deixar de atender à esta realidade factual, até porque, e salvo o devido respeito, deverá ser devidamente ponderada e escalpelizada.
24.– Na verdade, apenas comete o crime de desobediência, quem não acata/desobedece uma ordem expressamente dimanada por parte de funcionário publico ou autoridade pública.
25.– No caso em concreto, da sentença recorrida, designadamente do elenco de factos julgados como provados, não resulta a referência e/ou a existência de qualquer ordem por parte do id. agente em submeter o arguido ao referido teste de alcoolemia,
26.– Mas antes, a exteriorização de uma intenção por parte do referido agente, que em si mesmo, não se traduzia numa ordem.
27.– Pelo que, e salvo o devido respeito, entende o recorrente, que a sentença recorrida padece do vício a que alude a al. a) do art.º 411.º do CPP.
28.– Sem prescindir entende o recorrente, que foram incorrectamente julgados os seguintes pontos de facto, que ora se especificam, transcrevendo-os: “  (…)  Quando um dos agentes da P.S.P que integrava a patrulha o pretendeu submeter ao exame de pesquisa de álcool no sangue, pelo método do ar expirado, num  aparelho qualitativo ou de despiste, o arguido recusou-se terminantemente a fazê-lo e transportado à esquadra da P.S.P de Câmara de Lobos, a fim de ser submetido ao exame de pesquisa de álcool no sangue, desta feita num aparelho de medição quantitativa, também aí o arguido se recusou terminantemente a efectuar qualquer teste de ar expirado no aparelho.
Foi advertido pelo agente da PSP que o fiscalizava de que incorreria na prática do crime de desobediência, caso não fizesse aquele teste e, não obstante tal advertência,  o arguido persistiu no propósito de não realizar o exame de pesquisa de álcool no ar expirado. Agiu livre , voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida como crime.”.
29.– Entende o recorrente, que a ponderação e correlação dos meios de prova testemunhal, e documental junta aos autos, produzida em sede de audiência de julgamento impunha uma decisão diversa da decisão de facto ora impugnada, designadamente, no sentido de se considerar como não provada a factualidade supra impugnada.
30.– Com efeito, e atendendo desde logo no depoimento do próprio agente da P.S.P, Paulo S..., depoimento audível [ 28.03.2017- passagem 15.03.04-15.19.43], resulta que o mesmo em momento algum tivesse ordenado a que o arguido submetesse ao teste de pesquisa de álcool no sangue. Antes pelo contrário, resulta do referido depoimento, que a única ordem que foi dimanada por si, foi um alegada ordem de “ paragem” da viatura, num momento prévio ao início da fiscalização rodoviária, e que no decurso dessa fiscalização, e já após ter solicitado os documentos da viatura, e do arguido, entre os quais a carta de condução, o mesmo, solicitou ao arguido para fazer o teste de alcoolemia e que o mesmo de imediato recusou; tendo aventado como motivo apresentado pelo arguido, para essa alegada recusa, que contactou com o seus advogados e os mesmos lhe aconselharam a não realizar tal teste.
31.– Ora, para além de resultar de modo manifesto do depoimento da referida testemunha que nunca ordenou ou mandou o arguido soprar no bocal dos referidos aparelhos, tendo apenas informando e solicitado para realizar o teste, a verdade é que, o depoimento do próprio agente da P.S.P, no que concerne à justificação aventada pelo arguido para não aceder à sua solicitação- a de que teria sido aconselhado pelos seus advogados nesse sentido- é irrazoável, e que não extravassa o quadro normal das regras de experiência. Na verdade,  é ilógico que o arguido tenha aventado tal justificação para não realizar o putativo teste que lhe foi solicitado ( e não ordenado!),  até porque, conforme, resulta do próprio auto de notícia por detenção a fls…dos presentes autos, foi o mesmo agente que confirmou que o arguido não contactou com qualquer pessoa- leia-se incluindo defensor, no período em que esteve detido- e como tal não faria sentido que o arguido pudesse- porque estava acompanhado pelos Srs Agentes da P.S.P, ter indicado sequer tal motivo para a alegada recusa.
32.– Ademais, seria mais plausível, e verosímil, e facilmente aceitável, se no seu depoimento,  o Sr Agente Paulo S..., se tivesse referido que o arguido estava embriagado, e como tal, recusou-se efectuar o teste para “ subtrair a uma responsabilidade criminal distinta da que incorreria”, já que, aí, afigurava-nos “mais  justificável”  a sua atitude para  não realizar o mencionado teste.
33.– Por outro lado, do depoimento da testemunha DUARTE T... [ depoimento audível 28.03.2017 passagem 15.20.24-15.41.22], tornou ainda mais claro, no entendimento da defesa, que ao arguido nunca foi solicitado, nem tampouco ordenado, a realização de teste de alcoolemia.
34.– Depôs a id testemunha no sentido de confirmar que, apenas foi solicitado ao arguido que efectuasse o teste de alcoolemia. Nunca ao longo do seu depoimento, referiu, que tivesse sido ordenado, ao mesmo a sua realização.
35.– A testemunha Duarte T... apresentou assim um depoimento, pormenorizado, e aparentemente convicto, alterando-o, aquando do contra-interrogatório realizado pela defesa, e por diversas e incessantes insistências do tribunal a quo, tudo com vista, quiçá  a ser corroborado o depoimento da testemunha Paulo S...; insistências essas, que retiraram, genuinidade, espontaneidade ao depoimento da referida testemunha, que procurou moldar as suas respostas, às sucessivas e, diríamos, com o devido respeito, sugestivos esclarecimentos que iam sendo suscitados pelo tribunal a quo, durante o seu contra-interrogatório.
