Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ARTUR VARGUES | ||
Descritores: | OBRIGAÇÃO DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO MEDIDAS DE COACÇÃO SUBSTITUIÇÃO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/14/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Sumário: | I - Sendo a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação substituída pela medida de proibição do arguido se ausentar para o estrangeiro sem autorização prévia, prevista no artigo 200º, nº 1, alínea b), do CPP, o prazo de duração desta última medida é o previsto no artigo 215º, nº 1 (in casu, elevado nos termos do nº 3, por ter sido declarada a excepcional complexidade dos autos), por força do consagrado no artigo 218º, nº 2, iniciando-se no dia em que a mesma é aplicada. II - Na contagem do prazo máximo de duração desta medida não se incluem os períodos em que o arguido esteve sujeito à prisão preventiva e obrigação de permanência na habitação. III - A medida de coacção de proibição de se ausentar para o estrangeiro sem prévia autorização, quando aplicada em obediência aos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, como impõe o artigo 193º, do CPP, ainda que afecte a liberdade de circulação, não configura violação do princípio de livre circulação, não obliterando o consagrado no artigo 2º do Protocolo Adicional nº 4 à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, artigos 6º, 15º, 20º e 21º, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigos 2º, 6º e 9º, do Tratado da União Europeia, artigos 18º, 20º e 45º, do Tratado de Funcionamento da União Europeia, Directiva de 2004 sobre a Liberdade de Circulação e Convenção sobre a Aplicação do Acordo de Schengen. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I - RELATÓRIO 1. No Tribunal Central de Instrução Criminal, Processo de Inquérito com o nº 122/13.8TELSB, foi proferido despacho, aos 26/01/2016 que, relativamente a requerimento apresentado pelo arguido J., decidiu não haver lugar a apreciação da questão de que seja determinado ao Ministério Público que profira despacho de arquivamento ou seja declarada verificada a caducidade do direito do Ministério Público exercer a acção penal; indeferiu a pretensão de extinção, por caducidade, das medidas de coacção vigentes; indeferiu o invocado justo impedimento para preparar e interpor recurso sobre a decisão de fls. 23.869 e o pedido de prorrogação do prazo para interposição desse recurso e indeferiu a pretensão de que fosse admitido o recurso interposto do despacho de fls. 23.869, com pagamento de multa pela apresentação no terceiro dia útil após o termo do prazo para o efeito. 2. Inconformado com o teor do referido despacho, dele interpôs recurso o arguido, para o que formulou as seguintes conclusões (transcrição): A. O recorrente conforma-se apenas parcialmente com a decisão recorrida sobre as medidas de coacção, na parte que tange à medida de coacção proibição de contactos com outros arguidos, pretendendo neste recurso impugnar o decidido relativamente à proibição de se ausentar para o estrangeiro. B. É certo que ambas encontram previsão no artigo 200º do Código de Processo Penal (CPP), sendo prima fatie aplicável o disposto no artigo 217º nº 2 do mesmo diploma. Todavia, entende o recorrente, após melhor reflexão, que é absolutamente distinta a natureza de uma e a de outra. C. A medida de não se ausentar para o estrangeiro, prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 200º, ao contrário ou diferentemente da primeira, consubstancia-se numa efectiva restrição da liberdade de circulação, constituindo uma verdadeira medida cautelar privativa da liberdade – tal como este conceito vem previsto no artigo 2º do protocolo adicional nº 4, para a protecção dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. D. Nesse sentido mesmo se pronunciou o Tribunal de Justiça da União Europeia. E. O direito à liberdade de circulação é um princípio fundamental da União Europeia, tutelado pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia – cf. artigo 6º, 15º, 20º, 21º -, pelo Tratado da União Europeia – cf. artigos 2º, 6º e 9º - e pelo Tratado de Funcionamento da União Europeia – cf. artigos 18º, 20º e 45º -, pela Directiva de 2004 sobre a liberdade de circulação e pela Convenção sobre a Aplicação do Acordo de Schengen. F. Ora, por força da medida em causa, e considerando a perspectiva da União, do seu espaço e do seu Direito, está o recorrente a ser tratado como se fosse um estrangeiro no Espaço Europeu, vendo coartado o seu direito à liberdade, à livre circulação no espaço Schengen. G. Parece ao recorrente ser ilegítimo, face às normas e aos princípios em que se funda a União Europeia, e que vinculam o Estado Português, que este possa, através do seu poder judicial, sujeitar o recorrente a sucessivas restrições ou compressões desse direito, duplicando assim o prazo legalmente previsto para qualquer delas. H. Por imposição constitucional do artigo 8º da Constituição, e por força das normas e princípios do Direito da União, o disposto nos artigos 217º nº 2 e 218º nº 2 deve ser interpretado conjugadamente no sentido de limitar a restrição à liberdade de circulação apenas ao prazo máximo aplicável, que no caso é o previsto no artigo 215º do CPP, devendo o tempo de prisão preventiva ou de obrigação de permanência na habitação ser descontado na contagem do prazo de duração máxima da proibição e imposição de condutas, quando respeite a medidas cautelares limitadoras da liberdade de circulação, I. Sob pena de a norma em causa, dos artigos 217º nº 2 e 218º nº 2 deverem ser julgadas inconstitucionais, precisamente por violação das normas e princípios supraconstitucionais antes citados, e do disposto nos artigos 8º e 27º da Constituição. J. O direito à liberdade significa, como decorre do contexto global desse artigo, direito “a liberdade física, à liberdade de movimentos, ou seja, direito de não ser detido, de não ser aprisionado, ou de qualquer outro modo fisicamente confinado a um determinado espaço, ou impedido de se movimentar. A Constituição não contém efectivamente uma disposição consagrando um direito à liberdade em geral, não garante a liberdade em geral, mas sim as principais liberdades em que ela se analisa”. K. Se na contabilização dos prazos máximos de aplicação sucessiva de medidas de coacção substancialmente restritivas de liberdade de circulação não for considerado o lapso temporal já decorrido naquela que foi cumprida em primeiro lugar, deverá concluir-se estar perante uma restrição injustificada da liberdade. L. No caso dos autos, para contabilização do prazo máximo da medida de coacção prevista no artigo 200º nº 1 alínea b) a que está sujeito, deve ser acrescentado o tempo a que esteve sujeito a prisão preventiva carcerária e domiciliária, razão por que considera que o prazo máximo da medida de proibição de ausência para o estrangeiro se mostra já extinto por caducidade. M. As duas decisões do Senhor Director do DCIAP proferidas ao abrigo do artigo 276º nº 7 do CPP significam que o ora recorrente continua a estar sujeito, como suspeito arguido, a um inquérito crime sem qualquer limite de prazo quanto à sua conclusão - de arquivamento ou de acusação. N. Resulta claramente da lei — artigo 276º nºs 1 a 5 do CPP — que qualquer inquérito crime está sujeito a prazos máximos e que, perante a comunicação do titular do inquérito prevista no artigo 276º nº 6 do CPP, ao seu superior hierárquico apenas cabe (a) avocar o processo ou (b) tomar os procedimentos que, na qualidade de superior hierárquico, entender serem úteis para imprimir celeridade ao inquérito, ficando obrigado a comunicar à Procuradora-Geral da República, ao arguido e ao assistente a «violação do prazo» e a decidir sobre «o período necessário para concluir o inquérito» - cf. artigo 276º n.