36.– Desde logo, no que concerne, à alegada possibilidade comunicada ao arguido de efectuar o teste mediante colheita de sangue, que o mesmo referiu ter presenciado ( invertendo o seu depoimento, desmentindo-se, após as sucessivas insistências do Mm.º Juiz a quo, e  tudo no sentido de ir ao encontro do que a anterior testemunha PAULO S..., que havia sido inquirida anteriormente, havia asseverado).
37.– Ora, tal “desdita” da referida testemunha, quanto aquilo que terá sido comunicado ao arguido, aquando da “ solicitação” para realização do teste da alcoolemia, não pode, com o devido respeito pelo insigne tribunal, ficar legitimado, por lapsos de memória, conforme, fora escorreito em sede de fundamentação da convicção do tribunal sobre a matéria factual. 
38.– A justificação para tal facto assenta, sem qualquer pavio,  na falsidade do depoimento apresentado- na verdade, e como de resto é do conhecimento dos operadores judiciários, os Srs Agentes Policiais, quando são indicados como testemunhas, procuram efectivamente, indagarem-se sobre o que versa o processo que irão depor, designadamente se tiveram ou não intervenção processual nesses mesmos autos, sendo pois, até muitas vezes frequentes, que os mesmos se façam acompanhar, na própria audiência de julgamento, de peças/autos para poderem responder com maior assertividade e rigor às questões que lhe são colocadas.
39.– Os lapsos de memória, não se confundem a momentos de  resposta com convicção e com certeza à uma determinada questão, que logo depois, por insistência, de outra entidade, que pretende legitimamente ver manifestas contradições serem sanadas, corrigirem-se com o “ contrário  que havia resultado do contraditório”…
40.– Que credibilidade poderá merecer a id. testemunha, ao ponto do seu depoimento, ser considerado idóneo à sustentação de uma sentença condenatória?! Quando inclusivamente, é a referida testemunha que não admite quando contra-interrogada pela defesa, ter apreendida  a carta de condução do arguido- motivo afinal que esteve na origem dos presentes auto- e que apenas após três sucessivas interpelações, nesse mesmo sentido, é que afinal vem admití-lo…
41.– Não deixa, por outro lado, novamente, ser curioso de assinalar, a coincidência- quiçá acerto- no depoimento desta testemunha com o da depoimento da testemunha Paulo S..., Agente da P.S.P, quanto ao alegado motivo, indicado pelo arguido para não querer submeter-se ao teste de pesquisa de álcool no sangue por ar expirado.
42.– Na verdade, também esta testemunha, quanto à essa situação, asseverou que o arguido, conforme supra se transcreveu, e posição que se especificou, que “ …os advogados já haviam aconselhado antes para o arguido não fazer nenhum teste quando fosse intereceptado pela polícia(…)”. É crível, que o arguido tenha referido isso?  
43.– Não seria mais lógico, que o arguido, uma vez que na versão da referida testemunha, se apresentava alcoolizado, com aparência de quem havia consumido álcool, que tivesse recusado a realização de tal teste, com outro qualquer fundamento, tanto mais, que, as sanções aplicáveis a um tipo legal e outro ( designadamente, quanto às penas acessórias são idênticas), que não na desculpa, descabida, inaceitável, e repudiável aventada concertada  opacidade das referidas testemunhas?
44.– Por outro lado, o depoimento das testemunhas arroladas pela defesa, e bem assim das próprias declarações do arguido, impunha no nosso humilde entendimento, que se julgasse como não provada a factualidade supra impugnada.
45.– Senão vejamos, o arguido[ depoimento audível em  28.03.2017, passagem 14.46.09 às 15.02.37], referiu que a situação motivadora da sua detenção ateve-se,  à dúvida que foi suscitada por parte do agente .....,  acerca de genuinidade da sua carta de condução .
46.– Sendo crucial para apreciação da credibilidade das declarações prestadas pelo arguido, torna-se o depoimento da testemunha ...[ depoimento audível – 28.03.2017, passsagem 15.42.08 às 15.47.43], que embora circunstanciado, assume no entendimento da defesa relevância para efeitos, de escrutínio da convicção formada pelo tribunal a quo, sobre a matéria de facto, e que ora se transcreve, e bem assim da testemunha  ..... [ 28.03.201, passagem 15.48.17 às 15.52.50]
47.– E finalmente a prova documental junto aos autos, designadamente, o relatório do graduado de serviço, no qual não consta a referência de entrega à referida patrulha de elementos da PSP de qualquer aparelho qualitativo DRAGER, no turno 00h45 às06h45 do dia 24.05.2016, o que se traduz, na impossibilidade fáctica de ter sido solicitado a realização de qualquer teste de alcoolemia ao arguido no local em que foi abordado da PSP, junto do seu estaleiro, e como tal, colocando em causa a credibilidade dos depoimentos das testemunhas de acusação.
48.–  Sem prejuízo do supra exposto,  o recorrente considera que, a factualidade julgada como provada, não era suficiente para condenar o arguido pelo crime de que veio acusado.
49.– Com efeito, a condenação pelo prática do crime de desobediência, pressupõe que tenha dimanado de uma autoridade ou funcionário competente uma ordem ou mandado legítimo.
50.– Ora, no caso em apreço, resulta da factualidade provada  que o agente que fiscalizou o arguido , pretendeu que aquele fosse submetido a teste de pesquisa de álcool no sangue.
51.– Contudo, e salvo melhor opinião, para que o agente incorra na prática deste tipo de ilícito penal, não basta que o agente/autoridade pretenda que condutor seja submetido a tal teste, sendo pois necessário um plus: isto é, um comando, uma ordem.
52.– Ora o tribunal a quo, ao considerar que basta que haja uma solicitação/pretensão do funcionário ou autoridade dirigida ao condutor, no sentido de o submeter,  ao teste de pesquisa de álcool no sangue, incorre na prática no crime do p.p al a) do n.º 1 do art.-º 348.º do CP, e n.º 1 do art.º 152.º n.º 1 al. a) do CE,  violou tal normativo legal.