º 7, que especifica que segmento da decisão deve ser dado conhecimento ao Procurador Geral da República, ao arguido e ao assistente: "da violação do prazo e do período necessário para concluir o inquérito". O. Não cabe legalmente ao superior hierárquico do titular do inquérito o poder ou faculdade de decidir fixar novos prazos para apresentação de informações complementares, por considerar que não haveriam elementos bastantes para fixar o período necessário para concluir o inquérito. Verificando, ou entendendo não existirem tais elementos, só lhe restaria fixar prazo curto para o arquivamento, talqualmente prescreve, de resto, o nº 2 do artigo 277º. P. Mostram-se evidentes as ofensas e restrições aos direitos fundamentais, que a sujeição como suspeito arguido a um inquérito crime sempre implica, desde logo o direito à paz jurídica, com tudo o que representa e significa. Q. Tais ofensas e restrições, no caso concreto, pelas especificas características individuais do ora recorrente, pela enormidade da devassa, pelo absurdo dessas restrições, pela manutenção indefinida e esmagadora de nuvens de suspeição, pela indiciariamente criminosa divulgação de elementos processuais ofensivos da dignidade pessoal e da boa e adequada realização da justiça, mostram-se gravíssimas e de todo injustificadas. R. Os prazos máximos de inquérito previstos no artigo 276º nºs 1 a 5 do CPP não têm, no modo de ver do recorrente, uma mera função ordenadora do exercício pelo Ministério Público da acção penal, ou apenas indicativa dos termos da conduta (seja qual seja a sua natureza: administrativa, jurisdicional ou outra) em que se consubstancia a sua intervenção no inquérito. Muito pelo contrário, a norma que fixa tais prazos máximos mostra-se passível de ser subjetivada, segundo a óptica do arguido potencialmente destinatário do acto lesivo, assumindo por isso o prazo legal, aqui, uma natureza garantística, que faz emergir para o arguido – para o cidadão – o direito subjetivo a, decorrido esse prazo, já não poder ser destinatário de uma decisão lesiva. Somente dentro desse prazo o Ministério Público se encontra habilitado a intervir, no âmbito de um concreto inquérito, sobre a esfera jurídica do arguido. S. Se o prazo legal, em procedimentos de iniciativa oficiosa, assumir a natureza de prazo máximo, tiver sido estabelecido como garantia do arguido — do cidadão, dos indivíduos - a obter uma definição da sua situação jurídica em cenários passiveis de conduzir a uma decisão com efeitos desfavoráveis (v.g., face à sua liberdade, honorabilidade, propriedade ou outros bens jusfundamentais), o decurso do prazo faz caducar o procedimento. T. Trata-se do afloramento de um princípio geral consagrado no artigo 128º, nº 6, do Código do Procedimento Administrativo (CPA), passível de encontrar outras manifestações ilustrativas, desde logo ao nível do processo penal (v.g., prazo máximo de inquérito), por força do disposto no artigo 32º nº 2 da CRP. Desde que exista um prazo máximo de decisão criado a favor ou como garantia do arguido — do cidadão - contra intervenções desfavoráveis na sua esfera jurídica, a inércia do Ministério Público - a inércia administrativa - produzirá efeitos preclusivos sobre o exercício dos respectivos poderes. U. Diferente entendimento não se coadunaria com os requisitos do artigo 276º do Código de Processo Penal para a extensão e alargamento destes prazos. Nem com a previsão do artigo 277º nº 2, que impõem que o inquérito seja arquivado se não tiver sido possível ao Ministério Público obter indícios suficientes da verificação do crime ou de quem foram os seus agentes, por esvaziar de sentido e tornar impossível a determinação temporal dessa possibilidade. Ou com o disposto no artigo 279º, que prevê a reabertura do inquérito se surgirem novos elementos de prova. V. Se as normas do artigo 276º nºs 1 a 5 forem interpretadas no sentido de não imporem um limite temporal máximo, um prazo máximo peremptório, para a conclusão do inquérito, ou se as normas do artigo 276º nºs 6 a 8 forem interpretadas no sentido de permitirem o afastamento de qualquer prazo máximo peremptório para a conclusão do inquérito (como parece resultar das duas decisões citadas do Senhor Director do DCIAP), as mesmas deverão ser julgadas inconstitucionais, por violação do direito de acesso ao Direito e tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20º nº 4 da CRP, e por violação das garantias de defesa, do direito à presunção de inocência e do direito à paz jurídica, consagradas no respectivo artigo 32º nºs 1 e 2. W. Continua a ser negado ao ora recorrente o conhecimento e o devido esclarecimento das razões invocadas pelos responsáveis pelo inquérito para não concluírem as investigações, já que - por decisão do titular do inquérito e do seu superior hierárquico Director do DCIAP - lhe foi recusada a obtenção de cópias das comunicações feitas ao abrigo do artigo 276º nº 6 do CPP. X. O recorrente entende que resulta dos autos - da consulta que só parcialmente lhe foi permitida, por violação pelo titular do inquérito de duas decisões da Relação de Lisboa (Acórdãos de 24 de Setembro e de 15 de outubro de 2015) - que o Ministério Público recolheu já prova bastante de nenhum crime ter sido praticado, e muito concretamente de ele não ter praticado crime algum. Y. Ou, pelo menos - o que os signatários concedem apenas por cautela de patrocínio, e sem prescindir -, que resulta exuberantemente dos autos que o Ministério Público não recolheu prova bastante de algum crime ter sido praticado, pelo menos por ele. Z. Não se tendo conformado com as decisões citadas do Senhor Director do DCIAP e do titular do inquérito, tentou o ora recorrente conhecer os respectivos fundamentos, que constam: da comunicação, prevista no artigo 276º nº 6 do CPP, enviada pelo titular do inquérito ao superior hierárquico e da resposta que deu ao despacho do superior hierárquico de 11 de Novembro; e de uma reunião de trabalho em 18 de dezembro de 2015. AA. Trata-se de peças atinentes ao processado deste inquérito, contendo necessariamente as razões que explicam o atraso e a indicação do período necessário para concluir o inquérito, conforme expressamente preceitua o nº 6 do artigo 276º do CPP. BB. A norma do artigo 276º nº 6 (como as dos respectivos 7 e 8), só pode ser entendidas como de concretização ou especificação da regra geral prevista no artigo 107º nº 2 do CPP, de que "os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei, por despacho da autoridade judiciária (...), a requerimento do interessado e ouvidos os outros sujeitos processuais a quem o caso respeitar, desde que se prove justo impedimento" - concretização ou especificação plenamente justificada pelas especificidades de se tratar, nestes casos, de prazos impostos à própria autoridade judiciária que dirige o inquérito, ao próprio titular do inquérito, e que neste caso é por isso mesmo substituído na decisão pelo seu superior hierárquico. CC. A comunicação formal prevista no artigo 276º nº 6 deve ser autuada no processado principal do inquérito e notificada a todos os arguidos e assistentes, e deve conter a alegação e a demonstração ou prova suficiente dos motivos que justifiquem não ter sido possível encerrar o inquérito no prazo máximo fixado na lei. DD. Só assim se justifica, no entender do recorrente, a inserção destas normas (dos números 6 a 8 do artigo 276º) no CPP. E só assim se mostram compatíveis com as garantias de defesa e, muito concretamente e especialmente, com o disposto nas normas constitucionais e supraconstitucionais já citadas antes, que preveem e garantem o direito a um processo equitativo a qualquer suspeito ou arguido em processo criminal. EE. Os argumentos do titular do inquérito não podem também proceder sob pena de inadmissível violação da decisão judicial contida no Acórdão, já citado, de 24 de Setembro, da 9a secção do Tribunal Relação de Lisboa, que, com efeitos a partir de 15 de Abril passado, lhe determinou desse conhecimento ao arguido de todos os elementos processuais relativos a este inquérito. FF. E porque, ainda que se tratasse de documento inserido "no relacionamento hierárquico dentro da magistratura do Ministério Público" e "sujeito apenas a sindicância hierárquica" (o que aqui se equaciona apenas por cautela de patrocínio), também nesse caso, pelas regras próprias do procedimento administrativo, se haveria de considerar ser o respectivo conhecimento direito do arguido, como cidadão, como individuo, como particular, afectado por tal acto. GG. Arrimando-se o Senhor Juiz, no despacho referido, à promoção do titular do inquérito de fls 23732 a 23737, que é mesmo dada por reproduzida em fundamentação dessa decisão de que o arguido pretende recorrer, sendo aquela comunicação nela invocada em