Em resposta o M.P. conclui:
«–  O indeferimento de produção de prova em audiência obedeceu ao critério estrito de desnecessidade e impertinência que o requerimento revestia, face ao objecto do processo e à documentação já junta aos autos, em concordância com o poder de disciplina do juiz, nos termos do disposto no art.º 340.º, n.ºs 1 e n.º 4, do CPP.
–  A prova foi apreciada segundo as regras da experiência e da livre convicção do julgador (cfr. art. 127.º, do Código de Processo Penal) e o texto da decisão recorrida reflete com toda a clareza o processo lógico efetuado.
A ordem ou mandado legítimos para praticar qualquer facto, neste caso o teste de despiste de álcool no sangue, não tem conteúdo predefinido em palavras específicas, relevado apenas a recusa em sujeitar-se ao mesmo, recusa que também pode revestir formas e palavras diversas, não sendo por isso causa de alteração não substancial de factos referir que o arguido foi solicitado a fazer o teste em vez de referir que lhe foi dada ordem, não se configurando assim nenhuma alteração de factos e qualquer violação do art.º 358.º do CPP .
–  A sentença recorrida não padece de qualquer dos vícios elencados no n.º 2 do art.º 410.º do CPP, os quais teriam que resultar, de forma necessária, do texto em causa.
–  A sentença recorrida ponderou corretamente os factos e os pressupostos de aplicação das penas.
Deste modo, deve negar-se provimento ao recurso interposto pelo Recorrente.»