seu fundamento (cf. último parágrafo de fls 23.870), e sendo tal comunicação apenas parcialmente e sinteticamente transcrita na decisão hierárquica de 11 de Novembro, ali igualmente invocada, mostra-se o integral conhecimento dessa comunicação essencial ao arguido para preparar e apresentar o recurso que pretende interpor. HH. Tal decisão do Director do DCIAP altera os pressupostos em que assentou o despacho citado de 23 de Novembro, agravando cada vez mais a posição processual do arguido e os seus direitos individuais e de cidadania, uma vez que a única conclusão que se pode retirar de toda esta, aparentemente concertada e ilegal – por violadora dos prazos máximos judicialmente fixados para este concreto inquérito –, actuação do Ministério Público e da sua estrutura hierárquica é a de que continua a não ser possível saber por mais quanto tempo este procedimento vai continuar, com os evidentes, gravíssimos e cada vez mais dificilmente reparáveis prejuízos que resultam dessa indefinição para a paz e a tranquilidade jurídica a que o arguido tem direito, para o seu bom nome, para a sua vida pessoal, profissional e política. II. E é reveladora de que a manutenção deste inquérito é cada mais injusta e também socialmente insustentável, para mais, quando resulta já claramente e manifestamente dos autos - de quanto se conhece dos autos, que ainda não é tudo, por insistência do titular do inquérito na inadmissível violação do decidido pela 9ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa no acórdão de 24 de Setembro –, que depois de mais de 30 meses de investigação formal neste inquérito, com recurso a todos os mais invasivos e intrusivos meios de investigação e de devassa, com a sujeição do arguido e de alguns dos seus coarguidos inclusivamente a prisão preventiva carceraria e domiciliária durante quase um ano, continua a não ser possível ao Ministério Público obter indícios suficientes (para a dedução de uma acusação) da verificação de qualquer crime ou de quem foram os seus agentes. Quando, antes pelo contrário, resulta de todos os meios de prova e de obtenção de prova existentes e produzidos – desde depoimentos pessoais de arguidos e de testemunhas, passando pela documentação apreendida em Portugal e no estrangeiro, até às intercepções de conversas e comunicações telefónicas e vigilâncias realizadas – que nenhum crime se verificou e que o arguido nenhum crime cometeu. JJ. Tal decisão e a insistência pelo titular do inquérito na recusa ao arguido do conteúdo ou razões das comunicações hierárquicas que efectuou, revelam que o arguido está efectivamente impedido, por facto que lhe não é imputável, a ele ou aos seus advogados, de efectiva e cabalmente o exercer, de preparar tal recurso impugnando os motivos que fundamentaram tal decisão de V.a Ex.a, motivos que na verdade continua a desconhecer. KK. Invocando o justo impedimento o recorrente pretendeu muito legitimamente conhecer a posição do titular do inquérito quanto ao que a lei, no artigo 276º nº 6, quando se verifica qualquer violação dos prazos previstos nos números 1 a 5, exige que ele indique na comunicação formal ali prevista. LL. Só assim estaria – estará – em condições de adequadamente recorrer da decisão em causa. E sem conhecer as comunicações a que tentou ter acesso tal era evidentemente impossível. MM. Quanto à questão da prorrogação de prazo importa esclarecer desde logo ser falso que o requerente tivesse tido até ao momento da decisão do Senhor Juiz a quo – ou até que tenha já tido – acesso à totalidade do processado. NN. O próprio titular do inquérito quem reconheceu que o recorrente colocou no seu requerimento efectivamente em causa a discussão da matéria indiciária, que é evidentemente matéria de facto - isso mesmo resulta da alínea b) da síntese feita desse requerimento pelo titular do inquérito: "b) O requerente entende que o Ministério Público recolheu prova bastante de que o arguido não praticou crime algum ou, ao menos, não recolheu prova bastante de que algum crime tenha sido praticado ou de que o arguido tenha praticado qualquer crime". TERMOS EM QUE PEDE SEJA REVOGADO O DESPACHO RECORRIDO, Justiça!
Fls. 22531 a 22534, com referência a fls. 25270 e 25349 e seg.s – Veio o arguido J., a douto punho, na sequência da prolação do despacho que ora faz fls. 23869 e seguintes, nos termos e com os fundamentos constantes do seu requerimento que aqui se dá por reproduzido, requerer, em alternativa, que: - Seja determinado ao Ministério Público que profira despacho de arquivamento do Inquérito, ou - Seja declarado, por caducidade, o direito do Ministério Público exercer a acção penal, ou - Sejam declaradas extintas as medidas de coacção de proibição de contactos e de ausência para o estrangeiro impostas ao arguido, ou - Seja reconhecido o justo impedimento para preparar e interpor o recurso sobre a decisão de folhas 23869 e seguintes, ou - Seja prorrogado o prazo para a interposição desse recurso, ou - Seja admitido o recurso, com pagamento de multa pela apresentação no terceiro dia útil após o termo do prazo. O detentor da acção penal, pronuncia-se nos termos e com os fundamentos constantes da douta promoção antecedente, que infra se transcreve: «Requerimento de folhas 25270 e seguintes, repetido a folhas 25349 e seguintes A Defesa do arguido J.vem, a pretexto da decisão de folhas 23869 e seguintes, invocar os mesmos argumentos já apresentados no seu requerimento de folhas 23732 e seguintes, para requerer, em alternativa, que: a) - seja determinado ao Ministério Público que profira despacho de arquivamento ou b) - seja declarado por caducidade o direito do Ministério Público exercer a acção penal ou c) - sejam declaradas extintas as medidas de coacção de proibição de contactos e de ausência para o estrangeiro ou d) - seja reconhecido o justo impedimento para preparar e interpor o recurso sobre a decisão de folhas 23869 e seguintes ou e) - seja prorrogado o prazo para a interposição desse recurso ou f) - seja admitido o recurso, com pagamento de multa pela apresentação no terceiro dia útil após o termo do prazo. A decisão de folhas 23869 e seguintes pronunciou-se, na sequência de requerimento do arguido, de folhas 23732 e seguintes, sobre a natureza do prazo de duração do Inquérito, que o arguido pretendia que fosse de caducidade, e sobre a titularidade do Inquérito e a extinção das medidas de coacção então vigentes. Nesse despacho claramente se decidiu que se encontra vedada ao JIC a direcção, a recolha e a selecção de prova em sede de Inquérito, face ao disposto no art. 268º do CPP, bem como se decidiu que o prazo de duração do Inquérito tem natureza meramente ordenadora e não peremptória. Entendemos assim, que as questões primeiramente suscitadas no requerimento agora em apreciação, determinação do arquivamento do Inquérito e caducidade do prazo do Inquérito, representam uma repetição do já judicialmente apreciado, visando apenas gerar uma nova decisão, pelo que promovemos se remeta o requerente para o já decidido, a folhas 23869 e seguintes. No que se reporta à extinção das medidas de coacção vigentes, proibição de contactos e de ausência para o estrangeiro sem prévia autorização, alega agora o requerente que as mesmas se devem considerar vigentes desde 21 de Novembro de 2014, razão pela qual estariam extintas por caducidade. Entendemos que não é admissível o raciocínio apresentado pelo requerente, uma vez que a decisão proferida na data de 24 de Novembro apenas determinou a aplicação de uma medida de coacção, a de prisão preventiva, medida essa que implicava a restrição total de movimentos por parte do arguido. No entanto, a apreciação sobre as medidas vigentes de proibição de contactos e de deslocação ao estrangeiro foi apenas aplicada por via da decisão proferida na data de 16 de Outubro de 2015, de folhas 22500 e seguintes, aliás sujeita já a recurso. Pelo exposto, entendemos que deve ser indeferida a pretensão de extinção por caducidade das medidas de coacção vigentes. No que se reporta ao alegado justo impedimento para a interposição de recurso sobre a decisão de folhas 23869 e seguintes, fundamenta-se o requerente na circunstância de lhe ter sido recusado o acesso a comunicações realizadas no âmbito da hierarquia do Ministério Público, designadamente as que teriam suportado o despacho proferido pelo Sr. Director do DCIAP de 11 de Novembro de 2015, de folhas 23522 e seguintes. No entanto, o requerimento que deu origem à decisão de folhas 23869 e seguintes, da qual o requerente diz pretender recorrer, não invoca o referido despacho do Sr. Director do DCIAP. Por outro lado, a promoção do Ministério Público que antecedeu e foi acolhida na decisão de folhas 23869 e seguintes apenas citou a referida decisão hierárquica quanto aos seus argumentos jurídicos, relativos à finalidade do Inquérito e seu encerramento. O despacho do Sr. Director do DCIAP, de folhas 23522 e seguintes, vale por si mesmo e foi objectivamente citado, na sua argumentação jurídica, em sede da promoção que antecedeu a decisão de que se pretende recorrer. Assim, ao contrário do agora pretendido, o acesso aos documentos de trabalho, internos do Ministério Público, que conduziram ao proferir do despacho de folhas 23522, são irrelevantes para efeito da interposição de recurso sobre a decisão de folhas 23869 e seguintes. Concluímos assim, não se poder considerar verificado justo impedimento, nos termos alegados, pela circunstância de