Neste Tribunal da Relação a Exma. PGA acompanha a resposta da 1.ª instância.

Em despacho preliminar foi decidido proferir decisão sumária de indeferimento do recurso.

Colhidos os vistos e realizada a Conferência cumpre apreciar e decidir.

Tal como se consignou no despacho reclamado, importa conhecer a sentença recorrida nos segmentos necessários à decisão.
«(…)
No dia 24 de Abril de 2016, cerca das 6 horas e 20 minutos, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de marca “Renault” e matrícula ...., na Estrada Nova do Castelejo, Estreito Câmara de Lobos, na zona da britadeira da empresa “José A... P..., S. A.”, quando foi sujeito a uma operação de fiscalização de trânsito por uma patrulha da P. S. P.
Quando um dos agentes da P. S. P. que integrava a patrulha o pretendeu submeter ao exame de pesquisa de álcool no sangue, pelo método do ar expirado, num aparelho qualitativo ou de despiste, o arguido recusou-se terminantemente a fazê-lo e, transportado à Esquadra da P. S. P. de Câmara de Lobos, a fim de ser submetido ao exame de pesquisa de álcool no sangue, desta feita num aparelho de medição quantitativa, também aí o arguido se recusou terminantemente a efectuar qualquer teste de ar expirado no aparelho.
Foi advertido pelo agente da P.S.P. que o fiscalizava de que incorreria na prática do crime de desobediência, caso não fizesse aquele teste e, não obstante tal advertência, o arguido persistiu no propósito de não realizar o exame de pesquisa de álcool no ar expirado.
Agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida como crime.
O arguido aufere um rendimento mensal de cerca de 700 euros.
Não tem encargos com habitação, pois vive em casa dos pais.
Tem como habilitações literárias nove anos de escolaridade.
Não tem antecedentes criminais.

FACTOS NÃO PROVADOS.

Foi proposto ao arguido efectuar exame de pesquisa de alcoolemia através de recolha de sangue, o que ele recusou.
  
FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO.

As declarações prestadas pelo arguido foram quase diametralmente opostas às declarações prestadas pelas testemunhas ......., agentes da P. S. P., aquele, o autuante.
Enquanto o arguido afirmou que, não apenas nunca se recusou a soprar nos aparelhos de medição de alcoolemia, como nunca, em momento algum, tal procedimento lhe foi solicitado, os agentes da P. S. P. referidos declararam, em contrapartida, que ao arguido foi ordenado que efectuasse o teste, primeiro num aparelho meramente qualitativo ou despiste, no local onde foi mandado parar e, posteriormente, já na esquadra da P. S. P., num aparelho de medição quantitativa, persistindo o arguido sempre numa atitude de recusa terminante a efectuar o teste, isto é, a soprar para o bocal dos aparelhos, recusa que persistiu quando lhe foi cominada a autoria de um crime de desobediência.
De comum, as declarações do arguido e dos agentes apenas têm a perspectiva de que o arguido estava, efectivamente, a conduzir o veículo identificado no contexto espácio-temporal dado como provado.
Alega o arguido que a razão de ter sido conduzido à esquadra da P. S. P. se prendeu exclusivamente com a imputação que lhe faziam de a guia de condução substitutiva da carta de condução ser falsa.
As testemunhas arroladas pelo arguido, ......, respectivamente unida de facto e funcionário do arguido, declararam não ter assistido ao que se passou entre os agentes e o arguido, pelo que o relevo dos seus depoimentos é limitado e não coloca em causa, de forma minimamente relevante, a veracidade do depoimento daqueles. Destaca-se, de qualquer modo, que a primeira das referidas testemunhas corroborou a versão do arguido, no sentido de que declarou que, quando o foi buscar à esquadra da P. S. P., o arguido lhe disse que a razão da sua condução pelos agentes a esse local se prendeu com uma questão da falsidade de um documento de habilitação para condução.
Outro elemento probatório a relevar, desta feita de carácter documental, é o relatório do graduado de serviço na Esquadra da P. S. P. na madrugada do evento, onde o mesmo fez constar que, pelas 6H20, o móvel 30 conduziu a esta esquadra um indivíduo por se ter recusado a efectuar o teste do álcool, tendo o mesmo sido detido por desobediência pelo agente Paulo S... (fls. 98 vº dos autos). Assim, a versão dos factos apresentada pelas testemunhas agentes da P. S. P. na audiência é a mesma que já tinha ficado igualmente consagrada, em documento oficial, subscrito por terceiro elemento da P. S. P., logo na noite do evento.
Perante esta conjugação de elementos probatórios, considera o Tribunal que é da mais elementar razoabilidade dar credibilidade ao depoimento dos agentes da P. S. P. e não ao do arguido que, ao contrário dos agentes, tem um interesse directo e fundamental no desfecho do processo  
Entre a palavra dos agentes da P. S. P., em relação aos quais se deve presumir, até demonstração do contrário, como meramente interessados no exercício imparcial da sua actividade profissional, e a do arguido, manifesto beneficiário de uma falta de prova da acusação, deu o Tribunal prevalência à primeira. Entre o depoimento dos agentes houve apenas uma dissidência relevante, que consistiu no facto de o agente Paulo S... ter declarado que, estando o arguido em condições de efectuar o teste de alcoolemia pelo método do ar expirado, nunca lhe sugeriu ou indicou que o poderia fazer por recolha de sangue, enquanto o agente Duarte Teixeira começou por dizer que ao arguido também foi dada a possibilidade de fazer o exame por recolha de sangue e, depois, corrigiu a sua afirmação, dizendo que o que o agente Paulo S... mencionou ao arguido foi a eventualidade de, em caso de incapacidade de efectuar o teste pelo método do ar expirado, a lei prever a possibilidade de realização do teste por recolha de sangue. Relativamente a esta discrepância, deve assinalar-se que o agente Paulo S... foi o agente autuante e o agente que, reconhecidamente pelos dois agentes, liderou a abordagem e o contacto com o arguido, ao longo do procedimento policial. Nesta medida, é de aceitar que ele, melhor do que o seu colega, esteja em condições de pormenorizar o evento. Esta discrepância não coloca em causa, na perspectiva do Tribunal, a credibilidade do cerne do depoimento dos agentes, podendo ser perfeitamente explicável com um lapso de memória do agente Duarte T... sobre este específico pormenor. Não podemos perder de vista que a credibilização da versão do arguido implica necessariamente que os agentes o estejam a caluniar e, pior do que isso, a montar-lhe uma armadilha destinada a incriminá-lo e a obter a sua injusta condenação judicial pela autoria de um crime. Se, em tese, uma hipótese desta natureza não se pode liminarmente descartar, o certo é que não é muito provável que, por causa de uma bagatela penal como esta, os agentes arriscassem a sua carreira, a sua reputação e a sua liberdade, pelo que, na prática, é amplamente inverosímil.
Pela ponderação de tudo o exposto, foi julgada provada a acusação, apenas com a excepção do pormenor já relevado supra.
A situação sócio-económica do arguido e a ausência de antecedentes criminais resultaram, respectivamente, das declarações por ele prestadas e da análise do seu C. R. C., junto aos autos.

ENQUADRAMENTO JURÍDICO - PENAL DOS FACTOS.

Resulta da conjugação dos artigos 152º, nº 1, al. a) e nº 3 e 153º, nºs 1 e 8 do C. da Estrada que os condutores de veículos devem submeter-se às provas estabelecidas para a detecção dos estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias legalmente consideradas como estupefacientes ou psicotrópicas, devendo o exame ser feito por agente de autoridade, mediante aparelho apropriado para o efeito, sendo punidas por desobediência as pessoas que se recusem a fazê-lo.
É, desta forma, feita uma remissão material para o artº 348º, nº 1, al. a) do C. Penal, onde é punida a desobediência simples, por remissão de norma legal.
Este crime é igualmente susceptível de ser punido com a sanção acessória de proibição de condução de veículos motorizados, nos termos do artº 69º, nº 1, al. c) do C. Penal, atenta a redacção conferida a este artigo pela Lei nº 77/01, de 13/07.
O arguido, quando conduzia um veículo automóvel numa via pública, foi abordado por agente da P. S. P., no exercício das suas funções policiais rodoviárias, tendo-lhe sido solicitado que efectuasse o teste de alcoolemia pelo método do ar expirado, por duas vezes, uma no local e, depois, na esquadra, com a cominação de que incorreria na prática de um crime de desobediência se não fizesse o teste.
Ele sabia que os agentes da P. S. P. tinham a autoridade legal para lhe dar tal ordem e que a mesma era legítima (cfr. artº 153º do C. da Estrada).
Assim, não subsistem dúvidas, em face dos factos provados, que se verificou uma recusa voluntária da medição da taxa de alcoolemia, por parte do arguido, o que configura a prática de um crime de desobediência, punido pela conjugação das normas supra citadas.