não ter sido dado acesso a documentos extra-processuais, que não estão relacionados, em sede temática, com as questões apreciadas pela decisão de folhas 23869 e seguintes. No que se reporta ao pedido de prorrogação do prazo para a interposição de recurso, nos termos do art. 107º-6 do CPP, entendemos que o mesmo não merece acolhimento, uma vez que se mostram colocadas exclusivamente questões de direito, cuja discussão não depende da excepcional complexidade do procedimento, a qual se suporta exclusivamente em matéria de facto. De facto, tendo, à data da decisão de folhas 23869 e seguintes, o requerente já tido acesso à totalidade do processado e não estando em causa a discussão de matéria indiciária, mas apenas de questões jurídicas sobre a natureza do prazo do Inquérito, entendemos que a prorrogação solicitada não se integra na razão de ser do disposto no art. 107º-6 do CPP. Por último, pretende o requerente que seja admitido o recurso sobre a decisão de folhas 23869 e seguintes, por entender se encontrar no último dia para apresentação da interposição, com sujeição a multa. Verifica-se porem, que a decisão de folhas 23869 e seguintes foi notificada ao requerente via fax, na data de 23 de Novembro de 2015, conforme folhas 23875. O requerimento de interposição de recurso chegou ao TCIC, via mail, datado de 13 de Janeiro de 2016 — folhas 25269. Afigura-se-nos assim, atenta a notificação realizada por fax, que o prazo de interposição do recurso se havia esgotado na data de 8 de Janeiro de 2016, já descontado o período de férias judiciais e os três dias úteis posteriores para a prática dos factos. Pelo exposto, promovemos se indefira o requerido nos vários pontos alternativos suscitados pelo requerimento de folhas 25270 e seguintes, inclusive quanto à admissão do recurso interposto.» (sic). Cumpre decidir: Relativamente às questões agora repristinadas pelo arguido, designadamente para que seja determinado ao Ministério Público que profira despacho de arquivamento ou seja declarado, por caducidade, o direito do Ministério Público exercer a acção penal, já nos pronunciámos por despacho que ora faz fls. 23869 e seguintes e para o qual remetemos, nada mais havendo a apreciar e decidir, neste tocante. No tocante à requerida extinção das medidas de coacção de proibição de contactos e de ausência para o estrangeiro sem prévia autorização vigentes, verifica-se que as mesmas foram impostas por despacho proferido em 16/10/2015 (cfr. fls. 22500 e seg.s), aliás, posto em crise, por recurso interposto pelo arguido. Atenta a data de imposição de tais medidas de coacção, não se mostra ultrapassado o prazo máximo legalmente fixado para as mesmas, corroborando-se o entendimento sancionado pelo detentor da acção penal, ao qual nos arrimamos, de que não é admissível o raciocínio apresentado pelo requerente, uma vez que a decisão proferida na data de 24 de Novembro apenas determinou a aplicação de uma medida de coacção, a de prisão preventiva, medida essa que implicava a restrição total de movimentos por parte do arguido. Assim, indefere-se a pretensão de extinção, por caducidade, das medidas de coacção vigentes. Relativamente, ao alegado justo impedimento para preparar e interpor o recurso sobre a decisão de folhas 23869 e seguintes e ao pedido de prorrogação do prazo para a interposição desse recurso, vão os mesmos indeferidos, corroborando-se a argumentação de facto e de direito, a respeito, aduzidas pelo titular da acção penal na douta promoção supra transcrita, à qual nos arrimamos e aqui damos por reproduzida, não por falta de ponderação própria das questões, mas por simples economia processual. Finalmente, no tocante à questão suscitada pelo arguido de que seja admitido o recurso interposto do despacho de fls. 23869, com pagamento de multa pela apresentação no terceiro dia útil após o termo do prazo para o efeito, entendemos que assiste razão ao detentor da acção penal, quando aduz que o mesmo se mostra intempestivo. Com efeito, da compulsação dos autos, verifica-se que o despacho de fls. 23869 e seguintes foi notificado à Defesa do arguido, via fax, no dia 23/11/2015 (cfr. fls. 23875) e o requerimento de interposição de recurso foi remetido a este TCIC, via mail, no dia 13/01/2016 (cfr. fls. 25269). Assim, aquando da remessa do recurso a este TCIC, já o prazo legalmente previsto para esse efeito, se mostrava decorrido, tendo-se esgotado no dia 08/01/2016, já contando com os três dias úteis posteriores para a prática do acto, previstos no art.º 107.º-A, do CPP. Face ao exposto e, sem necessidade de mais considerações, indefere-se, também neste tocante, a pretensão do arguido, não se admitindo o recurso junto a fls. 25269 e seguintes, por se mostrar extemporâneo – ex vi do n.º 2, do art.º 414.º, do CPP. Apreciemos. Extinção por caducidade da medida de coacção de proibição do arguido se ausentar para o estrangeiro Sustenta o recorrente que para a contabilização do prazo máximo da medida de coacção prevista no artigo 200º, nº 1, alínea b), do CPP, a que se mostra sujeito (à data da prolação do despacho recorrido, entenda-se) deve atender-se também ao período temporal em que permaneceu sob as medidas de prisão preventiva e obrigação de permanência na habitação, pelo que aquele prazo se mostra já extinto por caducidade.