DA PENA.

O crime de desobediência é punido com a pena de prisão até um ano ou multa até cento e vinte dias, tendo a sanção acessória de proibição de condução de veículos motorizados uma moldura penal de três meses a três anos.
Determinadas as molduras abstractas, importa fixar as penas concretas a aplicar ao arguido, mediante a intervenção dos critérios estipulados no artigo 71º do C. Penal. De acordo com estes critérios, há um limite inultrapassável que opera dentro da própria moldura abstracta e que é constituído pela culpa do agente. Por outro lado, e considerando agora o limite inferior desta moldura concreta aplicável ao agente, não pode em caso algum o tribunal colocar a pena abaixo de um limite que ainda suporte a reafirmação contrafáctica da norma violada e, nesta medida, as expectativas comunitárias na validade da norma.
É dentro destes limites, constituídos no seu ponto superior pela culpa do agente (cfr. artigo 40º, nº 2 do C.P.) e, no seu ponto inferior pelas exigências de prevenção geral, que serão levadas em conta as exigências de prevenção especial, com vista á prossecução do objectivo traçado na parte final do nº 1 do artigo 40º do C.P. (neste sentido, Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, pags.214 e ss. e 245 a 248).
Na situação concreta dos autos, pesa a favor do arguido o facto de ter o registo criminal sem averbamentos, o que é muito relevante na sua idade.
Por este motivo, considera o Tribunal que a opção pela pena de multa ainda servirá satisfatoriamente as finalidades da punição (cfr. artº 40º, nº 1 do C. Penal).
A ilicitude do comportamento do arguido é elevada.
A culpa é elevada, com intenso dolo directo.
As exigências de prevenção geral em causa neste tipo de crime são também particularmente elevadas.
A sua situação financeira permite a fixação de um quantitativo diário da multa apenas ligeiramente acima do mínimo legalmente previsto.
Não se tendo apurado o nível da taxa de alcoolemia com que o arguido conduzia e perante a ausência de antecedentes criminais, não existem fundamentos bastantes para elevar a sanção acessória acima do mínimo legalmente previsto.»

São suscitadas as seguintes questões no presente recurso:
1– Falta de fundamentação de despacho que indeferiu produção de prova no decurso da audiência e nulidade de tal decisão, por violação do disposto no art.º 340.º, n.º 1 do CPP.
2– Nulidade da sentença, por condenar por factos diversos dos da acusação.
3– Nulidade da sentença, por insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
4– Nulidade da sentença, por erro na apreciação da prova.
5–  Matéria de facto

1.ª questão: Falta de fundamentação do despacho que indeferiu produção de prova no decurso da audiência e nulidade de tal decisão, por violação do disposto no art.º 340.º, n.º 1 do CPP.
Tal como consta no despacho reclamado e como refere o M.P., o indeferimento de produção de prova em audiência obedeceu ao critério estrito de desnecessidade e impertinência que o requerimento revestia, face ao objecto do processo e à documentação já junta aos autos, em concordância com o poder de disciplina do juiz, nos termos do disposto no art.º 340.º, n.ºs 1 e n.º 4, do CPP. Tal particular encontra-se gravado razão pela qual foi ouvido e, assim, confirmado o fundamento estribado no art.º 340.º, n.ºs 1 e n.º 4, do CPP.
Assim, neste particular, improcede a pretensão do recorrente.

2.ª questão: Nulidade da sentença, por condenar por factos diversos dos da acusação.
Está em causa a nulidade da sentença, por condenar por factos diversos dos da acusação.

Refere o recorrente:
«Desde logo, saliente-se que na Acusação pública, refere-se que o arguido (…) ao ser submetido ao exame de pesquisa de álcool no local da ocorrência, recusou terminantemente efectuar o teste (…).
Contrariamente, na sentença recorrida, considerou-se para efeitos de apuramento da responsabilidade criminal do arguido que (…) Quando um dos agentes da P.S.P que integrava a patrulha o pretendeu submeter ao exame de pesquisa de álcool no sangue, pelo método expirado (…) o arguido recusou-se terminantemente a fazê-lo (…)”.
Ora, há que admitir efectivamente, que a factualidade que é imputada ao arguido, na  acusação pública, assume um figurino jurídico-penal distinto da “ moldação” dos factos que o tribunal a quo operou.
Com efeito, ao passo que o titular da acção penal refere que o arguido “foi submetido ao exame de pesquisa de álcool(…)”, embora tenha “recusado fazê-lo”- na douta sentença sob recurso refere-se que o arguido nem foi submetido ao referido exame, já que, e segundo a fundamentação expendida na douta sentença, “ quando um dos agentes da PSP, que integrava a patrulha o pretendeu submeter ao exame(…)o arguido recusou-se(…).”
Por conseguinte, é notória, a alteração do quadro factual, operado pelo tribunal a quo, por referência, à delimitação operada pelo titular da acção penal.
Pelo que, impunha-se, salvo melhor e devido respeito, que, o tribunal a quo, desse cumprimento ao disposto no n.º 1 do art.º 358.º do CPP, pelo que ao ter violado o disposto no n.º 1 do art.º 358.º do CPP, irremediavelmente, entende o recorrente que a sentença recorrida, está ferida do vício de nulidade».

Vejamos.

A redacção constante da acusação não refere que o arguido foi efectivamente submetido ao exame de pesquisa do álcool mas sim que «ao ser submetido… se recusou a efectuar», isto é, não chegou a concretizar o exame.
Posto este esclarecimento a questão reduz-se a uma alteração semântica e não, verdadeiramente, uma alteração de factos.
Aliás, nunca se colocaria a hipótese de uma alteração substancial dos factos pois não está em causa a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis (cfr. Art. 1.º CPP), restringindo-se o raciocínio a uma alteração não substancial dos factos.

Vejamos.

A relação entre uma palavra (vox) e uma coisa (res) ou um ser (aliqua) pressupõe um sentido e esse sentido pode ser expresso por diversas palavras sem que para qualquer receptor se perca o referente.
Como Pedro Hispano refere no seu Tratado “De Suppositionibus” importa distinguir a “significatio” de “suppositio”, aquele geral e este como o que num determinado contexto designa efectivamente o referente.  
A ordem ou mandado legítimo para praticar qualquer facto, neste caso o teste de despiste de álcool no sangue, não tem conteúdo predefinido em palavras específicas, importa sim transmitir a mensagem de forma a que seja devidamente compreendida, importa fixar a recusa que também pode revestir formas e ser expressa em palavras diversas, não sendo por isso causa de alteração substancial ou não substancial de factos referir que ao arguido foi dito ou solicitado a fazer o teste em vez de referir que lhe foi dada ordem, sendo o referente bem compreendido pelo arguido, não se configurando assim nenhuma alteração de factos e qualquer violação do art.º 358.º do CPP.

E, conforme se consigna na sentença recorrida: «Enquanto o arguido afirmou que, não apenas nunca se recusou a soprar nos aparelhos de medição de alcoolemia, como nunca, em momento algum, tal procedimento lhe foi solicitado, os agentes da P. S. P. referidos declararam, em contrapartida, que ao arguido foi ordenado que efectuasse o teste, primeiro num aparelho meramente qualitativo ou despiste, no local onde foi mandado parar e, posteriormente, já na esquadra da P. S. P., num aparelho de medição quantitativa, persistindo o arguido sempre numa atitude de recusa terminante a efectuar o teste, isto é, a soprar para o bocal dos aparelhos, recusa que persistiu quando lhe foi cominada a autoria de um crime de desobediência».

Fixada e devidamente fundamentada a versão que mereceu a credibilidade do tribunal, não pode esta instância alterar a mesma, a não ser nos casos especialmente previstos no CPP, o que in casu não sucede.

Improcede também neste segmento a pretensão do recorrente.