Resulta dos autos o seguinte: Após 1º interrogatório judicial, foi ao recorrente aplicada, aos 24/11/2014, a medida de coacção de prisão preventiva. Ora, as normas trazidas à colação terão necessariamente de ser conjugadas com o estabelecido no artigo 5º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, onde se consagra que: “toda a pessoa tem direito à liberdade e segurança. Ninguém pode ser privado da sua liberdade, salvo nos casos seguintes e de acordo com o procedimento legal (…) Se for preso e detido a fim de comparecer perante a autoridade judicial competente, quando houver suspeita razoável de ter cometido uma infracção, ou quando houver motivos razoáveis para crer que é necessário impedi-lo de cometer uma infracção ou de se pôr em fuga depois de a ter cometido – nº 1, alínea c).
E, bem assim, que “qualquer pessoa presa ou detida nas condições previstas no parágrafo 1, alínea c), do presente artigo deve ser apresentada imediatamente a um juiz ou outro magistrado habilitado pela lei para exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada num prazo razoável, ou posta em liberdade durante o processo. A colocação em liberdade pode estar condicionada a uma garantia que assegure a comparência do interessado em juízo.” – nº 3. Ou seja, também esta Convenção admite a privação total ou parcial da liberdade em determinadas situações, o que não pode deixar de incluir a limitação da liberdade de movimentação ou circulação, quer no espaço europeu, quer em qualquer outro território fora deste, pois ainda que no Acórdão Nada v. Switzerland, se afirme que o artigo 5º consagra o direito humano fundamental da protecção do indivíduo contra a interferência arbitrária pelo Estado no seu direito à liberdade e que o seu nº 1 não se refere a meras restrições à liberdade de movimento, as quais são reguladas pelo artigo 2º do Protocolo nº 4, vero é que a tutela daquele direito abrange necessariamente estas, no sentido da sua admissibilidade.
Como bem assinala o Magistrado do Ministério Público na resposta à motivação de recurso: Ora, são precisamente os efeitos, forma de aplicação e modo de execução das medidas em análise que as diferenciam, agrupando a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação em face da proibição de ausência para o estrangeiro sem prévia autorização.
E, como resulta límpido, com a aplicação desta medida não ficou o recorrente coarctado em viver e conviver livremente, exercer as actividades que entendesse e se deslocar quando e como lhe aprouvesse no espaço do território nacional que, abrangendo o continente e regiões autónomas, não pode sequer ser considerado uma pequena área. Acresce que, como tem vindo a ser frisado, a proibição de ausência para o estrangeiro nem sequer foi determinada de forma absoluta, podendo a deslocação ser efectuada mediante a concessão prévia da autorização judicial, a impetrar. Cremos, pois, poder concluir-se não ser merecedora de acolhimento a argumentação do recorrente de que a limitação dos seus movimentos por força da medida de proibição de se ausentar para o estrangeiro sem autorização prévia equivale à privação total da liberdade para efeitos de contagem do respectivo prazo máximo de duração. Verificação dos pressupostos do justo impedimento/prorrogação do prazo de recurso
(Artur Vargues) (Jorge Gonçalves) |