3.ª questão: Nulidade da sentença, por insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

Está em causa a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Tal insuficiência decorre, na alegação do recorrente, da seguinte argumentação: «só poderá falar-se da existência de um crime de desobediência quando, ante uma ordem ou mandado legítimo, regularmente comunicado por autoridade ou funcionário competente, tal ordem ou mandado não for acatado. No caso, resultou provado, que (…)  Quando um dos agentes da P.S.P que integrava a patrulha o pretendeu submeter ao exame de pesquisa de álcool no sangue(…) o arguido recusou-se terminantemente a fazê-lo(…).” Ou seja, o tribunal a quo considerou como demonstrado, é que o arguido recusou efectuar o teste de alcoolemia, na sequência da pretensão manifestada por parte do Agente da PSP, em submetê-lo a tal procedimento de fiscalização».
Mais uma vez a argumentação do recorrente radica numa subtileza morfológica ou de interpretação de escrita.
Lendo o 3.º § da matéria de facto da sentença recorrida (acima transcrita) não se vê que falte algum elemento fundamental como pretende o recorrente, em concreto a ordem e a correspondente advertência da consequência da recusa, é certo que poderiam ter sido utilizadas expressões diversas e, porventura, mais explícitas. No entanto, esse menor rigor não conduz à nulidade pretendida pois é suficientemente explicito o enquadramento de facto fixado na sentença.
Improcede, ainda neste segmento, a pretensão do recorrente.

4.ª questão: Nulidade da sentença, por erro na apreciação da prova.

Do erro na apreciação da prova.
Erro notório é aquele que resulta patente no texto da decisão e surge quando se tira de um facto provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum; assim também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras da experiência ou as legis artis, como quando o Tribunal se afasta infundadamente dos juízos dos peritos.
Ora, perante o texto da sentença recorrida, não se vislumbra qualquer desconformidade lógico-racional, contradição ou arbitrariedade. Os factos são singelos pois o caso assim o é. E, como já se referiu, o menor rigor terminológico é, no entanto, suficiente para a boa compreensão do sucedido.
É certo que tal como 2+2=2+1+1=3+1, isto por haver um referente que são 4, o resultado de qualquer das somas, também o sucedido nos autos que será o referente, pode ser expresso de diversas formas. A expressão vocabular diversa de um mesmo quadro fáctico, não constitui alteração de referente, isto é, daquela certa e determinada realidade de facto.
O tribunal recorrido aceitou uma versão a qual explicitou de forma clara nos seus fundamentos e a composição do referente não padece de qualquer erro, ambiguidade ou falta que importe sancionar.
Em suma, ainda neste ponto, improcede o recurso.

5.ª questão: Matéria de facto.

Esta questão, de alguma forma, precede as anteriores mas também encerra a conclusão de todas elas.

Vejamos.

A sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que debruçando-se sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações: a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos que o recorrente entende incorretamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam; a que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações; a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma “intervenção cirúrgica”, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso; a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da recorrida al. b) do n.º 3 do artigo 412.º do CPP.

Confrontadas as provas aduzidas pelo recorrente com aquelas constantes da sentença recorrida, não se vê erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente mas antes uma outra distinta visão. É como se o recorrente pretendesse que, utilizando a linguagem da lógica formal, 2+2=1+1+1, o que não é possível pois cada parcela se reporta a dois referentes diferentes, a saber o 4 e o 3, respectivamente.

Sucede que a versão do recorrente não impõem decisão diversa da recorrida uma vez que esta é pertinente e alicerçada em fundamento de facto bastante.

São dois relatos distintos de uma realidade que este Tribunal de recurso não vai julgar de novo e, apenas, indagar se existe motivo bastante para alterar a sentença recorrida o que, como se deixou dito não sucede.

Considerando que a objectividade judicial deve ser construída e não somente dada ou descrita (tal como a normatividade de Kant em oposição à teoria da objectividade de Hume), podemos afirmar que a decisão recorrida constrói, em termos de suficiência, o quadro fáctico de que depende a procedência da acusação.

Improcedendo, também neste ponto, a pretensão do recorrente.

Pelas razões expostas, Acorda-se em Conferência no Tribunal da Relação de Lisboa em  julgar não provido o recurso interposto por ....

Custas a cargo do recorrente fixando-se a taxa de justiça em 5 UC.


Lisboa, 11 de Abril de 2018


Moraes Rocha

Vasco Freitas